Generalidades
Rinite atrófica fétida: As dificuldades de um assunto, sua incompleta elucidação, a nebulosidade em que se acha mergulhado, não devem ser motivos para que o evitemos, mas, bem ao contrário, um incentivo para que o abordemos, para que, procuremos penetrá-lo, concorrendo cada um com sua própria iniciativa, com observações conscisas, com espirito critico, esclarecido.
Oportunas as palavras do Prof. Anes Dias, para quem vai tratar de matéria tão árida, no imenso e já tão palmilhado campo da Otorrinolaringologia. Tambem não deixam de ser propícias as palavras de Torres Homem: trabalhai com vossos próprios recursos, não tenhais medo de errar em juizo qualquer, porque os mais conspícuos práticos são aqueles que mais erraram no começo e grande proveito souberam tirar de seus erros.
HENRIQUE LINDENBERG, prelecionando, com aquela sua tão proverbial lhanesa, com profundo sentimentalismo, dizia a seus alunos : "Ozena opróbrio de nossa especialidade".
Oculta no emaranhado de sua etiologia, lá permanece, longe ainda dos olhos, perscrutadores dos estudiosos.
Todo o arcabouço do exército cientifico tem se arregimentado para combatê-la, porém, até o presente, não conseguiu ainda transpor suas linhas de defesa. Dia virá em que surpreende-la-emos e bate-la-emos em seus últimos redutos, e, então a humanidade aliviada de mais esse flagelo cultuará essa plêiade de lutadores.
Soldado obediente, estarei ao lado dessa força invencivel lutando até a vitória final.
O doente de ozena : Fato ponderavel no tratamento desta entidade mórbida, é a psicologia do paciente. Em 20 anos de prática, e observação contínua notei particularidades interessantes, que paga a pena relatar. O ozenoso é pela natureza de sua moléstia, um indivíduo condenado a viver isolado do convívio social.
No início de seu mal, perambula pelos consultórios, pelas clínicas hospitalares, lançando mão de todos os recursos, para debelar a doença. A cata de remédios e vacinas que curam (com certeza), apegam-se aos anúncios, diariamente publicados pelas folhas, e cheios de esperança, submetem-se às mencionadas prescrições, certos de um êxito favoravel. Cada tratamento que faz é uma desilusão. 0 clinico consola-o, dizendo que a moléstia desaparecerá com a idade. O especialista criterioso aconselha higiene nasal constante, e, paciência...
Decorre o tempo, e com ele mais se acentua a descrença de qualquer tratamento para melhorar sua situação. Esgotados os meios terapêuticos conhecidos, recorre a todos os recursos acessórios, infelizmente, falhos. E' um proscrito do meio social.
Em sendo joven, distinta, habituada à reuniões sociais, das quais não se póde furtar, imagina um meio, aliás, inteligente, para mascarar o mau cheiro que se desprende de seu nariz. Usa e abusa dos perfumes, os mais penetrantes, certa de que resolve, assim, pelo menos temporariamente, seu estado. Puro engano, pois, juntamente com o cheiro da custosa essência sente-se a nauseabunda fetidez da ozena. Dentre os observandos que completam este trabalho, um houve que chegou a aprender tomar tabaco, porque sentia-se bem e achava que o fumo eliminava o mau cheiro. Outra chupava, constantemente, pastilhas de hortelã pimenta, porque exalava pelo nariz este cheiro e não o da ozena. Ainda outro usava fazer lavagens do nariz com agua fortemente acidulada com suco de limão.
Como em geral, o olfato desses doentes é nulo, ou grandemente diminuido, nenhuma alteração percebem. A preocupação que se nota nesses pacientes de negar o mau cheiro, é proverbial. Atribuem ao estômago, aos maus dentes, as vezes à uma supuração dos ouvidos, e, raramente ao nariz.
Vêem ao especialista a conselho de uma pessoa intima da família. Entre os homens, tem esta moléstia importância relativamente menor, porque não se preocupam muito com esse sintoma e suportam pacientemente o evolver da mesma. Muitos deles, sujeitam-se à operação para melhorar a respiração. Como se sabe as crostas, às vezes, prejudicam a função respiratória, e sendo eliminadas, melhora a situação das fossas nasais, passando o doente a respirar melhor, se bem que muitas vezes a insuficiência respiratória, deles, se acha ligada à falta de excitação do trigêmeo nasal como veremos mais adiante.
Um outro fato de observação constante é o serviço hospitalar ser mais frequentado por jovens entre 15 e 20 anos. Os autores, sobretudo aqueles que acreditam na disfunção de certas glândulas de secreção interna, e que afirmam a agravação da moléstia no periodo da puberdade, justificam esta asserção.
Entretanto penso que tambem pode ser levada em conta a questão do sexo, pois a proporção de raparigas é relativamente maior do que a de rapazes. Mais cuidados higiênicos da mulher que do homem? Vaidade? A constância no tratamento é muito mais levada a sério pela mulher. Há doentes que não podendo ser operados por causa da pouca idade, frequentam a clinica há mais de 4 anos com muita assiduidade. Sujeitam-se, na generalidade, a qualquer tratamento sem nenhuma relutância. Os homens são mais arredios ; sua higiene deixa algo a desejai. 0 motivo que leva os enfermos a alegar que o mau cheiro que exalam provem dos dentes, tem sua razão de ser, pois, na maioria das vezes os dentes dessas pessoas são horrivelmente mal tratados e carecem de limpeza. Para uma anamnese completa, todas essas minúcias devem ser levadas em consideração.
O mau cheiro. - Em geral todos os autores são acordes em classificar o mau cheiro como o sintoma primordial da moléstia. E' de fato o que traz o doente ao especialista. Este mau odor tem sido descrito de mil maneiras : "odor característico," "odor sui generis", "cheiro de percevejo esmagado" (punaisie), etc. E' preciso entretanto definir o cheiro da ozena por comparação com os odores conhecidos e fazer o diagnóstico diferencial com as diversas cacosmias. A historia e as crônicas estão cheias desta confusão. MICHELET descreveu a ozena de Francisco I, acusando a sífilis como causa. D'AUBIGNE fez de Francisco II, um portador não menos imaginário - um indivíduo de nariz chato e mau hálito. LOUIS BERTRAND, relatando as desastrosas consequências de uma extração dentária em Luiz XIV, que deu em resultado uma cárie óssea e supuração nasal, concluiu que o rei era um ozenoso.
O mau cheiro da ozena é um odor de putrefação vegetal, de charco e não de putrefação animal. E' uma mistura de odor de pantano e de fermentação caseosa. E' o cheiro característico das vacinas poli-valentes, preparadas com todos os germes da flora nasal de um ozenoso. Para estes, então, o mau cheiro não é senão o resultado dos germes que polulam na cavidade nasal do enfermo. Outros há que explicam o mau cheiro pela decomposição da substância mucínica das glândulas da mucosa nasal, dizendo que ele muito se aproxima do da queratina queimada. Não deixa, entretanto, de ter o odor do nariz ozenoso, uma particularidade toda especial que somente a prática constante nos faz distinguir das outras cacosmias. Em conclusão, os ozenosos são sempre para outrem um flagelo, tanto mais horroroso, por não terem consciência da própria enfermidade, e os que os cercam dissimulam, às vezes, por polidez ou piedade a repulsa que inspiram.
A rinite atrófica fétida é encontrada em todas as camadas sociais. As pessoas atacadas por essa moléstia ficam quasi que por completo impossibilitadas de frequentar a sociedade. São, muitas vezes, privadas de exercer suas profissões devido ao insuportavel mau cheiro que exalam do nariz. Os ozenosos percebem imediatamente, quando em conversa com outras pessoas, estas se afastam de seu hálito e .as evitam. Ficam, portanto, possuidos de um complexo de inferioridade. Os que possuem nariz chato ou curto impressionam mais ao exalar o mau odor.
Devido ao seu afastamento da sociedade, tornam-se irritadiços, nervosos e desconfiados. Muitos deles ficam possuidos de uma profunda melancolia e neste estado, qualquer choque os leva ao suicídio. PIERRE DIOM (1700) escreveu: "Os atacados por esta moléstia exalam mau cheiro, e quando se conversa com um ozenoso deve-se guardar dele uma certa distância para não se ser molestado. Daí o eles não poderem ter nenhuma companhia. E diz ainda, que devido a essa cacosmia, pode um dos cônjuges obter o divórcio".
A ozena hoje em dia, é motivo para uma separação conjugal. No começo da guerra houve um decreto alemão que considerava os portadores dessa moléstia incapazes para o serviço militar. Este decreto deixou de vigorar no fim da guerra, devido à falta de combatentes. A ozena ataca tanto os ricos como os pobres, sendo que nessa classe é ela mais difundida, devido à falta de higiene e de cuidados médicos no. periodo infantil.
Respiração nasal no ozenoso. - As experiências de SERCER DE JAGREB, confirmadas por SEGRE e REDOGLIO e aceitas por todos os fisiologistas, demonstram graficamente o papel importante, que desempenha a mucosa nasal na respiração pulmonar.
E ainda mais, cada fossa nasal exerce influência sobre o pulmão do mesmo lado ; em animais de laboratório, nos quais foi obliterada uma das narinas, verificou-se que o hemitorax correspondente, ao fim de cêrca de 30 dias, atrofiava-se provocando um desvio da coluna vertebral.
Os doentes traqueotomizados, embora recebam maior quantidade de ar pelo seu traqueostoma, do que um indivíduo normal, queixam-se de dispnéia, com perturbações do ritmo cardíaco.
Esses fenômenos são facilmente explicados pela supressão, em tais casos, da excitação do trigêmeo nasal pelo ar inspiratório, o que acarreta a perda da primeira parte do arco reflexo respiratório, tão bem esquematizado por SERCER.
Os ozenosos queixam-se, igualmente, da deficiência respiratória e não raras vezes constitue essa a razão de sua consulta ao especialista, acostumados que já se acham aos outros sintomas da moléstia. E' verdade que algumas vezes essa deficiência nasal está ligada a uma obstrução das fossas, mas em outros casos o rinologista pouca experiente admira-se ao encontrar as fossas livres de crostas, em contradição com a queixa do doente.
Já foi explicado em capítulo anterior que o processo escleroso ao atingir o osso e a mucosa, acomete igualmente os ossos e os nervos. Aquí é que reside a explicação da deficiência nasal do ozenoso : achando-se o seu trigêmeo, em suas ramificações na mucosa nasal em esclerose, por conseguinte em estado de excitação deficiente, não pode transmitir ao bulbo através do 2.0 ramo o influxo da corrente aérea inspiratória, que secundariamente iria atuar sobre as raizes do vago e do frênico.
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