ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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703 - Vol. 16 / Edição 1 / Período: Janeiro - Abril de 1948
Seção: - Páginas: 07 a 16
OSTEOMIELITE FRONTAL COMPLICADA DE ABCESSO CEREBRAL. TRATAMENTO PELA CIRURGIA CONSERVADORA E ANTIBIÓTICOS. CURA. (*)
Autor(es):
J. DE MATTOS BARRETTO **
JORGE HIRSCHMANN ***

Velho assunto e bastante ventilado, a osteomielite dos ossos do crâneo está bem definida no que concerne à sua histo patogenia e etiologia. Entretanto, em reuniões médicas, desperta sempre interesse, dada a dificuldade de um diagnostico precoce, e às conjeturas a que por vezes lança o facultativo ao decidir por uma intervenção. cuja extensão se ignora ao inicio, e cujas graves consequências, estigmatisando o paciente, trazem em pavor os circunstantes, tanto por isso como por um prognostico, senão sombrio, sempre reservado

Muito tem evoluido o tratamento da osteo-mielite dos ossos do craneo, marcando fases sucessivas o progresso não só da cirurgia especializada como da quimioterapia.

A um tema como esse, bem se justifica, pois, a colaboração casuística.

Como geralmente aceito, as osteomielites classificam-se em:

I) localizadas ou por si mesmas circunscritas; em geral do tipo cronico, simplesmente perfurantes, ou com tendência à formação de sequestros. Pódem, todavia, particularmente em falta de adequado tratamento, passar à forma progressiva, difusa.

II) não localizadas ou progressivas, disseminadas, do tipo agudo, às vezes com carater fulminante.

Nas osteomielites do grupo I distinguem-se, além do fatôr reparativo individual, o tipo do germe infectante e a condição de irrigação sanguinea do osso acometido (Lillie) . Ao passo que no grupo II isto é, nas osteomielites progressivas, disseminantes, embóra tambem entrem em conta as condições do osso, o que mais importa é a virulência do germe, em geral anaerobios (Williams e Heilman). e por isso mesmo - até a recente éra dos antibióticos - não susceptíveis aos meios terapeuticos usuais.

Consistia o tratamento, até então, em processos físicos de revulsão e caloria da dôr, drenagem dos abcessos e flegmões, e remoção dos sequestros, ajudando-se da transfusão ou imuno-transfusão.

E tinham seu razoável sucesso, em se tratando do grupo das localizadas, onde o estafilococo é geralmente encontrado.

Com o recurso das sulfas e particularmente do thiazol o seu prognostico muito melhorou.

Finalmente, com o advento da penicilina, até os casos onde agem os anaerobios, outróra infaustos, tornam-se hoje em dia sensacionalmente favoráveis, associando-se o emprego das duas drogas à adequada e oportuna cirurgia.

Presentemente parece geral o consenso que a quimioterapia deva ser intensiva e a mais precoce possível, a fim de se evitarem as complicações, ou melhor, antes que se processe a supuração, alcançando o germe ainda na sua fase particularmente reprodutiva.

Evitar-se-ia, assim, nos casos agudos, a disseminação do processo.

A terapeutica antibiotica, ainda que tenha sustado a evolução do processo, deve ser prosseguida por uns 15 dias, ou mesmo 3 a 4 semanas, como querem William Kirley e Virgil Hepp.

Putney acredita que nos casos de osteomielite crônica seja possível a cura sem o recurso da cirurgia extensa, ainda que se tenha de prosseguir a penicilinoterapia por vários meses. Assim procedeu, conseguindo salvar um paciente após o emprego de 7.300.000 U. em 66 dias.

Só nos casos com sinais de disseminação, com necroses ósseas extensas, comprovadas por radiografia ou por sinais de comprometimento endocraneano, se lançaria mão da cirurgia radical.

Assim tambem nos casos em que ocorram exacerbações ou em que o processo não mostre tendência à cura uma vez cessada a administração da penicilina.

Passemos a relatar a nossa observação da osteo-mielite frontal, aguda, expontanea e complicada de abcesso cerebral frontal.

OBSERVAÇÃO: - R. P. - 34 anos - Branco - Brasileiro - Pintor.

Em 22_3_1944, apresentou-se a consulta, queixando-se de intensa cefaléa frontal há 2 dias e secreção purulenta abundante da fossa nasal direita.

O exame revelou: - secreção catarral na parede posterior da faringe intensa secreção muco-purulenta no meato médio direito, dôr a pressão nos seios frontal e maxilar direitos e diminuição de transparência dos mesmos a transiluminação.

Fez-se o diagnostico de pan-sinusite aguda direita. O tratamento classico foi instituido, consistindo em banhos de luz, thiazamida, narial hidrico, inhalações. Após 5 banhos de luz, a secreção no meato media havia desaparecido, persistindo cefaléa não tão intensa quanto a principio.

Em 31_3_1944, isto é, 8 dias após apresentou-se o paciente queixando-se de cefaléa frontal intensa e continua, temperatura elevada. Havia então discreto abaulamento na região mediana do frontal que o paciente nem notára. Por isso se pediu radiografia, chamando atenção para provavel foco de osteomielite. A radiografia apenas revelou diminuição de transparencia dos seios anteriores da face, mais acentuada no frontal direito.



Fig. 1



Não havia sinais de processo osteomielitico (fig. 1). Foi prescrito um tratamento anti-infeccioso intenso. Por alguns dias, não foi visto o paciente, quando voltou, o abaulamento frontal era bem maior e apesar da cefaléa e temperatura notava-se certo torpor ou apatia mental, com um estado geral, todavia, relativamente bom.

Em 12_4_1944, nova radiografia revelou: focos de osteo-mielite aguda, com pequenos e grandes sequestros, abrangendo a porção anterior e media do frontal, logo acima dos contornos superiores dos seios que se apresentam opacos, (fig. 2).

Indicada a cirurgia, foi procurado o Dr. J. F. Mattos Barretto que propôs a operação de Moulonguet ampliada seguida da aplicação local de penicilina preparada no Instituto Butantan pelo Dr. Armando Taborda, que gentilmente se prontificou, a nos ceder a quantidade necessaria.



Fig. 2



Em 17_4_1944, foi executada a intervenção pelo Dr.. Mattos Barretto, tendo como assistente o Dr. Jorge Hirschmann. Anestesia local. Praticamos a seguinte intervenção tipo Moulonguet: - Incisão da pele e do periosteo no terço interno do supercilio e descendo até 1/2 cm. acima do rebordo da abertura piriforme. Trepanação do angulo supero_ interno da orbita, prolongando_se para cima a brecha ossea, até atingirmos o limite superior do seio, e para baixo até a crista nasal. Curetagem da mucosa do seio que estava espessada e degenerada. Esvasiamento do etmoide. Resecção do septo intersinusal e do contra_forte naso-frontal já, comprometido. Removeu-se a parte superior do septo nasal, correspondente ao massiço retro-naso frontal, cuja trepanação foi então completada, estabelecendo-se ampla comunicação entre os seios frontais e fossas nasais. As paredes anterior e posterior achavam-se comprometidas em grande extensão. Procurámos à medida do possível não deixar senão osso aparentemente são, em cujos limites, todavia, não avançamos tanto como de régra. Nos limites superiores, na confluência das duas paredes, o osso achava-se de tal modo comprometido que tivemos de recorrer a uma incisão vertical de uns 5 cms.de extensão. Em dois pontos da dura mater, fungosa, fomos conduzidos a dois abcessos adjacentes, do tamanho do ovo de pombo e isolados por rijo tecido, como quistos, no lobo frontal. O seu conteudo, pús cremoso, ou antes substância amórfa, bem se distinguia da massa encefálica dos bordos. Uma vez limpa a região, foi feita lavagem com soro fisiológico e, em seguida a instilação de 10 cc de penicilina, correspondente a 10.000 u. Oxford.

A seguir sutura da incisão de Moulonguet, permanecendo aberta a incisão vertical, onde deixamos dreno de gaze embebido em penicilina separando o periosteo da dura mater. Durante a intervenção, foi retirado material que enviado para exame bacteriologico, revelou a presença de estafilococco albus.

Nas primeiras 48 horas após a intervenção, além de medicação antiinfecciosa geral, era instilada de 4 em 4 horas a solução de penicilinas no dreno de gaze.

No dia da operação já a tarde, a temperatura que na vespera era 39,5º, havia baixado para 36,7º; á noite o paciente conseguiu dormir relativamente bem. No dia seguinte, apresentava-se o paciente bem disposto, sem cefaléa ou temperatura, tendo se alimentado bem.

O post-operatorio decorreu normalmente e em 23_4_44, o paciente teve alta hospitalar, continuando os curativos no consultorio. Durante algum tempo, ainda fizemos, através da incisão aberta, lavagens com penicilina. A cavidade granulou normalmente, sendo o dreno retirado definitivamente em 2_5_1944. O paciente voltou às suas atividades normaes e continua sem qualquer sinal de recidiva até o presente, isto é, em 1948. A ultima radiografia deste paciente em 2_7_1946 revelou: "na parte media do seio frontal esquerda. presença de uma perda de substancia ossea, sem sinais de reação periferica. A direita e sobre-a linha, mediana notas e uma oseto-escleróse de aspéto cicatricial". (fig. 3).

O resultado estetico foi o melhor possivel. Apenas percebemos cicatriz vertical na região frontal, ligeiramente aprofundada, mas sem modificar a fisionomia do paciente.

COMENTAMOS: - Como acabamos de ver trata-se de um caso complicação cerebral, de evolução insidiosa, agudo progressivo, com complicação cerebral, ainda que de marcha não fulminante.

Em 27 dias havia comprometimento das duas paredes frontais e do lobo frontal, onde foram encontrados dois abcessos enquistados.

A sintomatologia frisante foi a cefaléia intensa e insonia, rebeldes aos analgésicos e hipnoticos; a pirexia elevada, constante; e, por fim, o classico edema infiltrativo frontal, "puffy tumor" de Pott.

Tambem aqui foi confirmada a observação de Mosher e Judd: a radiografia denuncia com um atraso de cerca de 10 dias (ou de 3 meses como querem outros!) a progressão da osteo-mielite, muito antes revelada pelos sinais clínicos.

Nunca se poderia guiar ou esperar por sinais radiográficos em caso do tipo fulminante. Esta fórma evolue em 1 ou 2 dias a 1 ou 2 semanas; provavelmente devida à intensa toxemia e rápida difusão pelas meninges (Behrens).

Nas outras formas, todavia, a osteomielite é moléstia de longa duração, mesmo nos casos agudos. Meses se passam para que se de uma cura ou o êxito total. E cada um sabe que em nunca menos de 1 a 2 anos se póde assegurar a cura da osteomielite.

Estamos com Behrens, quando adverte que só pelo mais acurado exame, procurando-se determinar o tipo e a extensão da osteomielite pode-se chegar a melhor decidir pelo paciente - sem partido entre intervencionistas radicais precoces e conservadores.

O caso da nossa observação foi em época que no Brasil, praticamente, não existia penicilina senão a brasileira. Em S. Paulo, no Instituto Butantan, o casal Armando Taborda, vencendo dificuldades a toda prova, num edificante idealismo científico, preparava as cubiçadas ampôlas de 5 mil unidades, para uso intramuscular.



Fig. 3


  
Fig. 4      Fig. 5



Não podendo contar com número suficiente de unidades para o tratamento sistematico, como aconselhava a comissão americana encarregada do estudo dos primeiros 500 casos de emprego de penicilina nos E. U., usamos a via intramuscular apenas nas 12 horas primeiras após a intervenção. O uso local póde ser feito com regularidade, poupando-se a penicilina com o aumento da diluição à medida que notávamos o franco declinio da infecção. Ao todo dispendemos cerca de 50.000 u.

Registrando, assim, um dos primeiros casos do emprego, entre nós, da penicilina brasileira, em grave caso de complicação endocraneana, rendemos a mais justa homenagem a esses dois jovens e notáveis cientistas.

Tendo o paciente deixado o hospital no 6.º dia após a operação, fazia ele próprio, em domicilio, regular instilação de penicilina pelo dreno endocraneano, que foi retirado 15 dias após.

A fotografia comprova o resultado estético.

Finalisamos esses comentários com o resumo de dois outros casos de osteomielite frontal localizada, com o que pensamos melhor exemplificar nosso ponto de vista e habitual conduta.

OBSERVAÇÃO - M. P. M. - 24 anos, solteiro, tecelão - 20.11.47. Há cerca de 1 mes notou uma tumoração supra_orbitária que aumentando de volume veio afinal a muro. Fístula na região supra orbitária, de onde flúe grande quantidade da secreção purulenta espessa, esverdeada.

Radiografias mostram perda de substância óssea na região superciliar direita; intensa obscuridade dos seios frontais, maxilares e etmoides.

A punção dos outros maxilares deu secreção purulenta, esverdeada, abundante e fétida.

26_11_47 - Sinusotomia maxilo-etmoidal bilateral.

3_IV_47 - Sinusotomia frontal por via externa (operação de Moulonguet - Anestesia: Thionembutal. Incisão para mediana retilinea e trepanação seguindo os tipos clássicos do processo de Moulonguet. Na parede anterior do frontal direito havia um fóco de osteomielite; removeu-se uma área óssea com cerca de 3cms. de diametro. Revisão da região etmoidal dos dois lados.

Diagnóstico: pansinusite com osteo_mielite do frontal. Cinco dias após a operação foram retirados os drenos de borracha e os pontos. Durante os primeiros dias através do dreno fez_se irrigação da cavidade operatória com penicilina.

Em 23.3 - alta hospitalar, passando a fazer curativos em laboratório com animo_ cron. Em 1.6.47 - o paciente nada mais acusa; houve certo afundamento ao longo da incisão paramediana do frontal, sem causar grande deformação. Fossas nasais livres de secreção ou crostas.

2.10.47 - Ausência de secreção nasal. Cavidade frontal limpa e bem esterelizada.
Durante o período de internação (21.II_20.III.1947) a medicação foi Penicilina (3.565.1500 U.), sulfadiazina (45 grs.) ;

I. B. - 13 anos

1.ª consulta em 13.7.46 - Há cerca de 10 meses é que percebeu secreção nasal com dores intermitentes no frontal. Há 8 dias diz que apareceu edema na região frontal esquerda e palpebra superior acompanhada de dor intensa e reação febril.

Exame: - Acentuado edema na região frontal esquerda. Edema e flutuação da palpebra superior. Nota-se no rebordo orbitário superior e se estendendo a uma altura de uns 4 cms. destruição ósseo, cuja apalpação é bastante sensível. Dar à, pressão no infra_orbitário esquerdo.

À rinoscopia nota_se secreção purulenta no meato medio esquerdo. Fossas nasais estreitas em um andar medio. Pedimos internação, para imediata drenagem e tratamento anti_infeccioso, penicilina e sulfa.

13_7_46 - Incisão e drenagem do abcesso. Anestesia geral - éter_kelene. Duração 15 minutos. Incisão de 3 cms. ao nível da arcada orbitária esquerda. Pús, mas ao invés de fluente e abundante, era apenas escasso e formando grumos. Dreno de borracha após ter aplicado abundante sulfa (thiazamida cristalizada). Colheita de material para exame bacteriológico.

Diagnostico: Sinusite cronica supurativa maxilo_etmoido frontal com osteomielite do frontal.

Medicação: Sulfa e penicilina.

Evolução clinica: 13_7_46: A temperatura de 37,8 que era antes da intervenção caiu ao normal. 15_7: Continua a boa drenagem dando grumos escurecidos de pús e sangue. 24_7: Como não há mais secreção, retirou-se o dreno suspendendo assim tambem a aplicação local de penicilina.

Radiografia em 15_7 . Acentuada diminuição de transparência de ambos os seios maxilares, com espessamento da mucosa. Não observamos sinais de lesões ósseas locais.

9_8_46 - Sinusotomia. Resecção septo. Turbinotomia. 1) Incisão normal para resecção submucosa do desvio do septo. 2) Trepanação do antro maxilar etmoide e frontal esquerdos, estes últimos por via transmaxilar. Mucosa degenerada, particularmente no assoalho do antro e nas células etmoidais anteriores. 3) Sinusotomia etmoido frontal por via endonasal a direita inclusive a trepanação do agger nasi. Mucosa degenerada. 4) excisão com alça fria da extremidade do corneto medio E.

16_8_46 Cavidades permeáveis: ausência. de secreção purulenta. Alta hospitalar.

Exame bacteriológico: Material do abcesso frontal: staphylococcus aureus.

Material do maxilar: staphylococcus albus, hemophilus.

10_8_46 - Nada mais apresenta; apenas ligeiro catarro naso-faringeo de um resfriado. Alta.

1_48 - Durante o periodo da internação (13.VII-.46 e 11.VIII.46) o paciente tomou 3.550.000 u. de penicilina e 51 grs. de sulfamerazina.

CONCLUSÕES:

1) A osteomielite frontal, salvo raros casos agudos fulminantes, é moléstia insidiosa, de evolução lenta.

2) A sua progressão, pode ser sustada pela imediata aplicação dos antibioticos e pela, drenagem do fóco.

3) Nos casos já complicados - como em nossa observação, da abcesso cerebral - póde ser suficiente a cirurgia conservadora eu antes a sinusotomia pelo metodo de Moulonguet, ampliado de incisão vertical para mediana, tão longa quanto necessária. É o processo cirurgico que mais amplamente drena a região do seio frontal, atendendo ainda à estética.

4) Entre as demais medicações adequadas a cada individuo, deve-se recorrer à associação da sulfa e penicilina - tão intensa quanto possível e prolongada por duas ou mais semanas após a cura aparente.

5) Muito útil é tambem a aplicação local da penicilina, que temos feito por instilações regulares através do dreno de borracha.

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(*) Apresentado ao 2.º Congresso Brasileiro de O. R. L.. realizado em Salvador, Bahia, em janeiro de 1948.
(**) Livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo.
(***) Assistente extra-numerario da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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