ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
729 - Vol. 17 / Edição 3 / Período: Maio - Agosto de 1949
Seção: Casos Clínicos Páginas: 105 a 108
PARALISIA FACIAL DURANTE ANESTESIA LOCO-REGIONAL PARA AMIGDALECTOMIA TOTAL
Autor(es):
IVO NETO

- JAÚ -

H. C., branca, feminina, solteira, brasileira, funcionária pública, moradora em S, Paulo. Ficha 3880.

Jamais sofreu da garganta de ter inflamações, febre, etc., apenas ligeira irritação quando se gripa. Ha muito, porém, atacada de reumatismo e, em S. Paulo, consultou o Dr. Jairo Ramos, que incriminou as amigdalas e mandou-a operar. Narís sempre cor, rendo, entupido e espirra demasiadamente pela manhã e à qualquer golpe de ar. Já operou "carnes" do narís, ha anos, mas não obteve nenhum resultado. ((Sic)

Exame: - Ganglios submaxilares ausentes; amigdalas encastoadas, congestas, duras, criptas dilatadas e, à espremedura, secreção muco-purulenta fluida. Sinal de Bourgeois.

Rinoscopia: - pituitaria pálida, infiltrada, sem retração à "Privina". Meados limpos. Transiluminação normal. Ouvidos normais.

Diagnostico: - Amigdalite lacunar cronica. Rinopatia alergica

Tratamento pre-operatorio pela Vitamina K e "Normoclotin"

Tempo de coagulação e sangramento normais. Operação à 23/10/'47. Pulverisação com cocaína a 5% . Anestesia local com solução de Scurocaina a 29o injetada com seringa de septo, modelo Dr. Silvio Caldas.

Mal terminávamos de fazer a última picada à direita, notámos quéda discreta da comissura labial deste lado. Em seguida, a doente queixou-se de "sensação esquisita" na face direita e, logo depois, certa dificuldade em fechar o olho correspondente. Dentro de poucos momentos instalou-se o quadro característico da paralisia facial periférica: - assimetria facial, apagamento do sulco naso-geniano, flacidês da bochecha, voz soprosa, impossibilidade de assobiar, sinal de Bell. Não obstante o estado de nervosismo da paciente tratámos de acalma-la com argumentação convincente e demos inicio ao ato operatorio enucleando, por disecção, a amígdala esquerda. Não sem apreensões passámos, após hemostasia da loja operada, a intervir sobre a outra amigdala, onde se constatava paralisia do véo. Praticada a incisão, cuidadosa e vagarosamente descolámos a amigdala com a costa da tesoura curva e, finalmente, enucleamo-la.

Fáto interessante a salientar: sensibilidade dolorosa presente, não modificada pelo anestesico. Enquanto do lado esquerdo nada sentira, como habitualmente acontece, a operada queixou-se de dôr durante- todo o decorrer do ato cirurgico do lado paralisado. Assegurada a boa hemostasia das lojas, enviámos a paciente ao quarto com a face ainda completamente paralisada. Vitamina B-1 forte, ministrada parenteralmente.

Duas horas depois voltámos a, ver o caso e, com alívio e satisfação, constatámos o desaparecimento dos fenomenos paralíticos, os quais, segundo depoimento da própria operada, tinham cessado ha poucos minutos. O restante do pós-operatório evoluiu normalmente.

Comentário - Muito embora a literatura estrangeira nos dê ciencia de varios exemplos dessa naturesa, a casuística nacional se nos apresenta quasi inexistente, pois, do que nos foi dado investigar, somente 3 casos foram, até então, dados à publicidade. Destes, dois publicados e um trasido à lús por citação do Dr. Aristides Monteiro comentando um dos primeiros quando apresentado em sessão da Sociedade de Oto-Rino-Laringologia do Rio de janeiro. As observações nacionais são de autoria dos Drs. Galdinoi Augusto, Milton de Carvalho e Pinto Fernandes.

Dada a alta percentagem operatoria das amígdalas em todo o mundo, onde se chega ao exagero de, em cidades Norte-Americanas, g0jro da população não possuir amígdalas e, adernais, as relações mais ou menos íntimas do nervo facial com o campo operatório, era de se prever maior numero de achados clínicos dessa ordem.

Foschner e Loos relatam dois casos desse acidente e nos oferecem estudos com injeção de pasta corante coagulavel injetada através do pilar anterior como para uma, anestesia comum. Dos seus estudos vemos a impregnação pela pasta dos espaços intermusculo-vasculares, sendo atingidos, por contiguidade, a parotida e, simultaneamente, o facial, o que vem mostrar a facilidade relativa de acidentes desse quilate, os quais, para gaudio do especialista, somente raramente aparecem. Neuman, o grande mestre vienense, tambem nos dá conta de 3 observações da mesma naturesa. O caso de Tschiassny, tambem de Viena, já não se enquadra perfeitamente no assunto de nosso estudo, pois correlaciona-se com fenômeno paralítico no domínio do facial, porém uma semana após amigdalectornia, o que se afasta um pouco do imediatismo e anestésico do acidente por nós relatado. Aliás, para tal caso invoca Alexander a explicação de uma linfadenite angulo maxilar e, ulteriormente, infeção dos ganglio geniculado. Menzell, no entanto, acredita menos na linfadenite como fator etiológico, emprestando maior crença, para explicação, no caso de Tschiassny, a vírus neurotropo que, seguindo via hematica, determinasse a própria paralisia do nervo da expressão. Finalmente, arrematando os casos estrangeiros, temos os 12 de Gerlings, citados por Aristides Monteiro comentando a comunicação do Dr. Galdino Augusto, ocorridos num total de dois mil amigdalectomisados.

No tocante ao carater do acidente as opiniões dos autores são unanimes em proclamar a sua benignidade, inculpando o anestesico, o qual pode penetrar do espaço latero-faringeo ao espaço parotidiano, devido solução de continuidade da capsula da glandula parotida, determinando, assim, uma secção anestesica. Todavia, não devemos relegar para plano secundario a possibilidade duma anomalia de trajéto do 7.° par, tornando definitivo o desagradavel quadro clínico que por duas horas nos deixou em sobressalto. Tambem não é para se menospresar a hipotese da ação inibidora retrograda anestesica atuando primitivamente sobre as fibras faciais que inervam o véo do paladar. E, no nosso caso, essa interpretação é a mais racional, dada a concomitancia da paralisia facial com a do hemi véo, corroborando-a o fáto de não havermos levado a solução anestesica profundamente no espaço latero-faringeo, pois usámos uma agulha curta de septo para o bloqueio anestesico.

No tocante ao capitulo da inervação do véo ha controversias, degladiando-se os anatoinistas e fisiologos a respeito da supremacia do facial e vago-spinal, ambas as correntes amparadas em argumentos e fátos que bem merecem a atenção dos estudiosos. Não nos deteremos em comentários a respeito do assunto, limitandonos, apenas, ao relato da nossa observação, emprestando ao achado clinico a interpretação - como já o fixemos acima - que mais nos pareceu racional.

BIBLIOGRAFIA

1 - AUGUSTO GALDINO - Paralisia Facial Durante a Anestesia da Amigdala Palatina. Revista Brasileira de O. R. L.
2 - FERNANDES PINTO ARMANDO - Revista Brasileira de O. R. L. Transcrição de Ata da 42.ª Sessão da Sociedade de O. R. L. do Rio de Janeiro.
3 - CARVALHO MILTON - Citação do Dr. Aristides Monteiro Revista Brasileira de O. R. L.
4 - GERLINGS - Acta Laringologica - 1932.
5 - FOSCHER E LOOS - Monats f. Ohrenh. 61 S 231. 1927 - Citação.
6 - NEUMAN - Zbl. f. Hals. Bd. 20. S 719. 1933. Citação.
7 - TSCHIASSNY - Msch. f. Ohrenh. 66 S 886 h 7. 1932. Citação.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia