ISSN 1806-9312  
Sábado, 27 de Abril de 2024
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666 - Vol. 9 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1941
Seção: - Páginas: 465 a 472
APOPLEXIA DO VÉO DO PALADAR CONTRIBUIÇÃO CLINICA E HISTO-PATOLOGICA (3 observações)
Autor(es):
ARISTIDES MONTEIRO (1)

CLINICA OTO-RINO-LARINGOLOGICA DA UNIVERSIDADE DO BRASIL: CATEDRATICO PROF. J. MARINHO.

As apoplexias do véo do paladar são uma afecção pouco descrita na especialidade, não sabemos si por sua raridade como doença ou por falta de espirito de observação dos medicos. Quer-nos parecer mais frequente do que se julga; nenhuma daquelas duas causas concorre exclusivamente para a sua pouca notificação, e sim o fato de benigna por excelencia, a sua cura dá-se como mais abaixo veremos com ou sem remedio, evitando o doente por este motivo de procurar o medico. De inicio brusco, passados os primeiros momentos desagradaveis para o paciente, este acostuma-se ao mal, que via de regra evolve sem maiores danos em dois ou tres dias. Sobrevindo durante a noite ou de dia, irrompe dramatico, subitamente, em geral após uma deglutição normal; é uma doença que se poderia chamar de socorro urgente como diz YOEL, tal o quadro brusco de sintomatologia que apresenta.

O processo patologico, representado pelo edema, hematoma e infiltração vizinha dos tecidos, localisa-se de preferencia no véo do paladar, especialmente na uvula, extendendo-se, às vezes, aos pilares. Passamos a descrever com pormenores as nossas observações:

1) J. P. nosso colega, com 24 anos de idade, em pleno verão, quasi curado dum resfriado, toma gelados toda a tarde. Sente ardores na garganta e subitamente tem a sensação de aperto na faringe, "sentindo como se fosse uma bola na garganta." A voz era nasalada e a deglutição impossivel. Fica nervoso, pensa que vai sufocar, passeia dum para outro lado do quarto. Manda-nos chamar. Observamos uma ovula edemaciada com hematoma no terço medio, de pequeno volume, com petequias que se estendiam pelos pilares anteriores. O edema era mais visível na extremidade da uvula, que se apresentava da grossura dum dedo mínimo. Uma coloração vinhosa cobria toda a sua mucosa, o tamanho do apêndice faríngeo aumentara muito, ocasionando cócegas ao paciente, obrigando-o a deglutir e facilitando acessos de tosse.

Acalmamos o paciente, inteirando-o do ocorrido; receitamos pulverisações de adrenalina inalante com o aparelho de Champoenière. Gargarejos quentes e repouso vocal. No outro dia o estado local era melhor: menor o edema, as sufusões sanguíneas menos visíveis, a deglutição menos dolorosa, as sensações de cocegas menores. Quarenta e oito horas após, pequeno edema da extremidade da uvula.

2) B. M. branco, portuguez, homem de 65 anos, hipertenso em tratamento, com 24 mx e 14 m.n., sangrado varias vezes, tendo tido duas crises de edema agudo do pulmão. Vem procurar-nos porque "durante a noite sentiu uma aflição na garganta, dificuldade em respirar, sentira uma coisa arrebentar." Cuspira sangue varias vezes. Depois sente-se mais aliviado. Fez alguns gargarejos quentes. Pela manhã "um bolo na garganta impossibilitava-o de engulir.

Examinamos o paciente e verificamos na ponta da uvula um grande hematoma, notando-se uma ruptura da submucosa por onde saía uma certa porção de secreção serosanguinolenta.

Pontilhada de inúmeras petequias a úvula mostrava-se arroxeada com sua base livre de tais localisações, os pilares normais. Fizemos-lhe ver o perigo que passara si a ruptura destes vasos tivesse ocorrido no cérebro.

Aconselhamos uma medição sintomática para os fenômenos de que se queixava e enviamo-lo ao clinico com a maior urgência. Dois dias depois tudo normal. Leves sufusões sanquineas, pontilhando a úvula, demonstrativas de um temporal passado.

3) C. S. - branco, brasileiro, com 42 anos de idade, procurou-nos muito aflito pois que tomando um gelado "sentira-se mal da garganta, não podendo terminar de beber o refresco". Não podia deglutir, era-lhe doloroso esse ato. Sentia-se como sufocado, uma impressão de que lhe tinha arrebentado algo na garganta. "Fora incontinenti ao escritorio de um parente, medico, que lhe aconselhára procurar um especialista. Examinamos o paciente cerca de uma hora após o acidente. Havia um grande hematoma na extremidade da uvula que se achava ligeiramente edemaciada. Nada se via nos pilares. A uvula era grande, dessas que mergulham pelo hipo-faringe abaixo, das chamadas hipermegalicas. Com um bisturi fizemos uma pequena incisão na sob-mucosa, dando lugar à saída de regular quantidade de secreção sanguinolenta. Murchou a uvula do nosso paciente, o necessario para deglutir melhor. Com repetidos escarros sanguineos, nessa ocasião, o doente eliminou mais algum sangue. Gargarejos, compressas quentes no pescoço, repouso de voz e, alta curada em dois dias.

MAYERSHON pensa que a afecção que ora descrevemos, é mais frequente do que a principio se julga. Muitos dos casos passam despercebidos porque os doentes os rotulam de "dores de garganta", não os levando ao conhecimento dos clinicos e especialistas.

A histopatologia da uvula esclarece certas circunstancias peculiares a estes processos inflamatorios. Quem já examinou uma uvula ao microscopio, verá que ela, apesar de sua visinhança com os tecidos linfoides, é pobre em elementos tissulares desta especie. O tecido glandular, o elastico e o fibroso que nela se encontra em mais abundancia, encerram nenhuma ou poucas formações linfoides. Estudando uma série de uvulas ao microscopio, com relação á tuberculose pulmonar, para explicarmos o fundo de boca palido encontrado nestes dontes, verificamos quasi sempre ausencia absoluta de formações tissulares linfoides; nestes casos predomina no campo histologico o tecido gorduroso. Esta pobreza de tecido linfoide da ovula justifica até certo ponto a nosso ver e no de Bernfeld a raridade com que a ovula participa dos processos inflamatorios da visinhança, como sejam as anginas.

Fizemos varíos cortes em uvulas que amputavamos em doentes que iamos operar de amigdalas, assim como retiramos algumas de cadaveres com seis e dez horas de falecimento. Não verificamos em nenhuma delas formações de tecido linfoide. Todas apresentavam tecido conjuntivo fibroso com hiperplasia do epitelio de revestimento. (veja fig. 1) Glandulas em certa quantidade. Tecido gorduroso nenhum. A substancia tissular é vascularisada, encontrando-se numerosos vacuolos entre suas fibrilas. Em alguns lugares ha um transudato enchendo estes espaços. Na fig. 2, vê-se um vaso cheio de hematias, a disposição tissular e os espaços interticiais maiores ou menores entre seus elementos constitutivos. A proporção que caminhamos para a ponta da uvula o tecido conjuntivo torna-se mais denso de textura mais espessa. Os vasos encontram-se mais para a periferia.


 
FIGS. 1 E 2



SCHAFFER justifica o edema da uvula pela presença de vasos sanguíneos e linfaticos mais ou menos dilatados indo até a ponta. Nos nossos preparados não verificamos semelhante disposição. Vimo-los mais proximos da camada epitelial, havendo maior riqueza de vasos sanguíneos que linfaticos. Daí a congestão a edema subito da uvula por efeito de dilatação destes vasos e consequente derrame nos espaços intersticiais circunvisinhos.

E' comum vermos, nos casos de abcessos periamigdalianos, a uvula ficar não raras vezes livre do processo inflamatorio, concorrendo pelo seu desvio para o lado oposto à lesão, com poderoso sinal objetivo para decisão cirurgica necessaria. As uvulas de pequeno porte são as que adoecem menos vezes. Situada bem no meio do istmo da faringe, - exposta aos traumatismos e pela sua posição vertical -, deveria tal fato facilitar mais ainda o seu acometimento pelos processos patologicos, mas é justamente o que não se observa. As estafilites são raras, pouco as observamos.

Verifica-se após a amigdalectomia, horas depois, e mesmo dias, um processo de estafilite localisada a todo o apendice faringeo. Mas aí não é de admirar esta ocorrencia, o traumatismo sofrido na sua visinhança, tocou-a de perto. As hemorragias submucosas pelas contrações bruscas dos estafilinos facilitam o seu ataque. Não raro persistem dias e dias os sinais violentos do drama da amigdalectomia.

Não aceitamos tambem a idéa de que estão possuidos alguns autores sobre o tamanho desproporcionado do apendice faringeo, o qual mergulhando em pleno faringe, vai atingir longe o laringe, tornando-se responsavel por processos inflamatorios. A uvula hipermegalica de alguns autores é poesia de escritor quanto a sua culpabilidade pela eclosão de processos flogisticos do laringe.

As doenças alergicas com seus diferentes edemas localisados no faringe, são outras tantas causas de stafilopatias conhecidas, O caso de MARSCHIK é típico dessa asserção. Depois de uma pincelada na garganta, com uma mistura contendo iodo, foi o doente acometido por um edema que se localisou a principio na ovula, extendendo-se depois a toda a garganta.

Outros autores como ESCAT pensam que o hematoma da uvula se origine da ruptura sub-mucosa duma venula, por uma contração violenta dos musculos stafilinos dando em resultado uma tensão forçada do véo do paladar. Isto explicaria segundo Yoel os casos de apoplexia expontanea sem passado inflamatorio. Tais hemorragias sub-mucosas estão na dependencia da fragilidade das tunicas vasculares dos vasos desta região (Garel ap. Yoel).

Em todas as idades tem-se verificado processos inflamatorios isolados da uvula. Desde o caso de ROSENLOCHER observado 15 minutos após o nascimento da creança até o nosso de 62 anos.

O prognostico é benigno; é uma doença que cura sempre, com ou sem remedio, com ou sem medico, em dois ou tres dias no maximo. Quando ha hematoma recem-formado, deve-se abri-lo, como fizemos em um dos nossos doentes, com um bisturi, cautério ou como recomenda MAYERSOHN esmagando-o entre os dedos. PIERRE, chamado de urgencia para atender a um caso urgente, vê uma tumefação do tamanho duma noz na metade direita do paladar e a uvula grossa corno um polegar. Por uma fissura sae sangue. A doente cospe enorme coagulo, ele aproveita e expreme o hematoma entre dois porta algodões. A doente melhora e retira-se. A recidiva ocorre, às vezes, ligada já se vê a causa predisponente. RATEAU apresenta a observação de uma moça em que a menstruação volta subitamente após o banho frio, apresentando um edema vicariante da uvula, estendendo-se depois extensa vermelhidão ao faringe e laringe.

Na literatura indigena encontramos as observações de EDGARD FALCÃO que estuda com minucia o assunto, apresentando o seu caso no qual o edema tomava a metade direita da uvula, extendendo-se à região amigdalina principalmente à prega de His, fazendo uma estatistica dos casos publicados até aquela ocasião e citando um de MANGABEIRA-ALBERNAZ. Um outro caso de apoplexia da uvula, apresenta tambem PAULO SAES na sessão da Sociedade Paulista de O. R. L., sendo comentado por MARIO OTTONI, MATTOS BARRETO e PAULA SANTOS.


APOPLEXY OF THE VELUM PALATINUM

SUMMARY

The A. presents three cases of apoplexy of the velum palatinum, all in men. One of them, affected by hypertension, went through two crises of acute pulmonar y edema. In all of them, the uvula was edematous, and only in one case also the pillars took a part in the adjoining morbid condition. In another case, there was a large hematoma of the apex linguae with a small erosion of the submucosa. All of them got well again, within two days at the most. In one case, we had to perform an incision on the uvula in order to discharge a sanguinolent secretion. Treatment: ice, adrenalin inhalant, rest cure of the voice, antiseptic gargarisms. The A. performed several histological investigations on uvulae, finding Bernfeld's opinion to be corret as the presence of lymphoid tissue is seldom verified in the uvulae, thus justifiyng the little offence it undergoes during inflammatory conditions of the neighbourhood, such as angina acuta, angina phlegmonosa and pharingitis.

BIBLIOGRAFIA

BERNFELD K. - Anatomische u. klinische Untersuchungen Über akute u. chronische nicht spezifische Entzündungen der Uvula. (Staphylitis acuta, Staphylopathia). Monat. f. Ohren, 64 yar. H. 10.5.1140 e 1321.1930.
BUMBA J. - Die Affektion des Rachens, der Mundhohle, Des Kehlkopfes u. der Lufröhre bei allgemeinen Krankheinten der Organismus. Denker - Kahler. Bd. V. S. 21.1929. Springen. Berlim.
ESCAT - Deux cas d'apoplexie du voile du palais. Oto-rhino-International. Juin. 1923.
FALCAO E. - Apoplexia do véo do paladar. Rev. Oto-Laring. de S. Paulo n.º 5. pg. 419. 1935.
GARIN - Apoplexie de la luette - Gas. des Hop. de Paris. 1853. XXVI. pg. 12 ap. Yoel.
MARSCHIK, H. - Auszug aus den Vorlesung. 1929. ap. Bernfield.
MAYERSOHN - Apoplexie du voile du palais. Un cas d'affeccion de Bosviel, Arch. Inter. Laring. pg. 447. 1926. pg. 341. 1927.
PIERRE - Un cas d'apoplexie du voile du palais. Arch. Intern. de Laryng. T. VII. pg. 81. 1928
RATEAU - Larynx Pharynx et troubles de la menstruation. Rev. de Lar. 44. pg. 891. 1923.
ROSENLOCHER -Öidem der uvula direkt nach der Geburt. Monat. f. Ginäkol. 13d. 79. 1928. ap. Bernfield.
SAES P. - Sobre um caso de apoplexia da uvula ou molestia de Garin. Rev. Oto-lar. de S. Paulo, Vol. V. pg. 51.1937.
SCHAFFER - Beiträge zur Histologie menschlicher Organe. IV. Zungen. V. Mundhöhle. Wiener Akad-Ber. Math-nat. Kl. Bd. 106. Abt. 3.1897. ap. Schumacher. in Denker e Kahler. Bd. I. S. 277. 1925. Springen. Berlin.
YOEL, M. - Sur l'apoplexie de la luette. Les Annales d'Oto-laryngologie, n.° 12, pg. 253. 1934.




(1) Docente e assistente da clinica
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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