INTRODUÇÃOOs primeiros anos de vida têm sido considerados críticos no desenvolvimento da audição e da linguagem. O diagnóstico e a intervenção precoces são de fundamental importância no desenvolvimento das crianças com alterações auditivas1-4.
Muito tem se falado da importância de realização de TAN logo após o nascimento1,5-10. Os métodos objetivos mais utilizados são as emissões otoacústicas (EOA) e a audiometria de tronco cerebral (ABR)9-14.
As EOA têm sido largamente indicadas para programas de triagem por ser um exame rápido, de fácil aplicação e poder atingir um grande número de sujeitos em um curto espaço de tempo1,6,10,12,16,17.
A ABR tem sido o método de escolha para diagnóstico precoce de disacusias há anos. É um método sensível e específico, porém mais elaborado, exige maior tempo para sua execução, além do custo do equipamento ser elevado13,18-21. Na forma de triagem fica mais difícil sua utilização, principalmente em função do tempo gasto para a realização do exame e em função do custo alto do equipamento. Já se tem proposto o uso da ABR automática em programas de triagem auditiva, por este ser mais rápido, porém o custo do equipamento ainda é muito alto para os padrões brasileiros22-25.
Tão importante quanto a triagem é o seguimento e o diagnóstico precoce das alterações auditivas das crianças reprovadas na triagem4,26,27,30.
Em nosso serviço, as crianças testadas e reprovadas são encaminhadas ao otorrinolaringologista e tendo resolvido possíveis alterações de conduto auditivo externo como cerume ou vérnix, as crianças são retestadas e, se novamente reprovadas, são encaminhadas para a realização de ABR.
Os objetivos deste trabalho é verificar quais as alterações mais freqüentes nas ABRs desta população e verificar a adesão da população ao programa de triagem auditiva neonatal.
Material e MétodoNo período de dezembro de 1999 a março de 2002, foram feitas 5.835 avaliações por EOA no setor de TAN da instituição. Destas, 360 crianças foram encaminhadas ao otorrinolaringologista para avaliação otológica e depois para novo exame por EOA. Após reteste, 128 foram encaminhados para ABR, e destas, 75 compareceram para exame.
Analisamos as ABRs de 75 crianças que compareceram para exame após serem reprovadas na TAN por EOA.
A EOA foi realizada em sala acusticamente tratada, utilizando o equipamento ILO 2.92 Otodynamics Ltda.
A ABR foi realizada sob sono natural ou, se necessário, sob sedação com hidrato de cloral 14% 0,5ml/3Kg de peso. Utilizou-se o equipamento Smart EP da Inteligent Hearing System, de 2 canais.
Parâmetros utilizados: low pass 1500 Hz, High pass 100 Hz; estímulo click de rarefação; 1024 estímulos a 17.7 estímulos por segundo; fone de inserção ou vibrador ósseo nos casos de microtia19.
Foi considerado limiar eletrofisiológico auditivo normal a intensidade de 30 dB (HL) corrrespondente a 15 dB limiar psicoacústico. Perda auditiva leve, limiares entre 40 e 50 dB(HL); perda auditiva moderada, limiares entre 60 e 70 dB (HL); severa, limiares entre 80 e 90 dB(HL), e profunda, limiares acima de 90 dB(HL).
Analisamos através do ABR o limiar eletrofisiológico de cada orelha. A seguir, analisamos a latência da onda V sempre que possível 30 dB acima do limiar encontrado para cada orelha, mas em limiares acima de 70 dB a latência foi obtida em intensidade maior de 20, 10 ou no próprio limiar, pois a intensidade máxima do aparelho é de 100 dB (HL).
Não foram avaliados neste estudo a amplitude da onda V e a latência-amplitude das demais ondas.
As crianças com alterações no ABR foram orientadas a retornar para novo exame após 2 meses.
Este trabalho abordará o primeiro exame realizado. Outro estudo posteriormente avaliará o segundo ABR realizado.
Gráfico 1. Distribuição das crianças submetidas a ABR, por idade e por sexo.
ResultadosO ABR foi realizado em 75 crianças (150 orelhas).
O Gráfico 1 mostra a distribuição da população por idade e por sexo.
O limiar eletrofisiológico auditivo das orelhas testadas, por número de orelhas está disposto na Tabela 1.
A Tabela 2 mostra o comportamento da onda V no que diz respeito a sua latência, nos diferentes grupos de idade (menor de 30 dias, 1 a 3 meses incompletos, 3 meses a 6 meses incompletos, 6 meses a 9 meses incompletos, 9 meses a 1 ano.
Verificamos que a maior parte das crianças avaliadas apresentou ABR dentro dos padrões normais. A maioria das orelhas testadas (61 orelhas, ou 40,67%) apresentou limiar eletrofisiológico em 30 dB (HL). Em 55 orelhas (36%) encontramos perda auditiva leve, em 22 (14,6%) perda auditiva moderada, em 6 (4%) perda auditiva severa e em 6 orelhas (4%) profunda.
A avaliação da latência da onda V mostrou-se aumentada em 64 orelhas (42,67%), podendo sugerir alteração condutiva ou retrococlear. Uma porcentagem das crianças (10%) já apresentaram latências esperadas nos adultos. Sete orelhas (4,67%) não apresentaram resposta.
Tabela 1. Limiares eletrofisiológicos obtidos, por orelha direita e esquerda.
Tabela 2. Comportamento da onda V em relação à idade, por número de orelhas. (intervalo de idade aberto a direita).
DiscussãoA audição é fundamental para aquisição e desenvolvimento de fala e linguagem. Estudos comprovam que a detecção de alterações auditivas e a intervenção iniciada até os 6 meses de idade garantem à criança o desenvolvimento da compreensão e da expressão da linguagem, bem como, o seu desenvolvimento social, comparável com as crianças normais da mesma faixa etária2,3. Para tanto, o processo de detecção de alterações auditivas deve começar com a triagem auditiva neonatal acompanhada do diagnóstico e intervenção precoces. Os primeiros 6 meses de vida são decisivos para o desenvolvimento futuro da criança deficiente auditiva3.
Após a triagem auditiva, realizada ainda na maternidade, é necessária a realização de diagnóstico nos casos de falha. É imprescindível que outros exames, como a audiometria de tronco cerebral, imitanciometria e observação do comportamento auditivo, sejam incorporados ao de emissões otoacústicas para que o diagnóstico de deficiência auditiva seja realmente concluído16,28.
A cada dia mais profissionais tem se conscientizado da importância do diagnóstico precoce das disacusias para o desenvolvimento global e social das crianças. O mesmo ainda não acontece com a população leiga16,24.
A TAN em nossa cidade não é um exame obrigatório. Nosso serviço oferece o exame a todas as crianças nascidas no serviço, tanto do atendimento público (SUS) quanto dos particulares e convênios. Grande parte das famílias não requerem o exame ainda na internação, como é o idealizado.
Alguns pais retornam semanas ou meses após o nascimento para a realização do exame, retardando assim a avaliação auditiva da criança.
Outros pais são orientados a retornar ao serviço para um segundo exame quando, devido à presença de vérnix, o primeiro exame falha. Muitas crianças não retornam. Também, nem todas as crianças encaminhadas ao otorrinolaringologista são levadas a ele. Outras comparecem à consulta, mas não retornam para o reteste. Até mesmo para a realização de ABR muitas crianças encaminhadas não comparecem. Todos estes escapes de pacientes explicam a realização de tantos ABR em idades mais avançadas.
Verificamos que o ABR mostrou-se normal em grande parte das crianças que tinham sido reprovadas nas otoemissões acústicas9,19,29.
A alteração mais encontrada no ABR foi o aumento da latência da onda V, que pode corresponder ou ao retardo da condução elétrica por processo de mielinização ainda em desenvolvimento18,27, uma vez que o processamento da informação acústica se equipara ao do adulto por volta dos dois anos e seis meses, enquanto que a onda V está em processo de maturação até os dois anos de idade, ou à alteração retrococlear ou condutiva19. Geralmente a alteração condutiva mais encontrada nesta faixa etária é alteração condutiva por secreção em ouvido médio28. Isto deve ser confirmado com a realização de timpanometria e, se presente, deve ser logo tratado.
O acompanhamento destas crianças deve prosseguir até conclusão do caso2,3.
Conclusão1- Muitos pacientes se perdem durante a execução do protocolo de triagem auditiva, retardando ou impossibilitando o diagnóstico correto e precoce.
2- A maior parte das crianças reprovadas nas otoemissões acústicas têm limiar eletrofisiológico auditivo normal.
3- A alteração mais freqüente no ABR foi o aumento da latência da onda V.
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1 Médicos do serviço de otorrinolaringologia da Maternidade de Campinas.
2 Fonoaudióloga do serviço de triagem auditiva neonatal da Maternidade de Campinas.
Trabalho desenvolvido na Maternidade de Campinas.
Endereço para Correspondência: Dra. Viviane Camargo Marques - Rua Cristovão Colombo, 185/ 121 Campinas SP 13023-230. Tel (0xx19) 3234-1017
Trabalho apresentado como tema livre oral no 36º Congresso de 2002.
Artigo recebido em 07 de fevereiro de 2003. Artigo aceito em 16 de outubro de 2003.