Caderno de Debates (Suplementos)

Bem vindo ao nosso Caderno de Debates!

Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.71 ed.3 de Maio - Junho em 2005 (da página 45 à 48)

Autor: Elaine M. Watanabe1, Fabrícia D. Colombano2, Lys M. A. Gondim3, Danielle Lopes4, Sérgio Bittencourt5

Relato de Caso

 Síndrome do desfiladeiro torácico e vertigem

INTRODUÇÃO

A Insuficiência Vertebrobasilar (I.V.B.) é uma causa de vertigem que ocorre por redução de fluxo sanguíneo nas artérias vertebrais e basilares, principalmente pela presença de placas de ateroma, sendo mais comum em idosos1-3. Como as artérias vertebrais se originam da subclávia, lesões que provoquem sua estenose, podem levar a uma I.V.B.

Nesse relato de caso temos uma paciente de 25 anos apresentando estenose significativa da artéria subclávia pela presença de costelas supranumerárias (em região cervical) bilateralmente, com história de cervicobraquialgia e vertigem, caracterizando uma I.V.B. pela presença da Síndrome do Desfiladeiro Torácico.

REVISÃO DE LITERATURA E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Desde o século XIX foram observados que alterações na região cervical poderiam levar à presença de desequilíbrios4.

A insuficiência vertebrobasilar ocasiona diminuição do fluxo no território das artérias vertebrais e basilares. Costuma ser de início abrupto e pode ser desencadeada por mudanças posturais, extensão da cabeça ou mesmo uma migrânia, durando alguns minutos1,2. Tem sintomatologia rica e diversificada dependendo do território comprometido, podendo ocorrer vertigem, náusea, vômito, hemianopsia, diplopia, disfagia hemiplegia alterna, disartria, cefaléia e até mesmo síncope.3 Raramente causa tinnitus e não induz à perda auditiva.5

São inúmeros os fatores que podem desenvolver uma insuficiência vertebrobasilar: doença ateromatosa; microembolismo; compressão da artéria vertebral pela hipertrofia do músculo escaleno (síndrome do Escaleno) ou tumores do ápice pulmonar; lesões cervicais como espondiloartrose, artrite reumatóide; traumatismos e até má-formações da transição occipto-cervical. Entre estas, alongamento do processo transverso na altura de C7 e a presença de costela supranumerária, motivo de nosso estudo, cuja incidência é de até 0,5% na população14, possibilitando a ocorrência da Síndrome do Desfiladeiro Torácico (S.D.T.).4,5

Essa síndrome consiste num conjunto de sinais e sintomas causados pela compressão neurovascular de algum segmento entre a região cervical e axilar. Sua variante vascular corresponde a cerca de 5% das S.D.T., enquanto que a neurogênica pode variar de 1-3% se verdadeira (quando associada à presença de costelas cervicais ou processos transversais da sétima vértebra alongados), ou até 90% dos casos de S.D.T. se neurogênica inespecífica (sem sinais neurológicos objetivos como ocorre na verdadeira).14

APRESENTAÇÃO DO CASO

V.A.P., sexo feminino, 25 anos, natural de São Paulo. Há 6 meses vem sentindo tontura rotatória, intermitente, com duração de poucos segundos, sem zumbido, sem otalgia ou sensação de plenitude auricular. Esteve internada há 5 meses atrás por uma crise severa de vertigem, acompanhada de náusea e vômitos, nistagmo horizontal para direita e marcha pendente à esquerda. Apresentou boa resposta à pentoxifilina e metoclopramida. Durante acompanhamento ambulatorial começou a perceber que a tontura é maior ao virar a cabeça para direita e há 20 dias teve um quadro de síncope durante uma missa, após realizar movimentos de elevação dos braços.

De antecedentes pessoais a paciente possui prolapso mitral leve assintomático; e há cinco anos queixa de cervicobraquialgia, hipotonia, parestesia e hipoestesia em membros superiores, por presença de costelas cervicais supranumerárias bilateralmente.

Exames:

1. Exame Físico: Bom estado geral, normotensa. Otoscopia, Rinoscopia e Oroscopia sem alterações.

· Costela cervical visível e palpável bilateralmente (Foto 1)

· Manobra de Adson positiva (sentada, a paciente sob inspiração profunda, contendo a expiração, ao mesmo tempo em que faz a rotação cervical lateral, o examinador palpa as pulsações da artéria radial do membro superior elevado e semifletido. Nesse momento a paciente apresenta sensação de parestesia, diminuição da força e do pulso).

· Manobra de Hiperabdução (Write) positiva (a paciente realiza o movimento de hiperabdução dos ombros, ocorrendo parestesia dos membros superiores e diminuição do pulso radial).

· Teste de Halstead positivo (diminuição do pulso radial, com o braço em repouso, ao realizar a rotação lateral cervical ipsilateral).

· Edema e fenômeno de Raynaud ipsilateralmente ao membro superior elevado, com lateralização da cabeça, também para o mesmo lado.

· Romberg positivo

· Nistagmo horizontal para direita

2. Exames laboratoriais: hipercolesterolemia (212mg/dl) e hipertrigliceridemia (289mg/dl).

3. Avaliação otoneurológica completa normal.

4. RX cervical: costelas supranumerárias proeminentes em nível de C7 (Foto 2)

5. Eletroneuromiografia de membros superiores normal.

6. Doppler colorido arterial e venoso dos membros superiores: morfologia e calibres normais com redução arterial significativa após manobras de rotação da cabeça, abdução, hiperextensão e elevação dos membros superiores, por provável compressão extrínseca proximal da artéria subclávia, sugestiva de S. Desfiladeiro Torácico (Foto 3).

7. Angiorressonância magnética intracraniana: assimetria dos segmentos arteriais das cerebrais anteriores com hipoplasia do segmento A1 à direita.


Figura 1. Costelas cervicais visíveis e palpáveis na altura de C7


Figura 2. RX cervical com visualização de costelas supranumerárias


Figura 3. Doppler de artéria subclávia direita em repouso ( 1 e 2) e sob compressão durante manobras realizadas ( 3 e 4).


DISCUSSÃO

Classicamente a história na Insuficiência Vertebrobasilar é a de um paciente de cinqüenta anos ou mais, com antecedentes de patologia cardiovascular, desequilíbrio constante, tontura ao rodar a cabeça, alterações visuais, quedas bruscas sobre os joelhos, sem perda dos sentidos (drop-attack).4 Este consiste numa pista importante para o diagnóstico e o paciente não consegue explicar essas quedas bruscas e repentinas. A vertigem pode ser a principal queixa do paciente, em geral persistente e ocorre quando está em pé.4 Pode simular a doença de Ménière.

Nos casos de lesão cervical os sintomas clínicos estão relacionados ao movimento de rotação cervical. O diagnóstico de I.V.B. é difícil, porém a história e o quadro clínico podem nos fornecer dados importantes para sua confirmação.4 O achado isolado de uma osteocondrose, por exemplo, não tem valor diagnóstico a menos que a vertigem seja desencadeada por movimentos da cabeça.5

No caso dessa paciente foi diagnosticado a Síndrome do Desfiladeiro Torácico (S.D.T.) a partir dos sintomas de parestesia e dor em membros superiores que começaram há cinco anos atrás. Consiste numa neuropatia compressiva do plexo braquial comprimindo também as artérias e veias subclávia e axilar, durante sua passagem pela transição cervicobraquial. Nesse caso a compressão ocorre pela presença de costelas supranumerárias bilateralmente (costelas cervicais), sendo a última evidente na altura de C7, visível e facilmente palpável.

As manobras principais (Adson, Write e Halstead)10 para detecção da S.D.T. foram realizadas sendo todas positivas.

Outros sinais e sintomas possíveis são a sensação de frio em membros superiores; fenômeno de Raynaud e edema ao elevar os braços e lateralizar a cabeça ipsilateralmente; pontos dolorosos na área escapular ("trigger points"); com dores irradiadas e mal localizadas em membros superiores; hipoestesia na área ulnar, diminuição da força10, atrofia da musculatura intrínseca do lado afetado. Destes, apenas o último a paciente não apresenta.

Feito o diagnóstico de Síndrome do Desfiladeiro Torácico, se houver ainda queixa de vertigem, deve-se pesquisar o local da compressão, que para desencadear uma I.V.B. deve ser na região proximal da artéria subclávia, isto é, antes da emergência da artéria vertebral. E ainda, se a oclusão for significativa pode-se levar até a uma inversão do fluxo sanguíneo na artéria vertebral para suprir a artéria subclávia afetada, caracterizando assim outra síndrome: a do Roubo da Subclávia6. Nesta, o maior aporte sanguíneo dos membros superiores determinaria o roubo de fluxo que estaria destinado ao tronco e conseqüentemente a ocorrência de sintomas neurológicos isquêmicos incluindo síncope.3 Sopro em fossa supraclavicular e diferença entre as pressões braquiais de no mínimo 35mmHg podem ser indicativos do "roubo"11, presentes na paciente em questão.

As tonturas ou a própria síncope podem ocorrer quando o paciente realiza a rotação cervical hiperextendendo o pescoço e, principalmente, ergue o braço.5,6 A paciente apresentou um quadro de síncope durante uma missa na qual fez movimentos repetitivos de elevação dos braços. Segundo sua mãe a crise durou alguns minutos e a recuperação foi lenta. Do ponto de vista neurológico, esses movimentos de elevação dos membros superiores contribuem para ocasionar a I.V.B. pelo estreitamento do espaço costoclavicular, levando conseqüentemente a uma isquemia transitória da formação reticular seguida de síncope.3

Um diagnóstico diferencial para essa síncope seria a hipersensibilidade do seio carotídeo que pode ter seu mecanismo vasomotor ativado por compressão cervical3,7,8,e portanto, pelo próprio movimento exercido pela paciente de lateralização da cabeça. Previamente ao quadro de hipotensão vasovagal o paciente pode apresentar náusea, taquicardia, palidez. Se o estímulo persiste, há progressão para bradicardia e até mesmo bloqueio atrioventricular que por si próprios já podem provocar o desmaio. A melhora é rápida após ter o estímulo vasomotor interrompido ou quando o paciente o faz involuntariamente ao cair no chão. Seu diagnóstico, se a clínica for insuficiente ou duvidosa, pode ser feito pelo Tilt-Teste13 ou por monitorização cardíaca durante massagem carotídea em ambiente hospitalar. Entretanto, nesse caso o estímulo vagal não explicaria o nistagmo apresentado pela paciente.

O drop-attack já descrito anteriormente também não caracteriza o quadro apresentado durante a missa porque nesse caso houve a perda dos sentidos.

O exame otoneurológico realizado apresentou apenas uma predominância labiríntica para esquerda, com os outros padrões dentro da normalidade.

Segundo Bottino4, esse exame pode nos dar algumas pistas e sua normalidade também não descarta a I.V.B.:

· Calibração: a dismetria indica comprometimento do cerebelo.

· Provas calóricas: nistagmo do tipo pendular, demonstrando alterações do componente rápido do nistagmo e, portanto, da formação reticular do tronco.

· Nistagmo espontâneo: de alta velocidade ou multidirecional.

· Nistagmo de posição: em posição de Rose e sentado.

· Nistagmo de privação vertebrobasilar (Ny PVB): proposta por Caussé4,9, consiste em primeiro gravar o nistagmo espontâneo com os olhos abertos e fechados. A seguir, mantém-se o paciente em posição de Rose e lateralização da cabeça para esquerda durante três minutos e meio. O mesmo é feito para o outro lado. Se após o terceiro minuto houver o nistagmo, então é considerado de privação.

· Optocinético, Rastreio e Provas Rotatórias podem sugerir alterações de características centrais.

O diagnóstico menos invasivo dessas síndromes pode ser feito pelo Doppler de artérias subclávia e vertebral ou o transcraniano para visualização da artéria basilar, porém são também menos sensíveis que a arteriografia convencional.3 Deve-se lembrar a importância da realização das manobras de rotação cervical, abdução, hiperextensão e elevação dos membros superiores, tanto para visualização da diminuição do fluxo sanguíneo como para visualizar o "roubo".

No Doppler colorido arterial e venoso de membros superiores dessa paciente, foram realizados todas essas manobras, sendo visualizada redução significativa do fluxo vascular e portanto, sugestivo de estenose proximal da artéria subclávia, por pinçamento, caracterizando a Síndrome do Desfiladeiro Torácico.

Na angiorressonância realizada, a paciente apresenta afilamento da artéria cerebral anterior esquerda, alteração presente em 80% da população normal. Neurologicamente, poderia até acarretar numa diminuição de força ou até mesmo numa incoordenação dos movimentos do membro inferior esquerdo, ausentes na paciente em questão.

O tratamento cirúrgico é recomendado quando a recorrência de crises possibilita acarretar seqüelas permanentes.4,12 A avaliação das condições do paciente e a relação custo-benefício do tratamento também são fundamentais no seu planejamento.

COMENTÁRIOS FINAIS

A Síndrome do Desfiladeiro Torácico deve ser um diagnóstico diferencial a ser considerado em casos de cervicobraquialgia. Ressaltamos a importância da história, exame físico e o próprio raciocínio clínico para o diagnóstico adequado da vertigem, que nesse caso caracterizou uma Insuficiência Vertebrobasilar.

Portanto, embora pouco habitual, a insuficiência vertebrobasilar não deve ser desconsiderada mesmo em pacientes jovens.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Baloh RW, Honrubia V. Monograph reviewing basic and clinical aspects of vestibular function. In: Davis FA Clinical Neurophysiology of the Vestibular System. 2nd edition Philadelphia; 1990.

2. Gomez CR et al. Isolated vertigo as a manifestation of vertebrobasilar ischemia. Neurology 1996; 47: 94.

3. Wesseley P, Deutsch M, Samec P. Paroxismal brain stem ischemia in a combination of thoracic outlet syndrome with contralateral subclavian steal syndrome. Wien Klin Wochenschr 1984; 96(15): 589-92.

4. Bottino MA, Bracher SB. Síndrome Cervical. In: Tratado de Otorrinolaringologia. 1ª edição. São Paulo: Ed. Roca 2003; 460-70.

5. Elies W. Cervicogenic disorders of the cochleovestibular system. HNO 1994; 32: 485-93.

6. Feinberg WM et al. Guidelines for the management of the transient ischemic attacks; Circulation 1994; 89: 2950.

7. Henderson MC. Syncope. Curr Probl Cardiol 1997; 22: 239.

8. Linzer M et al. Unexplained syncope. Ann Intern Med 1997; 127: 76.

9. Caussé JD, Conraux C, Caussé J et al. Le nystagmus de privation vértebro-basilaire. Ann Oto-Larybg 1978; 95(3): 225-34.

10. Barros Filho TEP, Lech O. Exame Físico em Ortopedia. 3a edição. São Paulo: Ed. Sarvier; 2001. p.176.

11. Walker OM, Treasure RL. Coexistent ipsilateral subclavian steal and thoracic outlet compression syndromes. Ann Thorac Surg 1975; 69(6): 874-5.

12. Ihaya A, Chiba Y, Kimura T, Morioka K, Uesaka T. Thoracic outlet syndrome with arterial complication treated by the subclavicular transsternal approach: report of a case Kyobu Geka 2002; 55(5): 429-32.

13. Benditt DG et al. Tilt-table testing for assessing syncope. J Am Cool Cardiol 1996; 28: 263.

14. Scola RH, Werneck LC, Iwamoto FM, Maegawa GH, Faoro LN, Caldeira FH. Síndrome do Desfiladeiro Torácico Tipo Neurogênico Verdadeiro. Arq Neuro-Psiquiatr 1999; 57: 659-65.

1 Otorrinolaringologista.
2 Pós-graduanda na Santa Casa de São Paulo.
3 Residente em Otorrinolaringologia do Hospital Nossa Senhora de Lourdes.
4 Médica.
5 Chefe do dep. de Otorrinolaringologia do Hospital Nossa Senhora de Lourdes.
Instituição: Hospital Nossa Senhora De Lourdes
Endereço para correspondência: Elaine Miwa Watanabe - R. Matilde Dièz, 338 ap. 23 Jd. Consórcio 04438-030 São Paulo SP.
Tel (0xx11) 9779-1404 / 5563-0116 - Fax (0xx11) 5012-1145 - E-mail: elainemiwa@ig.com.br
Apresentação Oral no III Congresso Triológico, Rio de Janeiro, 8 a 11 de Outubro de 2003.
Artigo recebido em 18 de dezembro de 2003. Artigo aceito em 20 de janeiro de 2005.

 

 

Versão para impressão:

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial