ISSN 1806-9312  
Quinta, 18 de Abril de 2024
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827 - Vol. 10 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1942
Seção: - Páginas: 223 a 229
TUBERCULOSE DA LINGUA (1)
Autor(es):
ARISTIDES MONTEIRO (2)

CLINICA OTO-RINO-LARINGOLOGICA DA UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO. CATEDRATICO PROF. J. MARINHO

As lesões tuberculosas na lingua são observadas com pouca frequencia, NICOLAS (Zbl. f. Hals 1931.S.808) calcula em 400 casos os conhecidos. Em 60.000 tuberculosos da Suiça, em 10 anos, houve vinte e seis casos de tuberculose da lingua. A percentagem na literatura, oscila entre 0,14 e 3,75%. Mais comuns nas homens, entre 30 e 50 anos de idade, com predileção pela sua metade esquerda, pouco frequente na ponta, mais nos bordos, verificando-se sobretudo em doentes portadores de lesões pulmonares ou faringeas, apresentam-se sobre a forma de ulcerações ou tumores, vegetantes ou não. As localisações de tais processos especificos na lingua, representam tão somente, na maioria das vezes, a extensão de uni processo de vizinhança, explicado pela conexão intima das vias sanguineas e linfaticas da região. Apresentamos duas observações a esse respeito.

1) E. P. L. branco, casado, com 28 anos procurou o serviço de O. R. L. do Hospital S. Francisco de Assis em janeiro de 1928, "queixando-se de perturbações na deglutição e ardencia na lingua. Sentia uma sensação desagradavel ao mastigar. Com um dedo verificava um tumor na lingua. Ha dois anos que fazia pneumotorax". Homem bem nutrido. No faringe e laringe nada encontramos, fundo de boca palido. Na lingua, via-se no terço médio, um pouco para a direita, um tumor vegetante, do tamanho de um feijão branco, bem limitado; alguns nodulos maiores corados de amarelo-vinhoso, em alguns pontos levemente ulcerado, separados por sulcos mais ou menos extensos. Crostas pequenas cobriam parte dos nodulos ulcerados. Ao levantarmos com o estilete estas crostas, fluia pequena secreção sero-sanguinolenta. Não havia adenite satelite.

Perguntamos ao paciente, com segurança ha quanto tempo notara este tumor. Respondeu-nos que ha cerca de um ano e meio. Começara "um pontinho" para ir aumentando aos poucos até chegar a este estado atual.

Estacionara algum tempo, depois crescera um pouco rapidamente. Procurara um serviço especializado onde se tratara algum tempo. Fora passar alguns meses em Minas e na volta procurara o Hospital S. Francisco de Assis. As suas radiografias mostravam um processo pulmonar, em vias de cura, do terço superior do pulmão, direito. Como tratamento fizemos a exerese do tumor e tocamos o local com acido lático a 50%, á principio, duas vezes por semana; uma só vez, quatro semanas após.

No preparado histopatologico evidenciam-se foliculos tuberculosos tipicos com a presença de celular gigantes do tipo Langhans, celular epitelioides satelites e processo inflamatorio linfoplasmocitario. Na fig. 1 vê-se uma hiperplasia do epitelio de revestimento corre infiltração linfocitaria do parenquima; na fig. 2, verifica-se o arranjo tipico do foliculo tuberculoso acima descrito.

As granulações que se formaram no lugar do tumor, tiveram dois mezes após, de ser novamente removidas cirurgicamente. Conseguimos o scu desaparecimento completo, empregávamos nessa ocasião o acido lático puro. Mais outros dois mezes permaneceu o paciente em tratamento, até completa cicatrisação da ferida operatoria. Fôra novamente para o interior e lá um colega fizera aplicação de galvano-cauterio num "resto de tumor" que aparecera. Seria tecido de granulação cicatricial que fôra tomado por lesão especifica? Não sabemos, nada podemos afirmar, por isso que não estavamos presentes no momento. O fato é que, revendo-o novamente, o doente apresentava-se radicalmente curado. Notava-se, no local da antiga lesão do tecido cicatricial, pontilhando-o em certos pontos, ilhotas de tecido neoformado, em tudo semelhante ao de aparecera sã na vizinhança da lesão. Controle um ano depois; tudo bem.

2) L. M., brasileira, branca, trinta anos, casada, professora em Niteroi, procurou-nos na clinica particular, queixando-se de um pequeno tumor na ponta da lingua. De inicio em urna pequena bolha que se rompera, saindo uma secreção amarela. Fizera uns gargarejos com bicarbonato e fenolsalil. Melhorou. Com o correr do tempo, observou que a ferida não fechara e que tornava-se "uma carne esponjosa".

Moça magra, pálida, desnutrida. Temperatura à tarde. Suores. Cansaço. Estava licenciada, em tratamento de tuberculose pulmonar em evolução, em ambos os pulmões.

Na garganta encontramos o clássico fundo de boca pálido. Na parede posterior da faringe notava-se uma pequena ulceração superficial, pouco maior que um grão de milho, granulada, coberta por uma secreção esbranquiçada. Na ponta da lingua, para o bordo esquerdo, trotava-se uma outra ulceração, maior, raza, coberta por um enduto amarelado; limpando-se, via-se que era vegetante, com alguns nodulos mais salientes, em parte confluentes, de contornos irregulares. Uma ou outra destas granulações estava ulcerada, deixando ver um pontilhado vermelho intenso; outras, mais à flor, descoradas, de bordos imprecisos, mais antigos. Pequenas ulcerações dum tom amarelado, viam-se na orla de limite desta maior. Fizemos uma exerese do que pudemos retirar e enviamos o material para o exame. Não o repetimos em micro-foto por ser semelhante ao anterior demonstrado.

Instituímos um tratamento pelo acido latico, duas aplicações por semana. Só conseguimos fazer quatro ao todo. A doente abandonou o tratamento. Nunca mais a vimos.

As duas observações que acabamos de relatar fornecem-nos ensejo a uma série de considerações. No primeiro doente, o processo inflamatorio toma a forma tumoral, podendo-se chatear de tuberculoma como querem alguns autores, no segundo, vê-se mais uma ulceração que tumor e tudo faz crer, que tenha sido uma extensão, à distancia, da antecedente encontrada na faringe. A biopsia duma e doutra foi positiva, como era o escarro da segunda doente. A miseria organica do segundo caso, não fornecia esperanças de resultado compensador a qualquer terapeutica, sabido que do estado geral dependem na maioria das vezes, todos os processos de cura do organismo. O primeiro caso era o de um fimatoso bem orientado pelo clinico, desde o inicio da molestia ; si bem que homem de poucos recursos, tratava-se com vontade de ficar bom e dispunha de parentes nos estados vizinhos, em lugares indicados para tais casos. Um vigiava-se constantemente, a outra queira sabe... O tratamento que instituimos para ambos repousava lia observancia de rigorosa presença em dias marcados. Um colheu os resultados do seu comportamento a outra não sabemos o que lhe sucedeu, mas imaginamos pelo que viamos no seu estado geral, que era ele sofrível a pessimo.

De etiologia conhecida, confirmamos ambos os casos com a biopsia, pelo habito que temos de examinar toda a ulceração ou tumor que tratamos ou operamos. O diagnostico não oferecia dificuldades pela etiologia comprovada. Poder-se-ia confundir com uma ulceração sifilitica, si bem que o passado anamnetico trouxesse luz para o caso e o proprio aspecto da ulceração não nos fizesse duvidar. Enquanto na luética ela é de bordos escavados a pique, ulcero-penetrarte, com orla vermelho-vinhosa de limite franco, na tuberculosa é ao contrario raza, sem limite, de superfície granulada recoberta por enduto esbranquiçado, sangrando pouco. Ha casos que somente a biopsia esclarece o diagnostico. WILLIAM e MOURRUT (Zbl. f. Hals. 1938. S. 494), comunicam um caso de tuberculose hipertrofica da lingua, que simulava uma glosite sifilitica esclerogomosa.

BECK, (Zeit. I,aryng. usw, 1933, 24. S. 472) descreve tres casos em que havia associação sifilo-tuberculosa ; nas ulcerações a anatomia patologica dava Tbc. e o Wassermann era positivo. O tratamento antiluetico trouxe cura rapida. O autor não se refere ao tratamento que empregou para as lesões de tuberculose.

BASS (Zb1. f. Hals, 1931. S. 649) menciona um caso que tinha sido operado como um nódulo de neoplasma da lingua e que a biopsia com surpresa deu t.b.c.

IMPERIALE (Zbl. f. Hals, 1932. S. 836) menciona um caso de moça forte, ele família sã, que apresentava urna verruga na ponta da lingua, que aumentou, tomando a forma de um tumor com limite endurecido bem preciso, coberto por enduto cinzento escura. Biopsia deu tuberculose. Exame geral e R.X. negativo nela e na família toda. Será um caso primitivo? pergunta o autor. De 65 casos revistos na literatura diz o autor que 12 são primitivos. KORFF escreve um trabalho sobre t. b.c primaria da lingua (Zbl f. Hals, 1935 S. 523) dizendo que é comum nos homens entre 30 e 50 anos. De forma tumoral, granulada. Incubação de três meses. Prognostico favoravel e tratamento cirurgico. Cita na literatura 41 casos, mais o seu.



Fig. 1



Fig. 2



Ainda poderemos alinhar como diferença entre as duas molestias, ser descendente o processo patologico na tuberculose e ascendente na sifilis (J. MARINHO) Quer dizer que não raro encontramos lesões no nariz ou no cavum de origem luetica, enquanto que o hipo-faringe e o laringe, excepcionalmente estão isentos de localisações tuberculosas, quando as encontramos na boca ou na faringe. Ulceração isolada na lingua, fala mais em favor de sifilis, si bem que hoje sejam bem mais raras que antigamente.

Poderá se confundir na sua forma hipertrofica ou verrucosa, com um carcinoma em inicio. Os dados anamneticos terão influencia decisiva. A idade, si bem que não seja de capital importancia, é levada em consideração, sabido que o carecer tem predileção pela madureza e idade avançada, enquanto que a tuberculose é mais comum antes dos quarenta anos, solapando a humanidade, de preferencia, entre os vinte e os trinta. O aspecto inicial do carecer da lingua em certos casos, é diferente da ulceração tuberculosa, pois ele é lenhoso, duro, só se ulcerando em estado mais avançado de evolução, mostrando-se de aspecto vegetante. Localisa-se de preferencia na Grossa da lingua, no bordo junto da loja amigdalina, raramente na ponta.

CHEYNEL (Rev. de Laryng. 1936. 57.707), menciona um caso de diagnose dificil. Um paciente queimou-se na ponta da lingua com um cigarro; originou-se um pequeno ulcus que apezar do tratamento aumentava sempre, granulando. Pouco doloroso. Wassermann negativo. Sombra no apice do pulmão. Biopsia positiva para tuberculose. O inicio da doença mascarou a sua feição caracteristica.

Ha casos de doenças do sangue, como a leucemia, agranulocitose, que apresentam nos estados avançados, ulcerações na lingua; o exame de sangue, com hemograma de Schiling, não deixará duvidas nenhuma quanto a etiologia da doença.

As ulcerações condizentes com estados infecciosos graves, como o tifo e paratifos, as desinterias, tambem podem mascarar o diagnostico da lesão. Porem o laboratorio e o estado pregresso do paciente tudo decidirão.

As associações microbianas, principalmente a simbiose fusoespiroquetica, pode dificultar a principio o diagnostico, mas como sempre, o laboratorio é soberano nestas duvidas.

As micoses devem ser lembradas para o diagnostico diferencial, porem não só o exame geral do paciente, os dados anamneticos como uma biopsia, muito ajudarão a esclarecer o caso.

A literatura mostra-nos diferentes observações de tuberculose da lingua, algumas de valiosos ensinamento. No caso de OKUCHI e KIRITANI (Zbl. f. Hals, 1936. S. 640) tratava-se duma lesão primaria (cancro) sifilitica na ponta da lingua, cinco anos antes curado com tratamento especifico. Neste lugar aparece um tumor. Wassermann negativo. Tres anos depois ainda curado. No de HUTTER (Monat. Ohren. 1914. S. 832) havia como na nossa primeira citação, no que diz respeito ao aspecto e não a séde, um infiltrado nodular com ulceração superficial na ponta da lingua.

Tratamento digno de registro é o descrito por LEHNE (Monat. Ohren. 1937. S. 621) num doente com infiltração triangular da ponta da lingua e noutro paciente com um granuloma no meio da lingua. Fez em ambos uso do metodo de Mandel, isto é, hidroiodoborato em combinação com agua oxigenada, produzindo oxigenio em estado nascente. Em seis semanas curou um deles, no. outro diminuiu dois terços do infiltrado.

ILJISCH (Zbl. f. Hals. 1936. 1. S. 15) descreve com entusiasmo o tratamento de tuberculose da lingua pela congelação com neve carbônica , justificando o emprego do metodo, dizendo que no tecido são, ela atua produzindo osmose e perturbações esquemicas. O A. empregou o metodo em sete casos; o tempo de exposição oscila segundo a profundidade do processo inflamatorio, indo de 1 1/2 a 5 e raramente até 12 minutos. O intervalo das aplicações regulava de 5 a 6 e 8 a 15 dias. Não se verificaram reações dignas de nota. Depois da aplicação formava-se um enducto fibrinoso que depois de alguns dias transformava-se em granulação sã e cicatricial. Não se observou recidiva.

As ulcerações podem tomar as localisações mais esquisitas, no caso de GLIMPINGER (Monat. Ohren. 1925. 2. S. 235), assestavam-se no freio da lingua, no palato duro, com um maior ulcus situado na metade esquerda da lingua.

Como tratamento os mais variados meios, quer fisicos químicos e cirurgicos, tem sido tentados; alguns com ótimo resultado. Sempre, como de inicio dissemos, na dependencia do estado geral e do evolver do processo pulmonar. São lesões distintas coma querem hoje os modernos autores, mas de uma interdependencia notavel. As aplicações fisicas, RX. conforme cita SCHMERZ, (Monat. Ohren. 1920. S. 660) que o seu doente em seguida a seis sessões de tratamento, apresentava-se depois de um mês inteiramente curado; revisto quatro mezes após a ultima irradiação ainda estava bem; a irradiação de Mesotorion empregado por ALBANUS (Monat. Ohren. 1913; S. 53) ; os agentes quimicos como os acidos latico, cromico, tricloroacetico, solução alcoolica de cloreto de zinco ao 1/3; a diatermo coagulação; o 914 e endovenoso conforme aconselha WESSELY (Monat. Ohren. 1927. S..

194) ; o metodo de Mandel, citado acima por LEHNE (Monat. Ohren. 1917. S. 621) e a lampada de Cemack, têm dado excelentes resultados.

Por ultimo, o galvanocauterio empregado no nosso primeiro doente por um colega do interior e tambem por RAAFLAUB (Arch. f. Ohren. 1917. 101. S. 231) em um caso fatal, cujo paciente faleceu em consequencia de ferimento da arteria lingual, conforme se lê na historia seguinte: notava-se ao exame uma infiltração tuberculosa da prega glossoepiglotica, o autor empregou o cauterio, deu-se uma hemorragia abundante, com aspiração de sangue para o pulmão. Estomago cheio de sangue. Traqueotomia. Morte em minutos. Continua o mesmo autor dizendo ser aconselhável que nas amigdalectomias, deve-se respeitar o tecido linfoide que, ás vezes, vem até a prega faringo-epiglotica ; a arteria lingual passa em certos casos bem perto deste local, em plena base de lingua.

O prognostico das lesões tuberculosas da lingua, ao contrario do que acontece com outras lesões especificas tuberculosas, é em geral benigno. Dependendo do estado geral, do tamanho, aspecto e localisação de processo inflamatório especifico, a tendencia evolutiva é sempre para a cura. A maioria dos casos comunicados termina sempre bem.

DR. ARISTIDES MONTEIRO - TUBERCULOSIS OF THE TONGUE

SUMMARY

The A. presents two cases of tongue tuberculosas.
The I-st case inthat of a 28-year-old man, under treatment of pulmonary tuberculosis in course of manifest cicatrization. Sputum negative. Radiografy positive. Artificial pneumothorax. On the midle third of the tongue was to be seen a well delimited vegetant tuberculoma, the size of a commom white bean. After surgical removal of same and topical dabbing with lactic acid, it cicatrized in two months. The patient, then, went into the country and there, two months later on, the local practitioner made a thermocautery application on a new formation on the former site. After two other months, radical cure. Control examination a year afterwards: the scar in excellent condition.
The 2-nd case is that of a 30-year-old woman, with advanced pulmonary tuberculosis of both lungs. Ulceration ou the pharynx and ou the apex linguae near the left border of the tongue, covered with a yellowish layer. Vegetant tissue was to be seen with some salient nodules. Surgical intervention and application of lactic acid. The patient abandoned the treatment.




(1) - Recebido pela Redação em 12-11-1941.
(2) Docente na Universidade e assistente na clinica
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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