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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.71 ed.4 de Julho - Agosto em 2005 (da página 36 à 38)

Autor: Ricardo Cassiano Demarco1, Fabiana Cardoso Pereira Valera1, Simone Aparecida Camara Tecchio2, Antonio Augusto Velasco Cruz3, Wilma T. Anselmo-Lima3

Relato de Caso

 Síndrome do seio silente: relato de caso

INTRODUÇÃO

A hipoventilação prolongada do seio maxilar pode resultar em atelectasia decorrente da redução continua do tamanho antral, pela retração centrípeta das suas paredes1. A Síndrome do Seio Silente (SSS) representa exemplo deste fenômeno onde as manifestações nasais são sub-clínicas e há predomínio de queixas oftalmológicas ou estéticas, como enolftalmia e deformidade facial1,2.

Esta síndrome foi reportada pela primeira vez por Montgomery3, em 1964, que descreveu casos de enoftalmo observados em pacientes com mucocele do seio maxilar, sem história de rinossinusites prévias.

Como os sintomas desta entidade estão relacionados primariamente com a órbita, o diagnóstico é mais comumente realizado pelo oftalmologista. Entretanto, o otorrinolaringologista deve estar ciente desta condição que deve ser abordada por ambas as equipes. Neste artigo, descrevemos um caso desta síndrome e discutimos a conduta e revisão da literatura.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 38 anos, com queixas de assimetria ocular há um mês, associada à sensação de peso em pálpebra direita. Negava alterações de motilidade ocular, trauma ou cirurgia nasal prévia. Não mencionava sintomas nasais espontaneamente. Entretanto, somente quando questionada referia rinorréia hialina e obstrução nasal eventual à direita. À avaliação oftalmológica apresentava à direita enoftalmo de 1,5mm com aparente redução da gordura em pálpebra superior homolateral.

À nasofibroscopia havia discreto desvio septal à direita e ausência de pólipos ou drenagem de secreção purulenta em meatos. Os achados tomográficos foram de velamento dos seios maxilares bilateralmente, com colapso das paredes do antro e deiscência do assoalho orbitário à direita, e bloqueio do complexo ostiometal e lateralização do processo unciforme homolateralmente. Associado velamento etmoidal à esquerda (Figura 1).

A paciente foi submetida à correção cirúrgica via endoscópica com uncifectomia e antrostomia maxilar bilateral, além de etmoidectomia anterior à esquerda. Os achados encontrados foram de erosão do assoalho da órbita à direita com deiscência do conteúdo orbitário para seio maxilar atelectásico preenchido por secreção mucóide espessa. Os seios maxilar e etmoidal à esquerda apresentavam mucosa pálida edemaciada. A reconstrução do assoalho orbitário foi realizada via transconjuntival com placa de polietileno poroso.


Figura 1. Achados tomográficos evidenciam hipoglobo em corte coronal (A), e atelectasia das paredes do antro maxilar à direita (B), com aspecto de "cálice".


Discussão

A Sindrome do Seio Silente é caracterizada por uma diminuição do volume do seio maxilar e achados radiológicos compatíveis com atelectasia das paredes do antro1.

Os achados clínicos predominantes ao exame físico são enoftalmo, freqüentemente associado a hipoglobus, e diplopia (Quadro 1). Menos comumente o paciente queixa-se de dor ou pressão facial, fotofobia, depressão malar ou proptose contra-lateral4. É mais comum entre a 3a e 5a década de vida4,5, desenvolvendo-se em um período que varia de algumas semanas a vários meses3. É importante salientar que a ausência de sintomas rinossinusais significativos torna essa síndrome única.

A endoscopia nasal pode ser normal ou demonstrar uma alteração anatômica com obstrução do complexo ostiomeatal, retração do processo uncinado e obliteração do infundíbulo etmoidal4.

Os achados radiológicos podem incluir obstrução no complexo ostiomeatal, opacificação total ou parcial dos seios maxilares e, eventualmente, etmoidal ou frontal. O assoalho orbitário pode estar adelgaçado, deiscente ou, menos comumente, espessado4,5.

Durante a abordagem cirúrgica encontramos normalmente invaginação das paredes medial e póstero-lateral do seio maxilar. O assoalho orbitário poderá estar espessado, afilado ou deiscente5.

A exata fisiopatologia dessa síndrome é incerta. A maioria dos autores propõe três teorias principais4,5. A primeira refere-se à obstrução da drenagem maxilar resultando em hipoventilação, pressão antral negativa e subsequente atelectasia das suas paredes. Outra refere a síndrome relacionada a rinossinusites que se desenvolvem num seio previamente hipoplásico. A terceira está relacionada com doença inflamatória induzindo uma erosão do assoalho orbitário (osteíte lítica). Entretanto, a associação de uma pressão antral negativa e inflamação crônica maxilar mais possivelmente permitiria o desenvolvimento desta síndrome5.

Kass et al.6,7 (1996 e 1997) verificaram manometricamente que há uma relação causal entre obstrução ostial e desenvolvimento de pressões sub-atmosféricas no interior do seio maxilar. Sharf et al.8 (1995) observaram experimentalmente este achado em coelhos. Imamura et al.9 em 1990 mostraram in vitro que variações pressóricas podem induzir reabsorção óssea, onde a pressão negativa antral atuaria como uma fator ativador da atividade osteoclástica. Clinicamente, estágios mais avançados de enoftalmo são correlacionados a pressões maxilares mais negativas7.

Outros autores12 demonstraram que células inflamatórias podem produzir citocinas que inibiriam a replicação de osteoblastos e a síntese de colágeno, favorecendo um processo de osteopenia. Entretanto, somente processos agudos têm sido relacionados com alterações líticas. Os processos crônicos estão relacionados com osteíte osteoblástica manifestada com aumento de densidade e espessamento das paredes ósseas5.

Contra a teoria de que a Sindrome do Seio Silente decorre de infecção em um seio previamente hipoplásico, tem-se vários casos descritos cujos pacientes possuem exames de imagem normais, sem quadro de infecção recorrente previamente ao desenvolvimento da doença10,11.

Assim, o tratamento, sempre cirúrgico, consiste em dois tempos principais: retirar o efeito causal da obstrução do seio acometido e reconstrução do assoalho orbital, quando necessária. A abordagem do seio maxilar atelectásico é primariamente por via endoscópica através de uncifectomia e antrostomia maxilar, removendo os fatores de bloqueio sinusal, restabelecendo um seio isobárico. Reiteramos uma abordagem cuidadosa durante a uncifectomia, pois devido à sua lateralização há um risco aumentado de penetração na lamina papirácea. A reconstrução do assoalho orbitário, normalmente necessário para restabelecer a simetria ocular, pode ser feita por via transconjuntival ou subciliar1. Utilizam-se enxertos como cartilagem conchal e septal ou materiais heterólogos como placa de Medipore® ou similares1,3. Em alguns casos, entretanto, a simples resolução do processo pressórico sinusal leva à resolução da enoftalmia7.

Conclusões

A doença obstrutiva maxilar é uma causa incomum de enoftalmia, tornando a Síndrome do Seio Silente uma patologia rara, geralmente desconhecida da maioria dos oftalmologistas e especialmente dos otorrinolaringologistas. Embora a queixa de enoftalmo ser certamente reportada primariamente aos colegas oftalmologistas, é importante estarmos familiarizados com esta patologia, para que o diagnóstico e tratamento sejam feitos mais precocemente. O tratamento relaciona-se ao desbloqueio sinusal e correção da deformidade ocular. Nossa paciente apresentou regressão do enoftalmo no pós-operatório imediato, e no seguimento após doze meses, encontra-se assintomática tanto do ponto de vista nasal quanto visual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

1. Hunt SM, Tami TA. Sinusitis-induced enopththalmos: The silent sinus syndrome. Ear Nose and Throat Journal 2000; 79 (8): 576-84.

2. Vander Meer JB, Harris G, Toohill RJ, Smith TL. The Silent Sinus Syndrome: A Case Series and Literature Review. Laryngoscope 2001; 111: 975-8.

3. Montgomery WW. Mucocele of the maxilary sinus causing enophtalmos. The Ear Eye and Throat Monthly 1964 43: 41-4.

4. Kim AS, Mathog RH. Silent Sinus Síndrome: maxilary atelectasis with enophtalmos. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2002; 128: 81-3.

5. Gilman GS, Schaitkin BM, May M. Asymptomatic Enophthalmos: The Silent Sinus Syndrome. Am J Rhinol 1999; 13: 459-62.

6. Kass ES, Salman S, Montgomery WW. Manometric stydy of complete ostial occlusion in chronic maxilary atelectasis. Laryngoscope 1996; 106: 570-4.

7. Kass ES, Salman S, Rubin PAD, Weber AL, Montgomery WW. Chronic Maxillary Atelectasis. Ann Otol Rhinol Laryngol 1997; 106: 109-16.

8. Scharf KE, Lawson W, Shapiro JM. Pressure measurements in the normal and occluded rabbit maxillary sinus. Laryngoscope 1995; 105: 570-4.

9. Imamura K, Osawa H, Hiraide T et al. Continuously applied pressure induces bone resorption by a mechanism involving prostaglandin E2 synthesis. J Cell Physiol 1990; 144: 222-8.

10. Davidson JK, Soparkar CNS, Williams JB. Negative Sinus Pressure and Normal Predisease Imaging in Silent Sinus Syndrome. Arch Ophyhalmol 1999; 117: 1653-4.

11. Blackwell KE, Goldberg RA, Calcaterra TC. Atelectasis on the maxilarys sinus with enophtalmos and midface depression. Ann Rhinol Laryngol 1993; 102: 429-32.

12. Stashenko P, Dewhirst FE, Rooney ML. Interleukin 1 b is a potent inhibitor of bone formation in vitro. J Bone Mineral Res 1987; 120: 2494-9.

1 Professores Assistentes do Hospital das Clínicas do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP.
2 Médica Residente do Hospital das Clínicas do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP.
3 Professores Associados do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP.
Endereço para correspondência: Profa. Dra. Wilma T. Anselmo-Lima - Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia e Cirurgia de
Cabeça e Pescoço do HCFMRP-USP - Avenida Bandeirantes 3900 14049-900 Ribeirão Preto SP.
Tel (0xx16) 602-2862 - Fax (0xx16) 602-2860
Trabalho apresentado no 36º Congresso de Otorrinolaringologia Florianópolis, 2002.
Artigo recebido em 19 de dezembro de 2003. Artigo aceito em 11 de março de 2004.

 

 

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