Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.68 ed.2 de Março-Abril em 2002 (da página 03 à 09)

Autor: DR. LÍDIO GRANATO

Entrevista

 Tratamento do doente vertiginoso







DR. LÍDIO GRANATO (LG)

ENTREVISTA

DR. LUIS LAVINSKY (LL)

LG - O que você considera importante no tratamento do doente vertiginoso?

LL - O paciente vertiginoso ou com distúrbio de equilíbrio tem uma condição muito ampla de possibilidade para explicar o seu motivo e, portanto, o mais importante é ter uma visão global do paciente para que possamos dar um enfoque adequado. Para estarmos aqui sem problemas de tonturas e equilíbrio têm que estar funcionando os 10 sensores periféricos do labirinto, tem que estar funcionando bem a visão, a musculatura periocular, várias áreas de sistema nervoso central, a bioquímica do organismo e psique do indivíduo. Praticamente qualquer coisa que quebre a homeostase reflete no sistema equilibratório. Portanto é um problema que difere de uma lesão na corda vocal que é um problema localizado, um diagnóstico diferencial de uma rinite, que não é muito diversificado... aqui nós temos um diagnóstico muito amplo. E, certamente, com este enfoque global nós temos um ponto de partida importante para atuarmos nesta população imensa do nosso consultório, que são cerca de 18% dos pacientes, e que representa a grande fronteira para a otologia se expandir já que a surdez, a questão das otites crônicas e não-crônicas estão bem sedimentadas.

LG - A vertigem tem cura? Esta é uma pergunta que os pacientes fazem com muita freqüência.

LL - Concordo. No meu consultório esta é uma das primeiras perguntas. Isso é decorrência da grande massa de clínicos, neurologistas e alguns colegas especializados que fazem tratamento sintomático. Geralmente para pensarmos em cura temos de ter uma visão global e, em segundo plano, criarmos diagnósticos. Diagnósticos topográfico, sindrômico e etiológico. E, baseados em condutas nestas três esferas de diagnósticos, nós temos um prognóstico muito bom. Há quem diga que se cura mais a vertigem do que a úlcera péptica.

LG - Quais são as drogas indicadas para o tratamento de um paciente vertiginoso? Muitas vezes o paciente já chega no consultório tomando algum tipo de medicamento, já passou pelo neurologista e é muito comum o uso da cinarizina. Recentemente, atendi um casal que ambos tomavam cinarizina há 30 anos! Gostaria de saber quais as drogas que você recomenda e, tomando como exemplo esse caso que eu citei, quais as conseqüências do uso prolongado de medicamentos.

LL - Não existe uma droga que, sozinha, seja a melhor, assim como não há uma droga para cada doença neurológica. A estratégia adequada passa por um esforço para controlar o fator etiológico e, simultaneamente, o uso de medicação sintomática, exercícios de reabilitação vestibular, correção de erros alimentares, modificação de vícios e hábitos das pessoas.

Os medicamentos ditos antivertiginosos geralmente funcionam por liberação de neurotransmissores no labirinto, nos núcleos vestibulares e formação reticular do trono cerebral. Tendo, portanto, uma noção superficial do topodiagnóstico já podemos fazer uma melhor escolha.

As principais drogas para este fim são o dimenidrinato, o dimenidrato, clorazepan, cloxazolan, cinarizina, flunarizina e quando temos um diagnóstico com enfoque vascular usamos a pentoxifilina, a betaistina ou o extrato de ginkgo biloba. Raramente usamos os neurolépticos. Quando a questão principal é vômito, podemos introduzir o difenidol ou a domferidona, que é eficaz nos enjôos da cinetose quando associada à cinarizina, assim como a escopolamina.

Portanto, na prática, nós temos um arsenal grande de remédios com algum direcionamento em função do próprio diagnóstico e em função da predominância dos sintomas. Quanto ao uso prolongado, certamente é uma falha de base. Hoje sabemos que o indivíduo tem que ser liberado de medicação prontamente para que exista o fenômeno da compensação. Existe um momento crítico para esta reordenação central, onde a plasticidade do sistema nervoso central funciona. Se nós mantivermos o indivíduo sob medicação por longo prazo, estamos dando a ele uma melhora sintomática, mas tirando, muitas vezes, a possibilidade de uma reabilitação plena. Vai ser sempre um indivíduo que vai apresentar uma osciloxicia ou uma tontura aos movimentos rápidos. Nosso conceito é usar o antivertiginoso no momento crítico e logo que o paciente possa, mantê-lo com antiemético e aí fazer realmente o trabalho de reabilitação que, muitas vezes, pode até desencadear sintomas e ser feito com alguma dificuldade. Entretanto, quanto mais precoce, mais efetivo vai ser esse processo.

Os medicamentos têm efeitos colaterais e a cinarizina em dose ideal é um excelente medicamento. Em dose excessiva, porém, pode provocar bulimia, sonolência, alteração dos glicídios e, no caso de idosos, o aparecimento de um quadro de diabetes.

LG - No caso de uso prolongado de um determinado medicamento há a possibilidade do organismo não mais responder ao tratamento?

LL - Sim, realmente a efetividade da droga se reduz com o uso prolongado, mas a grande problemática que se agrega a isto é que todos os remédios têm efeitos e para efeitos e esses ficam mais visíveis neste tipo de condição. É uma anomalia na medicina manter um paciente nessas condições quando existem tratamentos curativos. Existem situações desta ordem em hipertensos ou em distúrbios hormonais, quando é necessário fazer reposição para a vida toda. Mas na nossa área; primeiro um tratamento de ordem curativa e, em raras situações, a manutenção desta condição.

LG - E o que fazer quando o paciente chega ao consultório automedicado? Como proceder para reverter esta situação?

LL - O processo é de educação. O médico que lida com este paciente tem que ter tempo para uma entrevista boa e tempo para mudar conceitos medicamentosos. A possibilidade de diagnósticos é multicêntrica, com muitas origens... coisas que vão passar espontaneamente e outras que podem ser perigosas para ele se não forem tratadas. O tratamento inicial é a educação.

LG - Receber pacientes automedicados é uma rotina. O doente começa a apresentar um quadro vertiginoso e se vale de seu conhecimento, ou da orientação de leigos etc. Deforma que o importante, como você mencionou, é ter tempo para fazer uma anamnese correta, fazer um diagnóstico correto para orientá-lo se aquela medicação é pertinente ou não. Geralmente há um desencontro e o médico precisa direcionar corretamente.

LG - Como você trata as crises vertiginosas? E aproveito para perguntar também, qual a faixa etária que mais o procura com problemas em geral, não apenas de fase aguda mas também de fase crônica, com instabilidade?

LL - Esta pergunta é importante porque propicia uma pequena correção do que foi dito. Nós advogamos que deva ser feito um tratamento sintomático nos pacientes para que se possa tomar o cuidado de fazermos uma busca que, às vezes, é morosa. No paciente que está em crise vertiginosa, a primeira atitude é tirá-lo da crise e, nesta condição, nós tratamos do sintoma para posteriormente nos ocuparmos de todos os aspectos. Na crise, especificamente, nós inicialmente usamos antivertiginosos, antieméticos como o dimenidrinato mais firoxina injetável, o uso de um ansiolítico, como o cloxazolan e, se necessário, um antiemético como a metoclopramida. Se não resolver, substituímos o dimenidrinato por clorazepan e, em raros casos, substituímos novamente o clonazepan por fentanil mais droperidol em ambiente hospitalar, por anestesista. De modo geral, com esta conduta, não há casos em que o paciente não reaja satisfatoriamente. Isso dá uma base para quem vai atender uma crise e tem que estar com bastante segurança, já que encontra uma família em pânico devido àquele evento de crise. Portanto, com estes procedimentos, é possível afirmar que não temos casos em que o paciente não saiu da crise.

Pacientes em crise geralmente não são atendidos por otologistas, mas por neuro e cardiologistas, porque o temor inicial é de que indivíduo esteja sofrendo um derrame ou um enfarte. Na maioria dos casos, os primeiros a atender são colegas que fazem ORL geral. Os profissionais que se dedicam mais à área já encontram o paciente fora da crise.

Quanto à prevalência de pacientes, a faixa etária mais importante é a de idosos. Aproximadamente a metade deles sofre de algum distúrbio equilibratório. A população infantil também sofre de distúrbios labirínticos, só que diferem do adulto. No adulto prevalecem causas periféricas, aproximadamente 80%. Na criança, se inverte, predominam causas centrais.

LG - E no caso das mulheres menopausadas, qual sua experiência nesta situação?

LL - Nós temos situações em que as mulheres predominam, que é o caso da faixa etária da menopausa. Nós sabemos que 25% das etiologias periféricas de vertigem estão relacionadas com a vertigem posicional paroxística benigna em que uma das causas importantes desta entidade é a insuficiência ovariana. Com isto, poderíamos correlacionar um motivo para que existisse mais vertigens relacionadas. A reposição hormonal beneficia o paciente e é um adjuvante, mas só a reposição hormonal não eliminaria as vertigens.

LG - Tratamento é múltiplo, não depende apenas da terapêutica medicamentosa. Você utiliza exercícios para reabilitação? Não só nos casos mais graves, mas também nos mais leves?

LL - Certamente os exercícios de compensação labiríntica vieram para ficar. Hoje operamos menos pacientes com distúrbios labirínticos porque uma seqüela, por exemplo, de uma labirintite bacteriana aguda, que era incapacitante, hoje é menos incapacitante porque reabilitamos este paciente. Nós reservamos reabilitação labiríntica principalmente para seqüelas. Quadros em que a etiologia persiste ou quadros paroxísticos têm um papel menor ou quase ausente para a reabilitação.

Nós temos várias entidades em que a reabilitação é fundamental, que são a presbilabirintopatia do idoso, as seqüelas das labirintites agudas, da ototoxicose e das neuronites vestibulares, que geralmente são únicas e deixam uma assimetria, assim como nos pacientes de pós-operatório, que tiveram uma assimetria aguda no sistema. O paciente com distúrbios vestibulares centrais exige um trabalho em conjunto com o neurologista, em que a reordenação do sistema equilibratório é a arma principal da terapêutica.

LG - Nem todas as patologias que são tratadas de forma mais simples têm solução. Gostaria que você me desse alguns exemplos de doenças que exijam um tratamento específico. E gostaria também de saber se o uso da eletronistagmografia é fundamental. Que importância você dá a este tipo de exame?

LL - Nós, às vezes, temos dificuldades de chegar a um bom termo num tratamento por falta de especificidade diagnóstico, como já falamos. Quanto aos exemplos, temos a vertigem posicional paroxística benigna, se não a identificarmos bem ou a confundirmos com outras coisas, não teremos solução tão rápida e tão adequada como seria com as manobras de reposição dos otólitos. As fístulas perilinfáticas, com medidas cirúrgicas de fechamento; as neuronites vestibulares, pós-trauma, pós-ototoxicose etc., com o emprego de exercícios reabilitadores; a doença de Meniérè, que exige tratamentos específicos, inclusive medidas cirúrgicas em certos casos; os quadros cérvico-vesibulares, com medidas fisioterápicas; os decorrentes de déficits perfusionais, com melhora do débito cardíaco ou desobstrução de grandes vasos, com a melhora da perfusão com o uso de anti-agregantes; a correção de desvios metabólicos dos glicídios, lipídios e do metabolismo tireiodeano e suas repercussões da orelha interna e que tende para um diagnóstico específico; e até uma ação antimicrobiana saneadora em caso de labirintite aguda bacteriana, que depende da especificidade para ter um prognóstico conveniente. Nessa história toda, a eletronistagmografia teve um papel maior. Hoje, com a ressonância magnética seu uso se reduziu um pouco, mas não tirou sua importância. Poucos meios são tão eficientes para nos dizer se há distúrbios vestibulares, se eles são periféricos ou centrais, a grandeza do processo e a evolução do quadro, em repetições de teste. Este teste tem alguns apêndices que ajudam um pouquinho, que é o teste de fistula, da vertigem posicional, que tem alguma especificidades diagnósticas. De modo geral, pode ser comparado a um raio-X simples dos seios da face que nos diz se tem sinusite, mas não nos diz se há uma lesão tumoral ou de outra ordem. Ainda nos dias atuais não temos um teste neurológico substituto. A única recomendação, que é indispensável para este teste, é que ele seja feito de maneira sistemática, ampla e com condições ideais de execução. Caso contrário, ele mais atrapalha do que ajuda.

LG - E a ressonância para nós foi uma coisa espetacular, que ajuda na elaboração de diagnósticos?

LL - Sem dúvida! A ressonância nos ajuda nos casos de patologias expansivas, isquêmicas, degenerativas e nos casos de algumas malformações centrais. Portanto, onde há alteração de parte morfológica, a ressonância nos ajuda muito mas onde a funcionalidade se altera, sua contribuição é nula. Corvera diz que a imagem pode ajudar em cerca de 10% dos vertiginosos para definir diagnóstico e os restantes nós nos baseamos muito na história, muito no exame clínico e, um pouco no exame eletrofisiológio e eletronistagrnográfico.

LG - Quando você decide pela cirurgia? Sei que o número de casos com indicação cirúrgica diminuiu bastante, mas ainda há espaço para ela.

LL - A cirurgia é indicada para aqueles pacientes que nos procuram constantemente no consultório e já fizemos todos os tratamentos conhecidos. Apesar disto, o paciente continua com suas crises. Mas não são em todas as entidades. As principais são os casos de doença de Meniérè, fístula perilinfática, lesões incapacitantes pós-trauma, pós-labirintite e em tumores. Todos com bons prognósticos e com técnicas simplificadas, como as labirintectomias químicas na doença de Meniérè. A cirurgia é aplicada em cerca de 2% dos pacientes vertiginosos.

LG - Você tem alguma recomendação adicional?

LL - Sim, sempre se extrai algum comentário da experiência e neste momento seria interessante transmitir. Não existem verdades definitivas na Medicina, muito menos nesta área. Nós achamos que todo paciente com essas manifestações merece que se faça uma análise evolutiva. Outra recomendação é evitar o uso de depressores vestibulares em idosos presbilabirintopatas, pois isto vai deprimir ainda mais o já deprimido aparelho vestibular. O faça quando a ENG mostrar assimetria não compensada do sistema vestibular. Recomende aos pacientes exercícios para facilitar a reabilitação, que quanto mais precoce, mais eficiente será.

É importante não esquecer que as labirintopatias estão presentes também em crianças e, em sua expressiva maioria, são de origem central, necessitando grau de suspeição. Quando tivermos uma criança que tenha surdez profunda, atraso no desenvolvimento motor, atraso na escolaridade, atraso no desenvolvimento de habilidades e de fala, vômitos inexplicados. temos de lembrar do labirinto, que é lesado com muita facilidade e temos, pela plasticidade do sistema nervoso central, muita facilidade para ajuda-Ias. Sabemos que os diagnósticos principais das crianças são epilepsia vestibulares, enxaquecas vestibulares e quadros até de causas conhecidas como vertigem paroxísticas da infância, tumores, fístulas etc.

LG - Acho que suas recomendações finais são muito importantes. Sempre lembrar que o paciente não evolui bem, que volta sempre ao consultório, realmente teremos que aprofundar e poderemos ter, ao longo do tempo, algumas surpresas. Não perder de vista a possibilidade de um diagnóstico definitivo.

LÍDIO GRANATO - Médico, otorrinolaringologista, Professor Adjunto da Disciplina de ORL da Santa Casa de São Paulo, Chefe do Departamento de ORL da Irmandade de Misericórdia da Santa Casa de São Paulo, Doutor em ORL pela Universidade Federal de São Paulo
Luiz LAVINSKY - Médico Otorrinolaringologista, Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Professor Adjunto-Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Entrevista conduzida pela jornalista Sra. ELIANA ANTIQUEIRA

 

 

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