Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.68 ed.6 de Novembro - Dezembro em 2002 (da página 08 à 13)

Autor: CADERNO DE DEBATES (CD)

Entrevista

 A SBORL NO CONTEXTO DA IFOS-INTERNACIONAL FEDERATION OF OTO-RHINO-LARYNGOLOGICAL SOCIETIES

ENTREVISTA com Dr. PAULO PONTES (PP)

Caderno de Debates- Como está organizada a IFOS, hoje?

Paulo Pontes - A IFOS foi criada para promover o avanço da ORL, aumentar as relações entre os otorrinolaringologistas e organizar os Congressos Mundiais de Otorrinolaringologia. E composta pelo Comitê Executivo, Comitê de Conselheiro, Secretaria Geral, Secretários Regionais e Assembléia Geral. Os Comitês são compostos por candidatos que se oferecem espontaneamente para os cargos, e cumprem mandato de quatro anos depois de eleitos pelo Comitê anterior. Isto significa que os Conselheiros não são indicados diretamente pelas Sociedades, não ha uma eleição representativa. Um dos objetivos da SBORL, uma vez atuando na IFOS, é fazer com que a composição do Comitê Executivo decorra de indicações oficiais das Sociedades. O Secretário Geral trabalha com o apoio de cinco Secretários Regionais para as diferentes regiões no mundo. Sou o Secretário para as América do Sul e Central. Temos o Secretário para a América do Norte, para a Ásia, para a Europa e para a África dividida em Leste e Oeste. Basicamente, são as secretarias que organizam e controlam o dia adia da IFOS. A Assembléia Geral é formada por um representante de cada Sociedade de ORL do mundo, e se reúne a cada quatro anos, durante o Congresso Mundial. Esta Assembléia é um órgão soberano que +lhe o local do próximo Congresso que, por sua vez, terá um Presidente. Terminado o Congresso, ele passa a ser o Presidente da IFOS. Portanto, o país que recebe o Congresso Mundial também ocupa a Presidência da IFOS nos quatro anos seguintes. O objetivo da IFOS é congregar todos os otorrinolaringologistas, de todo o mundo, através de suas Sociedades, de uma forma eqüitativa e equilibrada.

CD - Qual é a relação entre a IFOS e a, OMS (Organização Mundial da Saúde) e como a Federação atua neste âmbito?

PP - É ela quem representa oficialmente a ORL mundial junto a OMS. A atuação da IFOS é eminentemente voltada para Programas de Prevenção na área de Saúde, congregando o trabalho internacional em ORL, para que haja troca de informações, e de projetos para áreas que necessitam destes trabalhos. A IFOS não recebe verbas da OMS. Todos os trabalhos de campo ou de pesquisa científica realizados pela IFOS são custeados pelos Comitês, responsáveis pelo desenvolvimento dos mesmos. Recentemente, estes Comitês foram reduzidos à quatro grandes áreas da ORL, tornando o trabalho mais ágil e efetivo: Otologia, Rinologia, Laringologia e Cabeça e Pescoço. Os membros dos Comitês Científicos são indicados pelo Comitê Executivo. São profissionais renomados e de destaque internacional de acordo com cada área da especialidade. Os Comitês Científicos elegem seus Coordenadores. É uma estrutura montada por indicação e por representação de cada região, para que nenhuma fique excluída. Uma das metas da IFOS é democratizar a participação nó conhecimento e na organização da nossa área de Especialidade. Esta é uma qualidade que eu considero essencial, pois a IFOS não é patrimônio de uma única Sociedade ou de um país. Os Comitês Científicos têm projetos voltados para os diversos setores com uma visão global. Na área de Otologia, por exemplo, existem entidades criadas pela IFOS para, entre outras coisas, estudar a prevalência da surdez e apoiar programas de diagnóstico e de assistência aos pacientes com deficiência auditiva, especialmente nos países em desenvolvimento. Esta área é bastante ativa e recebe um apoio fundamental da OMS.

CD - A Academia Americana promove um dos maiores Congressos de ORL no mundo e exerce um lobby muito forte junto às demais Sociedades, tanto no aspecto acadêmico quanto no comercial. O trabalho da IFOS é voltado para a integração e a participação de todas as Sociedades no processo de produção científica e distribuição de recursos em ORL. Como a IFOS se posiciona diante da atuação da Academia Americana? Existem divergências?

PP - O Congresso da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço tem sido cada vez maior, e isto ocorre porque a Academia Americana oferece facilidades aos países e às outras Sociedades para freqüentarem seus Congressos. Na minha opinião, isto é extremamente improdutivo e significa a hegemonia de uma Sociedade em relação às demais. Os congressos e as feiras americanas captam significativos recursos financeiros que não são revertidos em benefícios para a comunidade científica global. As empresas comerciais que dão assistência e suporte aos projetos da IFOS, aqui e em outras regiões do ~u~ndo, ficam em desvantagem. A IFOS tem uma posição contrária a isso. A Federação quer qüe todas as Sociedades tenham participação e acesso aos recursos financeiros gerados por um Congresso e não que apenas uma Sociedade tenha hegemonia ou dite as regras sobre estes recursos. O fato de a IFOS ser organizada por indicações pessoais e não por representatividade, até então, deixou a Federação um pouco alheia a esta questão. Mas, nos últimos anos temos adotado uma nova postura, e nisso a SBORL tem uma participação muito importante, onde este problema tem sido enfrentado de uma forma mais direta. A mudança da última Secretaria Geral, do Canadá para a Holanda, colaborou para que a IFOS passasse a ter a mesma visão que a 'SBORL. Estamos trabalhando para atingir esta meta. Não há um clima de confronto, o ambiente é de troca de informações. Temos representação da IFOS na Academia Americana e Secretário Geral para a América do Norte' tem ampla participação na IFOS; em geral, estes Secretários são presidentes ou ex presidentes da própria Academia. Existe uma relação de amizade e de respeito mútuo, e a IFOS tomou consciência de que deve oferecer aos otorrinos aquilo que a Academia oferece hoje para concorrer em competência.

CD - Quais os projetos da IFOS, através da Secretaria Regional da América Central e América do Sul, para inserção destes países na ORL mundial?

PP - Como Secretário Regional, apresentei projetos ao Comitê Executivo da IFOS, que foram extremamente bem aceitos. Estamos integrando os países da América Central e da América dó Sul, com o suporte da SBORL. Dividimos a região em três grupos: Comitê da América Central, Comitê Andino e Comitê do Cone Sul. Estes Comitês foram criados para promover a troca de conhecimentos entre os otorrinos da América Central e do Sul. Esta iniciativa foi tão bem sucedida, tão bem aceita pelo Comitê Executivo da IFOS, que os Coordenadores dos nossos Comitês passaram a fazer parte do próprio Comitê Executivo, a partir do 17° Congresso Mundial, realizado no Cairo, Egito, em meados deste ano. Hoje, no Comitê Executivo, temos cinco representantes europeus e quatro latino americanas. Isto demonstra o respeito que os colegas da IFOS têm em relação ao trabalho realizado aqui, na América Latina e que não fica restrito à nossa região. Nossos projetos têm servido de modelo para outras Secretarias, que estão seguindo os mesmos passos. Antes, o trabalho das Secretarias era voltado para a divulgação dos eventos que ocorriam nos países, isoladamente. Hoje, procura se congregar eventos e aproximar países, da mesma maneira como é realizado aqui. Isto é muito importante porque a IFOS foca a união das diversas Sociedades. Já se foi o tempo em que cada Sociedade ficava fechada dentro de seu país. É preciso, realmente, que haja um intercâmbio cultural e científico entre todos. Só assim a IFOS pode representar a ORL mundial.

CD - Como o Brasil está situado neste contexto? Qual o nível de atuação da SBORL?

PP - No Brasil, promovemos cursos e intercâmbios e temos recebido colegas residentes, ou que terminaram a residência, para fazer estágios durante dois meses. Realizamos três ensaios de teleconferência através da internet, organizados de maneira bastante prática. A idéia é distribuir fitas de vídeo para as diversas Sociedades exibi las ao mesmo tempo. Terminadas as exibições, entra se em rede pela internet para um debate após a aula. Desta maneira, não temos problemas com áudio e imagem de internet, já que utilizamos fitas de vídeo, e o debate é realizado de forma aberta. A prestação de serviços em ORL no Brasil tem um desenvolvimento e uma produção científica equivalente aos melhores serviços oferecidos pelos países desenvolvidos, em todas as áreas. A Laringologia, hoje, ocupa uma das principais posições no cenário internacional. A Rinologia, bem como a Otologia, tem grande expressão internacional. E não é só o Brasil que se destaca. Na Colômbia, existe um Centro de Rinologia é de Cirurgia Estética Facial que é referência mundial. Um brasileiro não necessita ir para a Europa, ou para os Estados Unidos, enfrentando dificuldades de língua, de costumes e custos elevados, para adquirir conhecimentos nesta Área. O que temos aqui, em termos de conhecimento e produção científica, está à disposição de todos. Este processo de intercâmbio já começou e, sem dúvida, deve crescer. Tudo sob a bandeira da IFOS, através das Secretarias Regionais. Como sou brasileiro, nossa Secretaria está sediada na SBORL. Sem este apoio, não teríamos possibilidade de desenvolvimento. A SBORLtem sido extremamente: eficiente, aberta e consciente da sua participação neste processo.

CD - O Brasil vai sediar o Congresso Mundial de ORL em 2009, o senhor será o Presidente do Congresso e, conseqüentemente, será o Presidente da IFOS nos quatro anos seguintes. Estas conquistas são fundamentais para a ORL brasileira, sob todos os aspectos. O Brasil já havia se candidatado em outras ocasiões. A que se deve esta escolha, agora?

PP - A conquista do Congresso Mundial é fruto do trabalho da SBORL para integrar os países de sua região, sob a bandeira da IFOS. A postura de ampliar a atuação da SBORL para além de suas fronteiras vem desde 1992, quando assumimos a Diretoria. Para firmar este espírito, mudamos o logotipo da SBORL, avançando com a sigla para fora do mapa brasileiro, o símbolo atual. A imagem do Brasil passou por uma significativa transformação diante da comunidade internacional e a SBORL se fortaleceu dentro da IFOS. Quando apresentamos inicialmente a candidatura brasileira para sediar o Congresso Mundial, em 1994, ainda éramos bastante inexperientes neste assunto. Naquela ocasião, a sede oficial da SBORL estava instalada no Rio de janeiro, em uma área de 35mz, e contava com 700 sócios. Mudamos a Sede para São Paulo. Hoje, a SBORL tem praticamente 3.000 sócios, e sua Sede é bastante ampla. A SBORL passava por uma fase de desenvolvimento e efervescência.

Quando as Comissões vieram inspecionar o Brasil, perceberam as mudanças pelas quais a Sociedade passava e a vontade do país em se projetar e se integrar na comunidade internacional. A IFOS ficou atenta a isso e, em fiuição do trabalho realizado entre 1992 e 1997, fui eleito Secretário Regional, e o prof. Ricardo Bento, membro da Comissão Executiva, em 1997, no Congresso Mundial realizado em Sidney, Austrália. Na ocasião, já fazia parte do Conselho Executivo da IFOS o prof. Otacílio Lopes Filho, e do Conselho Consultivo, o prof. Cleophano C. Meirelles. Participei da visita de inspeção ao Egito, demonstrando o prestígio adquirido pelo Brasil para realizar uma tarefa como aquela. Isto aumentou ainda mais nossos laços com a cúpula diretiva da IFOS. Com a intermediação das Diretorias da SBORL, o Brasil vai caminhando para uma posição de destaque no cenário internacional. Somos a quarta maior Sociedade de ORL no mundo, ficando atrás apenas dos EUA, Japão e China Continental. O Congresso da SBORL é o segundo maior que se realiza no mundo, só perdemos para a Academia Americana. Para 2009, estimamos em 7 a 8 mil participantes, sendo 50% brasileiros.

A vinda do Congresso Mundial em 2009 abrirá carnais de intercâmbio, unirá, ainda mais, a ORL brasileira em torno do ideal de integração, e trará recursos financeiros. Com estes recursos, poderemos fornecer bolsas de estudo, patrocinar cursos e ampliar nossa Sede. A idéia é cons truir um mini Centro de Convenções, que por sua vez vai gerar recursos que serão revertidos em treinamento e Educação Continuada para nossos especialistas. Um Presidente brasileiro na IFOS, a partir de 2009, vai contribuir para que a projeção da ORL brasileira seja ainda maior.

CD - Podemos dizer que o escopo de atuação da SBORL, hoje, está na vanguarda da ORL mundial?

PP - Com toda a certeza. E isto é reconhecido por todas as pessoas que participam ativamente da IFOS. O Brasil tem participado dos Congressos internacionais, senão com a maior, pelo menos com uma das maiores delegações. O brasileiro está ávido para aumentar seu conhecimento. No passado, voltamos nossas atençõesipenas para a Academia Americana. No momento em que o Brasil começa a descobrir outros caminhos, outros canais, o benefício para nossa Sociedade é enorme. Os colegas que vêm ao Brasil passam a ter consciência de que aqui existe uma comunidade de ORL de altíssimo nível. Abriu se um espaço para que eles nos recebam lá fora e para que grupos de especialistas venham conferir in loco que nosso nível de produção científica corresponde ao melhor nível internacional. O Brasil deve ter uma participação ativa na ORL mundial. Nossos especialistas têm que dar aulas e não apenas receber aulas em eventos internacionais. A Academia Americana já abriu espaço neste sentido, convidando brasileiros para seus eventos. Mas, todos os países, inclusive o Brasil, devem ter a possibilidade de participar não apenas como convidados, mas como integrantes. De igual para igual. E a conquista do Congresso Mundial foi fundamental para mostrar e consolidar a liderança brasileira em ORL. Este leque de possibilidades se dá através da IFOS.

CD - Existem dificuldades que o Brasil ainda tenha que superar para consolidar sua posição de destaque na ORL mundial?

PP - Na verdade, não temos dificuldades porque a comunidade ORL no Brasil sempre correspondeu ao apelo de nossos Congressos e tem participado ativamente. O receio é de sofrer alguma surpresa política ou econômica nos próximos anos. Se estes fatores não nos atrapalharem, a SBORL está plenamente capacitada para este desafio. A força da ORL brasileira já é um fato concreto. Toda comunidade internacional de ORL reconhece este fato.

DR. PAULO PONTES - PROFESSOR TITULAR DO DEPTO DE ORL DA UNIFESP ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA. MESTRE E DOUTOR E LIVRE DOCENTE PELA UNIFESP ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA

 

 

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