ISSN 1806-9312  
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671 - Vol. 13 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1945
Seção: - Páginas: 19 a 32
HEMORRAGIAS GRAVES E SUCESSIVAS, POR ABERTURA ESPONTÂNEA DE ABCESSO AMIGDALIANO. LIGADURA DA CAROTIDA EXTERNA. CURA. (*)
Autor(es):
DR. J. E. DE PAULA ASSIS (**)

Os abcessos amigdalianos, também denominados anginas flegmonosas, de decurso tão benigno, que fazem "la gloire de toutes les medications", no dizer de Trousseau, são, às vezes, capazes de produzir sérias complicações, entre as quais se destacam pela sua gravidade, as hemorragias, que, em grande número de casos, levam o paciente à morte.

Si atentarmos, entretanto, para a frequência, em nossos serviços, dos abcessos das amIgdalas palatinas, que se multiplicam por centenas, verificamos a excessiva raridade das suas complicações hemorrágicas.

A literatura médica, tanto brasileira, como a extrangeira, é pobre no assunto. Entre nós, publicados, só conhecemos os trabalhos de Teófilo Falcão, Rafael da Nova (1934) e Orlando de Castro Lima (1935) aqueles de S. Paulo e êste da Bahia. Os tratados da especialidade fazem ligeiras referências à esta grave complicação. Os casos, entretanto, se repetem. Salinger e Pearlman, em 1933, em exaustivo trabalho em que esgotam o assunto, catalogando 231 casos de hemorragias, dos quais 85 apenas por abcessos amigdalianos, publicados em diversos países, chegam à conclusão que a ligadura arterial, deste ou daquele vaso, conforme a sintomatologia, é o processo heróico para reduzir a letalidade, abrindo esperançoso caminho para a cura. Isto mesmo vimos confirmado em moderno trabalho de Lyman G. Riehards, de Boston, que descreve interessante observação de hemorragia massissa da carótida interna, com ligadura corôada de exito, em creança de 4 anos de idade. No caso que tenho a honra de apresentar a êste colendo Congresso, também a ligadura, feita em tempo habil, venceu o mal, levando o paciente à cura.

Relatemô-lo:

B. S. F. 47 anos, português, branco, casado, comerciário.

No dia 25 de Setembro de 1937 apresentou-se à nossa consulta com abcesso amigdaliano direito. Incisão. Dilatação. Saída de regular quantidade de pús fétido. Gargarejos emolientes. Involução normal. Cura. A 2 de Outubro, somos novamente procurados pelo paciente, que nos disse ter tido outro abcesso, agora no lado esquerdo e, temendo o tratamento cirúrgico, usou apenas o gargarejo que lhe fôra prescrito, aguardando o evolver espontâneo do abcesso. Isso se verificou na manhã desse dia. Com a eliminação do pús, entretanto, sobreveio violenta hemorragia, que calcula mais ou menos em um litro de sangue. Sente-se abatido e nervoso. Ao exame, notei a região amigdaliana esquerda vermelha e tumefata e, no polo superior da amígdala pequeno coágulo sanguíneo. Injeções de cálcio, coaguleno, vitamina C, continuação de gargarejos. No dia 6, quatro dias depois, portanto, sou chamado de urgência por um clínico que atendeu o caso e tendo esgotado o seu arsenal terapêutico, pedia o meu comparecimento afim de debelar hemorrágia gravíssima, que o doente apresentava. Para não perder tempo e louvando-me na palavra autorisada do clínico, que calculava a perda de sangue em mais de um litro, pedi-lhe remover o doente incontinente para o Instituto Paulista, onde, sem demora, iria socorrê-lo. Ai, encontrei o enfermo em péssimas condições. Facies pálida, suores profusos, abatimento e nervosismo profundos, pulso incontável, lipotimias repetidas. Naquele momento, a hemorragia tinha melhorado. Ao exame constatei grande edema e tumefação de toda a região amigdaliana esquerda. No polo superior da amigdala, observei um pertuito, de onde o sangue se exteriorisava lentamente. Diante da gravidade do caso, principalmente em face da séria repercussão sôbre o estado geral, onde entrevia o limiar da morte, resolvi praticar sem tardança, a ligadura da carótida externa, entre a tireoidéa superior e a lingual, tendo-me, neste ato, prestado relevante auxílio, o Dr. Waldeloir Chagas de Oliveira, naquela época (1937) interno da referida casa de saúde. Esta medida foi também justificada pelo fato de ter tido o enfermo, entre as duas grandes hemorragias do dia 2 e do dia 6, outras, que sucederam repetidas, porém, de menor intensidade. Era de se presumir erosão vascular.

Depois da operação, cessada a hemorragia, o doente acalmou-se. Foram-lhe ministrados cardiotonicos, injeções de sôro, etc. Estado de fraqueza evidente. Foram praticadas cinco transfusões sanguineas de 150, 200, 250 e 300 cc., em dias alternados.



Curva leucocitária dentro dos limites normais:

Basofilos - 0,0%
Acidofilos - 0,0%
Neutrofilos
   Formas jovens - 2,0%
   Formas em ferradura - 2,0%
   Formas segmentadas - 64,0%
Monócitos - 4,0%
Linfocitos - 25,0%
(Dr. Arnaldo Pereira)
Tempos sanguíneos normais.

No 4.º dia depois de operação, nova hemorragia de regular intensidade, veio surpreender-nos. Como no momento do exame houvesse ainda ligeiro corrimento sanguíneo, pratiquei uma sutura de pilares, fechando entre êles a amIgdala. manobra muito dificultada pelo estado inflamatório da região (semelhante ao caso de F. G. Mayer).

Não se processou outra hemorragia. Medicamentos anti-anemicos e reconstituintes. Alta, curado, no 22.º dia.

A apresentação dêste modesto trabalho visa um fim exclusivamente prático, qual o de elucidar o especialista sôbre a conduta a seguir nos casos de hemorragias consequentes a abcessos amigdalianos ou inflamações de visinhança.

Estudaremos a etiologia dos processos hemorrágicos, o critério sôbre a artéria a ligar, e, emfim, diremos algo sôbre as conclusões a que nos levaram as observações alheias e a nossa.

As hemorragias ligadas a processos sépticos das amigdalas e tecidos adjacentes, apresentam-se ora sob forma cataclísmica, acarretando a morte súbita do paciente, sem dar tempo ao cirurgião de esboçar siquer um tratamento, ou se processam com intervalos sucessivos e, nesse caso, pode o cirurgião avisado tomar as providências, que a sua experiência aconselhar. Essas hemorragias assumem sempre extrema gravidade, e o estado do paciente é tão impressionante e o quadro tão dramático que, por si só, nos obrigam a uma resolução suprema, qual seja a ligadura de um dos vasos do pescoço. Si bem que os vasos sejam particularmente resistentes ao pús, não há dúvida alguma que, nos casos de hemorragias fulminantes ou graves, trata-se de um processo erodente de suas bainhas. (Lepouge).

Nas hemorragias fulminantes, as erosões vasculares são produzidas, na realidade, por um fleimão latero-faringeano. A coleção purulenta peri-amigdaliana, forçando a aponevrose, invade o espaço lateral do faringe, pondo em perigo um dos grossos vasos do pescoço, seja por esfacelo, seja por invasão limfática da parede. Nesses casos, nota-se na região sub-angulo-maxilar, uma tumefação de tamanho variavel, segundo um elevado número de observações (Sercer, Skoog, Lyman, etc.) especialmente patognomonica das inflamações do espaço para faringeo. (Schlemmer). No estado inicial, os abcessos amigdalianos têm a sua localisação limitada ao tecido celular submucoso, não ultrapassando o espaço subglandular, verdadeiro sub-solo da região tonsilar, como o denominou Sebileau. São os abcessos comuns, não hemorrágicos, cuja evolução é simples e sem complicações. Nos casos, porém, em que a invasão purulenta força êste espaço sub-glandular, as erosões vasculares podem produzir-se, dando lugar às hemorragias, que são ou fulminantes ou rapidamente graves por sua abundante repetição, como vimos no nosso caso.

Estas últimas poderiam ser explicadas pela erosão de vaso de menor calibre, que se obturaria por um pequeno coágulo, que faria estancar a hemorragia. Êste coágulo desprendendo-se por qualquer motivo especial, esforço de tosse, aumento de pressão etc., dá lugar a nova hemorragia de maior ou menor intensidade. Que esta erosão vascular venha a se cicatrisar, é fato que não poderemos ter a ingenuidade de supor, e, a sequência das perdas sanguíneas, levará o paciente à morte. Esta explicação das hemorragias intermitentes parece satisfazer, nela se enquadrando perfeitamente o caso que vos apresentei. Lepouge chama a atenção especial para a dor, que é mais intensa quando a hemorragia se processa, ao contrário dos abcessos não hemorrágicos, nos quais a dôr cessa completamente com o vasamento do pús. Êste fato, que pode parecer até certo ponto paradoxal, explica-se do seguinte modo: o sangue, enchendo bruscamente a cavidade do abcesso, recalcando as suas paredes e comprimindo as regiões adjacentes, provoca uma exacerbação dolorosa. O escoamento, fazendo-se aos poucos, mantem a dôr bem viva durante todo o período hemorrágico, só passando quando a hemorragia. cessar e portanto descomprimir as regiões afetadas.

Será possível um diagnóstico precoce da erosão vascular, no decurso dos fleimões amigdalianos? Penso que não, a não ser nos casos em que se possa observar uma pulsação, onde não haverá confusão possivel. A não ser êste sintoma os demais são todos comuns aos dos abcessos amigdalianos simples, si bem que Orlando Castro Lima e Caboche chamem a atenção para o aspecto local da mucosa, quando ela se apresenta "arroxeada e com aspecto equimótico". Sabemos também que os casos complicados de hemorragia são quasi sempre de decurso prolongado, acompanhados de grande entumescência das glândulas da região sub-angulo maxilar. Os fleimões de tipo gangrenoso naturalmente facilitam as complicações hemorrágicas. Os germens responsáveis pela eclosão das infecções purulentas da garganta, são geralmente as diversas espécies de estreptococus, que vivem nas amigdalas, maximé o hemolítico, segundo constatações de Skoog, confirmadas entre nós por Celso Brandão em abundante material (mais de cem pesquisas) enviado pelo autor.

Sercer refere-se, à estreptococus anaerobios, os quais, segundo Marwedell, podem viver embora em condições inferiores, em aerobiose.

Caboche e Borst pensam que, nos casos de lesões vasculares, produzindo hemorragias violentas, a .infecção se- traduziria antes por fenomenos flegmonosos que por fenomenos supurativos, sob a dependência de germens, que tivessem uma afinidade especial para os vasos, germens angiofilos, provocando processo gangrenoso.

Orlando de Castro Lima é de parecer que "uma fraqueza constitucional das paredes vasculares poderia certamente permitir com mais facilidade a lesão e consequentemente a hemorragia, o que aliás se justifica de certo modo, pela habitual resistência dos vasos à perfuração". É absolutamente sensata a ponderação do ilustre especialista baiano, pois com certeza, a Constituição - verdadeiro alfa e oméga desta realidade misteriosa que é a vida humana - dominando-a desde os seus primeiros albores e imprimindo-lhe as diretrizes de seu destino psíquico-biológico, não deixará sem dúvida de exercer uma influência capital sôbre tão importante problema. A própria questão dos germens angiofilos, de que nos fala Caboche, não é mais do que um determinismo constitucional, que se poderia enquadrar naquela "biotipologia microbiana" que nos refere Berardinelli, acoimando aliás a expressão de um tanto abusiva.

Outro problema que se nos apresenta a resolver é qual seja o vaso que sangra. Em relação às amígdalas, os grandes vasos do pescoço, comportam-se do seguinte modo: segundo Testut a carótida interna acha-se situada não diretamente para fóra da amígdala, mas para fóra e para trás, medindo entre ela e a glândula um intervalo avaliado em 20 a 25 milímetros. Riefel, citado por Testut, verificou em suas constatações que a carótida externa, mesmo quando apresentava uma curvatura, ficava a 17 milímetros para trás e para fóra da amigdala. No seu excelente trabalho já citado no início, dá Rafael da Nova, citando Thomas e Christiaens, uma pequena diferença sôbre os autores supra-mencionados: 22 a 28 milímetros para a carótida interna e 16 a 18 milímetros para a carótida externa. Vemos assim que, diretamente, é mais difícil de ser atingida a interna que a externa; entretanto, segundo constatações em autopsias, observamos justamente o contrário, isto é, que a interna é mais vulneravel nos casos de abcessos da região amigdaliana. Segundo Salinger e Pearlman, em 76 casos de erosão arterial, 18 apenas eram da carótida externa e os demais da carótida interna. Lubbers, em 37 trabalhos reunidos, afirma que sómente em 7 casos a responsavel era a externa. As lesões sôbre a interna se revestem de muito mais gravidade, levando geralmente à morte. Ela é atingida quando o processo séptico é mais profundo, ou então si houver uma anomalia em sua apresentação, isto é, si em vez de retilinea, como é a regra, ela se apresentar mais ou menos flexuosa e descrever sinuosidades variáveis em número, direção e extensão, podendo, por uma de suas curvaturas, se juxtapor à face externa da amigdala, tornando então aí eminentemente perigosa qualquer intervenção ou qualquer processo inflamatório. Nos casas normais a vascularisação da amigdala se faz, segundo Ombredane, por uma ou várias artérias tonsilares, ramos da palatina ascendente ou da facial e anormalmente as tonsilares podem nascer diretamente da carótida externa ou da faringéa ascendente.

Melhor que qualquer outro, as possibilidades da irrigação arterial das amigdalas podem ser apreciadas, no seguinte esquema, de Kirschner:





Depois dessas considerações de ordem anatômica, entremos no problema inicial dêste parágrafo, isto é, como se poderá identificar o vaso lesado, responsável pela hemorragia. Não existem indicações diagnósticas precisas; esposaremos, no entanto, as conclusões de T. H. Just, apoiadas na opinião de Butlin, que são as seguintes:

a) hemorragias violentas e súbitas, de jato abundante, vulgarmente chamadas cataclismicas, revelam lesão da carótida interna.

b) hemorragias violentas e repetidas com intervalos mais ou menos longos, indicam lesão da carótida externa.

c) hemorragias em lençol, presistentes, sob dependência em geral das lesões tissulares da ferida.

Ainda baseado no caráter da hemorragia, Werner Brauer procura fazer o diagnóstico de probabilidade do vaso que sangra. Assim, divide êle as hemorragias em cinco grupos:

1.º) hemorragias pelo ouvido, isoladas ou associadas a hemorragias pela faringe, quasi sempre devidas à erosão da c. interna, muito raramente da veia jugular interna. O vasamento pelo ouvido pode ser consequente à perfuração do conduto auditivo externo por um falso aneurisma, podendo também o sangue ser propelido pela pulsação no canal carotidiano e atingir por esta via a trompa de Eustáquio.

2.º) hemorragias subitâneas e violentas, produzidas por lesão da carótida interna, quasi sempre mortais.

3.º) hemorragias iniciais moderadas, seguidas de hemorragia súbita, violenta e ameaçadora por comprometimento da interna ou externa, com ou sem formação de aneurisma.

4.º) hemorragia inicial violenta, porém não ameaçadora, provindo geralmente de um ramo da carótida externa.

5.º) hemorragias ligeiras ou médias, que são as mais comuns, geralmente pouco descritas, cedendo ou expontaneamente ou por tamponamento e tratamento adequado (Transfusão).

As hemorragias venosas são muito mais raras que as anteriores, computando-se, segundo o A., em 15 os casos publicados.

Com êstes dados, podemos ter uma presunção mais ou menos segura do vaso que sangra. Uma vez estabelecido o diagnóstico de probabilidade, resta-nos estudar a terapêutica adequada, que tem provocado grande discordância entre os autores por nós compulsados.

O tratamento das hemorragias provocadas por abcessos amigdalianos ou inflamações de visinhança, pode ser dividido, segundo os casos, de acôrdo com Piquet, do seguinte modo:

a) terapêutica médica simples.

b) amigdalectomia total, seguida de tamponamento, cauterisações, etc.

c) ligadura do vaso responsavel.

O primeiro não pode ser aconselhado de modo algum. Em face de uma hemorragia violenta não nos seria permitido, de braços cruzados, esperar o seu termino contentando-nos sòmente com os recursos clínicos, que, diminuindo o tempo de coagulação sanguínea, constituem antes um ótimo preparo para o ato cirúrgico. Só com êles a estatística de letalidade aproximará 100%. A amigdalectomia, seguida de tamponamento, foi aconselhada em casos em que a hemorragia não é muito abundante, porém perigosa pelas suas repetições. Teria, segundo os seus partidários, o mérito de colocar a descoberto o vaso que sangra. Lepouge acha intempestiva semelhante conduta, acoimando-a de sucitar maiores desastres, por não se saber a importância e principalmente o local do vaso lesado. Eu nunca a praticaria para tal fim, pois julgo que seria aumentar a aflição ao aflito. Emfim, nos casos perigosos o recurso heróico reside exclusivamente na ligadura do vaso responsável. Quais seriam os casos perigosos? Como apontaram Skoog e Sercer, os casos perigosos são aqueles em que um ou vários dos seguintes fatores estão presentes:

1.º) hemorragia expontânea ou hemorragias tão abundantes que não podem ser atribuídas a vasos de pequeno calibre.

2.º) Um decurso muito prolongado do abcesso, no qual a inflamação não diminue depois da incisão prévia, ou sua evacuação expontânea, acrescento eu.

3.º) Hematoma da visinhança que pode ser evidenciado pela descoloração sub-mucosa ou por um tecido inflamatório tenso e rijo.

4.º) Aumento da dôr, inflamação local e trismus, a despeito da incisão do abcesso ou algum tempo depois da sua evacuação.

5.º) A presença da pulsação na aerea peritonsilar.

A ligadura arterial, firmada de acôrdo com os princípios estudados, incidirá, pois, sôbre:

a) carótida interna;

b) carótida externa;

c) carótida primitiva.

A ligadura da carótida interna é sempre uma operação de suma gravidade. Não possuindo colateral alguma, na região de que tratamos, é difícil o restabelecimento da corrente circulatória. Daí os transtornos da nutrição cerebral, com consequente amolecimento, verificados sobretudo em pessoas maiores de 50 anos, nas quais a restauração circulatória seria ainda mais dificil, em virtude da falta de elasticidade dos vasos. Si não bastassem as lesões cerebrais, com o seu cortejo enorme de sequelas, ainda temos as lesões oculares mais ou menos graves. Na literatura que compulsamos, encontramos 7 casos de ligadura da carótida interna (Gallosway, Jager, Lyman e 4 de Le Mesurier) nos quais se verificaram 4 casos de morte e 3 de cura, em dois dos quais tambem foi praticada a ligadura da primitiva. (Lyman e Le Mesurier). Muitas vezes só a constatação necroscópica evidencia a ulceração da carótida interna, como no caso citado por Guillermin, em que a erosão se deu na parte mais alta do vaso.

É muito dificil precisar o vaso que sangra; é preferível, entretanto, nos casos indicados, ligar antes a comum do que a interna (Ombredane e outros).

A ligadura de externa impõe-se de maneira indiscutivel, si as hemorragias se repetirem com gravidade. Muito mais accessivel que a interna e que a primitiva, ela se nos oferece à ligadura, com pontos de reparos mais precisos, como sejam entre a lingual e tireoidéa superior. Na grande maioria dos casos a sua ligadura tem sido suficiente para a debelação de hemorragias graves e sucessivas. No esquema que apresentamos, vemos que, a carótida externa - pelos seus ramos - é a responsavel pela irrigação das amígdalas e adjacências. A grande maioria dos casos da abundante casuistica que examinamos, alcançou um fim favoravel com sua ligadura. Os casos brasileiros publicados, com ela se resolveram e ainda um, não publicado, de Paula Santos, citado por Nova; Miegéville, na grande guerra (1914-1918) a praticou mais de 50 vezes, nos casos indicados, sempre com bom êxito e com ausência de complicações; Caboche a aconselha como tratamento de escolha; Sebileau e Cauchois (Thése de Paris 1921) não escondem sua preferência, pela ausência de complicações cerebrais; e dezenas mais de autores, poder-se-ia citar, si não fosse repisar demasiadamente.

Quero, entretanto, deixar bem claro e patente, a necessidade absoluta da ligadura da carótida externa em todas as hemorragias graves e, principalmente, repetidas, que se processem no decurso de abcessos amigdalinos.

É terapêutica heróica e compensadora.

A ligadura da carótida primitiva tem sido preconisada por inumeros autores, entre outros Lebram, que a considera como uma terapêutica segura e racional. Cita 25 casos, onde em 9 fez a ligadura, obtendo sucesso em 5.

Ao meu vêr os inconvenientes da ligadura da comum são o aparecimento de fenómenos cerebrais, avaliados em 30% das causas de morte.

Finalisando, chegamos às seguintes conclusões: - nas hemorragias, no decurso de abcessos amigdalianos, que, pela sua violência e repetição, comprometem seriamente o estado geral do paciente, a ligadura vascular é o único tratamento aconselhavel.

Sem ela a morte é a regra.

A ligadura vascular deve, de preferência, recair na carótida externa, já pelas condições anatômicas estudadas, já pela elevada casuística favoravel encontrada. Acresce a facilidade relativa e a inocuidade da operação.

A abertura precoce dos abcessos peri-amigdalianos impõe-se imperiosamente, como a mais eficiente profilaxia de complicações hemorrágicas. Verificar, antes da incisão, a ausência de pulsação. Será de bom alvitre localisar aproximadamente a séde do abcesso, puncionando-o e aspirando pequena quantidade do pús antes do esvasiamento, feito sempre por dilatação com pinça romba, precedida de incisão mínima, onde o bisturí não penetre mais que 1 centímetro de profundidade.

A persistência e, principalmente a impetuosidade das hemorragias, poderão nos aconselhar a ligadura da comum, depois, entretanto, da ligadura da externa ou então, da sutura dos pilares, como fiz no meu caso.

Com esta orientação estaremos bem com a lógica, partindo do simples para o complexo, e melhor ainda com a prudência, que é a mãe da segurança e o fruto da reflexão.

SUMÁRIO

O A. apresenta um caso de hemorragias graves e sucessivas motivadas por abertura expontânea de abcesso peri-amigdaliano, tendo sido obrigado, em vista do estado geral precário do doente a praticar a ligadura da carotida externa, obtendo desta maneira a cura. Ressalta a raridade do caso, em face do número elevado de fleimões ela amigdala, que passa pelos serviços de O. R. L. E' o 4.º caso publicado na literatura brasileira (Falcão, Nova, Castro Lima, P. Assis).

Estuda as diversas espécies de hemorragias ligadas à processos sépticos das amigdalas, as cataclismicas, que, acarretam a morte subitamente as que se processam com intervalos sucessivos. Aborda a etiologia das hemorragias por erosão vascular e a microbiologia dos abcessos. Recapitula a anatomia da irrigação amigdaliana e a possibilidade do diagnóstico do vaso sangrante. Em seguida estuda o tratamento das hemorragias graves no decurso dos abcessos amigdalianos ressaltando a ligadura vascular como terapêutica heroica. Faz considerações sôbre a ligadura da primitiva, interna e externa e tira conclusões sôbre a eficácia da ligadura da externa, que, ao contrário das outras, não traz complicações cerebrais nem oculares. Cita casuística abundante. Como profilaxia das complicações hemorrágicas preconisa dilatação precoce dos abcessos.

SUMMARY

A case of severe and repeated hemorrhages caused by spontaneous opening of a tonsillar abscess is presented and because of the bad condition of the pacient, a ligature was performed on the external carotid artery and followed by healing. It is a rare complication of the frequent tonsillar abscesses attended at laringology ambulatories. This is the 4th published case in Brasilian literature (Falcão, Nova, Castro Lima, P. Assis).

The Tonsillar vascularization; the bacteriology of such abscesses; the etiology of the hemorrhages by vascular erosion - the cataclismic ones which cause rapid death and the others wich occurr in successive intervals and the possibility of diagnostic of the bleeding vessel are studied in this paper.

The author believes that the vascular ligature is a heroic therapeutic and prefers to perform on the external carotid artery because of the efficacy in the majority of the cases and the lack of ccmplications either cerebral or ophtalmic He preconises the early dilatation of the abscesses as a prophilatic measure.

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(*) Apresentado ao 2.º Congresso Sul-Americano de Oto-rino-laringologia (Montevidéo, 8 a 11 de Novembro de 1944).
(**) (Chefe da clínica O. R. L. do Hospital N. S. Aparecida São Paulo - Brasil)
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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