ISSN 1806-9312  
Domingo, 1 de Dezembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
855 - Vol. 10 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1942
Seção: Notas Clínicas Páginas: 573 a 584
OSTEOMIELITE FRONTAL. OPERAÇÃO DE FURSTENBERG. Apresentação do doente.(3)
Autor(es):
Dr. Carlos Gama 1
J. E. de Rezende Barbosa 2

A observação que aqui apresentamos diz respeito a um caso de osteomielite do osso frontal. secundario a intervenção cirurgica, pela via externa, sobre os seios frontais e que. foi submetido ao tratamento radical da osteomielite cios ossos do cranio advogado por FURSTENBERG : remoção do osso doente, compreendendo taboas externa e interna e incluindo no fragmento retirado tecido ósseo são distante cerca de 2 a 3 centímetros do fóco osteomielitico. Apesar de não decorrerem, ainda, os 18 a 24 mezes regulamentares exigidos para se considerar o individuo como definitivamente curado, o caso aqui estudado, em estado verdadeiramente florescente até o momento atual, parece-nos, caminha para trina consolidação perfeita. 0 controle clinico a chie tem se submetido c o estudo radiografico seriado fazem supor que seja definitivo o exito até agora obtido.

De mortalidade sempre elevada, a osteomielite dos ossos do craneo é uma afecção felizmente rara, e, na literatura médica brasileira, muito poucos dela tem cuidado. Talvez aconteça, nas clinicas especializadas brasileiras, o que por toda parte se observa, poucos casos estudados e publicados mas um numero muito maior de pacientes observados que evoluíram fatalmente. Assim já se referia, em 1931,FURSTENBERG (Annals of Otology 40: 996-1012, dez. 1931) citando 73 casos publicados na literatura mundial aos quais acrescenta 11 de sua propria observação. No entanto, couro afirma o especialista de Ann Arbor, quando tais casos são discutidos, todos presentes acrescentam sua experiencia, donde é de se supor que a incidencia dessa grave afecção seja muito maior que a observada. Tal fato é a pura verdade, podendo ser confirmado, desde já, por um de nós (R. B.) que já teve ocasião de observar e tratar quatro casos de osteomielite dos ossos elo craneo, secundarios á supuração dos seios- da face, sendo que três deles evoluíram para a morte e somente um, objeto atual desta observação, -beneficiou-se do tratamento adequado. (bois faleceram de complicação meningo-encefalicas, e, o terceiro, na mesa operatória em meio a profusa hemorragia durante a segunda intervenção). Nesta Sociedade, mesmo, o assunto j-t foi por diversas vezes discutido quando dos trabalhos bem documentados de, entre outros, MAZZA, PORTO E MANGABEIRA -ALBERNAZ.

OBSERVAÇÃO

N. C. - 23 anos - branco - brasileiro - solteiro - datilografo - S. Paulo. - Serviço de O. R. 1_. da Sta. Casa, u.° 7431 Em 22-5-40.
Procurou a consulta de O. R L. queixando-se de cefaléas frontais, secreção nasal purulenta abundante por ambas narinas e obstrução nasal bilateral. Afirma já ter sofrido operação de sinusite maxilar bilateral ha dois anos. Entretanto, continuam os mesmos sintomas.

Exame: desvio total do septo nasal para a esquerda, principalmente em seu segmento superior. Polipóse nasal, bilateral, franca, pús amarelo, espesso, que ambas fossas nasais, tanto no assoalho quanto no meato médio. Radiografia dos seios da face: opacificação intensa de ambos seios maxilares, celulas etmoidais anteriores e seios frontais. Sitiais radiologicos de pausinusite bilateral. Reação de Wassermann no swigue: negativa.

Tratamento e evolução: em 10-7-40: reabertura de ambos seios maxilares e esvasiamento etmoidal bilateral trans-maxilar sub-mucoso. Apesar-de ter sido operado ha dois anos, ambos antros maxilares, fibrosadas e de dimensões mínimas. Continham pús banhando mucosa em degeneração mixo-fungosa. Não foi completa a etmoidectomia sub-mucosa trans-maxilar, tendo sido executada polipotomia por via nasal. Sangramento abundante que exigiu tamponamento universal, post-operatório lento, nunca deixou de supurar.

Em 10-3-41: nova polipotomia nasal bilateral.

Em 17-4-41: sol) anestesia intra-dermica foram abertos ambos seio'; frontais, por via externa, trans-assoalho. em incisão curvilínea. encontrando-se ambos seios repletos de mucosa em degeneração polipóse e com puís cremoso, esverdeado. Post-operatório riais rapido, dando esperanças. em algulis mêses, de sucesso.

Em setembro de 1941: surgiram os primeiros sinais de retenção frontal, bilateral, com reação inflamatoria e coleção purulenta em ambos ângulos internos das órbitas, com edema palpebral e frontal. Esvasiamento cirurgico, permeabilisação das fossas nasais, sulfanilamida cm doses decrescentes. Cessaram os fenomenos inflamatorios agudos mas continuou a supuração frontal abundante.

Em fins de outubro de 1941: foi executado o esvasiamento, bilateral, fronto-etmoidal (Dr. Mario Ottoni de Rezende) segundo a técnica de Lothrop-Sebileau sob anestesía local, com dreno de borracha para ambas fossas nasais. Reação operatoria intensa, com edema acentuado, mas, dias após, o paciente teve alta do hospital fazendo um post-operatório sem acidente, e continuando cone lavagem, anti-sépticas até princípios de dezembro.

Em 1 de dezembro de 1941: aparece o paciente á consulta com edema da fronte, raiz nasal, abaulamento do angulo interno da orbita esquerda, temperatura elevada persistente, estado geral máu. Propidon e sulfatiazol na dose de seis gramas diarias durante tres dias e em doses decrescentes. Não se verificou melhora apreciavel. Cefaléas intensas e constantes. Edema COM flutuação frontal. Abertura cons evacuação de pús cremoso, achocolatado, cuja cultura revelou: "desenvolveram-se numerosas colorias de bacilo pseudo-diftérico, algumas colonial de estafilococo aureus, c raras colônias, de estreptococos.

Em 10 de dezembro de 1941: fluía -pus com mesmo aspecto, estado geral na mesma, mau, com febre de 38°,5 diaria e constante, cefaléa intensa resistente, edema acentuado de toda fronte e palpebras. A radiografia (fig. 1 ) demonstrou lesões -ósseas no osso frontal, na linha mediana e já alem dos limites dos seios, de tipo osteomielitico. Foi então aconselhada a intervenção cirurgica que foi aceita e, realisada somente a 22 do mesmo mês.

Em 22 de dezembro de 1941: foi executada a operação de Furstenberg pelo Dr. Carlos Gama, tendo como assistentes os Drs. Tenuto e Rezende Barbosa. Anestesia local com sol. de percaina a 1% (80 cc.). A operação foi executada esto decúbito dorsal e durou duas horas. Descrição do ato cirurgico traçado irregular da incisão para efeito estético, constando de duas, linhas curvas sobre os supercílios raspados e se unindo no rocio da raiz do nariz. das caudas dos supercílio, duas outras linhas curvas de concavidade superior indo se terminar nas temporas Resultou um relato cutâneo pernóstico e muscular que ponde ser elevado, dobrando-se -na altura da sutura coronária. No centro desse retalho havia uma arca de esfacelo do tecido, coras grande infiltração edematosa (não anestesica, porque aí intencionalmente foi evitada a injeção de percaina).

Foram praticados dois furos de trepano de De Martel a 3 centímetros alem da area aparentemente comprometida no osso esto correspondência com a descrita no retalho cutâneo. Com a serra, helicoidal foi feita então a secção do frontal acompanhando a sutura coronária até dentro das escamas dos temporais. Daí dos dois lados as incisões ósseas foram dirigidas para a extremidade externa dos supercílios, acima das apófises zigonsatica, e prolongadas quanto possível por cima dos tetos das órbitas, poupando o, supercílios que estavam aparentemente íntegros, para efeito estético. Foi facil a passagens toa linha mediana pois não haviam aderencias sólidas do seio longitudinal superior e foice do cerebro. Procedeu-se então cautelosamente á fratura da unica porção fixa do retalho ósseo, correspondente ao feto das órbitas e parede interna dos seios frontais.

Convem notar que devido ás intervenções anteriores os seios frontais já haviam sido abertos largamente pela retirada de parte de suas paredes anteriores e curetados, o etmóide todo curetado, de forma que se estabeleceu unia larga drenagem do fóco para o nariz.

Retirado, então, o grande retalho ósseo sem sequer tocar no foco da osteomielite, verificou-se que o comprometimento da taboa interna do frontal era apenas de proximidade, seus lesão ossea propriamente. (Figs. 2-3).

O aspéto da dura-Mater era normal, existindo na região varias granulações de Pacchioni.

Foram cuidadosamente evitadas as contaminações. Todo o rebordo ósseo seccionado, foi meticulosamente eletrocoagulado. Em seguida tratou-se do retalho de partes moles, que estava revirado sobre o craneo. Havia no seu centro uma arca de 5 x 5 centímetros arroxeada, já referida, de tecido ,Meio esfacelado, edematoso, comprometendo o periósteo, a gálea e o subcutâneo.

Todo esse tecido foi circunscrito por um duplo traço de coagulação contornando a um centímetro os limites externos do processo. Entre os dois maços os de coagulação fez-se a incisão com bisturi elétrico e depois procedeu-se a um descolamento de tecido afetado, ainda com bisturi elétrico, de modo a ficar apenas tecido são.

Sendo satisfatoria a hemostasia passou-se ao fechamento ela ferida, repondo o retalho cutâneo dirétamente sobre a dura-mater. Vol deixado um grosso tubo de drenagem atravessado de um lado para outro na porção mais inferior da craniectomia e exteriorizada dos dois lados.

O resultado estético no momento foi superior ao que se previa. Penso seco. Condições do operado ao terminar: ótimas. Sequencias imediata muito boa. Edema anestesico na face e craneo de média intensidade. No 3.ª dia febre sem que houvesse retenção de pús. Nos dias que se seguiram apareceu supuração na ferida em pontos correspondentes aos drenos, mas com discreta reação inflamatoria em torno. Nenhuma retenção de pás. Foram feitos curativos diários sempre identicos, consistindo em limpeza do penso a seco. O tubo de drenagem foi retirado tias 48 horas. Em 29-12-41, alta do hospital, devendo passar a fazer os curativos em ambulatorio. O aspéto radiografico 18 dias após póde ser apreciado nas figs. 4 e 5.

A conduta post-operatoria foi rotineira. Quinze dias após a intervenção cirurgica foi iniciada uma serie de normo-transfusões afim de levantar o estalo geral do paciente. O post-operatório decorreu lento, sobreveio regular supuração coletada no limite inferior do retalho cutâneo, entre este, a meninge e o teto das órbitas, combatida com lavagens anticépticas com 'Dakin, bacteriófago stock localmente e sulfatiazol perdi. Dois meses após, já em franco progresso para a cura, executou uni certo numero de imunotransfusões.

Atualmente, todos os presentes poderão contemplar o nosso paciente, já integrado em suas atividades profissionais, com resultado estético máu (figs. 6 e 7) e que, provavelmente, necessitará de correção plastica posterior, bem conto poderão verificar em suas ultimas radiografias (figs. 8 e 9)i tendencia a formação ossea ao nivel da extensa brecha operatória.



Fig. 1 - Lesões osteomieliticas do osso frotal



Fig. 2 - Peça ossea retirada. face anterior.



Fig. 3 - Peça ossea retirada. Face posterior.



Fig. 4 - Radiografia de frente 18 dias após a intervenção.



Fig. 5 - Radiografia de perfil 18 dias após a intervenção.



Fig. 6 - Fotografia de frente do paciente 10 mezes após a intervenção.



Fig. 7 - Fotografia de perfil do paciente 10 mezes após a intervenção.



Fig. 8 - Radiografia de frente obtida 10 mezes após a intervenção afim de mostrar a tendencia á regeneração ossea.



Fig. 9 - Radiografia de perfil obtida 10 mezes após a intervenção.



Após dez meses de observação, contando na chita atual (lesta publicação, desde a ampla intervenção sofrida pelo paciente, com remoção do foco osteomielitico frontal de acordo com o principio de FURSTENBERG, o mesmo continua aparentemente são. Ferida cicatrizada, estado geral ótimo, em plena atividade social e as ultimas radiografias já demonstram a regeneração ossea que se processa, parece-nos, concentricamente a partir dos bordos livres da zona de resecção ossea. Nas radiografias de frente e perfil observarmos um aspéto liso, rombudo dos bordos da ferida ossea, em vez do talhe perpendicular, reto, observado na radiografia obtida cerca de 18 dias após a intervenção,bem como desapareceu a nitidez dos orifícios iniciais de trepanação e, tambem, todo aspeto da extensa perda de substancia ossea adquiriu menor transparência, uma veladura uniforme, aqui e acolá tini pouco mais intensa, corno que indicando unta formação ossea difusa a custa do periósteo adaptado sobre a meninge ou da propria meninge em zonas em que o periósteo foi sacrificado.

Sem duvida alguma, a evolução feliz do caso presente foi devida á conduta cirurgica adotada, indicada e executada no momento propicio, pois, estabelecido o diagnostico da lesão osteomielitico do osso frontal, com lesões iniciais comprometendo pequena superficie apenas alem dos limites dos seios, pelo menos radiograficamente, mas com edema se estendendo por toda fronte, a resecção cirurgica ampla da zona lesada foi executada poucos dias após, mas, mesmo assim, como demonstra o exame macroscópico da peça ossea retirada (figs. 2 e 3) as lesões eram bem atais extensas que o achado radiografico de poucos dias- antes, com sequestro já formado, outro volumoso em formação e a larga zona desvitalizada circunjacente ao fóco principal se irradiando a grande distancia. Aqui, devemos assinalar o valor da opinião de :MOSHER (Surgery, Gynecology and Obstetrics 69: -117--121, 1939), afirmando do valor diagnostico do edema da fronte, sobrepujando-se, mesmo, ás lesões ósseas demonstráveis aos raios X: somente de 7 a 10 dias após o aparecimento do edema frontal é que os raios .1 demonstram, coro nitidez, a necrose ossea. Ainda mais, e o -observado pelos autores concorda com a opinião de MOSHER, havendo necrose ossea, todo osso que se irradia do fóco de sequestração até unia distancia de 2,5 a 3,75 centímetros encontra-se infectado unas sem necrose. Na volumosa peça ossea retirada pode ser observada, com nitidez (figs.2), a presença de extensa área de osso desvitalizado, mais claro que o normal, em certas zonas circunscrito por infiltração vascular com coágulos conglomerados, como que delimitando a zona condenada á necrose e sequestração posterior. Os limites exteriores dessa zona é que devem guiar o cirurgião na delimitação a distancia (Ia ampla peça ossea a ser retirada.

A conduta cirurgica seguida obedeceu aos principio,is defendidos por FURSTENBERG : "A unira esperança para a cura do paciente reside na remoção radical daquela porção da abobada craneana a dual é o sitio de infecção. Ambas taboas, externa e interna, são removidas e a resecção é executada bem alem elos limites evidentes da ,doença".

Sendo um fóco osteomielitico mais ou menos extenso, na linha mediana, com lesões aparentes avançando alem do limite superior dos seios frontais, tornou-se imperiosa a retirada de brande margem de tecido ósseo são. Era de se esperar, portalito, as duas complicações imediatas muito temidas: o choque cirurgico e a 1letnorragia. Entretanto, tal- não se deu. O paciente suportou muito bem toda intervenção, não se sacrificando qualquer choque durante o áto cirurgico ou nos dias imediatos ao r11esim), bem como o sangramento foi nulo.

Devemos assinalar, tambem, a conduta proposta por um dos autores (C. G.) de eletrocoagular sistemática e pacientemente todos canaliculos da extensa rede diplóica ao nivel do bordo livre da ferida ossea, conto, tambem, a inclusão, no bloco ósseo retirado, dos ângulos externos do osso frontal, conduta essa ultima .advogada por MOSHER para se executar o que ele denomina de unia "operação completa". Em dois casos em que esse autor ele Boston deixou de executar tal Processo uma, segunda intervenção tornou-se necessaria.




1 - Docente e Assistente da Clinica Neurologica da Faculdade de Medicina da Sta. Casa de Misericordia de S. Paulo.
2 - Adjunto da Clinica Oto-rino-laringologica da Universidade de S. Paulo.
3 - Trabalho apresentado á Secção de ORL da Associação Paulista de Medicina em 17-8-1942.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia