ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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950 - Vol. 36 / Edição 3 / Período: Setembro - Dezembro de 1970
Seção: - Páginas: 215 a 227
Tumores da base da língua
Autor(es):
Paulo Mangabeira Albernaz*

A designação tumor não se refere, neste estudo, às neoplasias malignas, mas a neo-formações outras que costumam apresentar-se na base da língua. Deve ser ainda posto em evidência que não entram neste quadro as hipertrofias e hiperplasias da chamada amígdala lingual, as mais comuns destas formações, e de que espero vir a ocupar-me em outro trabalho.

A língua apresenta, não só do ponto de vista anatômico, como, especialmente, do embriológico, diferenças evidentes e curiosas entre o corpo do órgão e sua parte posterior ou base. Em verdade, a origem das duas partes é completamente diversa, e a riqueza dos elementos da base é incomparàvelmente maior do que a da parte anterior, isto é, o corpo da língua. Acresce ainda que o chamado aparelho tireoídeo tem seu ponto de origem na base da língua, de sorte que a patologia desta região tem relações muito estreitas com a da glândula tireoídea.

Em verdade, o corpo da língua origina-se de um brôto oriundo da parte mesobranquial, o tuberculum impar, enquanto a base provém de dois esboços laterais, provenientes do 2.° e 3.° arcos branquiais, fundidos na linha média, para trás do mencionado tuberculum impar. Os três esboços unem-se sob a forma de um sulco terminal, situado alguns milímetros para trás do V lingual. Êste, por sua vez, é formado por uma grande papila mediana, localizada- para diante do foramen coecum, e por quatro papilas caliciformes de tamanho menor, que vão da linha média às extremidades laterais. É justamente na parte posterior a êste V lingual, que a língua apresenta aspecto absolutamente diferente do resto do órgão.

Na realidade, é uma região em que são encontradas, principalmente: 1) as glândulas mucosas, cujos duetos chegam a ter mais de 5 mm de comprimento e que desembocam nas criptas; 2) as grandes glândulas mucosas, que se abrem nos sulcos existentes entre as papilas caliciformes; 3) as glândulas dos anexos, ainda existentes, da porção lingual do dueto tireoglosso; 4) as glândulas salivares; 5) as glândulas serosas; etc.

A glândula tireoídea aparece muito precocemente no embrião. No de 3 a 4 mm de comprimento o esbôço tireoídeo aparece quase ao mesmo tempo que a primeira bôlsa faríngica, ou pouco depois. Torna-se logo estreitado para formar uma vesícula alongada, cuja parte ôca vem a ser o dueto ou canal tireoglosso. A vesícula passa a ser uma massa piriforme sólida, que acaba se isolando. O local de origem dêste canal é justamente o foramen coecum.

O dueto de que estamos falando normalmente desaparece, sendo substituído por um cordão fibroso. A formação desce até a região pre-traqueal, compondo-se de duas partes: uma superior, que termina na face posterior do corpo do ôsso hióide; e uma inferior, que vai dêste ponto à traquéia.

Acontece, com certa freqüência, que a migração normal da glândula tireóídea não ocorre. Se a glândula apenas se desenvolver na região do foramen coecum e ficar pràticamente limitada à superfície da língua, temos 1) a tireoídea lingual aberrante ou ectópica. Se há tecido tireoídeo na base da língua e, ainda, na localização normal da glândula, temos 2) a tireoídea lingual acessória. Se existe tecido tireoídeo em pleno corpo da língua e sòmente aí, teremos 3) o tireoídea intralingual aberrante ou ectópico, que é extremamente rara. Se existe tecido da tireoídea em qualquer ponto do percurso do tracto tireoglosso e igualmente na localização normal da glândula, temos 4) a tireoídea ou as tireoídeas acessórias. Podem estas chegar até a altura da aorta.

Segundo o parecer de Lahey, pode ainda existir 5) a tireoídea acessória afim, quando há ligação, por meio de feixes fibrosos, entre o nódulo tireoídeo localizado na massa da língua, e a glândula em sua sede normal. E há, ainda, a 6) tireoídea pseudo-acessória, quando, entre as duas massas de tecidos glandular, a em localização normal e a situada em pleno corpo da língua, existe uma ponte de tecido tireoídeo, a garantir a continuidade funcional entre ambas (Fig. 1).



FIG. 1 - Esquema das formações de origem tireoídea, segundo Chemin (in Okinczyk) modificado.



É preciso desde logo pôr em evidência que tôdas estas variedades de distúrbio embriogênico são de tecido passível de sofrer as mesmas alterações patológicas observadas na glândula tireoídea, quando em localização normal. Tireoídites agudas ou crônicas, adenomas de qualquer espécie, degenerações císticas ou não, tôda a patologia da glândula pode ser encontrada nas glândulas acessórias ou ectópicas.

A base da língua é, pois, uma zona tireoídea indiscutível. Além da riqueza linfática, aliás extremamente variável, dessa região, da quantidade enorme de glândulas mucosas e salivares, das papilas, etc., aí está o restante do aparelho tireoídeo, sujeito às mais variadas e complexas alterações patológicas.

Tal riqueza de elementos teria de dar lògicamente lugar a patologia igualmente rica. E em verdade o número de lesões e de tumores que aí se apresentam é enorme. Basta recorrer aos tratados clássicos para tal verificar. Citarei apenas o Handbuch der praktischen Chirurgie de Bergmann, Bruns e Mikulicz, (6.ª ed., vol. 1, 1926) ; o Handbuch der speziellen Chirurgie der Ohres, etc., de Katz e Blumenfeld, (3.º ed., vol. 111, 1925) ; o livro de Mikulicz e Kümmei, Die Krankheiten der Mundes (4.ºed., 1922) ; a obra de Okinckzyc Précis de Pathologie Externe. Tête, Cou, Rachis, 1916; a obra de Soerensen, Die Mund - und Halsoperationen, 1930; em, etc.

Nota-se, todavia, que, se a variedade de lesões é muito grande, a freqüência é pequena: as manifestações produtivas de qualquer natureza, que aparecem na base da língua, com exceção das inflamatórias da amígdala lingual e das neoplasias epiteliais malignas, podem ser consideradas raras.

Num total, em números redondos, de 30.000 pacientes, só observei pouco mais de dez casos de formações dêsse caráter, na região em estudo, o que dá a percentagem de 0,03. Dêstes casos, só em cinco o diagnóstico pôde ser firmado. Nos restantes, cujas observações serão relatadas neste trabalho, o diagnóstico de probabilidade foi feito em quatro, isto porque, ou os doentes não tenham voltado ao serviço, ou, como em dois casos, por não terem permitido a retirada de fragmento de tecido para o exame histopatológico.

É curioso que a maioria dêstes casos diga respeito a manifestações ligadas ao aparelho tireoídeo. Na verdade, as manifestações resultantes de distúrbios desta glândula também não são freqüentes. Considerou-se, durante certo tempo, como raridade, a tireoídea lingual ectópica. Há, porém, hoje na literatura, mais de 400 casos publicados desta malformação (Fig. 2).



FIG. 2 - Glândula tireoídea lingual (in Kronenberg).



Ainda assim, Cattel só encontrou dois casos de glândula tireoídea lingual em 7.600 operações de tumores da glândula em localização normal; e Ulrich, na Clínica Lahey, também apenas dois casos, numa série de 4.000 intervenções de processos da glândula em aprêço.

Entre nós, além dos casos que ora apresento, há referência a mais 14: Paiva e colaboradores mencionam os seus 3 e mais 7 de Matos Barreto, 2 de Ermiro de Lima, 2 de Fairbanks Barbosa e 3 de J. Kos e colaboradores.

Já em tempos anteriores, declarava Asch que a ausência total do corpo tireoídeo na localização normal era apenas observada em 9% dos casos e, segundo outros autôres, entre 5 e 22% dos casos de tireoída lingual. Daí já se infere que a glândula accessória é mais freqüente do que a glândula ectópica.

Não resta dúvida, entretanto, que, na patologia da base da língua, a glândula tireoídea, por anomalias de seu desenvolvimento, é a causa principal das formações que aí são geralmente encontradas.

Êstes tumores são em geral assintomáticos. Quando muito, os pacientes se queixam de certa sensação de corpo estranho, como uma bola, na garganta. Se o tumor é, porém, muito vascularizado, as hemorragias bucais, e as hematêmeses apresentam-se com certa freqüência e não raro em conexão com o período catamenial. Na observação n.º 1 dêste trabalho, cujo diagnóstico não foi firmado por não ter a doente voltado ao serviço, as hemorragias pela bôca e pelas fossas nasais manifestavam-se todo mês por ocasião das regras, o que, por si só, confere a quase certeza de tratar-se tumor ligado à glândula tireoídea, fato já assinalado por Anglesio, Carnelli, Droesbecque, Seelye, Rubelli. Num caso de Rubelli, de tal modo se intumesceu a glândula tireoídea lingual, no último mês da gravidez, que exigiu a realização de uma cesárea. E a tumefacção regrediu prontamente após o esvaziamento do útero.

Montgmery, em seu estudo clássico, o mais completo publicado até 1936, reuniu, na literatura, 231 casos de tireoídea lingual, dos quais apenas reputou indiscutíveis desta malformação apenas 144. Nestes 144, registra, como sintomas: 1 - disfagia (discreta, moderada, grave) em 50% dos casos; 2 - disfonia (discreta, moderada, grave) em 43,7%; o 3 - dispnéia (discreta, moderada, grave), em 27,8%; 4 - hemorragia (discreta, moderada, grave) em 16%; 5 - dor (discreta, moderada, intensa) em 0,7%; 6 - sensação de plenura na garganta (discreta ou moderada) em 0,3 a 0,4%.

Há dois pontos que considero os mais importantes no estudo destas formações: 1.º - o diagnóstico; 2.° - a terapêutica.

1 - Diagnóstico

O diagnóstico deveria basear-se, em primeiro lugar, no veredicto histopatológico e na realidade só êste poderá dar o diagnóstico de certeza. Apresenta, porém, óbices de alta significação.

O primeiro é a perda sanguínea expressiva e difícil de controlar, que resulta da incisão de alguns tipos destas formações. Se, como vimos, predominam aí os tumores de origem tireoídea, já se infere de tal fato que a hemorragia resultante da retirada de um fragmento para exame pode ser mais ou menos intensa.

O segundo é a dificuldade de retirar, por vêzes, o fragmento. Nos dois casos de Springer, de dois irmãos com 4 e 2 meses de idade, não foi possível seccionar a cápsula dos tumores com a pinça saca-bocado.

O terceiro é o perigo da infecção. Em seu trabalho, Goetsch chega a manifestar-se inteiramente contrário à retirada de fragmento para exame, em vista de, em um dos seus doentes, esta manobra ter sido seguida de processo infeccioso com reação inflamatória que custou a ceder.

A punção pode dar indicações preciosas, mas os resultados não são sempre seguros. Na minha observação n.° 2 a punção revelou tumor epitelial (provàvelmente adenoma aberrante da tireoídea ou tumor misto salivar). O exame histopatológico da peça, após a intervenção, confirmou plenamente o diagnóstico; tratava-se de fato, de adenoma tireoídeo. Entretanto, na observação n.o 3, a punção deu o diagnóstico de tumor sanguíneo cístico (possivelmente do grupo dos hemangiomas), mas a operação revelou lesões características de tumor do tracto tíreoglosso.

Para o diagnóstico das formações tireoídeas, progresso de valor inestimável veio trazer a prova com os rádio-isótopos do iodo. Descoberta a preciosa propriedade biológica de poder o tecido tireoídeo captar e concentrar o iodo, e a propriedade de que êste goza, uma vez introduzido no organismo, de emitir raios gama, tratou-se de obter o meio de explorar estas propriedades. Foi o que estabeleceu Feitelberg, usando um contador Geiger, e recorrendo ao cintilograma.

Este exame tem valor absoluto no diagnóstico. Ele, só por si, é exclusivamente êle, pode permitir saber se, em um tumor da base da língua, há tecido tireoídeo funcional, e - o que é mais importante -, se é êste o único existente no organismo. É lógico que, se a formação presente na base da língua fôr uma glândula tireoídea ectópica histològicamente normal, não deve ser operada, isto é, não deve sofrer a exérese total.

A prova do rádio-iodo representa, portanto, papel insubstituível no diagnóstico dêsses tumores da base da língua, e, além disso, é indispensável, na orientação cirúrgica. Constitui quase temeridade recorrer à operação sem ter prèviamente feito uso dela. A literatura médica apresenta grande número de casos operados, seguidos de mixedema e até de tetania, pois que, muitas vêzes, todos os corpúsculos epiteliais podem estar contidos na glândula tireoídea da base da língua. Mikulicz e Kümmel dizem que há, na literatura, nunca menos de 8 casos dessas duas complicações. Mesmo independentemente de ser o caso operado, pode verificar-se hino-tireoídismo; Asch observou tal fato em 21 de seus 95 casos, reunidos na literatura. Verdade é que os casos de mixedema são em sua quase totalidade anteriores ao emprego do iodo radioativo.

Em sua revisão, Montgomery nota que parece não haver relação definida entre a presença da glândula ectópica lingual e a taxa do metabolismo basal. Quatro pacientes apresentavam sinais de hipertereoídismo, enquanto em 21 dêles (13%) notava-se insuficiência da glândula (hipotireoídismo). Springer chama a atenção para o fato de os cretinos morrerem precocemente de atireose e neles o único tecido tireoídeo existente ser o da base da língua (Aschoff, Mc Callum, Erdheim). Cretinos adultos foram observados por vários autores, e em nenhum caso existia a glândula na localização normal. O único tecido tireoídeo em funcionamento só estava presente na base da língua.

Na minha observação n.° 4, em que só havia tecido glandular nessa região, o metabolismo foi de - 1%. Não havia sinais clínicos de hipotereoídismo Nas observações 2 e 3, de tumores císticos tireoídeos, o metabolismo foi de + 8,6% e de + 9,4%, respectivamente.

Em tais casos, o metabolismo representa indiscutivelmente papel muito relevante, conquanto seu valor não seja absoluto. Pelo menos, dá indicação do estado funcional da glândula, conquanto não possa indicar o local em que esta função está sendo exercida.

Não merece confiança, nesses casos, a palpação da região cervical para apurar se existe glândula tireoídea. Quando muito, em havendo indicação para traqueotomia pré-operatória, a exploração cirúrgica da região vai revelar a existência ou não da glândula, em sua localização normal.

Há por conseguinte, nestes casos de tumores da base da língua, interêsse absoluto em apurar se são êles de natureza tireoídea.

Uma vez isto feito, torna-se necessário estabelecer o estado de funcionamento da glândula (metabolismo). E, por fim, recorrendo-se à prova do rádio-iodo, verificar em que partes existe tecido tireoídeo funcional. Só com êstes dados é que pode ser firmado o diagnóstico e assentada a orientação terapêutica a ser seguida.

2 - Terapêutica

A terapêutica dessas formações varia em função de seu aspecto, de seu volume, de sua sintomatologia.

Em meus casos, na Observação n.° 4 por exemplo, a terapêutica tem sido a expectativa. Há, é verdade, o risco de hemorragia, mas os vasos de formação não são tão desenvolvidos a ponto de justificarem o temor de hemorragia grave. O tumor é uma glândula tireoídea ectópica, que é a única em função existente no organismo. Ainda assim, funciona mal, pois que o metabolismo é de - 1%. Uma vez que o paciente não apresenta sinais clínicos de insuficiência, não há vantagem, por enquanto, em recorrer a qualquer tratamento.

Nas Observações mos 2 e 3, houve necessidade da intervenção operatória por fôrça dos acidentes hemorrágicos na r n.º 2, e por possibilidade dêles na n.° 3. Na n.° 2, o doente foi trazido ao hospital em condições precárias, tal o vulto e a freqüência das hemorragias.

Há casos em que o volume do tumor e os acidentes disfágicos e dispnêicos, que êle acarreta, exigem a intervenção cirúrgica urgente.

Estamos, pois, até o momento, já com duas medidas terapêuticas à vista: uma, a expectativa simples, sob fiscalização permanente; a outra, a intervenção cirúrgica, mediata ou imediata.

A cirurgia dêsses tumores tem sido motivo de controvérsia.

Devemos, em primeiro lugar, como já foi visto, estabelecer se o caso deve ser submetido a intervenção operatória, ou não. Se só existe tecido glandular funcional na base da língua, e êste apresenta aspecto macroscópico normal e o tumor não está causando distúrbios, o verdadeiro é nada fazer, além de manter o paciente sob vigilância constante.

É intuitivo que, num caso dêsses, de existência de tecido tireoídeo na base da língua, seja êle ou não o único existente no organismo, pode êle ser: 1) mais ou menos normal, embora com função reduzida; 2) francamente adenomatoso, com caracteres proliferativos; 3) estar em degeneração cística, etc. Em suma: pode êste tecido apresentar tôdas as alterações patológicas encontradas na glândula tireoídea, quando em localização normal, como já foi dito.

Assim sendo, a terapêutica varia òbviamente com o tipo da lesão. Seria, pois, necessário, pata isto apurar devidamente, recorrer ao exame histopatológico. Mas a verdade é que, mesmo sem êste, inúmeros casos são tratados, tomando-se por base apenas o aspecto macroscópico da formação.

Em seus dois casos, por exemplo, Springer viu as tireoídeas ectópicas regredirem e tudo entrar nos eixos apenas após a administração de 100 microcuries de I131 em 30 cm3 de leite. No 1.º caso, 5 meses após êste tratamento, o tumor nada mais era do que pequena saliência. No 2.º, onze meses depois, êle era percebido à palpação, sòmente como uma zona endurecida.

Zurli, num caso de tireoídea lingual aberrante, começou o tratamento ministrando à doente 20 gamas de tri-iodotironina por dia, por espaço de quarenta dias. Como a medicação não surtisse efeito, aumentou a dose para 40 gamas diários, combinada a medicação supra-renal. A dose foi ainda aumentada para 50 gamas. Ante a ineficácia da terapêutica, passou o autor a usar o extrato tireoídeo (0 g 10 por dia). Manifestaram-se, porém, sintomas de hipertireoídismo, (taquicardia, suores, tremor das extremidades). Foi então substituído o tratamento, empregando-se doze gotas diárias de soluto iodado (iodo 1 g, iodeto de potássio 2 g para 100 ml de água). Além disso, 60,0 unidades de vitamina A e um sedativo. O tumor começou a regredir dentro de três meses e a paciente ficou livre dos sintomas.

Mediante o uso diário de 60 gramas de tri-iodotironina, Adrian, Davidovich e Piazza viram regredir ràpidamente um tumor da base da língua em uma menina de 12 anos. Os autores apenas aventam a hipótese de que talvez fôsse êste o único tecido tireoídeo funcional existente no caso, e o tumor era extremamente vascularizado.

Em verdade, podemos desde logo esclarecer que, nos casos de tumores de origem tireoídea, a terapêutica obedecerá a quatro modalidades: 1) a roentgenterapia, cujos resultados de modo geral não são muito animadores; 2) o rádio-iodo por via gástrica; 3) a medicação depressora da tireotrofina, na dose de um a três gamas por dia; 4) a cirurgia.

A glândula dessecada, a tri-iodotironina (cynomel), a tireoxina atuam sôbre a hipófise e reduzem a formação da tireotrofina. A glândula perderá volume, se, é claro, ainda não estiver sèriamente comprometida na sua estrutura e, por conseguinte, em estado funcional.

O problema da cirurgia é também complexo, e as opiniões não são concordes na via de acesso a ser utilizada.

Segundo Bergmann e Küttner, a via bucal é utilizada em 60% dos casos. Muitos são, porém, os autores que a condenam formalmente.

Na reunião de 18 de Novembro de 1961, da Sociedade de Laringologia dos Hospitais de Paris, L'émoyne e Borst apresentaram um caso de tireoídea lingual aberrante, cujo tratamento, de acôrdo com o caso, devia ser sòmente a expectativa.

O caso desencadeou discussão viva acêrca da terapêutica dêsses tumores.

André, assinalando que o grande perigo dêstes "bócios" é a hemorragia, menciona um caso mortal em mulher jovem, que não foi operada. Bloch relata caso semelhante, em que a ligadura da carótida externa salvou a vida da paciente. Já Moulonguet expõe dois casos, em que os doentes foram operados por via bucal, sem qualquer complicação.

Para Picquet, a ablação por via externa é a maneira de atuar mais prudente. Está com um caso para ser operado (tireoídea aberrante) e declara não ousar arriscar-se a operar pelas vias naturais, pois, se sobrevier hemorragia grave, ficará em situação difícil.

Debain acha igualmente que, se a intervenção fôr feita pela via bucal, não se terá possibilidade de dominar a hemorragia, uma vez que ela se manifeste.



Figs. 3 e 4 - Faringotomia supra-hioídea, segundo Pauchet.



Tanto André como Aboulker fazem referência a doentes que se negaram a permitir a operação, e vieram a falecer por hemorragias incontroláveis, no caso do primeiro, mesmo após a ligadura bilateral das carótidas.
Dessa discussão, chega-se à conclusão de que as vias naturais são extremamente perigosas pelo dificuldade de dominar-se a hemorragia uma vez declarada. Daí se teria de inferir que a via externa, cervical, põe o doente a salvo da hemorragia. No entanto, no 2.º caso de Lebon e Maurin, de uma mulher de 19 anos com disfagia total aos sólidos e disfonia, a operação foi feita por via externa (faringotomia supra-hioídea). Tudo correu bem, mas na tarde do 15.º dia após a intervenção, manifestou-se hemorragia violenta, de que a doente veio a falecer. O próprio André é que nos diz, em trabalho anterior (1958), que a escolha da via deve levar em conta o volume e a localização do tumor, sua natureza, a morfologia da bôca e do pescoço, e os problemas de hemóstase. Na realidade, nos meus casos, tanto as operações por via externa, como as pelas vias naturais, deram resultados absolutamente idênticos. Extirpar um tumor, cujo desenvolvimento maior é para fora do corpo da língua, torna-se muito difícil pela via externa. Do mesmo modo, se a mór parte do tumor se localiza no âmago da língua (vejam-se as Figs. 3 e 4 do livro de Pauchet), a via externa é a única que permite a exérese.

Se a vascularização do tumor fôr muito rica, é lógico que todos os cuidados preliminares devem ser tomados, e a hemóstase prévia pela electrocoagulação muito facilitará a tarefa. Para a via bucal há várias técnicas.

A primeira é o emprêgo da alça diatérmica, como Moulonguet usou em seus dois casos. Dundas Grant recorreu à alça fria comum, com fio forte de aço. Com duas agulhas sólidas, retas, dotadas de cabo, transfixou o tumor nas extremidades direita e esquerda. A seguir, colocou a alça, passando-a por baixo das agulhas. Desta sorte, foi feita a ablação de quase todo o tumor. O ideal é, porém, fazer a ablação em cunha (Fig. 5), seguida de sutura da ferida operatória.



FIG. 5 - Operação por via bucal, segundo Waters, Mc. Cullough e Thomas.



Para tornar o campo bastante amplo, tem-se recorrido até à secção da mandíbula, quer lateralmente (Langenbeck), quer na linha média.

Goris idealizou abrir a região sub-lingual e desinserir os dois gênioglossos.

De modo geral, basta passar fios grossos de seda na base da língua (Fig. 5). Lemairre verificou que a anestesia geral permite, por si só, notável deslocamento da língua para fora, expondo plenamente a região da base.

A via externa resume-se hoje nos três tipos de faringotomia: o infra-hioídeo de Malgaignevon Langenbeck; o supra-hioídeo de Jeremitsch-von Hacker; o trans-hioídeo de Vallas. Tive ocasião de empregar o infra-hioídeo em dois casos e acho a exposição aceitável mas, nos tumores que fazem saliência na base e são superficiais, quero crer que a via bucal faculte exposição e possibilidades operatórias mais perfeitas. Comparando casos semelhantes, como os das Observações n.º 2 e n.º 3, um operado por via bucal e outro por faringotomia infrahioídea, vejo que os resultados, foram pràticamente idênticos. Mas no caso n.º 2 havia tumor cístico, não só na base, como entre o osso hioíde e a base.

É portanto, lógico, haver, em muitos casos, indicações específicas da via a ser seguida. E de minha experiência posso concluir que o risco hemorrágico não é tão sério como certos autores asseveram.

Convém ainda ter em mente a oportunidade de empregar o material retirado na operação. Se a glândula da base da língua fôr o único tecido tíreoídeo em função, e se a operação, dado o volume da formação ou a sintomatologia por ela determinada, tornar-se inevitável, deve-se enxertar a formação ressecada no organismo, no caso em que o exame histopatológico tenha demonstrado estar o tecido em condições de exercer sua função. Kuttner aconselha implantar o tecido retirado, após extirpação dos corpúsculos epiteliais, na região do pescoço na qual devia existir a glândula, ou na bainha dos retos abdominais. Swan, Haper e Christensen operaram uma menina de 9 anos de tireoídea lingual, e só após o ato cirúrgico vieram a perceber ter sido realizada a tireoídectomia total. Tentaram, por isso, a re-implantação da glândula ressecada nos músculos do grande peitoral e reto do abdome. Ainda assim, a paciente apresentou atireose, razão pela qual dois meses depois mais um fragmento de tireoídea, conservado em líquido de Ringer e plasma, veio a ser implantado no fígado. Da mesma forma que um homotransplante com anastomose direta com a artéria tireoídea superior, terminou o implante hepático com a formação de hematoma. Apesar disso, a doente apresentou melhoras, e a prova do rádio-iodo, a princípio negativa, revelou grande atividade funcional depois dos transplantes musculares. Desde que surgiram as regras, o cintilograma, já normal, deu sinais de insuficiência, o que exigiu o tratamento supletivo com extrato tireoídeo. Os autores fizeram trabalhos experimentais a respeito da auto-transplantação tireoídea. A glândula deve ser cuidadosamente libertada da cápsula e seccionada em lâminas finas, de 1 a 2 mm de espessura. Estas são incluídas no corpo muscular ou sob a pele. As grossas superfícies de transplante devem ser evitadas, pois que, como ficou demonstrado pelo exame histológico, as células situadas no centro degeneram, enquanto as da periferia se conservam íntegras.

Observações

1." Observação. - Dália R., branca, 40 anos, brasileira, solteira, residente em Amparo, apresentou-se à consulta a 3 de Novembro de 1938.

Declara que, a cêrca de dois anos, sente dificuldade para deglutir e nota que a voz está mudada, diferente. Tem regras muito escassas, mas, na época, perde sangue pela bôca e pelas fossas nasais.

Ao exame, nada digno de especial registro para o lado das fossas nasais, da bôca, do aparelho auditivo.

Na base da língua, nota-se, na parte média, um tumor grande, do tamanho de uma noz, lobulado, irregular, formado de vários cistos. À esquerda, êstes cistos são refrigentes, como se estivessem cheios de líquido incolor. À palpação, percebe-se que o tumor é grande e um tanto deprimível.

Pedida a verificação do metabolismo basal, êste deu + 23,2%. A radiografia da região nada revelou.

A intervenção foi proposta, mas a doente não retornou a exame. Diagnóstico de probabilidade: adenoma cístico de origem tireoídea.

2.º Observação, - Maria de Lourdes O., branca, 24 anos, brasileira casada, residente em Campinas. Procura-me a 15 de Dezembro de 1947, por estar, há 15 dias, com dores na O. D. A dor dura alguns dias; forma-se uma espinha que supura. Ontem a dor voltou com maior intensidade e quase não pode abrir a bôca. Diz ter, ainda, um pequeno tumor no pescoço.

Ao exame, nada nas fossas nasais e na bôca. Amígdalas pequenas, ocultas. O. D. Nada digno de registro. O. E. Furúnculo da parede inferior. Pequeno tumor duro, não aderente à pele, móvel na profundidade, situado na região hioídea, parte média. Tumor irregular, arroxeado, localizado na parte média da base da língua, do tamanho de uma amêndoa.

Foi feito o tratamento da furunculose, ficando a paciente curada.

A 10 de Setembro de 1948, volta ao serviço afim de resolver a questão dos tumores do pescoço e da base da língua.

Foram feitos o hemograma, as provas de hemóstase, a determinação do tipo sanguíneo, etc. Pedida a verificação do metabolismo basal. Nada de especial nos exames pedidos, mas o metabolismo revelou + 8,6% (Dr. Teixeira de Camargo). Punção do tumor. Resultado: neoplasma epitelial, provàvelmente adenoma (tumor aberrante da tireoídea, tumor misto salivar?) (Dr. Monteiro Sales).

A 12 de Outubro, operada sob anestesia geral. Faringotomia infra-hioídea. Exérese do tumor cervical, que estava isolado.

A 2 de Maio de 1949 foi feita, por via bucal, a ablação do tumor da base da língua. Protração da língua, anestesia local por infiltração. Ressecção da massa tumoral com o bisturi elétrico. Alguns vasos algo calibrosos, pinçados e ligados. A ressecção foi quase total.

O exame histopatológico revelou: adenoma nodular tireoídeo, provável nódulo aberrante. O exame feito a 25 de Maio mostrou ainda restos do tumor.

A doente torna à consulta a 20 de Agosto de 1962 - quinze anos, portanto, após a operação lingual - e dias depois tem de ser submetida - a amigdalectomia, o que ocorreu sem incidentes. Examinada a base da língua, nota-se uma região cicatricial superior terminada em linha horizontal. Daí para baixo, há um pequeno tumor, do tamanho de um grão de milho, que toca na epiglote.

3.ª Observação. - Aparecida A. G., branca, 17 anos, brasileira, solteira, residente em Soturna, apresenta-se e é internada no Hospital Veta Cruz, no dia 7 de Setembro de 1948. Seu estado é precário dado o número de hemorragias, de hematêmeses repetidas, que vem tendo ultimamente.

Conta que, há anos, sofria da garganta, mas era coisa de pouca importância. Há 17 dias, estando a passear, sentiu como um líquido a gotejar na garganta e daí a hora e meia vomitou quantidade razoável de sangue, parte coagulado, parte vivo. Só vomitou uma vez. No dia imediato, logo pela manhã, nova perda sanguínea por vômito. Foi, em vista disso, levada, de automóvel, a Bauru (47 quilômetros), por estrada acidentada. O médico procurado prescreveu coagulantes. Teve vômitos ao deixar o consultório do médico, e, pela manhã, no dia imediato - sempre com grande quantidade de sangue. Passou, por fim, 4 dias sem perdas sanguíneas, mas, após acesso de tosse, manifestou-se nova hemorragia. Há nove dias não tem vômitos sanguíneos.

Ao exame, mocinha fraca, extremamente pálida. Nada nas fossas nasais, a não ser a palidez pronunciada das mucosas. A mucosa da bôca, esta então está quase branca. Amígdalas sem expressão patológica.

Na base da língua, no centro, tumor muito irregular, do tamanho de um limão pequeno, formado de vários cistos, com grande número de vasos venosos superficiais. O tumor é deprímível, elástico.

Como tratamento inicial, transfusões. Hemograma de contrôle. A doente refaz-se dentro de 15 dias. Metabolismo + 9,4%.

A 5 de Outubro, intervenção. Anestesia local (± 45 ml de novocaína a 0,50% com sulfato de potássio). Fatingotomia supra-hioídea. Pequeno tumor, do tamanho de uma avelã, duro, aderente ao periósteo da face posterior da base do osso hióide, que está quase seccionado ao meio. Ao aprofundar a incisão, tumor de massa granulosa ou grumosa: grumos amarelos, semelhando macarrão. O tumor é extirpado em sua quase totalidade. Sangramento abundante em vários pontos. Aspiração contínua, electrocoagulação dos vasos. Grande abertura de três cents. na faringe e ressecção quase total do tumor da base da língua.

Sutura da mucosa. Sutura dos músculos e da pele. Dreno. Ao cabo de dias, alta curada.

A doente reaparece para uma visita de cortezia a 10 de Março de 1955, sete anos, pois, após a operação. Ao exame, cicatriz plana.

Tumor pequeno, como uma ervilha, na parte inferior, junto à epiglote.

O exame histopatológico não foi feito por ter-se extraviado o material enviado. Mas o pré-operatório - punção do tumor cístico - revelou "tumor sanguíneo cístico (possivelmente do grupo dos hemangiomas). (Dr. Monteiro Sales). A operação mostrou porém, que devia tratar-se de tumor de origem tireoídea.

4.ª Observação. - Maria Angela de O., branca, 18 anos, brasileira, solteira, residente em Rio Claro, vem à consulta a 7 de Agôsto de 1961. Diz que há cêrca de uma semana, começou a sentir certa dificuldade à deglutição, como se houvesse uma coisa grossa (sic) na garganta. Não sentia dor, mas certo gôsto de sangue e começou a notar laivos sanguíneos na saliva. Quando deglute, percebe pequena parada do bôlo alimentar.

Ao exame, nada nas fossas nasais. Cavidade bucal normal, dentes em ótimo estado. Amígdalas pequenas, com bom aspecto.

Na base da língua, nota-se um tumor liso, séssil, róseo, do tamanho de uma avelã, localizado na parte média, como colado à epiglote. Pequena veia central, na superfície, como dividindo a formação em duas metades.

23 de Agôsto - Metabolismo basal (Dr. Teixeira de Camargo) A doente é deixada em observação.

A 18 de Junho do ano seguinte são levadas a efeito as provas funcionais da glândula tireoídea com isótopos radio-ativos (Dr. C. Segreto) : concentração tireoídea na base da língua, 24.ª hora = 20,6% índice de conversão: na 24.ª hora = 8,2%. Cintilograma: concentração na base da língua (Fig. 6).

A 5 de Junho de 1965, a doente é de nôvo examinada. Nada sente, não teve mais nenhuma perda sanguínea. Antes e durante as regras não sente aumento do tumor, não nota piora qualquer à deglutição.



FIG. 6 - Cintilograma de glândula tireoídea lingual ectópica (ausência de tecido tireoídeo na região cervical). Observação n.° 4.



Tumor do tamanho de uma azeitona média, localizado no centro da base da língua. É róseo, duro à palpação, indolor, liso, revestido de mucosa normal lisa. Grande veia central ánteroposterior.

A paciente permanece em observação.

Diagnóstico - Glândula tireoídea aberrante ou ectópica. É a única, no organismo, em função.

5.ª Observação. - Luiz A. N., branco, 10 anos de idade, brasileiro, residente em Santa Cruz das Palmeiras, é trazido pelo pai a meu serviço, a 16 de Janeiro de 1962. Foi operado de amígdalas, quando tinha 1 ano e 8 meses.

Vai para três anos, notou o pai um crescimento na língua da criança. Conquanto o pequeno não se queixasse de nada, o pai levou-o a seu médico, que disse tratar-se de amígdala lingual. A formação, ao que informa o pai, aparece inflamada quando a criança se resfria.

Ao exame, nada de anormal nas fossas nasais. Dentes em bom estado. Nada na faringe média, nem na superior.

Percebe-se na base da língua, um tumor sessil, róseo, arredondado, do tamanho de uma azeitona pequena, localizado na parte mediana, prolabando discretamente para a esquerda. A consistência é dura.

O doentinho fica de combinar comigo o exame pelo iodo rádio-ativo, mas não mais aparece no meu serviço.

Diagnóstico provável: Tireoídea ectópica? Adenoma simples?

6.ª Observação. - A menina de 4 anos de idade, brasileira, Flávia R., residente em Andradas (Minas), apresentou-se em meu serviço a 7 de Janeiro de 1963. Há uns 3 meses, os pais perceberam um carôço (sic) na base da língua, para baixo da campainha (sic). A criança deglute perfeitamente, a voz não apresenta alteração, dorme respirando tranqüilamente, e não se queixa de nada.

Nada se percebe, ao exame, nas fossas nasais e na bôca. Amígdalas grandes, algo infiltradas, com adenites correspondentes.

Na base da língua, no centro, pequeno tumor róseo, liso, do tamanho de um grão de milho, em contato com a epiglote.

A criança não voltou para os exames especiais. Diagnóstico provável: Tireoídea aberrante; tumor misto.

7.ª Observação. - Virgínia S. de O., branca, com 41 anos, brasileira, casada, residente cm Marília, vem à consulta a 16 de Setembro de 1964, porque há 3 anos vem sofrendo de tonturas discretas, sômente durante o verão. Há 15 dias sentiu a tontura, sentou-se numa cadeira, e, quando deu acôrdo de si, estava no chão. Não tem a menor noção do que aconteceu.

Feito o exame, de que só me reportarei ao que interessa no caso, dei com uma massa globosa, rósea, algo dura, na base da língua, na parte central.

Pedi o metabolismo basal, que resultou normal, e as provas de função tireoídea de I 131 (Dr. Ubajara Corrêa). Resultado: solução de I 131 usada na prova: Impulsos médios-: 110; 2) Captações pela glândula, com as devidas correções técnicas: 24% após 24 horas. ) 3 conclusão: Cifras de captação iguais aos valores normais. As taxas obtidas na base da língua, em relação à posição normal da glândula, não sugerem a hipótese de tireoídea lingual.

A doente não permitiu a retirada de fragmento para exame histopatológico. Diagnóstico provável: Tumor misto? Fibro-adenoma? Fibroma simples?

8.ª Observação. - Silvaria C., branca, 27 anos, casada, residente em Campinas, procura-me a 10 de Novembro de 1967, porque, sentindo a garganta inflamada, foi vê-Ia ao espelho e notou um carôço (sic) na base da língua.

Teve gripe há 4 meses e tem tido inflamações de garganta. Está em extremo nervosa desde que viu o nódulo na língua, temendo tratar-se de tumor maligno.

Desde criança (13 anos), percebeu um tumor, uma bola, no pescoço, à altura do osso hióide. Foi operada pela primeira vez aos 15 anos, em Monte Alto. O tumor, porém, tornou a aparecer, e submeteu-se a nova intervenção. Após ano e meio, teve de sofrer a 3.a operação em Catanduva.

O nódulo tornou a aparecer, mas muito mais reduzido em tamanho.
Por fim, ao cabo de 7 anos, aumentou novamente de volume, e teve a paciente, já em Campinas, de sofrer a 4.ª intervenção. Só então percebeu o tumor da base da língua.

Exame - Nada nas fossas nasais. Amígdalas pequenas, com bom aspecto. Pequeno tumor difuso na base da língua, no V lingual. É todo róseo e dura à palpação.

Retirado um fragmento com pinça saca-bocado para exame histopatológico. O resultado foi processo inflamatório inespecífico (Dr. Monteiro Sales). A paciente não permitiu a retirada de nôvo fragmento.
Teste funcional da glândula tireoídea (Dr. Ubajara Corrêa) : "Sob administração de 4 ml = 50 m C.i - captação pela glândula com as devidas correções técnicas: 12,3% em 24 horas. Conclusão: Captação tireoídea abaixo dos limites normais.

A captação seletiva na região da glândula isto é, no pescoço, foi muito maior do que na base da língua.
Diagnóstico - Glândula tireoídea lingual accessória.

Sumário

Estudo geral das formações que são encontradas na região da base da língua, excluindo-se as hipertrofias ou hiperplasias da chamada amígdala língual e as neoplasias malignas. O conhecimento da anatomia e da embriologia da região prova que, em sua maioria, as formações observadas nesta localização estão na dependência do aparelho tireoídeo.

As manifestações dêsse tipo são pouco freqüentes. Em cêrca de trinta mil doentes, o A. registra apenas um pouco mais de dez casos. Relata a história de 8 pacientes, em que o diagnóstico só pôde ser firmado em cinco.

Dentre estas formações, avultam as tireoídeas accessórias e aberrantes ou ectópicas, os adenomas, e os cistos tireoídeos, isto é, ligados ao tracto tireoglosso.

Revisão geral da embriologia do aparelho tireoídeo, chamando-se a atenção para os vários tipos de formações decorrentes de distúrbios da descida do brôto tireoídeo em direção ao pescoço.

Os sintomas são às vêzes vagos e não raro ausentes. Os mais sérios são as hemorragias, por vêzes graves, e em geral repetidas.

O diagnóstico de certeza só pode ser obtido pela anamnese (coincidência de hemorragias com período catamenial ou gravidez); pelo exame histopatológico de fragmentos retirados cirúrgicamente ou por punção; pela prova do rádio-iodo. Êste é o de maior valor, pois pode esclarecer se a formação localizada na base da língua é o único tecido tireoídeo funcional existente no organismo.

O tratamento pode ser médico (iodotironina, opoterapia, rádio-iodo por via gástrica, iodeto de potássio); actínico (raios de Roentgen); cirúrgico.

No tratamento cirúrgico pode ser utilizada a via bucal ou a externa.

A via bucal tem sido empregada em 60% dos casos. Certos autores não a recomendam, em vista do perigo de hemorragias difíceis de dominar. Mas há igualmente casos de hemorragias fatais em doentes operados pela via externa.

Ainda pela via bucal pode ser feita a cauterização destrutiva do tumor pela diatermocoagulação.

Para a via cervical pode-se recorrer a várias técnicas, mas a que parece mais empregada é a faringotomia infra-hioídea de Malgaigne-Langenbeck.

No caso de haver necessidade de ser feita a ablação de uma glândula tireoídea lingual aberrante, por motivo de seu volume ou por hemorragias, deve ser tentada a re-implantação, em fatias delgadas, nos músculos da parede abdominal.

Oito observações, das quais apenas cinco com diagnóstico de certeza. Dois casos operados, um sob fiscalização sem nenhuma terapêutica (glândula aberrante em mulher de 17 anos), três que não tornaram ao serviço, um com diagnóstico pelo iodo rádio-ativo, são apresentados, num total de cêrca de trinta mil doentes.

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* Professor Emérito de Clínica Otorrinolaringológica da Escola Paulista de Medicina. São Paulo.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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