ISSN 1806-9312  
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87 - Vol. 22 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1954
Seção: - Páginas: 13 a 19
BLASTOMICOSE PRIMITIVA DO LARINGE (*)
Autor(es):
ARISTIDES MONTEIRO (RIO)
FLÁVIO APRIGLIANO (RIO)

(*) Trabalho da clinica oto-rino-laringológica do Hospital I.A.P.T.E.C.

De 1908 para cá, data da primeira descrição da moléstia por Lutz, vários casos de blastomicose têm sido publicados com maiores ou menores minúcias, estudados sobre outros tantos pontos de vista bacteriológico, clínico e anatomopatológico.

Os trabalhos de Splendore, Haberfeld, Pedroso, Pupo, Olímpio da Fonseca, Cunha Motta, Floriano de Almeida e outros, muito contribuíram para o conhecimento da blastomicose, sendo que esse último tomou especial interêsse pelo seu estudo, criando o têrmo de "paracocidiose brasiliensis" para o tipo descrito por aqueles autores, chamando a atenção das autoridades sanitárias do Estado de São Paulo para a disseminação da moléstia, considerando um novo problema sanitário, pois que em cinco anos poude registrar mais de 151 casos.

No hospital S. Francisco de Assis, na clínica da Faculdade de Medicina ao tempo da chefia de nosso eminente mestre Prof. Marinho, depois substituído pelo Dr. Paulo Brandão, víamos com certa frequência casos de blastomicóse da bôca, do tipo anterior, sem comprometimento ganglionar, mais predominante que o bucal posterior, de evolução mais rápida, mais grave de prognóstico, ao contrário da forma anterior, lenta e passível de cura clínica. Nunca porém vimos nenhum caso de localização primitiva do laringe, em cêrca de 100.000 doentes que passaram por aquela clínica de 1923 até 1947, quando se encerraram as atividades profissionais daquele hospital. Essa localização primitiva animou-nos a publicação desse trabalho, pois que além desses nossos casos, só conhecemos na literatura nacional os descritos por Rafael da Nova e Nelson Hora.

OBSERVAÇÃO- S. M. homem, branco, brasileiro, casado, motorista, com 38 anos de idade, morador em Minas Gerais. Refere que há seis meses começou a sentir coceiras, na garganta, ficando rouco de vez em quando. Atribuiu ao frio pois que varava noites, levando o seu caminhão por vales e serras áfora. De tempos para cá piorou da voz, tendo perdido algum pêso. Veio a consulta 25-5-50, pensando em tuberculose do laringe. Orofaringoscopia e nariz, normais. Laringoscopia: cordas vocais com infiltração uniforme; vendo-se, na corda vocal direita, pequena granulação exulcerada com pontilhados hemorrágicos simulando petéquias; essa infiltração aumentava-lhes o volume, estendendo-se às imediações das aritnoides, livres do processo inflamatório. Epiglote normal.

Com uma anamnese cuidadosa fizemos, o diagnóstico diferencial com a lues e, tuberculose, ficando por exclusão o de blastomicose a ser confirmado pela biopsia e outros exames subsidiários. Internado o paciente foi, enviado a clínica médica, pedimos raio X do pulmão e coração. Exames de laboratório: -Wassermam e Kahn negativos. Pesquisa de Bacilo de Kock no escarro e lavado do estomago negativos. Do esfregaço do material colhido diretamente das cordas vocais, registrou-se a presença de cocos, gran positivos, isolados e aos pares. Radiografia lateral do pescoço e do laringe e tomográfia dessa região, também normal. Campos pulmonares normais ao raio X.

Feita a, biopsia, essa demonstrou a presença de alterações tissulares características da blastomicose. Assim os numerosos abcessos intraepiteliais, quase que específicos dessa lesão, eram vistos com a presença do blatomices parasitando as células gigantes tipo, Langhans. Aqui e alí no corion, observa-se um infiltrado plasmocitário o epitélio apresentava-se com um processo de acaratose, ínsinuando-se em profundida em forma papilar. Fêz-se, também, um macerado de parte da biopsia que injetado no saco-escrotal do coelho, deu-origem a formação de um abcesso, em cujo pús foram encontrados numerosos, parasitos típicos de para-coccidioides brasiliensis.

Estabelecido o diagnóstico etiológico, fácil foi instituirmos a terapêutica específica com o tratamento pela sulfa. Iniciamos com 2 comprimidos cada 4 horas duranfe um período: de dois meses, num total de seis gramas diárias, espaçando para 12 horas nos últimos 15 dias de interriamento. Durante esse tempo, diáriamente, no início, aplicava-se no doente uma injeção de antitoxicum, e vez por outra complexo de vitamina B. Exames repetidos de urina davam-nos resultado do estado do rim, que não apresentou nenhuma alteração. Medicação sintomática de rotina foi dada por qualquer queixa do paciente. Exames repetidos do laringe mostravam regressão lenta porém definitiva dó processo específico. Dois meses depois, demos alta ao paciente com cordas vocais bastante diminuidas de volume, sem infiltrado algum. Foi prescrito um tratamento para fazer em casa, e combinado outro exame clínico em, quatro meses. No fim desse período novo exame do laringe mostrou as cordas vocais completamente, normais, quanto ao aspecto e motilidade. Revisto seis meses após, novamente verificamos a cura da lesão inicial; com integridade absoluta das cordas vocais e aumento de pêso do paciente, que retornara aos seus afazeres habituais.

OBSERVAÇÃO II - A. M. M. homem, branco, português, motorista casado, com 51 anos de idade, morador em Caxias, E, do Rio. Relata que há meses ficou rouco, sentindo pontadas na garganta. Orofaringoscopia normal, nariz idem; laringoscopia indireta: Epiglote sem alteração, corda vocal direita congesta. Corda vocal esquerda infiltrada, apresentando em seu 1/3 posterior lesão de aspecto vegetante de um vermelho vivo e com pequeno ponto ulcerado. A motilidade dessa corda era normal, assim como a do lado direito. Por laringosegpia direta sob anestesia local foi retirado fragmento para exame histo-patológico.

Esse caso também foi diagnosticado provisoriamente de moléstia de Lutz, pois fomos excluindo as outras afecções que poderiam se localizar no laringe do mesmo paciente. Os exames de laboratório forneceram-nos essa ajuda. Raios X de pulmão, negativo; exames de escarro com homogenização, também negativos. Lavado de estômago idem; Raios X e tomografia do laringe normais. Reações de Wassermam e Kahn negativos. Feita a biopsia deu-nos um resultado desconcertante: tuberculose. Fomos ao anatomo-patologista, que nos declarou não poder dar outro diagnóstico; si bem que, acentuava ele, não havia folículo típico de tuberculose, porém a presença de numerosas células gigantes tipo Langhans dava que pensar nesse resultado, agora então provisório, em vista das nossas objeções. Não havia no estroma examinado, aqueles numerosos abcessos intraepiteliais típicos e o infiltrado plasmocitário era escasso. Viam-se numerosos linfócitos grupados ou isolados e certa hiperplasia do epitélio. Não se poderia firmar diagnóstico pela lâmina; os resultados negativos dos outros exames faziam-nos pensar em blastomicose, daí aconselharmos ao patologista que cortasse em diferentes alturas o bloco do P. C. Em outros corte, deparamos com a lesão anatomo-patológica clássica da blastomicose: numerosos abcessos intraepiteliais no estroma e várias células gigantes tipo Langhans parasitadas pelos blastomices. O epitélio de revestimento hipertrofiado, penetrava, às vêzes, fundo do córion que se mostrava por vêzes pontilhado por um infiltrado linfoplasmocitário.

Esclarecido o diagnóstico de blastomicose pela última biópsia, em razão dos cortes seriados foi então minisfrado, ao, paciente a sulfádiazina, tendo ele tomado 2 comprimidos na dose de 1 grama, cada 4 horas, do dia 12-1-52 até 25-3-52, nos últimos 15 dias foram as doses espaçadas para de seis em, seis horas, até terminarem na última semana, com dois comprimidos de oito em oito horas. Vigia-se o rim e o fígado com exames repetidos de laboratório, amparando-se esses orgãos com terapêutica adequada para que, suportassem os efeitos das grandes doses massiças dos compostos azoicos que empregávamos.

Depois de instituído o tratamento pela sulfa, quando o doente teve alta, o exame pela laringoscópia indireta revelou o seguinte: epiglote sem alteração, corda vocal direita e esquerda congesta, com pequena infiltração no terço posterior, motilidade normal. Completo desaparecimento da lesão vegetante descrita no exame anterior. Meses mais tarde novo exame do laringe mostrou coloração normal das cordas vocais.

Mais disseminada do que parece, só agora é o quadro estatístico da, blastomicose olhado com atenção pelos nossos sanitaristas em virtude dos apêlos que têm sido feitos pelos otorinos e os laboratoristas.

A vastidão do país, com meios de comunicação precários, tornava mais difícil ainda a solução do problema do tratamento. Esse, depende grande parte do diagnóstico precoce para que se institua imediatamente a terapêutica adequada. É de ver que a maioria dos casos com evolver avançado, são daqueles que moram longe, nos estados menos dotados de meios de comunicação e hospitais regionais.

A grande maioria dos doentes de blastomicose é do sexo masculino e nos lembramos de ter visto somente um caso do sexo feminino, no hospital S. Francisco, tratado pelo Dr. José Dunham.

Conversando com vários colegas, nenhum relatou outro do mesmo sexo. Natural que tal aconteça, pois que vivendo os homens mais no campo, tendo o hábito de palitarem os dentes e mastigarem talos de gramíneas onde se pode encontrar os esporos da blastomicose, eles serão fatalmente os mais atingidos. A mucosa da boca é avia de penetração mais comum; as cáries dentárias tem seu papel predominante de localização primária, podendo até, como Bogliolo publicou, encontrar-se o blastomice em pleno granuloma dentário. As amígdalas são também acusadas, como responsáveis de localização e disseminação da moléstia, e o fazem de maneira a esta passar despercebida pelo clínico, pois que não apresentam alteração visível ao exame objetivo, conforme demonstrou Rafael da Nova, em caso de blastomicose linfática e ganglionar típica, em que o exame objetivo foi negativo para a boca.


Fig. 1 - Observa-se o epitelio em acantone penetrando no córion superficial em forma de cordões, em cujo interior se vêm numerosos abcessos intraepiteliais. No córion profundo verifica-se a presença de denso e difugo infiltrada plasmocitário. (Pan-phote Leitz. Oc. 1O Obj. 3,5)


De sintomatologia comum a tôda a doença infecciosa, nada apresenta de especial o quadro mórbido da blastomicose. Febre elevada às vêzes, outras não; astenia, pêrda de pêso, (veja-se nossa 1.º observação). No hemograma nada de maior a não ser ligeira leucocitose é neutrofilia que pode ser levada à conta de infecção secundária, comum na maioria dos casos.

0 diagnóstico também não apresenta dificuldades quando as lesões da bôca são características, mesmo em desacôrdo com o patologista (veja-se nosso 2.º caso). Não nos fornece informes seguros os testes intradérmicos, pois que os de Arêa Leão, Almeida e outros são discutíveis. Bogliolo usando o blastomicim do Dr. Conant, obteve resultados ora negativos ora positivos. 0 alcance desses testes si positivo, será precioso para o diagnóstico precoce porque faria com que agíssemos imediatamente quanto a terapêutica.


Fig. 2 - Afigura mostra o abcesso intra-epitelial, caracteristico da blastomieose, com células gigantes tipo Langhans fagocitadas pelos blastomices. Nota-se ainda um infiltrado plasniocitário denso; com a presença de polimorfosnucleares neutrofilós e elementos, histiocitários. (Pan-phote Leitz, Oc. 10. Obj. 10).


0 prognóstico da moléstia de Lutz é sempre reservado, mesmo agora com o advento das sulfas e penicilina. Nunca poderemos saber qual será a resposta do organismo infectado pela blastomicose em relação a sulfa. Por isso, nos batemos pelo melhor conhecimento do quadro nosológico dessa moléstia pelo internista, pois é quem primeiro, via de regra, vê o paciente. Fator importante no prognóstico da moléstia é a sua localização, apresentando as diferentes formas; modos diversos de reação orgânica. Nas cutâneas e viscerais, há casos relatados de cura aparente, que se arrastam porém, anos e anos. Não há quem não tenha visto mais de um doente nessas condições, em cura aparente. Versiani e Bogliolo observaram um durante 12 anos sem cura definitiva.

0 tratamento é o capítulo da moléstia que apresentou nesses últimos anos contribuição valiosa para o seu estudo. A resistência do parasito a todos os meios terapêuticos empregados até então, é que tornava o prognóstico da moléstia bastante grave. 0 iodeto de sódio juntamente com o neosalvarsan trouxe contribuição valiosa ao tratamento da blastomicose, principalmente nos casos de localização da boca, de evolução lenta, do tipo anterior. Nova, cita casos felizes com o emprêgo desse medicamento, o mesmo que Pupo num outro que usou azul de metileno a 3%. Olímpio da Fonseca obteve resultados apreciáveis com o solganal. Também nós, no Hosp. S. Francisco de Assis com o solganal, em dois casos, obtivemos algumas esperanças de início, frustadas depois. Nova menciona ainda o verde de malachita em solução milesimal em meio glicosado isotônico, porém com o inconveniente de esclerosar as veias.

Os raios X e a diatérmo coagulação têm sido empregados para tratamento local de certas localizações da moléstia. As vacinas polivalentes de Floriano de Almeida, muito contribuíram, juntamente com outros tratamentos, para a regressão e melhoria de vários casos.

Foi porém a sulfa que os melhores resultados trouxe para a terapêutica da blastomicose. Claro, que falamos dos casos de localização primitiva da moléstia, principalmente os da boca e os da forma tegumentar. Mais graves os casos linfaticoganglionar, passíveis de uma dessiminação mais rápida, e por isso mesmo, menos acessíveis ao tratamento pela sulfa.

As doses que empregamos são de 2 comprimidos de sulfadiazina ou seja uma grama cada 4 horas, com verificações semanais do aspéto da lesão, só as diminuindo quando houver regressão objetiva da lesão. Exames repetidos de urina, fornecerão dados para se aquilatar as funções renais e hepáticas, às vezes atingidas pelo tratamento prolongado da sulfa, sendo de notar, que nos nossos doentes apesar das doses massiças que tomaram, nenhum sintoma grave de intoxicação se fêz notar.

Diagnóstico e instituição precoce do tratamento, trazem hoje à blastomicose um poderoso contingente de cura clínica, pois não poderemos afirmar com segurança que anos mais tarde não recrudeça novamente a moléstia. Um exame contínuo e atento do paciente é que fornecerá uma boa percentagem de cura definitiva, observadas as linhas rígidas do tratamento para se evitar o malôgro da terapêutica.

BIBLIOGRAFIA

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2 - SPLENDORE, A. - Volume in onore del Prof. A. Celli. Roma. 1912.
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4 - PEDROSO, A. - Anaes Paulistas de Medicina. 9., 193: 1919.
5 - PUPO, A. - São Paulo Médico. I. N.° 4.434. 1928.
6 - FONSECA, O. ARÊA LEÃO - Çomp.-Rend: Soc. Bio. 97.1796. 1927.
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8 - FLORIANO DE ALMEIDA - Anais Fac. Med. S. Paulo, 4.91.1929 e vol. 5.3.1930
9 - Item - Micologia Médica. Cia. Melhoramentos S. Paulo. 1939.
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11 - HORA, N. - Arch. of Otolar. Vol. 55 N.º6. 716. 1952.
12 - BOGLIOLO, L. - Brasil Médico, 60. 341. 1946.
13 - Item - Proc. of. 40 Interna Congr. of Tropical Medicine. Maio, 1018. 1948.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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