Juiz de Fóra
ANATOMIA
Antes de entrar no assunto desse trabalho, lembrarei que o esqueleto nasal é formado por ossos, cartilagens e membrana fibrosa. Os ossos que entram na constituição do nariz são: ossos proprios, ramo montante do maxilar superior e o bordo anterior da apofise palatina. As cartilagens principais que contribuem para formar o nariz, são: cartilagem do septo, cartilagens laterais e das azas.
Cartilagem do septo, assim chamada porque completa o septo osseo das partes nasais; completa o espaço angular compreendido entre a lamina perpendicular do etmóide e o vómer. Situado geralmente na linha mediana, da qual ás vezes se desvia, apresenta duas faces e quatro bordos. Cada uma das faces corresponde a fossa nasal adjacente. Os bordos são: dois anteriores e dois posteriores. Bordo póstero-superior que se articula com a lamina perpendicular do etmóide; bordo póstero-inferior que se articula com o bordo anterior do vómer. O bordo antero-superior corresponde ao dorso do nariz; o bordô antero-inferior é alojado no sub-septo e se extende da espinha nasal anterior ao lobulo nasal.
Cartilagens laterais, em forma de triangulos situados lateralmente, á direita e á esquerda, com base dirigida sobre o septo e com ele se confunde.
Cartilagens das azas em numero de duas, uma á direita e outra á esquerda, em fôrma de ferradura, cuja parte media fôrma o lobulo nasal; e a extremidade ciscumscrevem no seu afastamento, o orifício elíptico das fossas nasais. Desses dois ramos, o interno se ajunta á linha mediana, em parte á cartilagem do septo e em parte ao ramo similar da cartilagem oposta. Ela se aloja no sub-septo. O ramo externo, mais largo e longo, perde-se na aza do nariz, da qual fôrma o esqueleto. As cartilagens accessorias são situadas em pequenos intervalos que separam as precedentes.
Membrana fibrosa - geralmente resistente, cobre todos os espaços livres correspondentes á essas cartilagens, ligando-as umas ás outras e tambem aos ossos visinhos.
O traumatismo sobre o arcabouço nasal, pôde agir sobre os ossos, sobre as cartilagens isoladamente; e tambem sobre ambos, determinando variadas deformidades na raiz, no dorso e na ponta do nariz.
O caso presente tem como lesão principal no septo nasal; sobre a ação traumatica houve fratura da cartilagem quadrangular. Não tendo sido reposta no seu devido tempo e lugar, adquiriu posição viciosa, curvada sobre si mesma desviando a ponta do nariz para a direita (escoliose).
Houve na .cartilagem do septo uma verdadeira anquilose; e em consequencia da fratura mal consolidada, as narinas ficaram deformadas e inclinadas para direita. O septo tomou direção oposta, inclinando-se para esquerda, apresentando duas saliencias na sua curvatura.
A respiração atravez do nariz tornou-se muito prejudicada, principalmente pela narina esquerda.
J. Joseph em seu livro de cirurgia plastica, aconselha e opéra o septo; resseca o mesmo nas suas partes fraturadas, atravez da mucosa descolada, por meio de excisões sobre a cartilagem, repondo novamente a mucosa no seu devido lugar. Aconselha ainda fixa-lo ao lado oposto do desvio, na fosseta piriforme, perfurando o osso (maxilar), passando um fio resistente de seda ou arame. Os otorinos limitam-se tão sómente á função respiratoria; fazem a submucosa de Killian e com ela se satisfazem. Entretanto o doente ainda não se satisfaz, porque sua deformidade externa continúa trazendo um verdadeiro acabrunhamento e deficit psíquico, pelo fato do paciente não poder confundir-se na onda social. E' para esse ponto que chamo a atenção dos colegas, afim de que possam orientar os seus pacientes.
David Sanson citou um caso de plastica nasal em que implantou cartilagem costal e vinte dias depois fez nova intervenção transplantando tambem cartilagem quadrangular de outro doente (hetero-plastia), após exames clinicos e de laboratorio. Rebelo Neto, em São Paulo, em casos tais, prefere começar pela submucosa de Killiam; retira as partes fraturadas e cicatrizadas viciosamente.
David Adler, no Rio, aconselha a mobilização do septo na sua parte inferior; faz a transfixação do sub-septo e fratura o septo na sua parte recurvada, depois de incisar sua cartilagem, com o fim de fratura-Ia e acerta-Ia. E' essa tecnica a que me pareceu mais razoavel, transformando uma fratura antiga mal consolidada em outra recente, colocando tudo nos seus devidos lugares, como se observa na cirurgia geral.
Operação -- Asepsia comum das cavidades abertas - Pincelagem do septo, soalho e narinas com solução de cocaina a 10 % - Anestesia do septo, lobulo nasal, sub-septo e soalho com solução de novocaina á 1 % ou néo-tutocaina 1% Transfixação do subsepto, separando-o do septo (antero-inferior). Libertação da espinha nasal anterior por meio de um escopro; ou corta-lo com o mesmo ou com uma tesoura até o vómer. Nas partes em que houver curvatura, anquilose da cartilagem, faz-se incisões verticais no lado convexo atravessando-se a mucosa e cartilagem. A mucosa do lado oposto é sempre poupada. Assim feito, tem-se a mobilização inferior sobre o soalho nasal e tambem sobre as partes curvas, procurando-se dessa forma retifica-lo. O sub-septo é novamente suturado, e introduz-se dois tubos de gaze nas fossas nasais para mante-lo em posição, previamente humidificados com uma solução de antipirina á 10%.
Sobre a parte externa do nariz, aplica-se um protetor de vulcanite em angulo diedro, modulado naquele momento; e fixao por esparadrapo, para mante-lo em posição conveniente com o fim de evitar hematomas. A tração deve ser sempre dirigida ao lado oposto da antiga posição do nariz que estava em escoliose.
Os curativos são feitos de dois em dois dias com os mesmos cuidados. Em casa, o doente pode usar o aparelho de Joseph ou outros congeneres, para comprimir e levar o septo para o lado oposto, até nova consolidação. O doente apresenta tres fotografias antes e tres depois da operação, como meio de contraste; além disso duas mascaras em gesso, nas mesmas condições; e uma fotografia com o aparelho de Joseph.
Sendo esta a minha primeira intervenção nesse genero, e sem intuito de valorizar as minhas dificuldades, resolvi operar este caso, depois de ler as descrições vagas que encontrei nos tratados de plastica cirurgica, e nos compendios de Oto-rino e cirurgia geral.
FICHA CLINICA
F. S. N. 5 - Ordem 460 - 20 de Julho de 1938. Diagnostico - Fratura septo nasal.
Nome - G. L. A. - Residente - Chacara. - 13 anos, solteira. brasileira, domestica, branca.
Molestia atual - Ha 5 anos fraturou o nariz em consequencia de um tombo. Teve forte hemorragia nasal e procurou o farmaceutico que lhe fez um curativo. Tempos depois notou o nariz deformado, virado para a direita. Não respira do lado esquerdo e dorme de boca aberta. Na escola e na rua faziam-lhe caçoadas e apelidavam-n'a constantemente.
Rinoscopia - Desvio do septo traumatico para esquerda; septo apresenta duas saliencias, uma em cima, no lado direito; e outra, em baixo na narina esquerda. Ha uma verdadeira imobilidade do mesmo, observando-se uma anquilose da cartilagem do septo. As narinas estão em plano obliquo do lobulo nasal, Nariz desviado para a direita (em escoliose).
Tratamento: Operação.
FICHA CIRURGICA
F. S. N. Ordem 17 - Data 24 de julho de 1938. Diagnostico - Fratura septo nasal.
Operação - Reconstituição da fratura nasal.
Nome - G. L. A. Chacara. 13 anos, solteira, brasileira, domestica, branca.
Cuidados pre-operatorios. Foi feito asepsia das fossas nasais com agua oxigenada.
Estado geral da operada - bom. Estado local da operada - bom.
Operação - Anestesia do lobulo nasal, aepto e soalho com néo-tutocaina á 1 % (local). Pincelagem da mucosa nasal, septo e soalho com solução de cloridrato de cocaina á 10%.
Processo cirurgico - Foi feita a transfixação do sub-septo nasal, libertação da espinha nasal anterior e libertação do septo junto ao soalho do nariz. Cartilagem do septo foi seccionada verticalmente, provocando nova fratura, paia po-lo em posição retificada.
Cuidados post-operatorios - Tamponamento com dois tubos de gaze em cada narina.
Externamente foi colocado um protector de vulcanite - Curativos de dois em dois dias.
Resultado operatorio - satisfatorio.
Observações: verifica-se que a aresta nasal tomou nova posição. Lobulo nasal ficou mais fino. Narinas em posição diferente da antiga, mais ou menos arredondadas.
Respiração melhorou consideravelmente, podendo respirar por ambas as narinas.
A doente sente-se contente com o resultado operatorio.
Antes - Depois
Antes - Depois
Antes - Depois
Ap. Joseph
Conclusõesl.º) - Qualquer fratura nasal das partes osseas ou cartilaginosas deve ser imediatamente reduzida, sem perda de tempo para seu completo sucesso.
2.º) - Seu abandono, implica num grande erro, porque traz consolidações viciosas, com perturbações respiràtorias e deformidades externas e imutaveis.
3.º) - Qualquer fratura nasal consolidada por si mesmo, acarreta deformidades e coloca o paciente em estado de inferioridade mental e social.
E dever social e humano intervir, para colocar o individuo no seu devido lugar e integra-lo no meio social do qual ele se achava isolado.
BLIBLIOGRAFIAAnatomia humana - Testut.
Plastic Surgery of the nose - Sheehan.
Téchnique operatoire - Monod et Vanverts
Operative Surgery - Loeb
Plastic Surgery - Davis.
Nasenplastik - J. -Joseph
Kriegswerletzungen - Julius Misch und Karl Rumpel.