Oto-rino do "Instituto Orlando Aprigliano" - JAHÚ - Est. S. Paulo)
É sumamente lastimavel que, hoje, época em que a medicina se dilata, se avoluma como num impulso no sentido da perfeição, e os medicos restringem o seu campo de acção com o intuito de proporcionarem maior soma de verdades cientificas, haja individuos pouco conscios da sua responsabilidade e finalidade profissionais. O assunto que nos propomos a estudar bem merecia a pena dum dos tantos articulistas luminosos que possuimos dentro da classe, no proprio reduto da especialidade. A questão não se circunscreve ao terreno dos principies da deontologia medica. Não. Vae mais distante. Ultrapassa as fronteiras desta, enche o vazilhame da consciencia e espraia-se em meio a coletividade que, cheia de esperanças, procura os recursos supremos da Arte de Hippocrates. Questão magna, como vedes. Passa do trivial ao complexo, pois embota a consciencia profissional e constitue um assalto á fé e ilusão do consulente. Pede, por conseguinte, um estudo meticuloso das sociedades medicas, reflexão demorada dos chefes das clinicas especializadas, atitude menos benevola dos serviços sanitarios e clama, tambem, por uma medida energica dos dirigentes de Estado. Trata-se das especializações pouco ou nada buriladas, dos especialistas de afogadilho, - verdadeira bróca dos especialistas de verdade - maquina. devastadora que veicula consigo o descredito no conceito do paciente. Assiste-me o direito desta manifestação publica, deste grito de alarma, a permanencia por dous lustros num serviço especializado e a calamidade das utopias técnicas que me têm sido permitido presenciar nos poucos anos de clinica privada. Sou da Escola do Hospital São Francisco de Assis - da Escola do Professor João Marinho - e ufano-me de o ser e proclamá-lo. Exerci por algum tempo o oficio clinico na Capital da Republica, militei no Norte do País e, agora, exerço o cargo de Oto-rino-laringologista do "Instituto Orlando Aprigliano", em Jahú. Conheço, portanto, da prosapia dos convencidos cirurgiões de tribuna que "riscam no ar as intervenções com o dedo, diante de Academias boquiabertas de admiração", e que muito se satisfazem quando se lhes chamam de professores, aos individuos que depois de poucas semanas levam para as cidades do nosso Interior o calamitoso rotulo de especialistas. Não sei bem qualificá-los ou melhor, separá-los na sua funcção de desvirtuadores das atribuições medicas. E' bem ridiculo aos primeiros que, com um tostão de ciencia, arrótam um milhão. Todavia, é inconsciencia, é descriterio, é desprezo pelos juramentos aos sagrados deveres da profissão a conduta dos segundos. Ha-os tambem sem escolas, sem orientação bem fundada por consequencia, e, no entanto, disso se vangloriam, fazendo o distico luminoso do seu reclamo pessoal. Ninguem se encontra ao abrigo das desilusões, das surprezas, dos erros da nobre profissão madrasta por excelencia. Avalie-se, pois, do que não está a depender a sorte daqueles que venham, por ventura, a carecer dos cuidados desses ,transfugas do criterio são ! Seria exaustivo, entrementes não extemporaneo, relatar centenares de observações onde se constata de uma maneira lastimavel a incuria dos soldados dessa grei: - Amigdalas parcialmente retiradas; pilares arrancados; desvios do septo que persistem, não obstante já operados; mastoides trepanadas, mas que ainda supuram; adenoides que, a despeito de se dizerem extirpadas, suplicam, atravez das otalgias, por uma mão segura e caridosa que as retire ... E' prosaico indicarmos operações de amigdalas, septo e adenoides, e alguns doentes ficarem pasmos de admiração deante da sentença. - Como, então, doutor, eu já fui operado! Dificil dilema! Enfileirar-se no regimento dos mentirosos ou ser sincero para com o seu doente, dizendo da incapacidade do seu colega? E, como eu, muitos de vós já experimentastes essa duvida. E' quasi de todos os dias inquerirem os pacientes se as amigdalas tornam a crescer; é impressão dominante entre os leigos que a operação para a correcção do desvio do septo não dá resultado. Como acabaes de ver, resalta em todos esses comentarios, infelizmente, uma percentagem muito grande de escandalosa verdade. E por que? Respondam os especialistas improvizados. Respondam os truões da medicina. O momento torna-se insofismavelmente cumplice dessa paralisia no dominio do cumprimento integral do dever. Estamos na éra do superficialismo e da aparencia. O confusionismo é envolvente. A credencial em voga para subir-se - sim, porque crescer é mais dificill - ter fóros de conhecedor de tal assunto ou materia, angariar apoio da sociedade e dos caciques de Estado, não é mais o criterio, a consciencia, o conhecimento armazenado á custa da experiencia, ordem e sedimentação. Absolutamente. Inverteu-se a ordem dos fatores. São agraciados os ineptos; desfrutam situações vantajosas os plasmaveis, os incapazes de uma idéa propria, os desprovidos de qualquer personalidade, como esses astros que não teem luz propria; em suma, vence justamente a escória intelectual, os de coluna vertebral de flexibilidade facil. Pois bem, esse cáos vae, desgraçadamente, tomando assento dentro da classe medica. Com o olhar fixo na vantagem material - o dinheiro - os individuos de quem vos falo saturam-se da palavra especialista e muito pouco de conhecimentos, e lançam-se á aventura do objectivo sem, todavia, olharem o caminho e a maneira de alcança-lo. Pobres doentes! Parece-me ter dado margem para maior atenção sobre o problema. Terminando, sem que, no entanto, me assista a pretensão de nenhum reformador, e aguardando contar com a solidariedade das sociedades medicas e dos chefes de clinicas especialmente, cumpre-me lançar a seguinte moção em pról do apreço e da moralidade da Oto-rino-laringologia: - Nenhum medico poderá dizer-se oto-rino-laringologista sem um estagio mínimo de dois anos em um Serviço especializado e quando, para tanto, não esteja munido dum atestado do chefe de clinica, capacitando-o para o exercício profissional.
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