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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.71 ed.3 de Maio - Junho em 2005 (da página 15 à 19)
Autor: Alexandre Rafaldini Coraçari1, Raquel Cavalcante de Oliveira2, Maurício José Cabral Ruback3, Rodolfo Borsaro Bueno Jorge4, Atílio Maximino Fernandes5, José Victor Maniglia6
Relato de Caso
INTRODUÇÃO
Epistaxe é uma condição clínica comum, talvez se constituindo na causa mais freqüente de atendimento de emergência na prática otorrinolaringológica. Estima-se que esta condição afete cerca de 60% da população adulta1, sendo que, na grande maioria, o sítio de sangramento localiza-se na porção mais anterior do septo nasal (área de Kiesselbach ou de Little) e, conseqüentemente, o tratamento não oferece maiores dificuldades, o que faz com que muitas pessoas não procurem atendimento médico. Contudo, em 6% dos pacientes, a epistaxe não é autolimitada e nestes casos é necessário o atendimento médico especializado1.
A epistaxe ocorre mais freqüentemente em homens (58%) que mulheres (42%), sendo também mais freqüente em idosos, onde 71% dos pacientes apresentam 50 anos ou mais2. A etiologia da epistaxe pode ser dividida em causas locais e sistêmicas, conforme a Tabela 1. Tseng et al.3, numa revisão de 114 casos de epistaxe, observou uma taxa de 10% dos casos associados à cirurgia nasossinusal prévia, 4% associada a trauma facial e 1% associada a tumores, sendo a grande maioria (92%) considerada idiopática.
Os pseudoaneurismas traumáticos da artéria maxilar interna são ocorrências vasculares relativamente raras, havendo poucos casos descritos na literatura4. Os pseudoaneurismas são resultantes da laceração completa da parede arterial e formação de uma cavitação aneurismática circundada por um hematoma organizado4, e podem ser diferenciados angiograficamente dos aneurismas congênitos por um atraso no enchimento e no esvaziamento do saco aneurismático, ausência de colo aneurismático, localização incomum e contorno irregular da parede aneurismática. Os pseudoaneurismas traumáticos da artéria maxilar interna constituem uma causa rara de epistaxe refratária, às vezes volumosa, e de difícil manejo.
Epistaxe refratária é definida como sangramento nasal persistente ou recorrente mesmo após medidas adequadas de tratamento conservador como o tamponamento nasal, ou ainda, múltiplos episódios de epistaxe em um curto período de tempo, todos eles requerendo tratamento médico3. A epistaxe refratária ocorre geralmente na porção superior ou posterior da cavidade nasal e não é prontamente controlada, seja por pressão direta, utilização de agentes tópicos (e.g., nitrato de prata) ou tamponamento nasal anterior.
O tamponamento nasal posterior e a abordagem transantral para ligadura da artéria maxilar interna ipsilateral têm se constituído nas principais formas de tratamento para a epistaxe refratária. Outros métodos também utilizados são a cauterização endoscópica dos ramos da artéria maxilar e outras ligaduras arteriais como a da carótida externa e etmoidais anterior e posterior. Contudo, o manejo da epistaxe posterior é freqüentemente dificultado pela idade avançada do paciente e pela presença de comorbidades, as quais não são incomuns na população de maior incidência de epistaxe refratária5.
Assim, tem se tornado cada vez mais freqüente a utilização da embolização angiográfica no manejo de casos de epistaxe refratária severa, principalmente em pacientes que se encontram instáveis hemodinamicamente e não são candidatos a cirurgia para ligadura arterial. Sokoloff6 foi quem primeiro descreveu a utilização da angiografia para embolização seletiva da artéria maxilar interna ipsilateral para o controle de 2 casos de epistaxe refratária. Desde então, vários outros autores têm relatado suas experiências com a embolização angiográfica, com altas taxas de sucesso e baixo índice de complicações,3,7,8. Apresentamos o caso de um paciente com pseudoaneurisma traumático de artéria maxilar interna tratado com sucesso com embolização angiográfica.
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO
Paciente de 20 anos politraumatizado grave devido a acidente automobilístico, com traumatismo cranioencefálico, com hemorragia meníngea, pneumoencéfalo e fraturas múltiplas de face, incluindo base do crânio (asa maior do esfenóide), além de trauma abdominal fechado, o qual necessitou de laparotomia exploradora de urgência, devido a duas perfurações de intestino delgado e uma perfuração de cólon sigmóide. Após a estabilização inicial, o paciente foi mantido em UTI quando, 7 dias após o trauma, foi solicitada avaliação do plantão da otorrinolaringologia devido a quadro de epistaxe volumosa.
Ao exame físico, o paciente apresentava-se taquicárdico, mas mantendo níveis pressóricos, e apresentava vômitos com grande quantidade de sangue deglutido. A rinoscopia anterior evidenciava grande quantidade de coágulos em cavidades nasais que, após aspiração e limpeza, não apresentava qualquer evidência de sangramento anterior. Realizada nasofibroscopia flexível sendo observada hemorragia ativa proveniente da região posterior da parede nasal lateral e/ou nasofaringe à esquerda, não sendo possível identificar o local exato do sangramento, devido à hemorragia volumosa. Foi então realizado tamponamento nasal ântero-posterior, com diminuição do sangramento, mas, à oroscopia, observava-se persistência do mesmo, com presença de sangue em orofaringe.
Devido às condições clínicas do paciente, optou-se por realizar uma arteriografia que demonstrou uma imagem sugestiva de pseudoaneurisma na porção distal da artéria maxilar interna esquerda (Figura 1). Realizou-se embolização angiográfica da artéria maxilar esquerda com interrupção imediata do sangramento (Figuras 2 e 3). O paciente evoluiu bem, permanecendo sem tampão nasal e sem novos episódios de epistaxe, recebendo alta após 18 dias de internação.
Figura 1. Imagem sacular na porção distal da artéria maxilar interna esquerda sugestiva de pseudoaneurisma.
Figura 2. Artéria maxilar interna esquerda após embolização. A seta aponta o local onde se observava a imagem do pseudoaneurisma.
Figura 3. Artéria maxilar interna esquerda após embolização. Notar contraste do território da artéria facial esquerda (seta).
DISCUSSÃO
Os pseudoaneurismas de artéria maxilar interna, embora raros, constituem um desafio ao otorrinolaringologista. Geralmente se apresentam como uma dilatação localizada persistente de um vaso, devido à fraqueza da parede do mesmo causada por trauma, o qual pode ser uma laceração, incisão, perfuração ou contusão4. Os pseudoaneurismas traumáticos em cabeça e pescoço manifestam-se clinicamente por epistaxes recorrentes, às vezes volumosas, que se iniciam desde 4 horas até mesmo 8 meses após o trauma inicial4, que normalmente se apresenta através de fraturas múltiplas de face e base do crânio. Contudo, na grande maioria dos casos, o sangramento ocorre nos primeiros 2 meses após o trauma4, com um período médio de 1 mês após o mesmo9.
Os pseudoaneurismas pós-traumáticos da artéria maxilar interna constituem uma das causas raras de epistaxe posterior refratária. Da mesma forma que nas demais causas desta afecção, diversas opções de tratamento são atualmente disponíveis na literatura, como o tamponamento nasal posterior, a crioterapia, a cauterização endoscópica dos vasos do forame esfenopalatino,ressecção submucosa do septo nasal, injeção local de agentes vasoconstrictores na fossa pterigopalatina, ligadura transantral da artéria maxilar interna, ligadura ou clipagem das artérias etmoidais e ligadura da artéria carótida externa.
O tamponamento nasal posterior geralmente se constitui na primeira medida adotada para o controle da epistaxe posterior. Contudo, além de ser extremamente desconfortável para o paciente, são relatados índices de falha em controlar o sangramento da ordem de 26 a 52%, e taxas de complicações que variam de 2 a 69%, incluindo necrose da asa nasal, rinossinusite, edema palatal, queda noturna da saturação de oxigênio sérico, e microaspirações pulmonares7. Além disso, no caso de epistaxe após trauma, com fratura de base do crânio, como no caso deste paciente, torna-se arriscada a passagem de sonda transnasal, devido ao risco de introdução da sonda na cavidade craniana. Apesar disso, o tamponamento nasal posterior permanece como a medida inicial no controle da epistaxe posterior, reservando-se os procedimentos cirúrgicos para os casos de falha do mesmo.
A ligadura transantral da artéria maxilar interna tem sido a principal forma de tratamento cirúrgico para o controle da epistaxe, com possível ligadura das artérias etmoidais nos casos refratários. O procedimento apresenta uma taxa considerável de sucesso, embora haja relatos de taxas de insucesso variando entre 15 e 35%, com índices de complicações entre 3 e 47%7,10. Estas incluem a lesão do nervo infraorbital, fístula oroantral, rinossinusites, epífora, cegueira unilateral, paralisia múltipla de pares cranianos e mesmo óbito do paciente7. Entre as causas de insucesso da ligadura da artéria maxilar interna incluem-se a ligadura incompleta ou inadequada e a presença de circulação colateral através de anastomoses com o sistema carotídeo interno, seja via artéria vidiana ou via anastomoses entre a artéria oftálmica e a artéria do forame redondo5.
A ligadura da artéria carótida externa também tem sido relatada como método alternativo de tratamento em casos selecionados de epistaxe severa, com taxas de sucesso de 93%, com baixo índice de complicações11. Contudo, de uma maneira geral, pacientes submetidos a ligaduras arteriais apresentam um maior tempo de permanência hospitalar, com média de 8 dias para a ligadura da artéria carótida externa e 3,9 dias para a ligadura da artéria maxilar interna3.
Assim, desde a sua descrição por Sokoloff et al.6 em 1974, a embolização angiográfica tem se tornado uma importante opção no arsenal terapêutico no controle da epistaxe refratária. O procedimento pode ser realizado sob anestesia local, o que o torna uma opção mais tolerável e de menor morbidade principalmente em pacientes idosos e instáveis hemodinamicamente. Além disso, a embolização angiográfica permite a oclusão dos ramos arteriais mais terminais, permitindo uma melhor hemostasia, sendo que, após o procedimento, o paciente não necessita permanecer com tampão nasal posterior.
A taxa de sucesso do método varia na literatura de 71 a 100%, com média de 88%3,12, equivalendo assim à taxa média de sucesso de 87% da ligadura transantral da artéria maxilar13. A taxa de sucesso aumenta quando se faz a embolização da artéria facial ipsilateral, e também com a embolização de ambas as artérias maxilares. Além disso, os custos destes dois procedimentos são semelhantes de acordo com a literatura12,13, com a vantagem de a embolização angiográfica permitir um menor tempo de internação (média de 3,6 dias), com alta hospitalar com média de 1,7 dias após o procedimento3. As causas de falha no controle da epistaxe, com conseqüente ressangramento, incluem as hemorragias do território das artérias etmoidais (causa mais comum) e a presença de anastomoses com a artéria maxilar interna contralateral. Assim, as falhas podem ser reduzidas realizando-se um exame físico cuidadoso para identificar a região da cavidade nasal de onde provém o sangramento, além de um amplo conhecimento da anatomia vascular das fossas nasais, o que permite um diagnóstico topográfico correto do sítio de sangramento, com indicação do método de tratamento mais adequado.
As complicações da embolização podem ser divididas em maiores e menores (Tabela 2). Tseng et al.3, em 1998, relatou uma taxa global de complicações de 17%, sendo que o índice de complicações maiores foi de 2%, mas um paciente que desenvolveu hemiplegia recuperou-se totalmente em 5 dias, o que fez com que a taxa de complicações maiores em longo prazo caísse para 0,7%3. As complicações menores geralmente são transitórias e o paciente invariavelmente evolui para recuperação completa. Contudo, na literatura, a taxa global de complicações é de 27%, semelhante à taxa de 28% para a ligadura da artéria maxilar interna13. As complicações estão relacionadas à trombose no leito vascular, utilização de partículas muito pequenas para a embolização, ou refluxo de partículas para o sistema carotídeo interno14.
As contra-indicações à embolização angiográfica incluem alergia ao contraste, evidência angiográfica de anastomoses perigosas entre os sistemas carotídeos externo e interno, ou doença arteriosclerótica severa.
COMENTÁRIOS FINAIS
Os pseudoaneurismas da artéria maxilar constituem uma causa rara de epistaxe refratária, mas que sempre devem ser lembrados no diagnóstico diferencial da epistaxe refratária em pacientes com história prévia de traumatismo facial.
Os recentes avanços no procedimento de embolização angiográfica têm tornado este método cada vez mais efetivo e seguro no manejo da epistaxe refratária. Os elevados índices de sucesso e as baixas taxas de complicações relatadas na literatura são equivalentes ou até mesmo superiores aos índices relatados para os procedimentos de ligaduras arteriais. Contudo, apesar de em algumas instituições a embolização angiográfica constituir-se em terapêutica de primeira linha no manejo da epistaxe, os dois procedimentos não devem ser vistos como concorrentes, e sim, como ambos sendo métodos efetivos para o controle da epistaxe, cada um com suas indicações precisas.
Assim, o manejo da epistaxe apresenta um amplo arsenal terapêutico, mas a indicação de cada método deve ser individualizada, baseando-se no exame físico cuidadoso das fossas nasais, no perfeito conhecimento da anatomia vascular da região e nas condições clínicas do paciente.
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1 Médico-residente do 3º ano do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FAMERP.
2 Otorrinolaringologista formada pelo Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FAMERP.
3 Médico-residente do 2º ano do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FAMERP.
4 Médico-residente do 1º ano do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FAMERP.
5 Mestre e Médico Associado do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FAMERP.
6 Professor titular, doutor e chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FAMERP, diretor geral da FAMERP.
Endereço para correspondência: Alexandre Rafaldini Coraçari - Rua Nuno Álvares Pereira 935 ap. 53 Bom Jardim 15085-000 São José do Rio Preto SP
Tel (0xx17) 229-2415 - E-mail: alexcoracari@ig.com.br
Trabalho desenvolvido no Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP - SP.
Trabalho apresentado no 36º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado em Florianópolis, no período de 18 a 23 de novembro de 2002.
Artigo recebido em 08 de setembro de 2003. Artigo aceito em 16 de outubro de 2004.