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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.71 ed.4 de Julho - Agosto em 2005 (da página 39 à 42)

Autor: Gilson Araujo Castro1, Antônio Sérgio Fava2, Nicolai Maximo Leventi3

Relato de Caso

 Linfoma MALT de supraglote: relato de dois casos e revisão da literatura

INTRODUÇÃO

Embora 25% dos linfomas não-Hodgkin (LNH) se apresentem em sítios extranodais, os LNH localizados na laringe são raros, perfazendo menos de 1% de todas as neoplasias laríngeas1,2. Geralmente acometem adultos jovens e, ocasionalmente, crianças. O sexo masculino é mais acometido que o feminino na razão de 1,5:1,0. Na região da cabeça e do pescoço a maioria dos LNH é originada de células B3. Estes tumores se mantêm localizados por um longo período de tempo para depois se disseminarem para outros sítios extranodais4.

Os LNH da laringe são encontrados em sua maioria na região supraglótica, em particular na epiglote e pregas ariepiglóticas5. Sub-sítios de acometimento menos freqüentes são as bandas ventriculares e a subglote. Os sintomas de apresentação podem ser disfonia, dispnéia, disfagia, adenopatia cervical ou tosse, mas em geral são sintomas vagos e a lesão normalmente aparece como um abaulamento submucoso ou uma massa polipóide, sem ulceração6. O estadiamento mais usado para os linfomas é o sistema de Ann Arbor, que considera o acometimento de sítios nodais (I a IV), extranodais (E) ou ambos, e a disposição das estruturas acometidas em relação ao diafragma; além disso, pacientes com sintomas constitucionais (febre, sudorese noturna e perda ponderal superior a 10% do peso corpóreo em 6 meses) são designados como estádios B; pacientes sem estes sintomas são classificados como estádios A e são considerados de melhor prognóstico2.

Como os casos de linfoma de laringe são raros, o tratamento ainda é controverso6. A maioria dos relatos de casos mostra tumores tratados exclusivamente por radioterapia com bons resultados, e há alguns poucos casos de tratamento combinado com quimioterapia ou mesmo quimioterapia isolada4,7.

Relatamos dois casos de linfoma não-Hodgkin de supraglote tratados por radioterapia exclusiva com boa resposta ao tratamento.

RELATO DOS CASOS

Caso 1

Paciente masculino, 65 anos, natural de São Paulo, marceneiro, com antecedente apenas de sífilis tratada com penicilina benzatina apresentou-se com queixa de desconforto ao deglutir há quatro meses, sem piora do quadro. Ao exame otorrinolaringológico apresentava uma lesão submucosa de muro ariepiglótico direito, posteriormente comprometendo ambas as aritenóides, mas com mobilidade normal. O abaulamento impedia a visualização do ventrículo laríngeo. As pregas vocais apresentavam mobilidade normal. O pescoço e demais regiões de cadeias ganglionares estavam sem alterações. A palpação do abdome mostrou-se sem visceromegalias. Foi submetido à laringoscopia direta para estadiamento e biópsia. O exame histopatológico mostrou linfoma de baixo grau de supraglote. Solicitou-se exame de imunohistoquímica pela técnica da estreptoavidina e as células tumorais revelaram os seguintes expressores antigênicos: PAN B(CD 20) positivo; PAN T (CD 3) em células reacionais; cadeias leves KAPPA em raras células; cadeias leves LAMBDA em raras células; HAM 56 positivo - padrão compatível com linfoma de células B pequenas clivadas do tipo MALT (tecido linfóide associado à mucosa) de baixo grau de malignidade. Realizaram-se então exames de imagem para completar o estadiamento (tomografia computadorizada de tórax e de abdome, que foram normais) e foi classificado como estádio clínico IAE. O paciente foi tratado por radioterapia exclusiva com dose de radiação total de 5040 CGy, apresentando regressão completa da lesão. Apresenta-se há mais de cinco anos sem sinais de recidiva da lesão e sem sintomatologia de disfagia, dispnéia ou disfonia.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 55 anos, natural de São Paulo, doméstica, com queixa de disfagia há cerca de 10 meses, além de sensação de aumento de volume cervical à esquerda recente, sem outras queixas. Ao exame otorrinolaringológico apresentava lesão úlcero-infiltrativa de face laríngea da epiglote à esquerda, que obstruía parcialmente a luz da laringe. A lesão se estendia para prega faringoepiglótica esquerda, não sendo possível a visualização da prega vestibular e da prega vocal do mesmo lado. Pescoço e demais regiões de cadeias ganglionares sem alterações. O exame do abdome não revelou visceromegalias à palpação. Foi feita a hipótese diagnóstica de neoplasia laríngea ou processo granulomatoso. Realizaram-se sorologias para Retrovírus, vírus Epstein-Barr (EBV), Citomegalovírus (CMV), toxoplasmose, sífilis (VDRL), todas negativas. A prova tuberculínica (PPD) foi não-reatora. Foi submetida então à biópsia da lesão por laringoscopia direta e o resultado do exame histopatológico foi compatível com linfoma bem diferenciado de epiglote. Diante disso solicitou-se exame de imunohistoquímica que apresentou os seguintes expressores antigênicos: CD 43 - negativo; CD 20 positivo em 90% das células; antígeno KAPPA negativo; antígeno LAMBDA positivo em focos - resultado compatível com linfoma linfocítico bem diferenciado de baixo grau de células B tipo MALT de epiglote. Para estadiamento realizou-se investigação radiológica do tórax e do abdome através de tomografia computadorizada, os quais foram normais. Realizou-se também biópsia de medula óssea que mostrou os 3 setores hematopoiéticos preservados. Foi estabelecido o estadiamento como IAE. O tratamento foi realizado com radioterapia na dose de radiação total de 7000 CGy, evoluindo com regressão completa da lesão. Após acompanhamento superior a 5 anos, apresentou-se sem sinais de recidiva.

DISCUSSÃO

Os linfomas primários da laringe, especialmente do tecido linfóide associado à mucosa (MALT), são bastante raros. Cavalot et al.4 citam que apenas cerca de 90 casos são relatados na literatura de língua inglesa. Os linfomas são considerados neoplasias oportunistas e sua incidência é maior em imunocomprometidos, como indivíduos submetidos a transplantes de órgãos e em terapia imunossupressora, ou aqueles com síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) e idosos8. Nossos pacientes, todavia, não eram imunocomprometidos, o que mostra que os linfomas também ocorrem com freqüência em imunocompetentes.

A incidência dos linfomas extranodais varia conforme a região geográfica, sendo maior no continente asiático, o que poderia estar relacionado com uma maior incidência de infecção pelo vírus Epstein-Barr (EBV) na população daquele continente9. A maioria dos linfomas de laringe é do tipo não-Hodgkin (LNH) de células B. A incidência de LNH de células B também parece ser maior na Ásia. Genotipicamente estes tumores têm sido associados a material genético do vírus Epstein-Barr, daí a suspeita de associação entre infecção por este vírus e desenvolvimento de linfoma não-Hodgkin de laringe9. Em um de nossos pacientes foi feita a pesquisa de infecção pelo vírus Epstein-Barr, sendo descartada todavia a presença deste vírus.

Os sintomas de LNH de laringe, como nos casos que relatamos, são lentamente progressivos e incluem disfagia (que foi a queixa nos dois casos) e outros como disfonia, dispnéia, adenopatia cervical, e queixas menos freqüentes como estridor laríngeo, tosse e perda ponderal10. Em estádios mais avançados pode ocorrer disseminação para outros sítios extranodais como trato respiratório inferior, estômago, órbita ou pele4.

A literatura assinala que os linfomas de laringe geralmente se mostram como uma massa submucosa regular, com superfície lisa ou polipóide, mas em geral sem ulceração11. Encontramos um paciente com abaulamento submucoso e uma paciente com lesão ulcerada, esta última em desacordo com o que os autores em geral afirmam11.

O diagnóstico depende de biópsia para exame histológico e estudos imunofenotípicos. Este último exame permite separar os linfomas em 2 grupos: aqueles de células T e aqueles de células B e, cada um por sua vez, em vários subtipos11. Os marcadores imunofenotípicos que indicam a linhagem de células B e que são comumente testados são CD19 e CD20. A expressão predominante das cadeias leves de imunoglobulinas kappa ou lambda pelas células são diagnósticas de distúrbios de células B com diferenciação. Em células B muito imaturas as imunoglobulinas não são expressas. Os antígenos usualmente testados para linfomas de células T são CD2, CD3, CD4 e CD811.

O estadiamento dos casos de linfoma não-Hodgkin, por ser freqüente o envolvimento de sítios extranodais, deve incluir a avaliação das regiões do tórax e do abdome, bem como devem ser verificadas todas as cadeias ganglionares do corpo2.

A maior parte dos autores tem relatado que os linfomas localizados na laringe mostram boa resposta ao tratamento com radioterapia externa isolada6,7. Muitos artigos têm recomendado radioterapia exclusiva como tratamento de escolha em linfomas primários de laringe, com ou sem envolvimento linfonodal e, também, nas recorrências extranodais4,7. Estes dados são referentes aos linfomas de células B de baixo grau. Wang et al.12 afirmam que uma dose de radiação entre 40 e 50 Gy seria suficiente para uma cura permanente da doença localizada. Linfomas de células T e linfomas T/NK em geral são mais agressivos e de pior prognóstico9. A positividade do marcador CD 56 é considerada fator de comportamento agressivo do linfoma e de que este terá pobre resposta à radioterapia e à quimioterapia mesmo com múltiplas drogas9. Os marcadores CD 56 são encontrados na superfície das células natural killer (NK). Nossos dois pacientes tiveram a confirmação de linfoma de células B pela imunohistoquímica e tiveram boa resposta à radioterapia isolada.

Poucos estudos na literatura relatam casos de linfoma de laringe tratados por quimioterapia isolada2,13 ou tratamento combinado (radioterapia e quimioterapia)13,14. As respostas aos tratamentos relatados têm sido geralmente favoráveis, contudo, o tempo de seguimento é pequeno nos trabalhos. Ansell et al.2, numa série de seis pacientes com LNH de laringe estádio clínico IAE tratados exclusivamente por radioterapia obteve recidivas em quatro, realizando tratamento de resgate com quimioterapia obtendo resposta duradoura em apenas dois pacientes. Pelo pequeno número de pacientes destes autores não conseguiram concluir quais fatores contribuíram para a pobre resposta de seus pacientes à radioterapia isolada. Ansell et al.2 citam que em linfomas de estádio intermediário e de alto grau de malignidade a literatura sugere tratamento associado (radioterapia e quimioterapia) para vários sítios de apresentação dos linfomas. Todavia, não há grandes estudos na literatura com linfomas restritos à laringe e com esse tratamento associado. Embora o esquema CHOP (ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisolona) seja o tratamento padrão para LNH de grandes células difusas, dois recentes estudos randomizados têm relatado que a quimioterapia seguida por radioterapia foi superior à quimioterapia isolada em pacientes com doenças nos estádios I e II. Pacientes com múltiplos sítios de doença extranodal foram inclusos nestes estudos4,15.

Quanto ao prognóstico dos linfomas de laringe, os autores concordam que é bom na maioria dos pacientes com estádio IE ou IIE. Períodos de seguimento de 2 a 5 anos sem evidências de recorrência têm sido relatados11. Óbito é citado em poucos casos, e em geral se deve à hemorragia tumoral ou obstrução laríngea. O prognóstico é geralmente pobre quando ocorre recorrência ou disseminação do linfoma, e quando há envolvimento laríngeo secundário a um LNH disseminado1,11. A resposta do linfoma ao tratamento depende do subtipo histológico e do grau de malignidade da neoplasia. O paradoxo do prognóstico dos LNH mostra que a maioria dos linfomas de baixo grau não são curáveis mas os pacientes vivem por um longo período de tempo; em contraste, linfomas de alto grau e de grau intermediário são potencialmente curáveis, mas a maioria dos pacientes morrem num curto espaço de tempo caso não respondam ao primeiro tratamento2.

COMENTÁRIOS FINAIS

Os linfomas de laringe são neoplasias bastante raras e para seu diagnóstico são necessários estudos imunofenotípicos, permitindo assim melhor classificar o linfoma em seus vários subtipos. Os casos que relatamos sugerem que linfomas não-Hodgkin com origem em células B de baixo grau de malignidade e restritos à laringe são neoplasias curáveis usando tratamento por radioterapia exclusiva.

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1 Residente do 2º ano de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual - São Paulo - SP.
2 Doutor em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Universidade de São Paulo. Encarregado do Setor de Cirurgia de Cabeça e
Pescoço do Hospital do Servidor Público Estadual - São Paulo - SP.
3 Residente do 3º ano de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual - São Paulo - SP.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Servidor Público Estadual, São Paulo - SP.
Endereço para correspondência: Gilson A. Castro - Rua Borges Lagoa 1565 Bloco A ap. 14 Vila Clementino 04038-034 São Paulo SP.
Tel.: (0xx11) 5083-2702/ 7102-5986 - E-mail: gilsonaraujocastro@ig.com.br
Artigo recebido em 23 de janeiro de 2004. Artigo aceito em 11 de maio de 2004.

 

 

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