(*) Trabalho da Clínica de Otorrinolaringologia do Instituto Penido Burnier - Campinas. Apresentado à Associação Médica do Instituto Penido Burnier e a Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas
A amigdalectomia em todos os tempos da história da cirurgia e até aos nossos dias era sendo considerada como intervenção das mais hernorragíparas. Complicação realmente amedrontadora, a hemorragia criou no espírito dos cirurgiões e dos doentes certo estado de angústia, verdadeira hematofobia, que, atê certo ponto tem impedido solução racional para o importante problema. Entretanto os recentes progressos realizados nos domínios da hematologia, da anestesiologia, da cirurgia e da terapêutica alteraram profundamente certas concepções clássicas vindo permitir ao cirurgião enfrentar com muito mais segurança o finais rotineiro dos atos cirúrgicos. Já não precisamos considerar a amigdalectomia operação hemorragípara; o acidente temível só raramente ocorre e, via de regra, se apresenta extremamente benigno.
No estudo da etiologia das hemorragias deveremos abordar além dos fatores constitucionais entre os anais estudaremos as hemopatias e as anomalias arteriais, os fatores cirúrgícos.
Cabem às hemopatias certa responsabilidade em alguns casos de hemorragia embora acreditemos que só excepcionalmente o distúrbio hemático possa ser responsabilizado pelo acidente. Em nossa ativa experiência de 30 anos de cirurgia especializada só uma vez encontramos caso de hemorragia em que poderiamos responsabilizar o fator hemático. Aliás a raridade desta ocorrência é perfeitamente explicável. Considerada a amígdalectomia operação eminentemente hemorragípara cirurgiões e doentes em íntima colaboração estiveram sempre atentos em afastar da cirurgia todos os casos suspeitos da mais leve hemopatia. Entretanto, de um modo geral, dão os cirurgiões importância exagerada a este fator estabelecendo medidas profiláticas e terapêuticas em absoluto desacordo com os conhecimentos atuais da hematologia.
As anomalias arteriais, especialmente as da carótida interna, podem ser responsáveis pelas hemorragias abundantes, cataclísmicas, observadas no ato cirúrgico. Estudos anatômicos evidenciaram que a carótida interna pode excepcionalmente não só se aproximar da loja amigdalina como atravessá-la dando ensejo a que o cirurgião possa feri-la. A literatura especializada registra casos desta variedade de acidentes. São fatos extremamente raros que nunca tivemos oportunidade de observar embora por diversas vezes tivessemos notado o bater da artéria ao nível da porção inferior da loja amigdalina.
As hemorragias mais freqüentemente verificadas e de maior importância na prática são as ocasionadas exclusivamente pela exerese cirúrgica. Iniciam-se quase sempre na sala de operação e se manifestam algumas horas após, podendo assumir caráter grave si não forem devidamente cuidadas.
A forma tardia que surge, cinco ou mais dias após a intervenção, é bem mais rara. Sua etiologia é obscura a maior parte dos autores julgam que elas são causadas por, processo de infecção local.
Podemos descrever na amigdalectomia três formas clínicas de hemorragias: a cataclísmica, a imediatae a tardia.
A forma cataclísmica excessivamente rara observa-se durante a ato cirúrgico e apresenta características dramáticas, próprias das lesões dos grandes troncos arteriais. O sangue jorra aos borbotões e a morte pode sobrevir em minutos se não forem tomadas providências urgentes.
A hemorragia imediata ocorre nas primeiras 24 horas que se seguem o ato cirúrgico tendendo a se prolongar enquanto não se recorre ao tratamento adequado. Quase sempre é causada por lesão arterial ou venosa ocorrida durante o ato cirúrgico e só excepcionalmente determinada pela hemopatia. Manifesta-se pela eliminação de sangue pela boca, pelo vômito sanguíneo, ou melena.
A forma tardia observada do 5.º dia em diante manifesta-se subitamente apresentando-se com menor, ïntensidade.
As hemorragias causadas por distúrbio hemático podem ser evitadas contra-indicando-se a amigdalectomia nós sofredores de hemopatias ou em casos especiais, recorrendo-se a tratamento pré-operatório. Evidentemente estamos entrando em assunto mais da alçada da hematologia que da otorrinolaringologia. Somos entretanto forçados a invadir seara alheia, porque, na prática compete aos otorrinolaringologistas descobrir entre os candidatos à amigdalectomia, os sofredores de hemopatias hemorragíparas. Para esse fim dispomos de dois meios: anamnese e exames de laboratório. Em todos os candidatos à intervenção devemos inquirir cuidadosamente sobre a existência de tendências à hemorragia reveladas não só pelo doente como pelos seus consagüíneos. Em caso de qualquer dúvida ou melhor sistematicamente requisitaremos ao laboratório os seguintes exames: tempo de sangramento; prova de retração do coagulo corrigido pela determinação do volume fluido, e teste de fragilidade capilar. Si estas três provas resultarem normais deveremos considerar o candidato à intervenção possuidor de sangue capaz de se coagular normalmente, podendo ser operado sem tratamento prévio. A requisição simples dos tempos de coagulação e sangramento, muito em voga entre nós, não preenche suas finalidades, por uma série de razões que passaremos a expor. Primeiramente deveremos lembrar a existência de hemopatias como a púrpura não trombocitopênica de Willebrand capaz de apresentar tempos de coagulação e sangramento normais e que só podem ser descobertos pela pesquisa do teste da fragilidade capilar. Em seguida deveremos considerar as deficiências técnicas do teste de coagulação, que, da maneira geralmente praticado, em tubos capilares ou em lâminas, oferece várias causas de erros. Quick em seus recentes estudos de hematologia opina pela insuficiência do teste de coagulação como critério de eficiência hemostática. Ainda mais, pesquisas feitas por um de nossos colaboradores - Alberto Afonso Ferreira - orientado por Monteiro Sales vieram demonstrar como são variáveis inconstantes e imprecisos os resultados de teste de coagulação. Finalmente a experiência clínica mostrou também existir disparidade entre os resultados do tempo de coagulação e da hemorragia durante e após o ato cirúrgico. Doentes com tempo de coagulação diminuído apresentaram muitas vêzes hemorragia operatória acentuada, sucedendo outras vêzes o contrário, isto é, não se tem observado relação entre o tempo de coagulação e hemorragia.
Em rigor, seguindo os conceitos de Quick os exames que deveriam ser requisitados seriam determinação do tempo de protrombina (que mede a atividade de protrombina no sangue) e o teste de consumo da protrombina que avalia a tromboplastina disponível. Com estes dois testes tôdas as afecções hemorrágicas conhecidas do tipo hematostático, em que a disfunção reside no sangue, podem ser diagnósticadas e em geral estudadas quantitativamente. Para abrangermos também o grupo angiostático em que a disfunção reside no vaso devemos ajuntar às duas provas a pesquisa do tempo de sangramento e dos testes de fragilidade capilar. Na prática diária, entretanto, para os exames de rotina substituímos o tempo de protrombina e o do consumo de tempo da protrombina pela prova de retração de coágulo, de técnica mais simples. Qualquer anormalidade verificada nos exames de rotina conduzirá a requisição dos testes mais delicados e precisos preconizados por Quick, juntamente com outros exames complementares que permitirão diagnósticar e estudar quantitativa e qual qualitativamente as hemopatias.
Está arraigado no espírito dos especialistas e doentes o tratamento pré-operatório visando evitar a hemorragia. Êste tratamento feito empiricamente não tem a menor utilidade. Examinemos, para exemplo a ação das vitaminas C, K e do cálcio, medicamentos mais empregados para êste fim.
A vitamina C pode ser ministrada com efeitos úteis em casos de avitaminose como no escorbuto, pois atua sobre os capilares corrigindo a permeabilidade vascular. Entretanto, nos indivíduos normais a vitamina C em nada melhora a hemostase.
A vitamina K como se sabe tem ação importante na hemostase; é transformada pelo fígado em protrombina. Não existindo no organismo quantidade suficiente de vitamina K existirá hipotrombinemia e perturbação da coagulação sanguínea. Porém mesmo nos casos de hipotrombinemia determinados pela insuficiência da vitamina K, o medicamento só será útil se o paciente tiver o fígado em boas condições capaz de transformar a vitamina K em protrombina. Havendo hipotrombinemia com graves lesões do fígado a vitamina K será inútil porque o órgão profundamento lesado não a transformará em protrombina. O indivíduo possuindo quota normal de vitamina K perderá tempo ingerindo vitamina K como profilático hemorrágico. Em excesso a vitamina K não melhora a coagulação sanguínea.
O cálcio tem ação importante na coagulação do sangue, é elemento indispensável à formação da trombina. Seu modo de agir ainda está obscuro e parece mesmo difícil de se admitir que existam hemorragias por insuficiência de cálcio. Além disso, admite-se que a hipercalcemia possa perturbar a coagulação do sangue.
Estranhamos portanto a simplicidade com que o assunto é estudado no excelente e moderno livro de Parkinson "Tonsil and allied problems". Se a capacidade de coagulação do sangue não for normal recorra-se a irradiação do baço que em 5 minutos normalizará a situação".
Em suma o tratamento profilático e curativo das hemorragias só deve ser executado após diagnóstico e estudo quantitativo da hemopatia. De rotina como normalmente se faz é inútil podendo até em certos casos ser prejudicial.
Na execução técnica do ato cirúrgico reside o fator de maior importância na profilaxia das hemorragias. Dois princípios devem orientar o cirurgião. Primeiramente a dissecção da amígdala deve ser feita com o máximo cuidado, procurando o plano de clivagem com toda diligência. Evitam-se assim lesões dos músculos subjacentes causadoras de hemorragias. Na execução do descolamento devem ser usada instrumentos rombos, visando esta precaução evitar ferimento dos grandes vasos anômalos, eventualmente encontrados. O segundo princípio decisivo na profilaxia das hemorragias é a execução meticulosa de hemostasia da ferida operatória. Aqui, como em toda cirurgia, todo vaso que sangra precisa ser ligado. Realmente em várias circunstâncias quando se operam, crianças insuficientemente anestesiadas (anestesia local ou máscara aberta com cloretil-êter) ou ainda nos adultos super-emotivos ou possuidores de exagerada refletividade faringéia, a execução da hemostasia é sempre imperfeita. Da imperfeição na execução deste tempo operatório decorrem quase todas hemorragias nas amigdalectomias. 0 exame das lojas amigdalinas deve ser meticuloso e repetido com exame de alguns minutos. Só assim poderemos nos assegurar da exangüinidade da região operada. A anestesia geral por intubação nasal permite ao cirurgião efetuar a hemostasia com toda tranqüilidade nas crianças e nos adultos super-emotivos e possuidores de hiper refletividade. Em série de cento e cinquenta casos de amigdalectomia operados com anestesia geral através da intubação nasal não tivemos um só caso de hemorragia imediata. Sendo obscuras as causas da hemorragia tardia não dispomos de recursos de indiscutível eficiência para evitá-las. Entretanto, admitindo-se a infecção local como o mais provável fator etiológico deve-se recomendar, profilaticamente, o emprêgo dos anti-bióticos e quimioterápicos localmente e por via parenteral.
0 tratamento da hemorragia conseqüente a amigdalectomia deve visar as causas e as conseqüências da espoliação sanguínea.
Quando existir hemopatia hemorragípara preconisam-se as medidas recomendadas pelos hematologistas.
Nas hemorragias imediatas causadas por hemostasia insuficiente deve o paciente ser transportado ao ambiente cirúrgico onde se procederá a ligadura dos vasos que sangram. Se houver necessidade recorre-se à narcose por intubação para maior segurança na realização dêste ato cirúrgico suplementar. A hemorragia en nappe descrita pelos franceses, traduzida pelos puristas da nossa língua para linteolar não existe em indivíduos possuidores de crase sangüinea normal.
Quando, com boa iluminação examina-se cuidadosamente uma loja amigdalina que sangra, consegue-se sempre localizar a arteríola ou veia responsável pela hemorragia. A simples laqueadura do vaso faz cessar a hemorragia. Passam assim para o rol das medidas anacrônicas as suturas dos pilares, o compressor de Bosviel e outros métodos complexos, minuciosamente descritos nos tratados de cirurgia.
A hemorragia cataclísmica determinada por ferimento da carótida interna durante o ato cirúrgico requer tratamento urgente. Para se evitar a espoliação de sangue é mister exercer compressão demorada sôbre a região que sangra enquanto um outro cirurgião preparar-se-á para proceder com a máxima urgência a ligadura da carótida interna.
Existem boas possibilidades de salvamento do paciente se estas medidas forem executadas sincrônica e rapidamente.
Para as hemorragias tardias o tratamento é simples. Basta remoção do coágulo da loja que sangra seguida da compressão local com um tampão de gaze e de pulverização com sulfapiridina para que tudo entre em ordem, embora em alguns casos possa haver recidivas. Na nova teoria da coagulação do sangue de Quick encontramos, talvez, explicação para o fato da simples remoção de um coágulo determinar cessamento de hemorragia. Pode-se admitir que no coágulo formado a fibrina tenha removido localmente toda trombina e assim as plaquetas insuficientemente labilizadas não exercerão sua ação vaso-constritora e não libertarão o ativador do tromboplastinogênio. Retirado o coágulo libera-se esta reação em cadeia capaz de realizar a hemostase.
As conseqüências da perda de sangue devem ser tratadas pela transfusão de sangue executada o mais rapidamente possível desde que se manifestem os primeiros sintomas de anemia aguda.
RESUMO DA HEMORRAGIA NA AMIGDALECTOMIA
Estudo sôbre a etiologia, formas clínicas, profilaxia e tratamento dá hemorragia post-amigdalectomia.
Como fatôres etiológicos excessivamente raros são analisados as hemopatlas hemorragíparas e as anomalias artériais e como causa de rotina a exérese cirúrgica, responsável pelas hemorragias imediatas.
As formas clínicas são classificadas em hemorragias cataclísmicas, imediatas e tardias.
Para profilaxia das hemorragias causadas pelas hemopatias, o candidato à amigdalectomia deverá ser submetido à anamnese cuidadosa e aos seguintes exames de laboratório: tempo de sangramento, prova de fragilidade capilar e prova de retração do coágulo corrigida pela determinação do volume flúido. Não tem valor algum o tratamento medicamentoso pré-operatório usado rotineiramente nos indivíduos normais e, as vezes, poderá ser até prejudicial.
A dissecção cuidadosa e a perfeita hemostasia realizada pela laqueadura dos vasos constitui a mais eficiente profilaxia para as hemorragias imediatas. A narcose por íntubação nasal facilita a execução dêstes dois principios cirúrgicos. Em 150 paciente operados com êste recurso técnico não se observou um só caso de hemorragia imediata.
O tratamento deve consistir na transfusão de sangue aliado ao estancamento da hemorragia: Quando existir hemopatia hemorragípara deve-se recorrer as medidas recomendadas pelos hematologistas; nas hemorragias imediatas a laqueadura dos vasos resolve a situação. A hemorragia cataclísmica exige ligadura da carótida, interna e nas hemorragias tardias a simples remoção do coágulo seguida de compressão da loja e insuflação de sulfapiridina resolve a situação. É sugerida uma hipótese baseada na teoria da coagulação do sangue de Quink para explicar a cessação das hemorragias tardias após a simples remoção de um coágulo.
SUMMARY - HEMORRHAGE FOLLOWING TONSILLECTOMY
A paper is made studying etiology, clinical types, prophylaxis and treatment of hemorrhage following tonsillectomy.
As etiological factors, extremely rare, A. studies hemopathies hernorragiparous and anomalies of arteries; the surgical exeresis is studied as the most frequent cause of hemorrhage.
Hemorrhage are classified in three clinical types: cataclysmic, immediate and late.
To preveni tonsillar bleeding in cases of hemopathy we must do, before the operation a careful anamnesis and require following examinations: bleeding test, capillary fragility and retraction of blood clot. The empirical use of pre-operative hemostatic drugs is not useful to prevent hemorrhage and sometimes can be pernicious.
A careful dissection and a perfect hemostase obtained lacking the bleeding vessels is the most efficiente method to preveni the immediate hemorrhage. Narcose with nasal intubation permits the execution of both surgical principles. In 150 patients operated with narcose no imediate bleeding was observed. The treatment of tonsillar hemorrhage must be blood transfusion and local heimostase. In cases of hemopatliy hemorrhagiparous, hematologists must ordered the therapeutic; the ligature of the bleeding vessels is the best solution for the immediate hemorrhage, cataclysmic hemorrhage requires ligature of the internal carotid and late hemorrhage must be treated removing the blood clot, compressing the fossa tonsillar and by insufflation of sulfapyridine. The suceess obtained stopping a hemorrhage by simple removal of a blood clot is explained by the Quick's theory of coagulation
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