ISSN 1806-9312  
Sexta, 19 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
990 - Vol. 37 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1971
Seção: - Páginas: 134 a 136
Nossa Conduta Frente a Epistaxe*
Autor(es):
João Batista Ferreira 1
Mário Yamashita 2

I - Introdução

Sendo vários os fatôres que interferem nas hemorragias nasais, prevenir, tratar e controlá-las constitui muitas vêzes um problema médico delicado. Não raro, a cauterização nasal é insuficiente para a hemostasia, necessitando em casos rebeldes recorrer ao tamponamento nasal, a transfusão sanguínea e até mesmo a ligadura arterial, se bem que muito raramente.

Procurando estudar o assunto, fizemos uma cuidadosa revisão bibliográfica e o levantamento dos prontuários dos doentes com epistaxes que foram atendidos no Pronto Socorro de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas. Desta maneira, a finalidade dêste trabalho é apresentar a experiência da Clínica, relatando a sua conduta frente a um caso de epistaxe.

II - Material e Métodos

O material é constituído de 864 doentes portadores de epistaxes atendidos no P.S.O.R.L. do Hospital das Clínicas durante o ano de 1970. Nessa casuística não estão incluídas as hemorragias causadas por corpo estranho, ou fraturas nasais ou politraumatismo.

O material está distribuído em 508 pacientes do sexo masculino e 356 do feminino. Em relação a idade, tivemos 326 casos entre 0 (zero) a dez (10) anos de idade, ver tabela 1. Quanto a raça, tivemos 619 da branca; 228 da negra e 17 da amarela. Quanto a incidência relativa aos meses do ano está apresentada na tabela 2.



Tabela 1: Distribuição etária.



Tabela 2: Ocorrência mensal de epistaxe.



Frente a um caso de epistaxe, a conduta de urgência adotada foi a seguinte:
1 - Anamnese.
2 - Avaliação Clínica (estado geral, mucosa, pressão arterial, pulso e temperatura).
3 - Exame O. R. L.
4 - Orientação Terapêutica
    a) Hemostasia local simples
    b) Hemostasia com tamponamento nasal.

A hemostasia local simples, foi realizada em 414 pacientes em que foi localizado o ponto sangrento. Consistiu na cauterização do local de sangramento com agente químico (nitrato de prata ou ácido trictoroacético) após prévia anestesia tópica (tetracaina 2% ) e medicamento vaso constrictor local (epinefrina 1/1000).

A hemostasia com tamponamento nasal foi adotada naqueles casos em que a cauterização, foi ineficaz ou que havia sangramento difuso ou que não era possível a visualização do ponto sangrante. O tamponamento nasal na maior parte dos casos foi anterior, utilizando-se algodão vaselinado, gaze furacinada ou ainda gelfoam, e o posterior foi realizado com gaze. Antes de se fazer o tamponamento nasal fêz-se a anestesia tópica acrescida de medicamento vaso constrictor que era dispensado naqueles casos com hipertensão arterial. Em 308 casos utilizou-se tamponamento nasal anterior e em 142 foi feito tamponamento anterior e posterior. Após o tamponamento nasal, 49 (quarenta e nove) pacientes permaneceram internados na clínica durante 48 hs. Dentre os pacientes internados 18 receberam transfusão sanguínea. O tampão era retirado após 48 hr. e em alguns casos foi necessário refazer o tamponamento. A par do tratamento local sempre foi administrado antibiótico e em alguns casos medicação hemostática, sedativa e analgésica. Dentre os pacientes submetidos a tamponamento nasal, após o tratamento de urgência 165 foram encaminhados ao clínico para completar os exames e terapêutica da eventual causa, hipertensiva, da crase sanguínea, etc.

III - Resultados

A orientação terapêutica de urgência, ora apresentada levou a resultados satisfatórios, não tendo sido observado casos que necessitassem outros recursos para debelar o sangramento nasal.

IV - Discussão

No estudo dos 864 casos de epistaxe atendidos no Hospital das Clínicas foi observado predominância do sexo masculino (508 casos) sôbre o feminino (356 casos).

Em relação ao grupo etário, os pacientes com menos de 10 anos de idade (326 casos) foram mais acometidos, seguido da segunda década (154 casos).

Quanto a raça, 619 pacientes eram brancos, 228 negros e 17 amarelos, predominando portanto, a raça branca.
Nos países onde ocorrem diferenças estacionais nítidas parece haver influência dos fatôres climáticos no aparecimento de certos tipos de epistaxe, notadamente nos jovens, quando a umidade mais baixa predisporia ao aparecimento de hemorragia nasal pelo ressecamento da mucosa. Se bem que não tendo observado, entre nós, estações de ano bem delimitadas, parece ter havido maior incidência de pacientes com hemorragia na época da primavera e outono.

Diante de um caso de epistaxe, a nossa conduta de urgência foi após a anamnese proceder a avaliação clínica e o exame O R. L., tendo sido logo instituído o tratamento.

Em 414 pacientes foi utilizado tratamento local por meio de cauterização química após prévia anestesia tópica. Nestes casos, o ponto sangrante era geralmente localizado na região anterior do septo, principalmente na zona de Kiesselbach. A cauterização constituiu-se numa medida bastante eficaz no controle dessas epistaxes: Em alguns casos, foram utilizados medicamentas hemostáticos por via sistêmica.

Por outro lado, em 450 pacientes foi necessário realizar tamponamento nasal, sendo praticado o anterior em 308 casos e a associação anterior com o posterior em 142 casos. Dos 49 pacientes que ficaram internados durante 48 hs., 18 receberam transfusão sanguínea. Após 48 hs. de permanência, o tampão nasal era retirado e mostrou-se eficaz para debelar o sangramento na maioria dos casos, muito embora, em alguns casos, precisou-se refazê-lo. Além dêste tratamento local foi sempre utilizado antibioticoterapia sistêmica para prevenir eventuais processas infecciosos e em alguns casos sedativos, analgésicos e drogas hemostáticos. Após a instituição do tratamento de urgência pelo especialista, 165 pacientes foram encaminhadas ao clínica para orientação e terapêutica da afecção (vascular, sanguínea, etc.) provável causadora da epistaxe. É interessante citar 3 casos de epistaxes tamponados e internados, com cessação do sangramento, nos quais foi realizado biópsia de tumor nasal a qual revelou tratar-se de nasofibroma juvenil e que foram tratados convenientemente.

Todos os casos de sangramento nasal foram controlados satisfatòriamente com esta conduta terapêutica de urgência.

V - Conclusão

Do estudo de 864 pacientes com epistaxe, pode-se concluir:
1.º Houve predomínio de epistaxe no sexo masculino e na raça branca.
2.º Ocorreu maior incidência de epistaxe no grupo etário abaixo de 10 anos de idade.
3.º O tratamento adotado foi satisfatório para debelar o sangramento.
4.º Deve-se encaminhar o paciente, após o tratamento de urgência, ao clínico para orientação e eventual tratamento de afecção originária da epistaxe.

VI - Sumário

São apresentados 864 casos de epistaxe que durante o ano de 1970 foram atendidos no P.S.O.R.L. do Hospital das Clínicas de São Paulo. O material é analisado e discutido sob o ponto de vista de, idade, sexo; raça, incidência mensal e principalmente da terapêutica adotada, concluindo pela eficácia daquela ora utilizada na clínica.

VII - Summary

In this report the authors present 864 cases of epistaxis cared for during the year of 1970 at the Pronto Socorro of the Hospital das Clínicas of the F.M.U.S.P. The material was analised and discussed under the point of view of age, sex, race, monthly incidente and specially of the terapeutical treatment developed concluding for the good results of that performed at the Clinic presently.

VIII - Referências Bibliográficas

1. Albernaz, P. M. - O problema da epistaxis grave. Hospital (Rio) 73:347-362, 1968.
2. Allen, G. W. - Ligation of the internal maxillary artery for epistaxis. Laryngoscope 80:915-523, 1970.
3. Buestone, C. D. - Intranasal freezing for severe epistaxis. International Surgery 53: 11-15, 1970.
4. Bouche, J.; Frech, C. H. - Le traitment des epistaxis. Revue du Praticien 13:2549-2561, 1963.
5. Call, W. II. - Control of epistaxis. The Surgical Clinics of North America 49:1235-1247, 1969.
6. Chandler, J. R., Serrins, A. J. - Transantral Ligation of the internal maxillary artery of epistaxis. Laryngoscope, 75:1151.1159, 1965.
7. Devitt, M. C., Gola, A. S., Aequareili, M. J. Epistaxis: management and prevention. Laryngoscope 77:1109-1195, 1967.
8. Escat, M. - De la ligadure transinuso-mavillaire d'arterio maxillaire interne. Ann. Otolaryng. 53:508-513, 1934.
9. Fenn, A. C. - Radiopaque filled folley balloon in posterior epistaxis. Arch. Otolaryngologic: 87:171-173, 1968.
10. Force, R. F, - Treatment of nasal hemorrhage. Surgical Clinics of North America 40:1305-1310, 1969.
11. Heare, C. L. - Management of epistaxis by controlled hipotension. Laryngoscope. 78: 1935-1950, 1968.
12. Henderson, G. P. - Ligation of the internal maxillary artery for intractable epistaxis. South, Med. J. 63:41-43. 1970.
13. Middleton, P. - Surgery for epistaxis. Laryngoscope. 77:1011-1015, 1967.
14. Padrnos, R. E. - A method for control of posterior nasal hemorrhage. Arch. Otolaryngology. 87:181-183, 1968.
15. Pearson, B. W., Maeke-nzie, R. G., Goodrnan, W. S. - The Anatomical basis of transantral ligation of the maxillary artery in severe epistaxis. Laryngoscope. 79:969-975, 1969.
16. Piras, A. - Frente a uma epistaxis. Otolaringologia. 9:383-384. 1970.
17. Seiffert, A. - Unterbinding der Artery -Maxillary internal Zeitschr. f. H, N. 22:323. 325, 1929.
18. Stevens, R. W. - Nasal packing: rubber pneumatic pack. Arch. Otolaryng.: 54:191194, 1951.




* Trabalho realizado na Clínica O. R. L. do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
1 Médico-Residente de 2.0 Ano.
2 Médico-Estagiário da Faculdade de Medicina
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia