(*) Docente livre da Faculdade de Medicina de São Paulo.
Bi-milenária, como o sabeis, é a operação das amígdalas.
Velha como o mundo, antiga como os povos, é a dôr já o disseram.
Ao envez de simples pinça que, por séculos, antecedeu ao gancho e escalpêlo de Hipocrates, a amigdalectomia de hoje, cirurgia como outra qualquer, conta com todos os seus recursos, inclusive a anestesiologia, - este novo e utilíssimo ramo da Medicina.
Contudo, muito se negligencia ainda a respeito da dôr pós-operatória. Parece, já satisfeito da chance do ato cirúrgico e com a idéia fixa em fatores outros como os da hemorragia - o cirurgião não dá a atenção devida à mímica do seu paciente recém-operado.
A dôr, de modo geral, é um fator de proteção. Muitas vezes providencial ao paciente, já prevenindo-o de uma afecção, já forçando-o à imobilidade e repouso para a reparação de um órgão.
Após a amigdalectomia, ao se dissiparem a anestesia local e a anestesia de base, iniciam-se os fenômenos espasticos - dolorosos, restritos, quase sempre, à deglutição. Aqui lembraríamos apenas o papel dos musculos do grupo palatino, particularmente o palatofaringêo que tem contáto íntimo com uma grande parte da superfície da amígdala; e o palato-glosso êste em contáto apenas com o bordo anterior da amígdala. A ação do musculo constritor superior está ligada com o movimento dos musculos elevadores e tensores do véo palatino. Daí a disfagia, tão mais acentuada quanto mais comprometido ou lesado cada um dêsses elementos anatomicos.
Também a dôr ou pontadas no ouvido, exclusivas quase à deglutição, não são senão reflexos do glosso-faringeo por intermédio do ramo timpanico ou nervo de Jacobson.
O musculo palato-faringeo, que forma o pilar posterior, vai alcançar, por suas fibras medianas, o bordo da epiglote, constituindo a préga faringo-epiglotica; por isso, a sua ação indireta sôbre a elevação da laringe, e sua significação na fonação e no canto justifica-se o cansaço doloroso após a conversa e particularmente após, o canto; - nos recem-amigdalectomisados.
Quando se abandona ao sofrimento pós-operatório, o paciente, sub-alimentado, deprimido, mais se expõe a uma possível disseminação infecciosa. A presença do enduto membranoso e a falta de mastigação favorecem, além do máu hálito, a formação de aftas, o que vem agravar sobremaneira o desconforto, que no adulto prolonga-se até o sexto ou oitavo dia, quando não até o 10.º e mesmo 12.º dia.
É observação diária de cada especialista: quão variáveis são êsses estados subjetivos de indivíduo para indivíduo. Em alto relevo, aqui, o capítulo da psico-somática: fatores circunstanciais, o ambiente e o preparo psicológico gratuito das conversas de véspera.
Controlar, pois, o mais que se possa, a dôr do pós-amigdalectomisado.
Os cuidados começam com a profilaxia anti-infecciosa - o emprego sistemático dos antibióticos. É incontestável como isso veio suavisar, o pós-operatório, não só nas amigdalectomias como em qualquer intervenção da especialidade: diminuíram sobremodo ou mesmo desapareceram as infiltrações, o que muito representa no terreno subjetivo.
Ainda como profilaxia da dôr pós-operatória não é demais relembrar a importancia do ato cirúrgico em si: incisão única e regular poupando a superfície epitelial, descolamento preciso no plano de clivagem e respeito absoluto às fibras musculares e demais elementos anatomicos.
Como elemento anatomico agravante da dôr-pós-amigdalectomia é geralmente mencionada a excessiva curvatura da apófise pterigóide, dando pronunciado relêvo ponte-agudo à aponevrose e tecidos subjacentes. Já presenciamos vários casos, sem ter, contudo, a necessidade de intervir, isto é, fazer a resecção:
Quanto aos analgésicos, cingindo-se ao absolutamente prático, consideramos:
a) - os analgésicos chamados gerais, de ação central sedativa e de ação periférica inibidora nas terminações sensitivas. Assim, os da série aminopirina associadas a um barbitúrico. Melhor ainda com um componente de ação muscular inibidora e espasmólitica, como a trasentina.
b) - os anestésicos locais. Entre êstes, damos preferência aos derivados da quinolina como a percaina e a mais recente nupercaina. Mais tóxica que a novocaina, é, em compensação, extremamente eficaz na aplicação de superfície em concentração mínima. Segundo Langton Hewer (Recent Advances in Anesthesia and Analgesia) a nu percaina é caracterisada por sua extrema potência e efeito prolongado. A diluição de 1 por 125.000 já tem pronunciado efeito na córnea do coelho (Brown, loc. cit.).
Outro anestésico local é a tetracaina (Syn. pantocaina, pontocaina; butethanol, etc), que prescrevemos, às vezes, em spray.
De modo geral prescrevo o uso combinado e sistematisado do analgésico espasmolitico de ação central e o anestésico local (banhos de faringe) 20 minutos antes de cada refeição. Já fui mais entusiasta do colar de gêlo é dos gelados no primeiro dia. Grande é o número de pacientes que antipatisam o gêlo; neuro-vegetativos e sujeitos a nevralgias faciais.
Negus, em Londres, admite, a formentação quente e grande massa de algodão em bruto bem fixo no ângulo do maxilar.
Como é sabido, a aspirina tem sido intensamente usada na Inglaterra e nos Estados Unidos, em uso interno e em gargarejos, ou sob a forma de goma aspirinada - "aspergum". Vários autores, começando por Lénk e seus colaboradores, em 1943, procuraram demonstrar o papel do ácido acetil-salicilico como fator das hemorragias pós-operatórias tardias. Chega-se à conclusão, entretanto, que até hoje não está esclarecido o mecanismo que produz tais hemorragias. A ação trombopeinisante do ácido acetil-salicilico é ainda duvidosa, pelo menos na dose terapêutica, até 3 grs por dia. Também a ação local da aspirina, incriminada por Ersner e por Fox e West, não explicaria como nas mesmas condições se processam em alta incidência as hemorragias nas adenoidectomias (Coombs, 1950).
Em resumo, embora, não se sabendo porque e como o ácido acetil-salicilico aumenta o risco da hemorragia, pós-operatória tardia, diz R. Maduro em seu recente trabalho "Pathologia de I'Amigdale", 1953, a prudência nos induz a evitar o seu emprêgo no pósoperatório das amígdalas. Isso, aliás, há 25 anos, aprendíamos em Viena, nas clínicas de Hajek e de Neumann, onde era sistemático o aviso aos operados de não tomar aspirina ou salicilatos.
Hollender, professor em Chicago, lembra a administração de cacodilato de bismuto, aplicado diariamente, por três dias. Vê ele mérito nesses medicamentos; embora empíricos, muito encurtam o pós-operatório.
Dado o bom resultado com a solução diluída de procaina em uso endovenoso nos traumatisados em condição de dôr, Kenneth Somers experimentou-a nos amigdalectomisados. Não usou a, solução de 0,1% na quantidade de 1 litro, e sim, abreviando o tempo de aplicação endovenosa para 5 minutos, deu a cada um de 18 pacientes, 10 c.c. de procaina a 1%; a um 2.º grupo de 20 pacientes, 10 c.c. de procaina a 2%, e a outros 3 pacientes, 20 c.c. de procaina a 2%. O alivio foi em média de 2 horas para o 1.º grupo, de 4 horas para o 2.º grupo para 9 1/2 horas para o 3.º grupo. Somers, conclue, todavia, que o emprego endovenoso de solução concentrada de novocania não é tilisável como agente terapêutico para a dor pós-amigdalectomia. 0 desconforto durante a aplicação endovenosa é tal que todos os paciente, sem a exceção de um só, recusaram receber uma segunda dose.
Quanto à prevenção da dôr pós-operatória com a anestesia no ato cirúrgico, vemos que, paradoxalmente, se propõem dois processos opostos: com fatores de difusão rápida e com substancia tampão, para a absorção lenta.
No primeiro caso, empregam-se enzimas com fatores de difusção rápida e novocaina, evitando assim o edema e a reação dos tecidos. Alonso Roy, do Chile e Fernando Coser de Pôrto Alegre, publicaram suas primeiras observações com a Hialuronidase. Aplicamse apenas 3 c.c. de cada lado, e, alegam êles, isso é bastante para o rápido bloqueio do plexo e das terminações nervosas, proporcionando assim também um pós operatório mais rápido e "sem tanta dôr, devido não haver reações dos tecidos".
Estranho que se deseje a rápida absorção do anestésico, quando tão comum é a suscetibilidade ou mesmo intolerância aos anestésicos locais. Mesmo à novocaina, que pôde determinar acidentes de colapso. Atribuem-se êstes casos, segundo Maduro, ao número crescente de indivíduos que têm intolerância ao grupo "para", provocado pelo abuso de soluções e pós de sulfa ou seja de corantes de, base parafeniléno-diamina, utilisada pelos penteadores. São indivíduos que a seguir de um tratamento externo prolongado com pós ou soluções sulfamidadas tiveram eczema mais ou menos prolongado das partes descobertas. É êste eczema o revelador da intolerância.
O segundo processo é o que se propõe como já referimos, com o anestésico associado à substancia tampão procaina e benzoato de butilamina em determinado solvente aquoso (glicol-profileno glicól) - "Efocaina" ou "Lumetrox". Terminada a extração das amígdalas e após a hemostasia das lojas, injeta-se 1 a 1,5 c.c. nos pilares anteriores ou posteriores.
Penn, de Pittisburgh, valendo-se da experiência de Fason e Shaftel em outros setores cirúrgicos, apresentou com muito entusiasmo suas 45 primeiras observações. A anestesia local foi observada aproximadamente por 5 a 6 dias, com a deglutição livre, e sem ações secundárias e interferência na cura da ferida operatória.
Morris Davidson e colaboradores do Departamento O.R.L. da Universidade de S. Louis, embora também com escaço número de observação, em pequena nota inserida no Archiv of Otol. de junho de 1953, co*cluem como questionável o valor dêsse preparado para reduzir a dôr pós-operatória.
No nosso meio, Moysés Cutin e Machado de Campos no Hospital das Clínicas procuram maior estatística para-conclusões, mais fundamentadas.
Dr. Antonio Corrêa e Ferreira Melo, fazem os primeiros ensaios com respeito à Cortisona - injetável. A sua comunicação, na sessão do dia 19 de novembro do Departamento de O.R.L. da Associação Paulista de Medicina, lembramos a aplicação local em spray, com a "Rino-Cortison".
RESUMO
A dôr do pós-operatório da amigdalectomia, embora fator de proteção, deve ser controlada o mais que se possa. A profilaxia da dôr pós-amigdalectomia começa com a administração prévia dos antibióticos.
No ato cirúrgico respeitar os elementos anatomicos. Terapeutica medicamentosa: analgésico gerais de ação sedativa e ação periférica inibidora, espasmolitica; e anestésicos locais em fôrma de banhos da faringe e spray.
Quanto à anestesia local no ato cirúrgico, para efeito prplongado refere processos com fatores de difusão rápida é os com substancia tampão para absorção lenta, aqui as observações são ainda precárias e controvéfsas. Refere aos primeiros ensaios com a Cortisone injetável, e sugere o usoem spray.
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