ISSN 1806-9312  
Quarta, 30 de Outubro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
935 - Vol. 36 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1970
Seção: - Páginas: 117 a 125
Anestésicos Locais
Autor(es):
Mirion Martelete, E. A. S. B. A.*

Introdução

Desde sua descoberta, nunca os anestésicos locais tiveram seu uso tão disseminado como nestes últimos tempos. A descoberta de novos agentes mais efetivos, e a facilidade de administração permitiram que os pequenos procedimentos cirúrgicos fossem realizados sem dor, modificando o antigo conceito de que tratamento médico era sinônimo de sofrimento.

É provável, no entanto, que nenhum outro grupo de drogas seja mais inadequadamente usado, resultando em falhas, de um lado, e acidentes e complicações, de outro.

Êster dois tipos de inconvenientes podem ser evitados, ou dràsticamente reduzidos, se forem respeitados alguns aspectos farmacológicos e princípios de técnica.

É objetiva dêste artigo revisar a farmacologia dos agentes anestésicos locais disponíveis em nosso meio, a fim de que o seu emprêgo seja feito com maior sucesso e segurança, especialmente em Otorrinolaringologia, onde o uso destas drogas pode ser considerado indispensável.

Definição

Anestésicos locais são substâncias capazes de bloquear a condução do tecido nervoso quando aplicadas localmente sôbre o mesmo, sem lesar a sua estrutura.

Estas substâncias exercem seu efeito sôbre qualquer tipo de fibra nervosa, em qualquer parte do Sistema Nervoso. Em contato com um tronco nervoso misto, provocam bloqueio motor e sensitivo da área inervada. Potência anestésica é definida como sendo a menor concentração e quantidade de anestésico necessárias para se obter o bloqueio desejado. Difusibilidade é a capacidade que possui o agente de se espalhar pelos tecidos vizinhos. Duração de ação é o tempo de bloqueio nervoso que produz cada agente.

Toxidade: é a menor quantidade de droga capaz de produzir reações indesejáveis no organismo. O toxidade pode ser geral ou local se a reação tóxica conseqüente ao seu uso fôr sistêmica ou apenas no local de administração. Todos esses valôres podem ser absolutos ou relativos. Absolutos quando expressos em miligramas da droga e relativos quando expressos em função da comparação com um outro agente estabelecido como padrão. Ex.: a Lidocaína é uma vez e meia mais tóxica que a Procaína que, como anestésico padrão, tem toxidade igual a 1. Portanto, a toxidade relativa da Lidocaína tem valor 1,5.

Composição química

Relação entre estrutura e atividade: A maioria dos anestésicos locais de uso corrente apresenta estrutura química semelhante. Esta é quase sempre constituída por um grupo aminá, ligado a um resíduo aromático através de uma cadeia intermediária, que pode ser um éster ou uma amida. O grupo amina é hidrofilico e o resíduo aromática é lipofílico. São êsses dois grupos que vão regular a maior ou menor hidro ou lipossolubilidade do agente. A solubilidade na água é importante para seu transporte até as fibras nervosas e a lipossolubilidade é que regula a velocidade de penetração do anestésico na fibra.

A qualidade da cadeia intermediária é que determina o grau de facilidade com que o anestésico será destruido no organismo. Assim quando a cadeia intermediária for um éster, o anestésico poderá ser decomposto no plasma, tanto mais ràpidamente quanto menos complexo for o éster. Quando a cadeia intermediária for uma amida, o anestésico só poderá ser desdobrado no fígado.

0 comprimento da cadeia intermediária também é importante por determinar, na sua razão direta, a potência e também a toxidade de cada agente. De acôrdo com a composição química, os anestésicos locais podem ser assim classificados:



Como tôdas as amidas, os anestésicos locais são bases fracas, instáveis e pouco solúveis na água. Desta maneira, não podem ser estocados porque se decompõem, e em contato com os tecidos vão se difundir muito lentamente, o que dificulta a sua ação anestésica. Por isso os agentes anestésicos são empregados sob a forma de sais, principalmente os cloridratos, os quais são muito mais estáveis, podendo ser estocados, e também mais hidrossolúveis, facilitando o transporte até ao tecido nervoso. Esses sais, porém, por serem constituídos de uma base fraca (anestésico) e um ácido forte (o clorídrico), são sais ácidos, apresentando pH entre 4 e 6. Além disso não apresentam atividade anestésica, necessitando ser desdobrados pelas bases tampões do organismo para que a base anestésica seja liberada e exerça sua ação.

É fácil, portanto, inferir a importância do pH dos tecidos onde o agente anestésico terá de agir, e concluir a razão pela qual a anestesia local não se dá ou é insuficiente em região inflamada.
0 modo de ação dos anestésicos locais

O resíduo aromático-lipofísico, em contato com a bainha de cada fibra nervosa, vai obstruir-lhe os poros, bloqueando a passagem dos íons através dela e desta forma impedindo a formação ou transmissão do impulso nervoso. Conseqüentemente, o efeito bloqueador de cada agente vai depender da sua concentração ao nível da bainha nervosa.

Vários artifícios de técnica foram e estão sendo pesquisados no sentido de aumentar a intensidade ou a duração de ação dos agentes anestésicos locais.

Das drogas que foram adicionadas aos agentes com esta finalidade, apenas os VASOCONSTRICTORES comprovaram sua efetividade e até hoje ainda são empregados.

Em concentrações adequadas, êstes agentes retardam a absorção do anestésico pelos tecidos, aumentando sua duração de ação e também diminuindo a toxidade. A adrenalina é o vasoconstrictor mais largamente empregado e sua concentração ideal é a de 1/200.000, quando podo aumentar em até 30% a duração da ação do anestésico local. Seu eleito vasoconstrictor, no entanto, faz-se sentir em concentrações desde 1/400.000.

A adição de vasoconstrictor à solução anestésica aumenta-lhe a toxidade local, podendo retardar a cicatrização dos tecidos, provocar edema ou necrose no local da injeção. Além disso, os preparados comerciais de soluções anestésicas contendo adrenalina necessitam adição de substãncias estabilizadoras (geralmente bissullfito de sódio), para evitar sua decomposição,. o que torna a solução anestésica ainda mais ácida, aumentando o seu tempo de latência e diminuindo a potência anestésica.

Deve ser lembrado ainda, que é inútil a adição de vasoconstrictor à solução anestésica para uso tópico, pois êste não provoca vasoconstrictoo das mucosas.

Realizam-se pesquisas no sentido de substituir o ácido clorídrico por acido carbônico na formação dos sais anestésicos e assim diminuir o pH da solução. Apesar dos bons resultados obtidos com êstes novos sais, problemas de ordem técnica ainda não permitiram sua comercialização.

FARMACOLOGIA

Cocaína

Obtidas das fôlhas de coca, planta originária do Perú. Nome químico: Bemol-metilecognina. Sais: Sulfato ou cloridrato.

É um pó branco, cristalino, como tôdas as aminas, pouco solúvel em água, mas fàcilmente solúvel nos solventes orgânicos. Seus sais, no entanto, são bastante hidrossolúveis. Suas soluções se decompõem com muita facilidade, não permitindo estocagem ou esterilização.

Foi o primeiro anestésico a ser empregado, por isso é considerado agente padrão para anestesia tópica, sendo sua potência anestésica igual a 1.

Sua toxidade sistêmica é 4,2 vêzes a da Procaína, o que limita o seu emprêgo à anestesia de superfície sòmente.

Foi muito empregado como anestésico tópico das vias aéreas e em oftalmologia, mas nesta o seu uso foi substituído por anestésicos locais sintéticos, devido à ulceração de córnea que provoca. Seu emprêgo ficou restrito, pois, à anestesia tópica das mucosas do orofaringe, onde outros anestésicos mais recentes não conseguiram suplantá-la totalmente, uma vez que a cocaína é o único anestésico local que possui ação vasoconstrictora, proveniente de mecanismo central.

É empregada a concentração de 5 a 10% e a dose máxima de segurança é 200 mg.

É absorvida através das mucosas mas com alguma dificuldade devido à vasoconstricção que acarreta. Sua destruição também se faz lentamente o que explica sua alta toxidade.

Seus efeitos colaterais serão analisados na parte correspondente à toxicologia.

Procaína (Novocaína)

Foi o primeiro anestésico a ser sintetizado e até hoje é um dos mais empregados. Nome químico: Éster do ácido para-amino benzóico e do dietilaminoetanol. Sal: Cloridrato. A base, também branca e cristalina, é pouco solúvel na água ao contrário do sal que é altamente hidrassolúvel.

Suas soluções são bastante estáveis, podendo ser fervidas ou autoclavadas.

Procaína foi escolhida como anestésico padrão para medida de potência e toxidade enr anestesia por infiltração, sua potência e sua toxidade, portanto, tem valor 1.

Não é capaz de produzir anestesia tópica mas é efetiva em tôdas as demais formas de anestesia regional, com ou sem vasoconstrictor.

Em anestesia local é empregada nas concentrações de 0,5 a 1%. As anestesias de condução são produzidas nas concentrações de 1 a 2%.

A dose máxima de segurança foi estabelecida em 500 mg quando usada sem vasoconstrictor e lg quando associada a vasoconstrictor. Após cair na circulação sistêmica, é ràpidamente hidrolisada pelas esterases plasmáticas e seus produtos de hidrólise, ácido para-amino benzóico e o dietilaminoetanol, são eliminados pelo rim.

Tetracaína

Conhecida ainda pelos nomes de Pantocaína, Tutocaína e Neotutocaína, a Tetracaína também é um derivado sìntético do ácido para-amino benzóico. Nome químico: Para-butil-aminobenzol-dimetil-amino-etanol. Sal: Cloridrato. A base é solúvel na água e no álcool.

As soluções não são muito estáveis, hidrolisando-se com o tempo ou em presença de álcalis, determinando o aparecimento de cristais de ácido para-butil-amino-benzóico.

A toxidade sistêmica é 20 vezes a da Procaína o que restringe o seu uso à anestesia tópica e à raqueanestesia.

Sua potência como anestésico de superfície é 10 vêzes maior que a da Cocaína.

É um dos melhores agentes de que se dispõe para anestesia tópica em oftalmologia, onde é empregada na concentração de 0,5%.

É usado nas concentrações de 1% e 2% para anestesia das mucosas do orofaringe, produzindo percentagem significativa de paradas cardíacas conseqüentes à sua alta toxidade, principalmente sôbre o aparelho cárdio vascular.

A dose máxima de segurança para uso tópico é de 80 mg. Recomenda-se que o seu uso nas mucosas do orofaringe se restrinja à concentração de 1%.

Clorprocaína

Nome químico: Éster do ácido para-amino-2-cloro-benzóico e do beta-dietil-amino-etanol. Anestésico de síntese recente, semelhante à procaína, aproximadamente 2,5 vêzes mais potente do que esta e com apenas metade de sua toxidade, uma vez que é 4 a 5 vezes mais ràpidamente hidrolizado no plasma.

Não foi lançado comercialmente no Brasil.

Lidocaína (Lignocaína)

Mais conhecido no Brasil através de seu nome comercial, Xilocaína, é o anestésico do tipo amida mais empregado em nosso meio. Nome químico: Dimetil-amino-2-6-acetoxylidide. Sal: Cloridrato. As soluções, muito estáveis, podem ser estocadas, autoclavadas ou expostas à luz, sem se alterarem apreciàvelmente.

Possui pH muito próximo da neutralidade o que o torna um dos anestésicos menos irrizantes para os tecidos. Toxidade sistêmica 1,45 vêzes a da Procaína. Potência 3 vêzes a da Procaína. Duração de ação em tôrno de 2 horas quando empregado com vasoconstrictor. Produz anestesia tópica de mucosas nas concentrações de 2% a 4%. Em anestesia local é empregado na concentração de 0,5% em anestesia condutiva nas concentrações de 1% a 2%.

Doses máximas de segurança: sem vasoconstritor 200 mg, com vasoconstritor 500 mg.

É um dos anestésicos mais efetivos e seguros para anestesia tópica da mucosa do orofaringe. Os afeitos tóxicos se fazem sentir mais sôbre o Sistema Nervoso Central do que sôbre o Sistema Cárdia Vascular. Isto o torna um dos anestésicos locais mais convulsionantes mas com percentagem de acidentes fatais em Otorrinolaringologia menor do que com Tetracaína. Após sua absorção, a Lidocaína é hidrolisada sòmente no fígado e seus produtos de decomposição, eliminados pelo rim.

Mepivaína (Carbocaína)

Outra amida de síntese, muito semelhante à Lidocaína na sua ação anestésica sendo, no entanto, menos tóxica. Não se encontra disponível no Brasil.

Díbucaína (Nupercaína)

Nome químico: Dietil-etileno-diamida do ácido oxicinchonico. Derivado sintético da QuinoLeína é um dos anestésicos mais potentes e tóxicos que se conhece.

Como conseqüência disso é empregado sòmente como anestésico tópico da pele sob a forma de pomadas e linimentos, e em raqueanestesia.

Prïlocaína (Citanest)

É uma amida derivada da anilina. Nome químico: alfa-n-propilamina-2-metil-propilanilida. Ação farmacológica semelhante à da Lidocaína com toxidade sistêmica sensivelmente reduzida. Em doses altas no sangue, pode provocar metahemoglobinemia.

Por ser um anestésico de síntese recente não se encontra muitas referências bibliográficas, especialmente no que se refere à sua ação como anestésico de uso tópico.

Está sendo programado seu lançamento no Brasil.

TOXICOLOGIA

Os anestésicos locais, uma vez na circulação, depois de absorvidos, determinam uma série de reações sistêmicas, algumas delas responsáveis pelos acidentes e complicações decorrentes do seu uso.

Um dos sistemas mais envolvidos é o Sistema Nervoso Central, onde agem como se fôssem excitantes, produzindo inquietação e tremor que podem ser seguidos por convulsões clônicas. Ao estímulo inicial segue-se a depressão, com perda da consciência e depressão respiratória.

O mais convulsivante dos anestésicos locais comumente empregados é a Lidocaína, não só responsável pela maior incidência de convulsões como também por uma grande percentagem de tremores, freqüentemente cónfundidos com tremores de frio ou mêdo.

Outros anestésicos, como a Tetracaína, por exemplo, dificilmente apresentam esta estimulação inicial, caracterizando-se por depressão progressiva do Sistema Nervoso Central com sonolência e depressão respiratória levando à perda da consciência, parada respiratória e parada cardíaca, silenciosamente.

Teorias mais recentes, entretanto, sugerem que os anestésicos locais sejam apenas depressores do Sistema Nervoso Central e que a estimulação seria apenas conseqüência da depressão seletiva de neurônios inibidores. Explicar-se-ia, então, a ação anticonvulsionante que os anestésicos locais também apresentam.

O Sistema Cardio Vascular é depois do Sistema Nervoso Central o mais atingido. Provocam depressão da condução miocárdica e dilatação das arteríolas, cuja tradução clínica é hipotensão e bradicardia.

Devem, pois, ser empregadas com cautela em pacientes que já apresentam distúrbios de condução (Ex.: bloqueio A-V).

Os efeitos tóxicos sôbre o Sistema Cardio Vascular costumam aparecer após as manifestações sôbre o Sistema Nervoso Central e são sensivelmente agravados pela hipóxia.

QUADRO CLÍNICO

A gravidade do quadro clínico vai depender da concentração do agente no sangue e pode ser, didáticamente, dividido em:

LEVE: É o período inicial da reação tóxica. Nesta fase o paciente poderá se apresentar agitado, loquaz, e com incoordenação de movimentos. O quadro muito se assemelha a manifestações histéricas.

O aparecimento de contraturas musculares, principalmente na face, além do comportamento prévio do paciente, possibilitam o diagnóstico diferencial.

As contrações faciais seguem-se tremores generalizados. Nesta fase poderá haver hipertensão e taquicardia.

MODERADO: Os tremores musculares aumentam, dando origem à convulsões que se acompanham freqüentemente de perda da consciência. O paciente torna-se ràpidamente cianótico por dois mecanismos: um periférico, devido ao espasmo da musculatura respiratória na convulsão e outro central, conseqüente à depressão dos centros bulbares.

Surgem sinais de depressão cárdio vascular, principalmente hipotensão arterial.

SEVERO: às convulsões seguem-se parada respiratória, parada cardíaca e morte. Dependendo da rapidez com que o anestésico entra na circulação, as manifestações tóxicas poderão iniciar-se sob a forma leve ou moderada e progredir ou, em casos extremos, manifestar-se diretamente por colapso respiratório, cárdio vascular e morte.

O TRATAMENTO é puramente sintomático e deverá ser instituído de acôrdo com a gravidade de cada caso.

Nas manifestações leves, onde o sinal predominante é a agitação, o tratamento de escolha é a administração de barbitúrica por via intra-venosa em doses crescentes, até o desaparecimento dos tremores.

Nas manifestações moderadas, onde predomina o quadro convulsivo, há dois grandes riscos: hipóxia e depressão do sistema cárdio-vascular; como a hipóxia produz ou agrava a depressão do sistema cárdio-vascular, a medida mais importante e urgente, é a ventilação do paciente. Como os movimentos tônico-elônicos limitam severamente a expansão torácica, a ventilação, na maioria dos casos, deverá ser complementada pela administração intravenosa de relaxante muscular. A dificuldade na manutenção de uma via aérea desobstruída poderá requerer entubação traqueal. Durante as convulsões é muito freqüente o aparecimento de vômito, com aspiração para os pulmões.

A administração de barbitúricos nesta fase é muito discutida pelo fato de agravar a depressão cárdio-vascular existente. Esta, segundo o caso, deve ser tratada pela administração de glicose, água eletrólitos parenterais, além de vasopressores, de preferência os que possuem ação estimulante cardíaca marcada, como o metaraminol.

As manifestações SEVERAS, caracterizadas por colapso cárdio-vascular, requerem massagem cardíaca além de ventilação, fluidoterapia e vasopressores.

O quadro clínico pelo qual se manifestam as reações tóxicas da Tetracaína é um tanto diferente dos demais anestésicos. Este agente dificilmente apresenta o quadro de estimulação do S.N.C., manifestando-se logo a depressão. Além disso, deprime o sistema cárdio-vascular muito precoce e intensamente.

As manifestações mais freqüentes são: sonolência, cianose conseqüeinte à depressão respiratória, hipotensão e bradicardia resistentes a tratamento. Nos casos severos, a sonolência dá lugar à perda de consciência e a depressão respiratória à apnéia.

Há situações agudas, em que alguns movimentos convulsivos são imediatamente seguidos de parada cardíaca e morte.

O tratamento se resume em adequada ventilação, fluidoterapia e vasopressores. Barbitúricos são contra-indicados.

As manifestações tóxicas da COCAÍNA são completamente diferentes das dos demais anestésicos locais, devendo por isso ser relatadas separadamente.

Esta droga é um potente estimulante cortical cujo uso sistemático pode levar à tolerância e ao vicio, à semelhança dos narcóicos.

Seu efeito o S.N.C. manifesta-se inicialmente sôbre o córtex, traduzindo-se clinicamente por excitação e euforia, acompanhados de agitação motora. Produz certo aumento da capacidade intelectual bem como indiferença à dor e à sensação de fadiga, o que faz com que os indivíduos sob seus efeitos sintam-se mais fortes que os demais, tornando-se muitas vêzes agressivos, uma vez que são comuns, também, as manifestações paranóides. A cocaína induz ao vício mais por dependência psíquica do que por dependência física.

À excitação dos centros superiores, segue-se excitação medular com incoordenação dos movimentos tremores e convulsões.

A estimulação bulbar causa taquipnéia, sua ação sôbre os centros termo-reguladores condiciona o aparecimento de hipertemia.

A estimulação do S.N.C. segue-se depressão, e a morte sobrevém devido à insuficiência respiratória.

As ações sôbre o sistema cárdio-vascular traduzem-se por vasoconstrição, hipertensão e taquicardia, provàvelmente devidas à inibição da aminoxidase, que é a enzima que destrói a adrenalina e a nor-adrealina o organismo.

O tratamento do quadro tóxico da cocaína consiste na administração intravenosa de barbitúrico de ação rápida, complementada por ventilação artificial, se houver sinais de hipóxia.

Reações alérgicas ou de hipersensibilidade também podem se verificar aos anestésicos locais.

Manifestam-se sob a forma de reação alérgica eczematosa, crise asmática típica ou reação anafilática fatal.

As reações de hipersensibilidade são causadas por compostos quimicamente aparentados; assim, o paciente sensibilizado por procaína (tipo éster) poderá apresentar reação à tetracairia, mas tolerar a administração de lidocaína (tipo amida) e vice-versa.

Alguns anti-histamínicos, por apresentarem estrutura química semelhante aos anestésicos locais, possuem certa ação anestésiea. Em pacientes muito alérgicos ou hipersensíveis, pode ser obtida anestesia razoável empregando-se solução de diifenidramina, (Benadryl), por exemplos, em lugar de agentes anestésicos locais.

As reações tóxicas decorrentes do uso de vasoconstrietores são muito freqüentes e comumente confundidos com fenômenos de ordem psíquica. Caracterizam-se por palidez e taquicardia, acompanhadas por ansiedade. Cefaléia e náuseas são sintomas freqüentes, mas hipertensão arterial é o sinal mais significativo.

Se a T. A. se mantiver dentro das cifras razoáveis, é suficiente a administração de O; e barbitúricos em doses fracionadas. Se, no entanto, houver hipertensão severa acompanhada ou não de quadro cardíaco ou cerebral além das medidas anteriormente citadas, está indicada terapêutica vaso-dilatadora.

USO CLÍNICO

Em Otorrinolaringologia os anestésicos locais são empregados na obtenção de anestesia tópica das mucosas, anestesia local ou infiltrativa e bloqueios de nervo. Os princípios de técnica e precauções próprios ao seu uso serão aqui analisados.

A Anestesia Tópica das mucosas orofaringeau e traqueobrônquicas talvez seja a técnica mais comumente empregada e a que proporcione maior número de insucessos bem como de acidentes.

O conhecimento de alguns detalhes de técnica, no entanto, poderá reduzir a um mínimo êstes inconvenientes.

Absorção: Os anestésicos locais são muito ràpidamente absorvidos através das inucosas, fàcilmente atingindo concentrações elevadas no sangue. A mucosa da traquéia apresenta absorção muito mais rápida que as mucosas do orofaringe, mas é a mucosa brônquica que apresenta a maior velocidade de absorção. Esta é de tal ordem que a curva das concentrações de anestésico local no sangue se assemelha à obtida por injeção intravenosa.

É por isso que as doses máximas de segurança dus anestésicos locais em uso tópico são sensivelmente reduzidas. É recomendável o uso da menor concentração e do menor volume de anestésico efetivos para a obtenção da anestesia que se quer realizar. Quando a área a ser anestesiada fôr muito extensa, exigindo maior volume de solução, a administração fracionada previne absorção maciça.

A rapidez de absorção vai depender, também, da forma de administração do anestésico. As taxas sanguíneas conseqüentes à administração do agente por nebulização são nitidamente mais elevadas do que as resultantes da administração por instilação simples. A velocidade de absorção é tanto mais rápida quanto menor fôr o tamanho das partículas.

Tempo de Latência: As mucosas são tecidos pobres em substâncias tampões. Além disso, principalmente as mucosas do orofaringe, costumam apresentar pH baixo, o que dificulta o desdobramento do sal e liberação da base anestésica. Desta maneira, é necessário que o anestésico fique em contato com as mucosas tempo suficiente para que se exerça sua ação. Pouco adiantam as administrações repetidas da substância com a finalidade de apressar a obtenção de anestesia que muito favorecem o aparecimento de reações tóxicas.

A lavagem das mucosas com solução alcalina pode diminuir o tempo de latência e favorecer a obtenção da anestesia.

A hipersecreção das mucosas é outro fator que tende a dificultar a obtenção da anestesia por diluir o agente anestésico e impedir o seu contato com a superfície do tecido. A administração prévia de beladonados, inibindo as secreções, concorrem para obtenção de anestesia mais efetiva.

AGENTES MAIS EMPREGADOS EM USO TÓPICO

Concentrações adequadas e doses máximas de seurança.

Segundo Dripps, Eckeroff e Vandan 1967-8.



Lidocaína na concentração a 4% para mucosas do orofaringe e a 2% para mucosa traqueobrônquicas, é o anestésico que tem dado melhores resultados em nossa prática diária,

Anestesio local on infiltrativa: quando empregada em otorrinolaringologia geralmente é de pouca extensão, dificilmente havendo o risco de ser ultrapassada a dose máxima de segurança do anestésico empregado. A preocupação com o sangramento tem determinado, no entanto, o uso de doses excessivas de vasopressor, condicionando o aparecimento de reações tóxicas devidas à sobredose dêste agente. Além disso, concentrações excessivas de vasoconstrictor provocam anóxia com acidose tecidual, não só retardando e diminuindo o efeito anestésico como determinado vaso-dilatação e sangramento posterior.

Boqueio de nervo

Para a correta realização de um bloqueio de nervo é indispensável o conhecimento amplo de sua técnica de execução. Bloqueios tentados com deficiência de técnica, por colocar o anestésico longe da raiz a ser anestesiada, aumentam o tempo de latência e requerem maior volume de solução.

Concorre, também, para seu êxito a escolha do anestésico apropriado e da concentração adequada.

PRINCIPAIS FORMAS DE APRESENTAÇÃO DOS ANESTÉSICOS DISPONÍVEIS EM NOSSO MEIO

Cocaína: Sòmente o sal encontra-se à disposição.

As soluções podem ser preparadas em laboratórios ou farmácias hospitalares.

Procaína: É o anestésico mais amplamente comercializado. Encontram-se soluções de Procaína em várias concentrações e volumes, fabricadas pelos mais diversos laboratórios. Soluções de procaína Hoecht são comercializados sob o nome de Novocaína. Procaína Rhodia encontra-se sob o nome de Escurocaína.

Tetracaína: Para uso tópico: são fornecidas soluções a 0,5% o 2%, pelo Laboratório Cissa, com o próprio nome de Tetracaína. Neo-tutocaína é o nome comercial pelo qual o Laboratório Hoecht fornece solução a 2%, adicionada de corante.

Lidocaína: Sob o nome comercial de Xilocaína, foram lançadas pelo Laboratório Astra as seguintes soluções de Lidocaína: Solução a 0,5%, Solução a 0,5% + Adrenalina a 1:100.000, Solução a 1%, Solução a 1% + Adrenalina a 1:100.000, Solução a 2%, Solução a 2% + Adrenalina a 1:80.000, Cartucho com solução a 2%, Cartucho com solução a 2% + Nor-adrenalina a 1:50.000.

Para uso tópico: Solução a 4% acrescida de edulcorante, Solução a 10% em propilenoglicol, sob a forma de spray, Solução viscosa a 2%, Geléia a 2%, Pomada a 5%. Outros laboratórios estão lançando soluções dêste anestésico sob o nome próprio de Lidocaína.

Novocol é o nome comercial dado a cartuchos contendo Lidocaína a 2% + Fenilefrina 0,4 mg.

Ravocaína é o nome comercial dado à associação de procaína a 2% + Ravocaína 0,4% + Levonordefrina 0,05 mg.

SUMÁRIO

Uma revisão da farmacologia dos anestésicos locais é apresentada, dando especial atenção às reações tóxicas aos diversos agentes. Alguns detalhes de técnica são sugeridos, no sentido de aumentar a efetividade do seu uso clínico e diminuir a incidência de acidentes e complicações.

SUMMARY

A pliarmacological revew of the local anesthetic agents is presented, giving special attention to the toxic reactions. Some teehnical details on their clinical use are suggested aiming to improve the effectiveness of their use and to reduce the number of hazards.

Bibliografia

1. Adriani, J.; Campbel, D. - The absorption of Topicahy Applied Tetracaine and Cocaine. - Laringosco 68:65, 1958.
2. Adriani, J.; Campbel, D. - Fatalities following topical application of Local anesthetica to mucous membranas. J. Am. Med. Ass. 162:1527. 1956.
3. Adriani, J.; Zepernick, R. - Some recent studies on clinical pharmacology of local anesthetics of practical significand. Ann. Surg. 158:666, 1963.
4. Adriani, J.; Zeperniek, R.; Arena, J.; Authement, F. - Comparative potency and effectiveness of tapical anesthetics in man. Olin. Pharmacol. Therap. 5:49, 1964.
5. Adriani, J.; Zepernick, R. - Clinical effectiveness of drugs used for topical Anesthesia. J. Am. Med. Aos. 188:711, 1964.
6. Bromage, P.; Robson, J. G. - Conceatrations of lignocaine in the Blood after Intravenous, Intramuscular, Epidural and Endotracheal Administration. - Anaesthesia, 16: 461, 1961.
7. Collina, V. I. - Principles of anesthesiology. - Lea & Feliger, Philadelphia, 1966.
8. Dripps, R. D.; Eckenhoff, J, E.; Yaniam, L. D. - Introduction to anesthesia, Saunders - Philadelphia, 1967.
9. Fortuna, A. - Bloqueios anestésicos I -Rev. Bras. De Anest. 13:227, 1963.
10. Grodman, L, S.; Gilman, A. - As bases (farmacológicas da Terapêutica - Guanabara - Koogan, Rio de Janeiro, 1967.'
11. Harley, H. R. S.; Laurenee, K. M.; Seal, R. M. E.; Stevens, J. H. - Fatal Cerebral -Anoxia following the use of Lignocaine Spray for Bronchoscopy. Brit. J. Anaesth. 87:81. 1905.
12. Ireland, P. E.; Ferjuaon, J. H. W. - The Clinical and Experimental Comparison of Cocaine and Pentocaine as Topical anesthetics in otolaringological practice. Laringoseope 61:767, 1951.
13. Jong, R. H.; Cullen, S. C. - Buffer Demand and pH of Local Anesthetic Solutions containing Epinefrine.
14. Marikawa, S.; Kaneko, S.; Miura, J. - The Changes in the Blood Concentrations of Xilocaine administered through various routes in Man. - Survey, 9:440, 1965.
15. Proctor, D. F. - Anesthesia, and Otolaringology. - The Williams & Wilkins, Baltimore, 197.
16. Rosanore, R. - Local anesthesia for alergic Patients: Use of Diphenydramine Hydrocloride (Benadryl) as a Local Anesthetic Agent. - Year. Book of Anaesthesia Cullen: 964-65, 265.
17. Sadove, M. S. - Classification and Management of reactiones to local Anesthetic agents. J. Am. aled. Aso. 148:17, 19852.
18. Steinhauss, J. E. - Central Nervous System Effects of Local Anesthetics. - III Cong, Mund. Anesth. Tomo I, 342, 1964. S. Paulo.
19. Teliuvo, L. - An experimental study of the characteristica of Modern Local Anesthetics as surface anesthetics for the lawer respiratory traet. - III Cong, Mund. Anesth. 'Tomo T, 30, 1964. São Paulo.
20. Thornton, J. d.; Johaton, J. - The use of Prilocaine for Topical Analgesia. - Anaesthesia 19 ; 576, 1964.
21. Vandam, L, D. - Current Concepts in Therapy: Local - Anesthetics I - New England J. of Med, 263:748, 963, 1188, 1980.
22. Wikinski, J. A.; Usubliaga, J. E. - Ação anti-arrítmica dos anest. locais. Rev. Bras. de Anest. 17:259, 1967.
23. Wood. Smith, F. G.; Stenart, H. E7, - Drugs in Anesthetic Practice - Bullerworths London, 1984.
24. Younjman, H. R. - Fatal Reactione to Lignocaine - Anaesth. 19: 456, 1984,




* Médica anestesista. Av. João Pessoa, 1872 - Apart. 103 - P. Alegre - R. G. Sul
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia