ISSN 1806-9312  
Quinta, 25 de Abril de 2024
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897 - Vol. 11 / Edição 4 / Período: Julho - Outubro de 1943
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 349 a 376
DIRETRIZES MÉDICAS AOS PROFISSIONAIS DA VÓZ CANTADA (*) - Foniatria e Laringologia
Autor(es):
J. G. WHITAKER (**)

A Foniatria, ramo interessante da Laringologia, ocupa-se da fisiologia e patologia da vóz. Apesar de uma decorrer da outra, têm as duas ciências cultores á parte, encontrando-se raramente laringologistas que sejam ao mesmo tempo foniatras. Isso talvez se explique pelo grande desenvolvimento da parte cirúrgica no tratamento das moléstias da garganta, a qual desvia a atenção dos especialistas das perturbações funcionais do orgão vocal, cujo estudo depende de pacientes e repetidas observações, e, portanto, de uma perseverança que, não condiz com os processos rapidos peculiares ao nosso século impaciente.

Sem insistir em argumentação para convencer que o laringologista deveria ser sempre também foniatra, uma pergunta acode, todavia, até á inexperiencia dos leigos : porque não se dedica mais o laringologista ao estudo da função vocal do orgão no tratamento do qual justamente se especialisou?

Por curiosa singularidade, não foi um médico, mas um famoso cantor espanhol estabelecido na Inglaterra - Manoel Garcia Siches - que aliás aos 100 anos ainda lecionava canto em Londres - quem fundou em 1854, a Laringologia. Desejando dar melhores ensinamentos aos seus dicipulos, procurou conhecer a fisiologia da vóz, e, de fato, sob tal diretriz conseguiu os melhores resultados, figurando entre seus discípulos grandes artistas da sua época, como Mme. Malibran e Mme. Viandot (El Siglo Medico, Madrid, 24-9-1932).

O objeto da Foniatria não é nem a Declamação, nem o Canto, nem a Oratória, mas o estudo e a correção de acidentes que afetam o exercício de uma ou outra daquelas artes, acidentes estes que são as irregularidades, as perturbações e as doenças da vóz. Para medicar e compreender tais perturbações e para executar os preceitos da higiene vocal, a condição indispensável e quasi única, é conhecer a fisiologia da vóz. Embora tendo constantemente em vista a vóz cantada, as "diretrizes" que agora esboçamos destinam-se igualmente a atores, pregadores, oradores e em geral, a todos os profissionais dá vóz, pois que a fisiologia é uma só, e é frequente recorrer á aprendizagem dos rudimentos do canto para alcançar uma boa voz falada.

A experiência nos tem demonstrado, constantemente, que as doenças funcionais da vóz, isto é, aquelas que não são conseqüencia imediata de uma lesão orgânica, tem como causa principal uma técnica defeituosa, oriunda de imperfeito conhecimento das funções dos orgãos emissores da vóz ; da falta de noções de física acústica e até de música. E são essas perturbações funcionais as que de preferência afligem ás pessoas que de um modo ou de outro se utilizam da sua vóz como instrumento habitual de trabalho.

Nos meios artísticos persiste, sempre, certa hostilidade contra a intromissão da ciencia no Canto e na Oratória - e isto ás vezes tem sua justificativa. A cooperação médica, entretanto, pode evitar que se cometam verdadeiros contrasensos na educação da vóz. Além da música o educador de vózes deve conhecer bem, tanto a anatômia, como a fisiologia da laringe. Deve ainda ter o critério e a modestia de não pretender ser mais que um guia inteligente da vóz do seu aluno, para corrigir-lhe os defeitos e impedir que se constituam vícios de técnica, de conseqüencias mais tarde funestas. Não deve, porém, ter a pretensão de criar um cantor, pois que uma boa vóz é dom da natureza. Um educador já se pode considerar bom quando não prejudica a vóz que lhe foi confiada; e isso não é um exagero, pois freqüentes são os casos de boas vozes se perderem pelo tratamento erroneo empregado sem os necessarios conhecimentos, "Primo, non nocere" deveria ser o seu lema, da mesma forma que o é para nós médicos.

Para os alunos de canto o presente trabalho não terá evidentemente grande interesse pois para eles o essêncial é possuírem o "material" em primeiro lugar e depois um bom ouvido.

No estado de repouso, físico e mental, a respiração se efetua sem interferência de nossa vontade e com movimentos regulares. O número dos movimentos respiratórios executados num minuto varia com a idade : nas crianças até 5 anos é de 26; entre os 15 a 20 anos, em média, 20 vezes; nos adultos 16 a 20 vezes por minuto. Em geral pessoas de grande estatura respiram menos freqüentemente que as de pequena. O tempo em que se efetua a inspiração é ligeiramente inferior ao da expiração e a quantidade de ar movimentada é de cerca de 500 cc., efetuando-se sua passagem exclusivamente pelo nariz e sem ruído.

No Canto, a respiração é bem diferente. Em primeiro lugar ela se torna mais dependente da ação da vontade. O número dos movimentos respiratórios efetuados num minuto diminue e é repartido de acordo com a significação do texto ou comprimento da frase musical. Quando se canta ou simplesmente quando se fala, a passagem do ar faz-se necessariamente também pela boca, devido, sobretudo, ao maior volume de ar movimentado (2 litros). É uma disposição fisiológica que exclúe, evidentemente, a limpeza, o aquecimento e o umedecimento do ar efetuados normalmente pelo nariz, e daí a recomendação, tanto a cantores como a oradores, de evitar sempre que possível cantarem ou falarem em um ambiente muito frio ou muito carregado de poeira ou fumo. Mesmo quando feita pela boca, a inspiração deve ser isenta de ruídos.

A diferença maior, entre a respiração em repouso e respiração no canto, entretanto, é a que se processa entre os tempos de inspiração e expiração. Esta torna-se muito mais longa no segundo caso, pois que é a fase da respiração aproveitada para a fonação, e chega a ser 12 vezes mais prolongada que a inspiração, não passando entretanto na oratória, de 1:7. A duração da expiração, isto é, o tempo durante o qual o som é mantido; pode chegar facilmente a 25 segundos no registro médio do homem e 20 segundos na mulher. Alguns cantores conseguem manter o tom mais tempo: Adelina Patti conseguio-o até 60 segundos. Em geral um tom sustentado 12 a 15 segundos já parece demasiado longo ao ouvinte. Em Bach encontram-se frases longas com 7 a 8 compassos para serem cantados num só movimento respiratório, mas mesmo estes não exigem mais de 20 segundos de expiração (1).

Os movimentos respiratórios, nos quais entram em ação 88 articulações de ossos e cartilagens (R. Fick), são devidos, sobretudo, á ação dos músculos intercostais, internos e externos. V. Ebner, em experiências feitas em cadáver, verificou que a contração dos músculos intercostais externos provoca a elevação das costelas e portanto um movimento inspiratório, e a contração dos intercostais internos um movimento de abaixamento das costelas, determinando a expiração. Com suas experiências encerrou Ebner uma velha discussão sobre a importância dos músculos intercostais na respiração - discussão essa que começou dois séculos antes de Cristo, no tempo de Galeno, e que, no século XVIII se reanimou a ponto de provocar inimizade pessoal entre dois sábios alemães, Hamgurger, de Jena e Halle de Cottinger.

Ficou também arredada a antiga suposição de que músculos elevadores das costelas (inspiradores) só podem ser músculos com uma de suas inserções fora e acima da caixa torácica.

Os músculos intercostais, são de pouco volume, e que levou alguns autores a despresar-lhes precipitadamente a influência da movimentação das costelas. R. Weber, porém, demonstrou que o peso de todos os intercostais de um só lado do toráx é de 125 grs., 5, equivalente quasi ao do músculo bíceps; e que os mesmos músculos apresentam no seu conjunto, uma superfície de seção de 97 cms2., equivalente a dos músculos grande e médio gluteo juntos. Ora, a potência de um músculo se obtém multiplicando a superfície de sua seção fisiologica (2) pelo numero de milímetros contraídos e pelo fator convencional 10. Segundo Ebner os intercostais se encurtam de 2mm. quando entram em atividade e assim a força por eles desenvolvida é :........... 97 x 10 x 0,002 = 1,94 quilogrametros, o que é equivalente á potência desenvolvida por todos os músculos supinadores do antebraço em distenção. Quanto aos músculos intercostais internos, pesam (os de um lado só) 76,7grs. (Weber), mais ou menos o peso do músculo tibial anterior; sua seção é de 47 cms.2., pouco menos que a do grande gluteo; na expiração se encolheu de 3,2 mm. Assim a potência desenvolvida pelos intercostais internos, de um lado só do tórax e num só movimento respiratório, é : 47 x 10 x 0,0032 = 1,5 quilogrametros ; o que representa esforço mais potente do que o executado por todos os supinadores, estando o braço em ângulo reto. Segundo Fick uma expansão de apenas 2,5 cms., para fora das costelas, por contração dos intercostais externos, é suficiente para alterar de 500 cc3, o conteúdo dos pulmões; tendo Whidenfeld calculado que na expiração o deslocamento é ainda maior. A propósito e como curiosidade, lembramos que Zunts avaliou em 26 quilogrametros a energia necessária para efetuar os movimentos respiratórios durante um minuto.

(3) Nesta parte de "mecanica respiratória" foi intencionalmente que aceitamos a autoridade de Rudolf Fick (sua contribuição ao volume II, parte 3.a do Tratado de Anatomia de Von Bardeleben, Jena, Verlag von Gustav Fischer, 1911). Autores bem mais modernos (Saerbruck-Hitzenberger-Monaldi) se ocupam detalhadamente do assunto, sempre tendo em vista ou a clínica ou a cirurgia e nem sempre são claros. O trabalho de Fick, porém, que é antigo e tem por escopo exclusivo o esclarecimento dos movimentos da respiração, corresponde melhor ao nosso desígnio de estudar os movimentos e as ações musculares que entram em função na produção da vóz humana.

(4) Seção fisiológica, e não seção transversal anatômica, feita na parte mais espessa do músculo e perpendicularmente á direção da contração de suas fibras.

Landerer e Hank (His-Archivos, 1881) por experiência em cadáver, mostraram que a posição de "descanço" do tórax é nitidamente uma posição de "inspiração" e não uma posição inter
mediaria entre inspiração e expiração, porque as costelas pela sua forma e implantação, formam como que uma mola agindo sempre no sentido da inspiração.

A inspiração tem ainda a seu favor a abertura automática da glote para a entrada livre do ar, necessária aos fenômenos vitais da respiração; a expulsão do ar dos pulmões (expiração) tem a vencer não só a tendência natural das costelas de se colocarem em posição de inspiração, como a resistência oferecida pelo fechamento da glote, fechamento que é condição essêncial para a vibração das cordas vocais e conseqüênte emissão da voz. Os músculos inspiradores não necessitam, assim, de vigor excepcional (5), auxiliados como são pela ação da elasticidade das costelas e pela abertura automática da glote. Na expiração forçada tomam parte músculos poderosos cujas funções principais são outras: movimento do tronco em geral e prensa abdominal. É facil verificar por nós mesmos que é possível "soprar" com muito mais intensidade do que aspirar ou chupar.

Na inspiração, a cabeça e a coluna vertebral se distendem, de modo que o corpo chega a ser aumentado de quasi meio centimetro na sua altura. A distenção da coluna vertebral elevando automaticamente as costelas é outro fator coadjuvante da inspiração. Por isso é que é prejudicial posição curvada do tronco - como a dos ciclistas, a dos cavaleiros ou a dos escolares debruçados sobre as carteiras.

Na respiração calma os músculos que entram em ação são apenas os intercostais - internos e externos - conforme o demonstrou R. Frick (Uber die Atmenmuskeln - His-Archivos suppl. 1897) em experiências sobre animais vivos, nas quais conservando os músculos intercostais, seccionou os outros que, independentemente pudessem contribuir para a contração ou elevação das costelas. Assim em um cão seccionou ambos os nervos frenicos, os músculos escalenos, esternocleido-mastoideu, os músculos da região hioidéa e os do ventre, com o resultado de tornar-se a respiração mais enérgica nos movimentos sucessivos de redução e elevação das costelas.

Apesar do seu alicerce sólido - a coluna vertebral - a caixa torácica deve sua grande capacidade de resistência, tão necessária á proteção dos orgãos que contém, pulmão, coração, vasos, etc., não tanto á espessura dos ossos que a compõem, mas, sobretudo á grande elasticidade dos anéis costais, formados pelas costelas e cartilagens costais. Cada um desses anéis costais é uma verdadeira mola em tensão permanente, tensão essa que pode ser ainda aumentada pela ação dos musculos inter-costais. Examinando-se com atenção a parede anterior da caixa torácica, verifica-se logo que é preparada para resistir a golpes amortecendo-os por tantas molas quantas são as costelas. Graças a esta formação, qualquer homem de constituição robusta, deitado de costas e em inspiração forçada, aguenta sem grande incomodo o peso de outro homem de pé sobre o seu tórax; e nas creanças a parede anterior do tórax não se rompe mesmo quando ocasionalmente comprimida por um peso não superior a 90 kilos, até tocar a coluna vertebral (R. Fick).

Músculos escalenos: - Além dos músculos intercostais externos, os escalenos são verdadeiros elevadores das costelas, parecendo pelo seu volume nisso ter até preponderancia. Poderosos são de fato para dobrar o pescoço para frente, ou como flexores, distensores e pronadores da coluna vertebral: entretanto, sua ação respiratória propriamente, sua ação de músculos inspiradores (elevadores das costelas), é bem menos acentuada que a dos intercostais esternos. Por isso só se torna perceptivel na respiração forçada, como por exemplo, num grande suspiro, caso em que a caixa toráxica é levantada bruscamente, duma vez e num arranco - reação que cada um de nós sente em si como; ato mui diferente da respiração.

Musculo Sternocleidomastoideus: - Este músculo age, sobretudo, pela sua inserção esternal, e somente, enquanto a cabeça está imóvel. Sua inserção clavicular só indiretamente entra em ação na respiração, pela elevação que produz, da extremidade esterna da clávicula e, com ela, da primeira costela.

Duchenne observou o caso interessante de um estudante polaco que, atacado de paralisia do diafragma e dos intercostais, passou, durante ,as três últimas semanas de sua vida, a respirar esclusivamente com os músculos esterno-cleido-mastoideus, cuja contração levantava o sternum de 2,5 a 3 cms. (citado em R. Fick).

Músculo pectoralis minor: - Esse músculo age como auxiliar da inspiração, quando o ombro está fixo pelo trapézio, e levanta a segunda e a terceira costelas.

Músculo latissimus dorsi
Músculo pectoralis maior


Músculo subclavius: - As sólidas ligações da clavícula com a primeira costela (ligamento costo-clavicular) fazem com que esses três músculos tenham influência sobre a inspiração como o demonstram os resultados obtidos pela elevação forçada dos braços na respiração artifícial. Em pessoas retiradas desfalecidas da água consegue-se facilmente a dilatação do tórax, e conseqüente entrada de ar com ruído, quando submetidas aquela manobra.

Os músculos distensores da coluna vertebral e elevadores do ombro são auxiliares da inspiração: pela distenção da coluna, o tórax, que lhe é apenso distende-se e, a elevação do ombro livra-o do lastro dos braços. Entre os músculos distensores da coluna vertebral, eram os músculos levatores-costarum considerados inspiradores regulares, mas sem razão. (R. Fick).



Fig. I


  
Fig. II e III



Cinco músculos constituem a chamada "cintura escapular": o trapézio, que é o maior deles e o mais superficial; o levator scapulae; o rhomboideus; o pectoralis minor; o serratus anterior. (6)

Pela sua disposição esse conjunto muscular ao entrar em ação, tem necessariamente de comprimir umas contra as outras, omoplata, costelas e claviculas, oferecendo assim a sua contração um estorvo ao movimento do tórax e, portanto, a respiração (Ludwig Ficker, Lehrbuch der physiolg. Anat. Marburg. 1845 - citado em R. Fick).

Conseqüêntemente, movimentos violentos dos braços como na ginastica, ou na esgrima, produzem respiração diafragmática compensatória, pois pelo apoio forçado sobre o tórax dos membros anteriores, a ação compressora dos musculos da cintura escapular se faz sentir mais intensamente, e isso, segundo R. Fick, explica a visinhança, na medula, dos centros nervosos motores do diafragma e dos musculos dos braços.

Esta observação torna esplicável o habito de muitos cantores apoiarem as mão em moveis em geral altos, como o piano, ou, o de unir-as em gancho, afastando ao mesmo tempo o cotovelos em qualquer destas posições, os braços deixam de pesar sobre o tórax e, portanto, de embaraçar os movimentos respiratórios, ao mesmo tempo que podem servir de apoio para a ação dos músculos (pectoralis minor, latissimus dorsi, pectoralis major), subclavius, mencionados pouco atràs) que somente tomam parte na respiração forçada.

Atitude oposta é a dos trabalhadores manuais ocupados no transporte de objetos pesados, (com por exemplo, trilhos) que cantam ou emitem sons rítmados : na hora do esforço cessa a voz para que o tórax ofereça apoio sólido a cintura escapular e aos braços por intermédio desta.

Negus (The mechanism of the Larynx, pg. 252) verificou que nesses casos o pulmão se encontra vazio da metade pelo menos; e a propósito refere-se ás toadas de marinheiros em que se cantam versos, que em geral terminam com a palavra aspirada "heave". O tórax encontra-se então parcialmente esvasiado devido aos esforço expiratório, e o trabalho muscular executa-se logo depois da palavra "heave" e com a respiração suspensa - Na canção dos "Barqueiros do Volga", quando representada no palco, pode-se verificar que os cantores, instintivamente executam o esforço de tração logo após os acordes graves onomatopáicos. A função das cordas vocais é, então, a de uma válvula impedindo que os pulmões se encham mais do que a capacidade conveniente para o bom desempenho do esforço muscular dos braços.

Em pesquisas, que se extenderam a todo o reino animal, verificou Negus curiosa interdependência entre o desenvolvimento das cordas vocais e o dos músculos dos membros anteriores. Os animais com uso independente dos membros anteriores, dispõem quasi todos, no interior da laringe, de uma formação valvular que corresponde ás nossas cordas vocais. Quasi todos que não tem independência dos membros anteriores apresentam a laringe desprovida de cordas. A única excepção entre os animais do primeiro grupo é o bicho preguiça, cujos membros anteriores aliás mais servem como alças para suspensão, do que para apreensão. Os cães também formam á parte, pois possuindo fortes cordas vocais não têm uso independente dos membros anteriores, a hão ser para dar o bote. Entretanto, a presença de cordas vocais está ligada quasi invariavelmente a ação independente dos membros anteriores, sendo muito menos regular a associação cordas vocais-função vocal.

No homem a fixação do toráx, para o bom desempenho do esforço muscular dos braços, desempenha ainda papel importante, insiste Negus (pg. 253), embora os braços não se destinem a segurar uma presa (tamanduá, urso), ou subir por um tronco de árvore. Entretanto o desenvolvimento da laringe e das cordas vocais na puberdade, quando o homem atinge a virilidade, é ainda vestigio da necessidade primitiva de combater pela posse da mulher. Hoje, porém, aquele mecânismo (correlação entre cordas vocais e braços) entra em ação apenas em movimentos delicados e de precisão, como por exemplo o enfiar linha na agulha. É verdade que no homem as cordas vocais não impedem eficientemente a entrada de ar como em muitos macacos, mas assim mesmo Negus verificou, pela laringoscopía que as cordas vocais se fecham por ocasião de esforços efetuados pelos braços o que só em alguns casos podemos confirmar, não tendo, entretanto feito pesquisas sistemáticas.

É oportuno conhecer que a laringe tem ainda outra função a proteção das vias aéreas superiores contra a entrada de corpos estranhos.

Função respiratória do diafragma - a tendência atual é exager a participação do diafragma no ato da respiração, a ponto de se distinguir uma respiração abdominal predominante nos homens, em contraposição á respiração costal das mulheres.

Tal modo de ver basea-se, sobretudo, no fato de, na inspiração, o fígado e o baço, orgãos em contato com o diafragma e que estão nele apoiados, moverem-se para fora, como se verifica pela palpação e percursão. O deslocamento desses orgãos é porém, na realidade, muito pequeno.



Fig. IV - (Tandler, Anatomia). Seção longitudinal do corpo. Parte anterior vista por tráz, mostrando a posição do diafragma e sua forma em cupola e os músculos da parede, do abdomen que formam a prensa abdominal.



A radioscopía é tambem uma causa de engano na apreciação do movimento do diafragma, principalmente quando não se leva em conta o grande contraste entre o movimento de elevação das costelas e de abaixamento daquele músculo - os quais não são sincronicos. Rudof Fick (obr. cit. pg. 199) afirma que o "abaixamento do diafragma não atinge, na respiração calma, mais do que 1 ½ cm. e na respiração forçada cerca de 3 cms." (7).

Observando-se o tórax na inspiração, vê-se que sua dilatação se efetua, sobretudo, na parte inferior e para os lados; vê-se mais que o aumento do tórax de frente para tráz é bem menos acentuado, isso tanto na parte superior como na inferior. Ora, tais movimentos inspiratórios não podem ser devidos á contração do diafragma, cujo resultado seria contrair as paredes do tórax, causando diminuição e não aumento do diametro torácico, com leve abaulamento da parede abdominal causado pelas visceras comprimidas. Alem disso, a inserção esternal do diafragma deveria atrair o apêndice xifóide do esterno para dentro - o que no estado normal torna-se impossível pelo ligamento costo-xifoidiano. De fato, na contração voluntaria e isolada do diafragma, que se pode alcançar após alguns exercícios, observa-se claramente o encovamento das paredes toráxicas inferiores, e abaulamento da região epigástrica. Na respiração abdominal dos quadrupedes verificasse, um deslocamento, para fora, das costelas inferiores, ocasionado pela pressão das vísceras e não pela ação do diafragma. As experiências de Fick aliás feitas em cães e coelhos, demonstraram que se não operava tal deslocamento sempre que se esvasiava o abdomem de suas vísceras.

Excitando o nervo frênico, notou Duchenne uma elevação das seis últimas costelas, que atribuiu á ação inspiratória do diafragma e que considerou primordial. Duchenne afirma que o
diafragma se apoia sobre o fígado para exercer aquele efeito mecânico sobre as costelas; mas Fick demonstra a improcedência dessa asserção, porque o fígado, suspenso na cavidade abdominal é que se apoia no diafragma, não podendo, portanto, servir-lhe por sua vez de apoio. Mesmo que pudesse, isso somente seria do lado, direito.

Fick explica o resultado observado por Duchenne por ter a pessoa que serviu para a sua experiência durante uma operação, executado concomitantemente contrações dos músculos intercostais, o que aliás não é para admirar devido ás dores produzidas pela excitação do nervo frênico. De outro lado, outros autores, não obtiveram pela excitação desse nervo, a elevação das costelas.

C. L. Merkel (citado por R. Fick) pensa que a importância principal do diafragma não está em contribuir para a dilatação do tórax, mas em ser como um regulador, (8) sujeito á vontade, da pressão do ar interior torácico, pressão de importância capital no canto modulação. Sua ação, antagônica á dos músculos expiradores e dos músculos da laringe (9), regula a saída doar e, com isso, a intensidade de altura da vóz e a duração da vibração das notas. Daí a utilidade em aprender a contrair voluntariamente o diafragma; objetivo para o qual, já em 1893, um professor de canto em Berlim - Petrowsky, projetou uma cadeira apropriada, na qual quem se sentar eréto e com os braços levantados e distendidos para tráz, terá a coluna vertebral distendida ao máximo, de modo a obrigar o toráx a uma posição inspiratória permanente, passando a respiração a ser feita exclusivamente pelo diafragma. Quando se aprende a respiração diafragmática forçada, consegue-se também a obte-la voluntariamente, com o que são beneficiados, sobretudo, os tons agúdos ; o defeito de "deixar cair a voz para dentro" tem aí corretivo excelente,



Fig. V. - Posição para o exercício do diafragma recomendado por Petrowsky. O banco com suas curvaturas especiais no assento e no encosto assegura a verticalidade da coluna vertebral.



Forças motrizes de expiração: - Para expulsão do ar da cavidade torácica é aproveitada, na breve fase inícial, a inércia dos orgãos postos em movimento pelos músculos inspiratórios,
os quais tendem a voltar automaticamente á posição de expiração, desde que os músculos inspiratórios cessem de agir. A elasticidade do pulmão, que não se esgota na expiração extrema, é outra condição, para a expulsão do ar. A pressão atmosférica não tem influência na expiração porque também se faz sentir no interior do pulmão pela tráqueia. Na posição eréta o peso da caixa torácica e do abdomem, agem continuamente no sentido da expiração, mas tal ação é contrabalançada pela elasticidade das costelas, as quais agem em sentido inverso. Somente na fase inícial é a expiração um fenômeno passivo; no mais é um movimento coordenado e que, como os outros se pode interromper pela ação da vontade; e isso nos dá a sensação de agir por meio de uma inervação especial, diferente da que experimentariamos si, por exemplo, puzessemos em ação os músculos inspiradores (intercostais externos).

Os músculos motores da expiração normal são os intercostais internos, aos quais já nos referimos no início. Na expiração forçada (Canto, Oratória) entram em ação, os músculos oblíquos, externo e interno e o transverso do abdomem, o músculo transverso do toráx - músculos transversus thoracis, s. triangularis externus - e eventualmente ainda o Iliocostalis lumborum, músculos esses cuja função principal é bem outra como já fizemos notar e adiante recordaremos.

Tipos respiratórios : - Estamos habituados a distinguir - e isto desde os tempos de Boerhaven - dois tipos de respiração: a torácica, para o sexo feminino e a abdominal para o masculino. Pela exposição do mecanismo dos músculos respiratórios, tal como a estudou R. Fick, esta classificação não tem razão de ser. Tschaussow (10) examinando oitenta e nove cadáveres não encontrou modificação ou diferença, nem na forma e comprimento do esterno, nem na conformação das articulações esternocostais : e não descobriu tão pouco, quaisquer outras particularidades anteriores das costelas, que justificassem um tipo respiratório especial para cada sexo. Nem em trinta pessoas vivas, crianças e adultos, notou diferença alguma: tanto num sexo como noutro, cada individuo isoladamente respira ora mais com o tórax, ora mais com o ventre, ora igualmente um ou outro. Gregor (Anat. Anz. Ad. 22. 1903) citado por Fick, pensa mesmo que as crianças entre 7 e 14 anos tem uma respiração - mista e

que na respiração forçada os meninos usam mais da musculatura auxiliar dos ombros, o que está em oposição aquela divisão clássica em dois tipos respiratórios. Somente pesquisas metodizadas e em grande escala, como as que poderiam fazer os médicos militares, por exemplo, poderiam confirmar, ou não a divisão de Boerhaven nos dois tipos de respiração-torácico e abdominal. É preciso, porém, admitir com Fick, que na respiração tranquila, tanto na posição eréta como na deitada, freqüentemente se observa uma movimentação quasi esclusivamente abdominal, como se vê pelo abaulamento da região epigástrica e isso tanto no homem como na mulher. O uso de espartilhos ou ide roupas apertadas, pode também fazer com que a respiração se torne predominantemente torácica, e o mesmo acontece igualmente com a posição sentada e inclinada para frente.

No decúbito dorsal o diafragma sobe mais, durante os movimentos respiratórios, mas no decúbito lateral é que se nota comportamento muito diferente do da posição eréta. De fato, quando do decúbito lateral, sobretudo sobre o lado direito, a radioscopia revela não só maior excursão do diafragma como uma surpreendente desigualdade entre as metades direita e esquerda, esta quasi imóvel em relação aquela. Hitzenberger, que descreve esses fenômenos, diz que se produz dissociação completa das duas metades do diafragma, cada uma delas passando a agir como um orgão independente. (11) Daí a dificuldade de certas arfas em que a ação exige da cantora posição reclinada ou deitada (Venus em Tanhauser; Mimi na Bohemia; Violeta na Traviata; Tosca).

O diafragma tem ação também sobre a circulação, pois quando desce, no movimento inspiratório, aumenta-se a cavidade torácica e por isso diminuída fica a pressão na mesma: o que torna possível não só a entrada do ar, mas como também o afluxo de sangue (Hitzenberger). Dá-se o inverso na fase expiratória, mais longa pelas necessidades da fonação, provindo daí a turgides das veias do pescoço, e face.

Segundo Hermann Braus (Anatomie des Menschen, vol. 1) no adulto ou na criança, em boa saúde, o perímetro torácico deve ser maior na expiração que a metade de sua estatura. Somente na puberdade (entre 10 e 17 anos) quando o crescimento é muito rapido é que o perímetro do tórax não ultrapassa a metade da altura. Cada centímetro linear do comprimento toráxico corresponde a 79 cc. da capacidade pulmonar, podendo em circunstâncias ecepcionais equivaler a 112 cc.

A complexidade da ação de músculos tão numerosos e tão diversos, agindo coordenadamente para produzir o movimento respiratório, deve ser conhecida e estar sempre presente ao professor de canto, quando tenha de intervir para corrigir algum defeito na respiração de seu aluno.

A expressão "ginastica respiratória", corrente entre professores e profissionais da vóz, é, entretanto, até hoje, para eles próprios, assunto obscuro, se bem que de importância relevante. É por causa do conhecimento rudimentar ou mesmo nulo da fisiologia dos músculos respiratórios, que são inumeros os "metodos" erroneos ou mesmo absurdos, e até prejudiciais.

Aplicando-se á prática os ensinamentos de R. Fick sobre mecênica respiratória são de recomendar aos profissionais da vóz, exercícios que tenham por fim:

a) - contração voluntária do diafragma, com auxilio da cadeira de Petrowsky, sobretudo paras as vózes agudas.

b) - O desenvolvimento dos músculos da cintura escapular para que, com o seu tonus, não deixem os braços caídos inertes ao lado do toráx, dificultando-lhe a espansão : exercícios na barrafixa e nas paralelas, exercícios de rotação do ombro (ver figs. II e III). Os movimentos dos braços estando em relação com a respiração e com as cordas vocais (Negus) é provável que esses exercícios exerçam influência sobre o desenvolvimento das proprias cordas, o que por sua vez irá influir sobre os sons graves, que se produzem sobretudo pela vibração em massa do músculo tireo-aritenoideu como veremos adiante.

Uma ginástica educadora dos músculos intercostais, isoladamente, não é praticavel.

A insistência de muitos professores de canto em aconselhar o desenvolvimento dos músculos abdominais baseia-se na suposição de que desse modo se exercita o diafragma. Na realidade, tais músculos pelas suas inserções nas costelas determinam seu abaixamento e portanto podem influir na expiração (S. Mollier pg. 163) mas os efeitos principais que determinam (12) agindo em conjunto se conhecem sob o nome de "prensa abdominal" e o seu mecânismo assim se processa: o diafragma é recalcado tão baixo quanto seja possível, numa inspiração forçada, ao mesmo tempo que por via reflexa, fecha-se a entrada da laringe com a conseqüente retenção de ar nos pulmões: estes, assim distendidos, opõem-se à elevação do diafragma, e como os músculos da parede abdominal entram também em contração, resulta desta ação conjunta diminuição no volume da cavidade abdominal, e aumento da pressão no seu interior. Com esse aumento de pressão no interior da cavidade abdominal fica assegurado o desempenho de certos atos fisiológicos, como a defecação, ou o parto. Somente para efeitos da "prensa abdominal" é que o diafragma e os músculos abdominais em geral antagônicos, agem sinergicamente.

Si se abre a laringe, em plena atuação da prensa abdominal, imediatamente o quadro se inverte: os pulmões são espremidos como si fossem esponjas, e o seu conteúdo, ar ou muco, é expelido violentamente para o exterior ocasionando a tosse (F. Sauerbruch. Verlag von Julius Springer, Berlin 1925 - segunda edição. Vol. II, pag. 695).

Hugo Stern (13), antigo diretor da Seção de foniatria da Clínica Laringologica da Universidade de Vienna, explicava a prisão de ventre nos casos de paralisia do recorrente, pela anulação parcial da ação da prensa abdominal com o escapamento de ar pela glote mal fechada. Negus (trabalho citado) confirma que no esforço da defecação as cordas vocais se fecham.

A adução das cordas vocais não é suficiente para assegurar o fechamento da laringe quando a pressão pulmonar tem de ser fortemente elevada. Um papel auxiliar cabe aí às falsas cordas vocais (ligamentos ventriculares), que têm a forma de válvulas de concavidade dirigida para baixo (para o ventriculo de Morgani) ; elas se aproximam e se tornam tanto mais enfunadas quando maior for o esforço expiratório, opondo-se à passagem do ar de modo semelhante pelo qual funciona a válvula mitral do coração (Negus).

A contração dos músculos abdominais (como se dá no "chispar" a barriga) durante a expiração, comprime as visceras, que, por sua vez, obrigam o diafragma a se deslocar para cima, o
que se pode verificar pela radioscópia. O mesmo se pode observar quando se substitue a compressão abdominal ativa pela pressão da mão aberta empurrando o abdomen. É a chamada "manobra de Glenard", que foi até erigida em método de verificação do tonus do diafragma, pois que cada indivíduo apresenta um deslocamento diferente (Hitzemberger). Esses movimentos passivos, tanto menos importantes quanto maior for o tonus do diafragma, dificilmente poderão ser favoráveis ao canto, antes deverão ser desfavoráveis à função moduladora do diafragma.

Aqueles mestres de canto, que atribúem importância essencial aos músculos abdominais na respiração do canto, devem ter presente, portanto, as verdadeiras funções fisiológicas desses músculos, para evitar que se prejudiquem as vózes que lhe são confiadas. Não devem dar excessiva importância à respiração, pois que si a altura de um tom pode ser modificada pela pressão do ar expirado (o tom se torna mais agudo com o aumento de pressão), o mesmo efeito, conseguido pela ação dos músculos da laringe, torna-se mais agradável, porque não dá a impressão de grito ou de esforço.

A laringe, embriológicamente uma víscera, não é por excelência orgão vocal, porque si o fôra estariamos constantemente, ou falando, ou cantando. Negus (obr. cit. pág. 245) salienta que muitos animais, por natureza silenciosos (os ursos, os marsupiais), possuem nas respetivas laringes dispositivos anatômicos semelhantes às cordas vocais humanas, ao passo que outros animais, por natureza barulhentos (gato, carneiro, porco), não dispõem de cordas vocais.

Já referimos a correlação, no homem, entre cordas vocais e esforços do membro superior e da prensa abdominal. Diremos também, que a laringe constitue um dispositivo de segurança colocado na entrada das vias aéreas inferiores. Passemos aqui, ao que nos interessa imediatamente, ao estudo da função vocal da laringe.


ANATÔMIA DA LARINGE

O aparelho emissor da vóz é constituido pelas duas cordas vocais, que se tornam tensas para a fonação, e com os bórdos retilineos e bem esticados, aproximam-se deixando entre si uma fenda estreita, por onde o ar expelido dos pulmões passa com grande atrito, determinando vibrações que produzem o som. As cordas vocais têm o nome consagrado pelo uso, mas é pouco adequado pois a semelhança com as cordas de instrumentos mais é aparente e apenas quando vistas de cima, ao passo que, vistas em secção transversal da laringe, tem antes a forma de cunha ou lábio. E assim lábios vocais teria sido a denominação mais conseqüente com essa forma e sobretudo com seu modo de funcionar.

A fonação é um ato complexo exigindo a combinação de vários movimentos que se podem repartir em três grupos (Hajek):

a) Fixação das extremidades das cordas vocais.
b) Sua adução.
c) Tensão dos seus bórdos.



Fig. VI. Laringe na respiração (Imagem laringoscopica) (M. Hajek)




Fig. VII. Laringe na fonação (M. Haick)



A extremidade anterior das cordas (o vertice do V) tem inserção fixa na cartilagem tireoide, na altura e por tráz do pomo de Adão. A extremidade posterior, com inserção na aritenoide, que é móvel, tem como um dos fatores de fixação o ligamento crico-aritenoideu posterior. O outro fator é o músculo cricotireoideu; e aquí chegamos aos músculos próprios da laringe, cujo conhecimento é indispensável para compreender a fonação.

Músculo crico-tireoidéu:- É músculo par, que se origina na face externa da cartilagem cricoide, próximo da linha mediana, e dirigindo-se para fóra e para cima, vai fixar-se no bordo inferior e no corpo inferior da cartilagem tireoidéa. Sua con-


tração faz-se tomando o ponto fixo na tireóide, do que resulta um movimento para trás, em báscula, da chapa da cartilagem cricoíde com a qual é solidaria a cartilagem aritenóide com ela articulada e em cujo "processus vocalis" se insere a corda vocal: o resultado final é o esticamento desta. O músculo crico-tireoideu é o músculo distensor (esticador) das cordas vocais, que sob sua ação, vibram sobretudo pelos bordos.



Fig VIII. - Osso hioide, laringe e traquéia com seus ligamentos "in situ". Notar o m. cricotireoideu.



Fig. IX. - Ação do músculo cricotireoideu tomando ponto de apoio na cartilagem tireoide.
* Posição da cricoide.
** Posição da aritenoide depois da contração do m. cricotirevideu. (Segundo M. Hajek).



Músculo crico-aritenoideu posterior (m. posticus) : - Músculo par, situado posteriormente. Tem origem na chamada cartilagem cricóide; percurso obliquo para fóra e toma inserção no "Processus muscularis" da cartilagem aritenoide. Quando se contrái, provoca a rotação desta para fóra de modo que a corda vocal é também desviada lateralmente. A ação do músculo é afastar as cordas uma da outra, para permitir a entrada do ar. É o único músculo laringeano com função respiratória, todos os outros tendo função vocal.



Fig. X. - Músculos da laringe vista posterior (segundo Heitzmann)



Músculo crico-aritenoideu lateral: - É o músculo antagônico do Posticus : pela sua contração aproxima uma da outra as cordas vocais (movimento de adução). O músculo aritenoideu transverso completa a ação do cricoaritenoideu lateral aproximando fortemente as aritenoides.

Músculo tireo-aritenoideu : - Constitue o corpo, o enchimento, da corda vocal. Suas fibras mais internas formam um feixe que tem a denominação especial de Músculo vocal ou simples
mente "Internus" (Musculus internus). É o músculo que põe a corda sob tensão, tornando-a vibrátil em toda a sua superficie e volume.

Dois pequenos músculos, que modificam a posição e a forma da epiglóte, o ari-epiglótico e o tireoepiglótico; desempenham função secundária, mas não despresível como veremos daqui a pouco.



Fig. XI. - Músculos da laringe Vista lateral (segundo Heitzmann)



A laringe é mantida em sua posição no pescoço por meio de músculos que a suspendem ao osso hioide, o qual não estando em relação com o resto do esqueleto, é, por sua vez mantido em posição por outro grupo de músculos que o prendem ao esterno e á base do crânio e ao bordo do maxilar inferior. Esses músculos da parte anterior do pescoço são bem visíveis nas pessoas mais magras ou nas de mais idade. Existem ainda membranas elásticas cuja ação se faz sentir para baixo, para o tórax, constituindo a parte passiva desse aparelhamento de suspensão e movimento.

O papel desse conjunto muscular não é apenas a suspensão do osso hioide e da laringe; muito mais que isso seu fim é não só mover a laringe por falar e para cantar, como mante-la fixa em determinada posição. Sua ação permite a alteração da forma e do tamanho da caixa de resonância que é a faringe, e facilita a função dos músculos vocais, qualquer que seja a posição



Fig. XII



da laringe. O dispositivo biológico que assegura ao som emitido pela laringe (aparelho resoador da vóz) a resonância que lhe confere um dos característicos de voz humana, e sobre o qual falaremos ainda na parte da fisiologia, compreende os espaços situados acima das cordas vocais e se compõe do espaço laringeano supraglótico do meso e do epifaringe, do nariz com seus acessórios e da cavidade bucal. Em S. Mollier "Plastiche Anatomie" encontra-se assim descrito: "As cavidades bucal e nasal, superpostas, dispõe cada uma de uma entrada própria. Atrás, elas se abrem num espaço comum, a faringe, a qual se comunica em baixo, por meio de dois tubos situados um diante do outro, a traquéia e o esôfago, com os pulmões, colocados no tórax, e com o estômago, situado no ventre. A fig. XIV mostra a forma afunilada da faringe, cujo bordo superior tem direção oblíqua para frente e para baixo. Com esse bordo superior ela se insere no crânio de modo a apanhar as aberturas posteriores da boca e do nariz. A faringe estreita-se (sombreado na fig. XIV), para baixo e, na altura da quinta vertebra cervical, apresenta a entrada da laringe. Essa entrada pode ser fechada pela epiglóte. Atrás da laringe, a faringe desce mais um pouco para, na altura da sexta vertebra cervical, continuar pelo esôfago. Entre a cartilagem tireoide e o maxilar inferior está o osso hioide com sua forma de ferradura, ligado ao maxilar inferior e á base do crânio por músculos fortes, como o mostra a figura n.° XIII.



Fig. XIII



O conhecimento da inervação da Laringe é indispensável para o bom entendimento da fisiológia da vóz e de suas perturbações. O grosso da inervação sensitiva e motora é dado pelo X° par crâneano, (Vagus), que envia á Laringe os dois nervos laringeus, superior e inferior, este mais conhecido pelo nome de nervo Recurrente. A inervação pelo simpático também é considerável e veremos adiante qual a sua importância.



Fig. XIV (S. Mollier)



O m. Laringeu tem dois ramos. O superior ou interno é predominantemente sensitivo distribuindo-se pela mucosa da laringe, valécula, epiglóte e mesofaringe. Penetra na laringe depois de atravessar superficialmente o sinus piriformis, cuja mucosa levanta numa prega ("Plica nervi laryngei superioris") fácil de reconhecer ao exame laringoscópico e, sobretudo, fácil de ser atingido pelas inflamações do tecido línfoide vizinho, amidalas palatina e lingual. O ramo inferior ou externo, do laringeu superior é constituido por fibras motoras, que se destinam ao músculo crico-tireoideu. Todos os outros músculos da laringe são inervados pelo recurrente.

A mucosa situada entre as duas cartilagens aritenoides e formando o que se chama em clínica "parede posterior da laringe" assim como a mucosa da parte adjacente da parede posterior da traquéia, numa pequena distância, são particularmente ricas em fibras sensitivas, reagindo com acessos violentos de tosse quando alguma particula de alimento extraviada ou algum corpo estranho com ele fica em contáto (cae no "goto"). Este é um dos dispositivos de defesa da laringe. Os tratados de Laringológia consideram que inflamações, mesmo pequenas daquela mucosa são a causa de tôsses extremamente penosas e idênticos ensinamentos, da nossa parte ouvimos várias vezes no extrangeiro. Entretanto são comuns os casos de laringite crônica com espessamento tão acentuado da mucosa da parede posterior que embaraça a ação do músculo transverso, impedindo-o de aproximar completamente as aritenoides, do que resulta rouquidão mas não tôsse. Por outro lado temos verificado com muita freqüência que inflamações catarrais, agudas ou crônicas, da base da língua ou das amídalas, provocam irritação intensa do laringeu superior que no seu trajeto superfícial sob a mucosa do sinus piriformis está em vizinhança próxima, sobretudo do tecido linfóide da base da língua; é aí que temos encontrado com freqüência a causa de tôsses paroxisticas e rebeldes.

G. Hofer demonstrou que a inervação sensitiva da laringe não é unilateral, e fenômenos realmente interessantes sobre a inervação, sensitiva e motora, da laringe, se encontram nas pesquisas minuciosas de Enrico Rubaltelli (16) feitas por meio de cortes seriados histo-anatômicos, de fetos e embriões humanos:

O laringeu superior, pelo seu ramo externo ou inferior, não somente inerva o músculo cricotireoideu (o que tem por função esticar a corda vocal), como ainda envia fibras ao músculo cricoaritenoideu lateral (o que aproxima as cordas vocais) e tireoaritenoideu (o que dá a corda tensão necessária à sua vibratilidade, é o músculo chamado "vocal"), valendo-se, para isso, de relações de contiguidade e de continuidade. Estes dois músculos são inervados predominantemente pelo recurrente, mas o fato de receberem impulso também do laringe superior, mostra que há fundamento anatômico para o funcionamento sincrônico e harmônico dos músculos da laringe: o mesmo impulso que distende as cordas, contribue, em parte pelo menos, para que elas também se aproximem e entrem no estado de tensão que as permitem vibrar e fazer vibrar a coluna de ar expelida dos pulmões.

O músculo cricotireoideu recebe ainda um nervo, exclusivo, o laringeu médio, originário do plexo faringeu do simpático.

Todos os músculos laringeanos são abundantemente providos de filetes nervosos, mas o músculo tireo-aritenoideu interno (m. vocais) destaca-se não sómente pelo número particularmente grande de ramificações nervosas que lhe são destinadas, como pela delicadeza de constituição dessas ramificações, que se dispõem em rede de malhas tenuíssimas, e mais ainda pela abundância e pelo tamanho das plaquetas terminais. Essa inervação especializada foi já encontrada (17) em outros músculos estriados que tomam parte na vida vegetativa e escapam em parte à nossa vontade e que se distinguem, entre outras propriedades, pela de passarem rapidamente do estado de relaxamento ao de contração; tais são os músculos motores do olho, e os da mímica facial. Já o músculo crico-tireoideu não dispõe dessa inervação finamente especializada (Arione) e menos ainda o músculo da respiração), cujas terminações nervosas são em menor número e mais grosseiras (Rubaltelli).

Importante é também o fato verificado por Rubaltelli de que o ramo interno do laringeu superior não é puramente sensitivo ele envia fibras motoras para os músculos aritenoideus transverso e oblíquo, que puderam ser acompanhadas até sua terminação direta nas fibras musculares ou até sua anastomose com as fibras do nervo recurrente que é o inervador principal daqueles pequenos músculos.

Os músculos crico-aritenoideu lateral (adutor) e o tireo-aritenoideu (tensor) tem sua inervação rigorosamente unilateral, ao passo que o posticus e o transverso tem inervação cruzada (Rubaltelli).

O sistema simpático tem também parte na inervação dos músculos da laringe, sendo o pósticus o que maior numero de fibras recebe (Onódi, citado por Hajek), seguindo-se-lhe o cricotireoideu e o tireo-aritenoideu (Rubaltelli).

As fibras do simpático provêm do gânglio cervical superior e seguem dois caminhos para atingir a laringe. Uma parte se reúne diretamente aos nervos laringeu superior e recurrente e a outra segue via indireta passando primeiramente através do plexo carotidiano, acompanhando em seguida a artéria tireoidéa e as artérias laringéas superior e inferior (via plexo simpático vascular) (Rubaltelli).

O valor funcional do simpático na inervação dos músculos da laringe, e na dos músculos em geral, não é facil de ser explicado. O ponto de vista de Spadolini (18) de que o simpático dá o tonus e o vago o ritmo aos músculos lisos não é mais aceito pela maioria dos experimentadores (19). O efeito do simpático sobre os músculos se faz através dos vasos sanguíneos - seu efeito seria o de um tonus químico (Grinker).

O antagônismo entre o vago e o simpático não significa uma anulação reciproca de efeitos, como ainda hoje é admitido com freqüência, mas uma ação complementar concorrendo para o bom desempenho da mesma função. O sistema nervoso é um todo que dispõe de seções especializadas para funções celulares qualitativamente diversas. A mesma célula pode estar em relação com fibras nervosas de natureza e de origem diversas, cujos impulsos ela recebe por intermédio de "substâncias receptoras" localizadas em lugares diferentes da célula e destinadas a deixar incólume o protoplasma vital. A ação dupla de muitos medicamentos tem aí uma explicação.

As experiências de O. Loewi (citado por Spadolini) feitas no coração, demonstraram que a transmissão do impulso nervoso se faz por via humoral: o impulso dado pelo vago ao coração provoca no tecido deste orgão a libertação de uma substância (a substância vogal) a qual por sua vez, age sobre a célula muscular e provoca os mesmos fenômenos que se atribuem à excitação do nervo. A ação de um fermento faz com que a substância vagal seja utilizada "in loco" totalmente, porção nenhuma passando para a circulação. O efeito da inervação depende da quantidade de substância vagal e do seu aproveitamento pelos tecidos. A substância vagal está presente em todos os tecidos, tendo uma constituição química semelhante à da acetilcolina. A atropina pode impedir o aproveitamento da substância vagal; a pilocarpina é seu excitante. As fibras simpáticas também libertam uma substância ativa (a simpatina), que, pelas suas propriedades biólogicas e químicas é semelhante à adrenalina. Está presente onde quer que haja inervação simpática, praticamente todo o organismo. Tem atividade vasoconstrictoras, que se manifestam com predileção sôbre as arterias de calibre médio e sôbre as arteríolas, ao passo que as influências vaso-dilatadoras do vago - onde as ha - se exercem quasi somente sobre os capilares: a circulação de certos orgãos é assim regulada não por antagonismo, mas por ações opostas exercendo-se porem sobre elementos diversos (Spadolini). Veremos adiante como se faz a irrigação dos músculos vocais e como se pode tirar uma aplicação prática importante do conhecimento das substâncias vagal e simpática.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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