ISSN 1806-9312  
Terça, 30 de Abril de 2024
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881 - Vol. 11 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1943
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 159 a 165
NOVA TÉCNICA PARA O TRATAMENTO CIRÚRGICO DO COLOBOMA CONGÊNITO DA ASA DO NARIZ. APRESENTAÇAO DE DOENTE. (1)
Autor(es):
DR. J. REBELO NETO (2)

O cirurgião poderá aplicar para o tratamento operatório das perdas congênitas da asa do nariz qualquer um dos inúmeros processos citados nos livros clássicos.

Todos eles apresentam, porem, como veremos em pouco, um inconveniente que os autores mais modernos têm tentado diminuir: o de deixar cicatrizes externas.

A operação aqui lembrada consegue evita-las por completo, cingindo-se exclusivamente a manobras endo-nasais.

As perdas de substância da asa, de origem traumática ou patológica, podem ser corrigidas pela mesma maneira das de origem congênita, embora destas se diferenciem por possuir a margem livre arredondada, lisa, em condições de ser aproveitada para ir formar a parte justamente mais difícil de reconstituir, que é a orla da narina.

Essa distinção, entretanto, não é tão profunda a ponto de impor particularidades técnicas na néo-formação alar e não impede que sejam aplicadas para ela os mesmos processos, servindo indistintamente para as duas variedades.

O essencial é obedecer, no plano corretor à estrutura anatômica da parte, onde não falta, para complicar ainda mais o problema, alem do revestimento cutâneo e o arcabouço cartilaginoso, um forro mucoso.

A extensão do processo destrutivo é outro fator de peso, influindo decisivamente no espírito eclético que preside e orienta a tática cirúrgica. Assim, para os pequenos entalhes, Krause creou
a sua incisão em V invertido, suturado em forma de Y e Bockenheimer uma incisão paralela ao bordo livre, suturada em sentido contrário.

Nas lesões de maior envergadura, há necessidade de prover o forro por meio do reviramento da pele vizinha e a cobertura da área cruenta por meio de enxerto livre de Wolfe (tipo Smith) ou com retalhos pediculados nasais, jugais, labiais ou de distâncias mais consideráveis como da região frontal, tão ao sabor dos antigos autores (V. Nélaton e Ombredanne-La rhinoplastie).

O princípio imperativo da boa cirurgia plástica, ao qual devemos ser cada vez mais fieis restaurar sem mutilar, conduziu a uma diretriz mais conservadora, onde um mais apurado respeito a figura humana não poupa esforços para evitar ou ocultar os traços da agressão cruenta.

Surgiram assim as técnicas que vão buscar à distância os tecidos necessários, em locais onde a exerese é facil de dissimular. Pela constituição anatômica, similar à da asa, o pavilhão da orelha foi lembrado. Konig utilisa-o como enxerto livre e Ivanissevich mantendo-o vivaz por intermédio do transplante ao polegar e daí para o nariz.

A conformação obtida é boa mas nem sempre é possivel mascarar a mutilação do pavilhão, máxime no homem, alem da multiplicidade de tempos que exige e da demora em atingir a meta final.

O processo italiano, trazendo um retalho pediculado do braço ou tubulisando-o previamente à maneira Filatow-Gillies é teoricamente superior aos outros, se bem haja uma margem de risco estético, causado pela dissemelhança de tonalidade entre a cor do tegumento nasal e da região doadora. Foi a técnica aplicada ao nosso primeiro caso:

Caso 1: L. G., branco, iugo-eslavo, com 12 anos, registrado no nosso Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa, em julho de 1937. Passado mórbido sem interesse. Nasceu com o defeito que apresenta: entalhe acarretando o recuo da borda livre da narina esquerda 7mm para cima da linha normal, tomando a forma de um V invertido. O ramo interno, apreciado de perfil, é paralelo ao dorso do nariz e o outro ramo possue uma tal inclinação que é facilmente visível, mesmo de frente (Fig. 1). A aparência desse ramo é a que mais se aproxima à da asa normal. A linha quebrada do contorno superior contribue para aumentar a amplitude do orifício narinário. O revestimento cutâneo e mucoso da asa deficitária não se aparta da do lado são. O tratamento eleito foi o processo tubular, para evitar cicatrizes faciais e que a idade do paciente facilmente toleraria.

No dia 27 de julho de 1937 foi feito um tubo cutâneo pela técnica de Filatow-Gillies na face antera-interna do terço inferior do braço esquerdo, medindo oito centímetros de comprimento. O pedículo distal desse tubo foi unido à orla nasal previamente avivada a 10 de setembro, sendo o braço mantido em posição por um aparelho gessado (Fig. 2). Nove dias depois foi o mesmo retirado e seccionado o tubo, apresentando-se a pele transplantada perfeitamente vivaz, apta a ser modelada. A Fig. 3 mostra o aspecto onze meses depois. Há apenas uma linha cicatricial delimitando a parte enxertada, não havendo distinção de colorido com a área receptora. Não conseguimos acompanhar a evolução tardia dessa correção.



Fig. 1, 2 e 3



Caso 1: Fig. 1: Paciente de 12 anos, portador de coloboma congenito, da asa nasal esquerda.
Fig. 2: A extremidade distal do pediculo tubular foi suturada à orla da narina defeituosa, depois de avivada. O aparelho imobilisador de gesso permaneceu nove dias. Fig. 3: Aspecto do paciente onze meses depois de terminada a plástica.

Um outro artifício ele técnica consiste em tornar o coloboma menos visivel, esfumando habilmente as áreas vizinhas, máxime quando coexistem outras deformidades que carecem de correção, como no:

Caso 2: N. S., branca, solteira, brasileira, com 19 anos, enviada pelo Dr. J. Celeste. A malformação congenita é mais complexa, pois alem do encurtamento alar, ainda apresenta o ângulo interno do olho direito encurvado para baixo e uma depressão ao nivel da apófise montante mesmo lado, mais aparente durante o sorrir. Devido ainda à inserção muito baixa do sub-repto (Fig. 4) e proeminência da espinha nasal anterior, o sorriso agrava o encurtamento do lábio superior.

O tratamento consistiu numa parte nasal e noutra ocular, assim resumido: a) recuo do sub-septo pela ressecção fusiforme, baixa, do septo paralela a margem livre sub-septal: b) ressecção da espinha nasal anterior; c) elevando a inserção do sub-repto mais para cima, de modo a alargar a altura labial; d) elevação do ângulo palpebral interno, pela transposição ele retalho após a seccão do ligamento palpebral interno; c) estufamento da depressão

Caso 2: Fig. 4: Alem do encurtamento alar do lado direito, nota-se ainda malformação ocular, depressão ao nivel da apofise montante do maxilar direito, prolapso do sub-repto e encurtamento do lábio superior. Fig. 5: Foi feita uma tentativa para mascarar o encurtamento da asa, sem toca-la diretamente, pela elevação do sub-repto e da sua inserção nasal e pela correção das outras deformidades.

assinalada na altura da apófise montante com tini retalho dermal retirado da face externa da coxa direita. A conduta terapêutica consistiu, como vimos em mascarar o desnivelamento alar, não tão intenso em si mas tornado trais aparente pelos defeitos vizinhos, pelo combate eliminatório desses defeitos (Fig. 5).

Desejamos agora referir a técnica por nós proposta e que tem a vantagem de não deixar nenhuma cicatriz externa, aliada à rapidez do tratamento. Foi a técnica utilizada no



Fig. 4 e 5.



Caso 3: A. P., 13 anos, brasileira, enviada pelos Profs. E. Vampré e Zerbini. A deformidade é identica a do paciente da Fig. 1. A primeira consulta foi feita quando a paciente tinha 5 anos. Não havendo complexo de inferioridade, propuzemos opera-la aos 13 para 14 anos para evitar retoques impostos prelo crescimento.

O tratamento pre-operatório consistiu na extinção da foliculite, mais intensa para o lado do coloboma.

A técnica criada para eliminar a deformidade foi a seguinte na face mucosa da vertente nasal encurtada pelo coloboma foi traçado um retalho em U, começando e terminando 5 mm acima do bordo livre do coloboma e cujas dimensões em largura e comprimento foram ditadas pelas dimensões da perda de substância (Fig. 8 A). Apenas a mucosa é dissecada (Fig. 8, B) até 5mm da orla livre, ponto onde foi praticada uma incisão curvilínea dos tecidos moles da asa, menos o tegumento cutâneo (Fig. 8, C).

O bisturi passou imediatamente a descolar o tegumento cutâneo do lado esquerdo da pirâmide nasal. Nesse momento foi fácil verificar que a orla descia sem embaraço alem do nível da orla do lado são. Um fragmento de cartilagem auricular, retirado da própria paciente antes de iniciar o tempo nasal foi fixa por dois pontos a face posterior do retalho mucoso (Fig. 8, D) que foi rebatido na sita posição e fixo com dois pontos (Fig. 8, E) respeitada sempre a hipercorreção. Antes de suturar a cartilagens foi a mesma envolta em cristais de sulfanilamida, precaução imposta tendo em vista o proceso de foliculite anterior a operação. Pelo mesmo motivo não foi preferida a cartilagem septal.

Dois pontos transfixaram em U a face posterior ela asa, na zona onde a mucosa não tinha sido descolada e passaram pelos orifícios de uma pequena prótese em alumínio. Tamponamento frouxo com gase vioformada do lado do enxerto. Enquanto o auxiliar mantinha a tração contínua dos fios e controlava a boa posição da orla, a prótese era fixa ao dorsos do nariz pelas folhas de um aparelho gessado, com pontos de apóio na testa e regiões malares. Conseguida a pegada do gelo, a prótese ficou imobilizada e os fios foram finalmente atados dois a dois, mantendo a orla da asa em hipereorreção (Fig. 8, G).

A finalidade dessas manobras é a seguinte: 1) Conhecida de antemão as dimensões da peça cartilaginosa a operação é iniciada pelo tempo auricular a fim de evitar uma possível contaminação.



Fig. 6 e 7.



2) O retalho mucoso cobre facilmente toda a cartilagens transplantada e os dois pontos evitam o seu deslocamento.

A) Traçado da incisão na mucosa da face posterior do nariz . B) O retalho mucoso foi descolado e faz charneira 5mm acima da margem livre alar . C) O pontilhado mostra o logar donde parte o descolamento da pele do nariz, até o limite marcado pelo sombreamento. D) A cartilagem auricular esta imobilizada em boa posição por dois pontos. E) O retalho foi reposto, ocultando a cartilagem e fixando a hipercorreão com dois pontos laterais. A área sombreada mostra a porção desprovida de revestimento epitelial. F) Esquema da Operaçao terminada, vendo-se os fios tratores e a zona sem epitélio. G) A prótese de alumínio tal como deve ficar colocada depois de presa elo gesso, vendo-se o prolongamento inferior voltado para o lábio e provido de orifícios para a passagem dos fios.

3) O emprego da cartilagem é não só para aumentar o relevo da asa, como, principalmente, para antepor uma resistência, efetiva à retração post-operatória ou cicatricial que tornaria a elevar a orla ao seu primitivo logar.

4) Ainda para dificultar esse fenômeno, a área da face mucosa que permanece sem epitélio (Fig. 8, F) deve ficar ubicada na parte mais alta, digamos acima do rebordo do orifício piriforme.

5) A passagem dos fios tratores bem baixo e a colocação do tampão evitam a eversão da asa.

6) Os três pontos de apôio para o aparelho gessado garantem a fixidez da prótese em boa posição. O repouso do paciente, cuidados com a mastigação, bem como uma técnica impecável na confecção do aparelho gessado, garantem o seu não descolamento, o que deve ser evitado a todo o custo.

O aparelho e o tampão são retirados no 5.° ou 6.° dia.

O resultado da operação que acabamos de descrever pode ser visto na Fig. 7.



A) Traçado da incisão na mucosa da face posterior do nariz B) O retalho mucoso foi descolado e faz charneira S mm acima da margem livre alar C) O pontilhado mostra o logar donde parte o descolamento da pele do nariz, até o limite marcado pelo sombreamento D) A cartilagem auricular esta imobilisada em boa posição por dois pontos E) O retalho foi reposto, ocultando a cartilagem e fixando a hipercorreção com dois pontos laterais. A área sombreada mostra a porção desprovida de revestimento epitelial F) Esquema da operação terminada, vendo-se os fios tratores e a zona sem epitélio G) A prótese de alumínio tal como deve ficar colocada depois de presa pelo gesso, vendo-se o prolongatnento inferior voltado para o lábio e provido de orifícios vara a passagem dos fios.



SUMARIO

São apresentadas três observações de coloboma congênito da asa nasal, comportando cada uma, conduta terapêutica diversa.

O primeiro caso foi corrigido por um pedículo tubular preparado no braço e daí transplantado para refazer a asa congenitamente ausente.

O segundo, associado a outras deformidades faciais e oculares, foi eliminado pela combinação de manobras endo-nasais, sub-septais, faciais e oculares.

Para o terceiro foi criada uma nova técnica, cuja vantagem capital é a rapidez em alcançar o resultado final, não deixando a menor cicatriz no exterior. Consiste em praticar um retalho mucoso, descolar a pele de modo a poder atrair a margem livre da asa ao nivel desejado. A retração post-operatória é evitada por um enxerto de cartilagem auricular ou septal entre as duas folhas descoladas: mucosa e cutânea e pela fixação permanente na nova posição por meio de um aparelho protético mantido durante alguns dias.




(1) Trabalho apresentado na Secção de O. R. L. e Cirurgia Plástica da Associação Paulista de Medicina em 17-4-1943.
(2) Membro da Academia Nacional de Medicina. Chefe da Secção de Cirurgia Plástica da Santa Casa de S. Paulo.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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