CAPITULO IV
A PROVA DOS BRAÇOS ESTENDIDOS NOS SINDROMOS PIRAMIDAIS E EXTRA-PIRAMIDAIS DEFICITÁRIOS
Um dos melhores campos de aplicação da prova dos membros superiores estendidos é aquele que se propõe ao estudo dos síndromos piramidais; sob este aspecto estudou-a Mingazzini. E' um dos tests mais seguros para o despistamento dos síndromos piramidais deficitários puros ou predominantemente deficitários.
E' sabido que as lesões do sistema piramidal produzem sintomas que, de maneira geral, podem se filiar a duas classes principais: sinais de insuficiencia da contração muscular, devidos à perda das incitações piramidais e sinais consequentes à ação desfrenada de centros que, hierarquica e funcionalmente, estavam sugeitos ao controle piramidal. O primeiro grupo constitue o síndromo deficitário, o segundo forma o síndromo de libertação.
Essa dualidade síndromica decorre de estudos clínicos e experimentais que confirmaram, em relação ao sistema piramidal, a magnifica concepção de Hughlings Jackson, emitida em 1884, sobre a sucessiva hierarquisação dos sub-sistemas motores componentes do sistema nervoso central. O sistema piramidal ou néo-cinético, último a mielinizar-se, desde que entre em funcionamento, exerce controle sobre as atividades dos sistemas motores sub-jacentes (extra-piramidal ou páleo-cinético e sistema metamérico reflexo elementar ou arqui-cinético), inibindo-os e adaptando suas funções ao exercício da atividade muscular normal. Lesado o sistema piramidal, na sua origem ou na sua projeção até as celulas das pontas anteriores da medula, cessam ou diminuem as influencias que ele, por intermédio da via final comum constituida pelo nervo periférico, exercia sobre a fibra muscular, ao mesmo passo que se interrompe ou diminue a ação inibidora sobre os sistemas motores sub-jacentes.
O desdobramento clínico do síndromo piramidal em dois sub-síndromos é de aquisição recente. Devem-se a Barré os primeiros trabalhos neste sentido, publicados desde 1919 e reunidos, ultimamente, em notavel trabalho apresentado à Sociedade de Neurologia de Paris (20).
Coube a Barré demonstrar que, em alguns casos e atribuível, seja ao pequeno desenvolvimento, seja à localisação especial da lesão, o sindromo piramidal deficitária pode se apresentar isolado, isto é, desacompanhado de sinais de liberação que, desde a descrição clássica de Babinski, constituíam quasi que todo o quadro neurológico da hemiplegia piramidal.
Realmente. até ha pouco tempo atrás, pouca importancia era dada ao sindromo deficitário. Tudo o que os livros clássicos diziam a respeito da hemiplegia piramidal referia-se, quasi exclusivamente, ao síndromo de libertação. Pouco a pouco, estudando melhor a patogenia dos sináis piramidáis, verificaram os estudiosos que a maioria desses sináis não dependia diretamente da lesão piramidal e sim, eram a consequencia da ação desfrenada de outros sistemas sub-jacentes. A hiperreflexia tendinósa foi atribuída ao funcionamento exagerado dos centros metaméricos medulares; à mesma patogenia foram filiadas as sinreflexias e o clonus. Os automatismos, as sincinesias e o aparecimento de reflexos anormais (sinal de Babinski, de Rossolino, de Mendel-Bechterew) foram atribuídos a modificações pronáxicas neuromusculares, sobrevindas em consequencia da perda ou diminuição do controle piramidal sobre o sistema extra-piramidal. Os movimentos anormais que, muitas vezes, complicam o quadro neurológico das hemiplegias piramidais, foram atribuídos ao exagero do automatismo primário e secundário, páleo e néo-estriado.
Restavam, assim, para testemunhar diretamente a lesão piramidal apenas a abolição dos reflexos superficiais cutâneos (os reflexos cutâneos normais se processam por via de dois arcos reflexos superpóstos: um medular e outro cortical) e a perda da motilidade voluntária. Esta última teria sua representação clínica muito reduzida, pelo menos em grande numero dos casos, pelo fáto de que, recebendo todos os musculos da economia não só inervação piramidal como incitações extra-piramidais e reflexas, eles não ficam totalmente paralisados, quando haja lesão piramidal. A dificuldade em poder dissociar, num mesmo musculo, os movimentos voluntários puros dos movimentos automáticos, identicos áqueles na forma, na amplitude e na direção, faz com que o estudo do deficit motor por lesão piramidal pura seja quasi impossível na prática. Daí a necessidade de recorrer a outras pesquizas para documentar o deficit da motricidade voluntária. E' principalmente no estudo de certas características da contração muscular que se procuram, hoje, elementos para firmar o diagnóstico de uma lesão piramidal deficitária.
Evidentemente, tais provas, digamo-lo desde já, são desnecessárias e mesmo inuteis nos casos banáis das grandes hemiplegias em suas formas clássicas, causadas por lesões graves e estensas dos centros piramidais corticáis ou de suas vias de projeção. Ninguem necessitará utilisar provas delicadas para a pesquisa de deficit motor piramidal, nos hemiplégicos que se apresentem com os sinais clássicos descritos por Babinski. A ninguem ocorrerá lançar mão de tas pesquizas, quando o paciente apresentar a clássica atitude de hemiplégico com contratura em flexão nos membros superiores e em estensão nos inferiores e, alem disso, hiperreflexia tendinosa, sinal de Babinski, clonus da rótula e do pé. Em alguns destes casos, em virtude da existencia de intensa contratura, é impossível a pratica das provas que veremos adiante.
Estas provas, porem, terão real utilidade prática nos casos de diagnóstico difícil, nas hemiparesias frustras e, melhor ainda, uma vez que nos interessam mais os membros superiores, nas monoplegias braquiáis discrétas. Interessam estas provas para distinguir entre um síndromo pitiático e um síndromo de hemiparesia orgânica, para poder ajuizar da boa ou má fé de um paciente que se queixa de uma debilidade em todo um hemi-corpo, debilidade que venha desacompanhada dos sinais clássicos - frustros ou bem patentes - da hemiplegia orgânica. Interessam para poder afirmar a presença da lesão piramidal nos casos em que falte o reflexo em estensão no grande artelho, tido por Babinski e ainda hoje assim considerado por alguns, como único elemento clínico fiel e de absoluta confiança para o diagnóstico da hemiplegia piramidal. Interessam essas provas para julgar sobre a sinceridade de um paciente que se queixa de distúrbios vagos, tais como "fraqueza" de um hemicorpo, distúrbios atribuídos pelo paciente a um acidente durante o trabalho. Em todos estes casos, o neurologista deverá utilisar provas que permitam investigar a integridade das ações do sistema piramidal sobre o aparelho neuro-muscular. Tais provas são hoje parte integrante do exame neurológico de rotina: elas investigam a presença do sindromo piramidal deficitário.
O sistema piramidal atúa sobre o aparelho neuro-muscular periférico de execução não só enviando as ordens para o inicio, a parada, a direção geral e a amplitude do movimento, como fornecendo-lhe a força necessária para o deslocamento dos segmentos a movimentar e para vencer as resistencias opostas a essa deslocação e, ainda, munindo-o de energia suficiente para persistir no estado de contração necessária para a manutenção de atitudes, forçadas ou não.
Na apreciação das primeiras destas propriedades funcionais do sistema piramidal, é difícil isolar o voluntário do automático, razão pela qual o estudo das qualidades intrínsecas dos movimentos não fornece elementos seguros para o diagnóstico. Em certos casos, quando muito, será notado, por comparação com o lado são, que a amplitude do movimento é pouco menor que normalmente.
E' no estudo da força muscular e da energia na manutenção da contração voluntária que se baseia o diagnóstico do sindromo piramidal deficitário. A força muscular será apreciada, comparativamente para os dois lados, pela dinamometria e, principalmente, pela força que o observador deverá empregar para impedir a realisação de movimentos que forem ordenados ao doente.
Ha, na patologia piramidal, casos frustros nos quais, mesmo estas provas resultam normais, ou pelo menos, a diferença para menos é tão pequena que não permite julgamento seguro. Daí a necessidade de empregar provas mais sensíveis ainda, nas quais se evidencie qualquer deficit motor piramidal, por mínimo que seja. A estas provas é que Barré dedicou seu memoravel trabalho. Seu conjunto constitue o estudo do sindromo deficitário piramidal puro.
No membro inferior, Barré estudou com especial cuidado a prova da perna a qual seu nome ficou ligado (impossibilidade, em decúbito ventral, de manter a perna em angulo reto sobre a coxa), a manobra de Mingazzini (impossibilidade, em decúbito dorsal, de manter a perna na horizontal, formando angulo reto com a coxa), a manobra do psoas (impossibilidade, em decúbito dorsal, de manter a coxa em angulo reto com a bacia). Destas, as duas últimas apreciam-se conjuntamente, mandando que o doente, em decúbito dorsal, mantenha a coxa perpendicular ao tronco e a perna horizontal, em angulo reto sobre a coxa. Ainda no membro inferior, pesquiza-se a atitude do pé de cadaver (tendencia do pé do lado parético a. entrar lentamente em abdução), prova cujo valor tem sido demonstrado graças aos trabalhos de Adherbal Tolosa.
No membro superior, Barré descreveu a prova do afastamento dos dedos (impossibilidade de manter a mão amplamente aberta com os dedos em abdução maxima) e a prova dos braços estendidos de Mingazzini (impossibilidade de manter o braço parético no mesmo plano horizontal que o do lado são).
Analisando os resultados fornecidos pelas provas propostas para o estudo do deficit piramidal nos membros superiores, Barré mostrou, como era natural, maior simpatia pela prova do afastamento dos dedos da mão, não só pela sensibilidade de seus resultados, como porque é na mão que mais nítidas são as interferencias do sistema piramidal.
Realmente assim é, em grande número de casos. Sabido que as deficiencias motoras consequentes às lesões do sistema piramidal se fazem sentir mais nítidas nos segmentos onde sejam mais diferenciados os átos volicionáis, é natural que o déficit piramidal seja mais intenso na mão. O fato está no consenso unanime dos autores e está de acordo com a estensa representação cortical dos centros da mão; realmente, de toda a estensa zona da circunvolução frontal ascendente, de onde partem as incitações voluntárias para o membro superior, os dois terços são ocupados pelos centros da mão e dos dedos (vide figuras 20 e 21). Disso resulta o valor da prova do afastamento dos dedos,
principalmente quando se trate de lesões corticais pequenas, produzindo paresias discrétas nos músculos da mão.
FIG. 20
Distribuição dos centros corticais do membro superior, segundo Penfield.
FIG. 21
Distribuição cortical das áreas motoras.
Justifica tambem o julgamento de Barré o fato de que, ao descrever a prova que tem seu nome, Mingazzini não se ter referido a todas as vantagens que ela póde oferecer. De fato, tanto Mingazzini como Barré só assinalaram, nos resultados da prova dos braços estendidos feitas nos hemiplégicos piramidáis, a quéda vertical dos braços e a ligeira flexão do ante-braço sobre o braço. Voltaremos mais longe ao assunto.
Barré, considerando que a simples quéda vertical do braço por deficiencia dos músculos elevadores seja um distúrbio que pode ser encontrado no síndromo deitero-espinhal e nos sindromos extra-piramidais unilaterais (inervação predominantemente extra-piramidal nas grandes articulações das raizes dos membros), julga que a prova de Mingazzini tenha menor valor para o diagnóstico das hemiplegias piramidáis. De fato, assiste razão a Barré quando diz que a quéda vertical do membro superior estendido não é sinal exclusivo dos síndromos piramidáis. Já o temos encontrado em afecções do sistema extra-piramidal. Foram, aliás, muito poucos os doentes extra-piramidáis que pasaram por nossas mãos e nos quais a prova pudesse ser praticada sem ter seus resultados prejudicados por intensa hipertonia e por tremores. Apenas dois doentes, ambos portadores de sindromos parkinsonianos unilaterais, um à esquerda e outro à direita, puderam ser estudados neste sentido. Diga-se, de passagem, que a pobreza de observações de sindromos extra-piramidáis nos impediu de fazer um estudo de conjunto sobre os característicos dos disturbios que essas moléstias mostram à prova dos membros superiores estendidos. Fica entretanto consignado aqui, que os dois doentes que apresentamos (vide figuras 22, 23, 24, 25, 26 e 27) confirmam as asserções de Barré, isto é, que a simples queda vertical do membro superior estendido não é característica das afecções piramidáis, uma vez que ela pode ser encontrada nas moléstias do sistema extra-piramidal.
FIGS. 22 e 23
Caso A. J. T. (S. N. 4.272) - Sindromo parkinsoniano direito.
Fotografias sucessivas para mostrar que tanto com os olhos abertos como sem o controle visual, o membro superior do lado lesado cae sem inflexões.
FIGS. 24 e 25
Caso de A. J. T. (S. N. 4.272) - Sindromo parkinsoniano unilateral direito.
Mesmas anotações que nas fotografias anteriores, vistas agora de perfil.
FIGS. 26 e 27
Caso M. R. C. (S. N. 3.081) - Sindromo parkinsoniano unilateral esquerdo.
Como no caso precedente, notar que o membro superior esquerdo cáe verticalmente, sem inflexões (comparar com o lado são). Na fotografia superior, a angulação da máquina fotografica dá a impressão de um desvio conjugado para a esquerda, desvio que não existe realmente.
FIGS. 28 e 29 Caso M. L. (S. N. 4.497) - Hemiparesia piramidal esquerda. Prova do afastamento dos dedos de Barré.
Observe-se que os dedos da mão esquerda não se mantém em abdução e em extensão e que a mão tambem se flete e entra em pronação.
Pensa pois Barré que o essencial e mais importante, nos membros superiores, é verificar o déficit motor na mão: para isso ordena que o doente permaneça com as duas mãos bem abertas e o mais aproximadamente possivel uma da outra, sem se juntarem (a aproximação das duas mãos visa comparar o afastamento dos dedos da mão lesada com os da sã) e com os dedos em abdução, isto é, em afastamento máximo uns dos outros. Observa-se então que, no lado paresiado, passado curto lapso de tempo, variável conforme a intensidade do déficit motor, os dedos da mão se aproximam uns dos outros (falta de energia dos inter-ósseos abdutores dos dedos) e se fletem (déficit nos estensores dos dedos), ao mesmo passo que a mão tambem se flete no punho e entra em pronação (vide figuras 28 e 29).
No entanto, sem negar o acerto das razões apresentadas por Barré para justificar suas preferencias, pensamos que a prova de Mingazzini é de grande valor, mormente quando seus resultados forem analisados com cuidado.
Aliás as duas provas - de Barré e de Mingazzini - podem ser praticadas em um só tempo. Realmente, si o doente permanecer de pé, com os braços estendidos horizontalmente para a frente ou para os lados (e consigne-se aqui essa pequena modificação da prova) e com a mão aberta tendo os dedos o máximo de afastamento entre si, estará realisada a conjunção das duas provas. Nessas condições poderão ser estudadas a potencia dos elevadores do braço, estensores do ante-braço, estensores da mão, estensores e abdutores dos dedos.
A prova permite estudar, tombem, a potencia dos supinadores ou dos pronadores e a predominancia destes ultimos: este é um detalhe que não foi aproveitado nas descrições de Barré e Míngazzini. De fato, nos hemiplégicos piramidáis, ha uma tendencia à provação. Nos síndromos deficitários puros, a provação é devida à maior força dos pronadores: o fenomeno, então, é apenas o exagero de uma reação normal (fenomeno da pronação de Goldstein e Gielich), tendente a pôr a mão em situação de repouso muscular. Desde que sobrevenham fenomenos que caraterisam o síndromo de libertação, a tendencia à pronação se exagera ainda mais, em virtude da eletividade da contratura, embora esta seja pouco intensa e ainda não revelavel por atitudes especiais da mão e do ante-braço (contratura latente) . A provação é evidente nas hemiplegias clássicas com grande contratura.
E' conhecida a tendência que têm os hemiplégicos piramidáis à contratura eletiva, isto é, à contratura de certos agrupamentos musculares apenas, e da qual resultam atitudes características. No membro superior, na grande maioria dos casos, a contratura piramidal se faz notar com preponderância nos rotadores internos e adutores do braço, nos flexores do antebraço, nos pronadores e flexores da mão, nos flexores dos dedos.
Estas contraturas geram uma atitude característica que, por Wernicke e Mann, foi atribuida à paralisia eletiva dos musculos que atúam em sentido contrário. No entanto, Dejerine, Baudoin e Hering demonstraram, à saciedade, que a paralisia por deficit piramidal nada tem de eletivo pois que é global, proporcional à estensão, à localisação e à natureza da lesão: o que leva a pensar em eletividade é que a paralisia faz salientar a diferença de força que, normalmente, existe entre os varios agrupamentos musculares conforme seja mais ou menos intensa sua utilisação, isto é, conforme seja mais ativa sua ação sob dependencia volicional. Ora, no membro superior, são mais sujeitos ao dominio da vontade e portanto mais enérgicos os musculos supracitados. Resulta que eles continuarão a predominar mesmo durante as hemiplegias piramidáis. O déficit na força muscular, porem, é global e igual em todos os músculos nas lesões piramidáis.
Por outro lado, instala-se a contratura, que, esta sim, é eletiva e atinge os músculos cuja ação está mais intimamente em conexão com os atos volicionais: a contratura atinge os músculos mais prepostos à preensão que é a função mais característicamente humana nos membros superiores e para a qual se fazem necessárias as contrações de todos os flexores, dos adutores, dos rotadores internos e dos pronadores.
Estas considerações feitas, facilitada está a compreensão dos resultados que póde fornecer a prova dos braços estendidos para o diagnóstico dos síndromos piramidais deficitários puros ou predominantemente deficitários.
Postos os membros superiores na posição "test" e mesmo que o paciente conserve os olhos abertos durante todo o decorrer da prova, observam-se, no lado lesado, passados alguns segundos, os seguintes fatos principais: o braço cai (déficit dos elevadores), em ligeira abdução (déficit dos adutores), o ante-braço se flete ligeiramente sobre o braço (déficit dos estensores), a mão se flete :obre o ante-braço (déficit dos estensores), entrando em pronação (déficit dos supinadores), os dedos se fletem nas articulações falangianas e metacarpo-falangianas (déficit dos estensores), e aproximam-se uns dos outros (déficit dos abdutores) (vide figuras 30, 31, 32, 33 e 34).
Poderia parecer que esta prova demonstrasse, confirmando o parecer de Wernicke e Mann, que existem paralisias eletivas. Não ha tal. E a melhor prova é que si ordenarmos que os pacientes permaneçam com os dedos unidos, veremos que, em breve espaço de tempo, os dedos se afastam uns dos outros denotando o cansaço, ou melhor, a falta de energia contratil dos adutores dos dedos (vide figura 35).
O mesmo poderia ser demonstrado em relação a outros músculos do membro superior; poderiamos comprovar, tambem, o déficit dos flexores do ante-braço sobre o braço, dos flexores da mão e mesmo dos flexores dos dedos. Tal demonstração porem, escaparia da alçada deste trabalho que visa documentar, apenas, as aplicações práticas da prova dos braços estendidos.
FIGS. 30 e 31
Caso M. L. (S. N. 4.497) - Sindromo piramidal deficitário à esquerda.
Clichés de um film cinematografico tirado em Fevereiro de 1940 (25 poses de intervalo entre uma e outra). Notar a queda do membro superior esquerdo, a semi-flexão do antebraço sobre o braço, a flexão e pronação da mão.
FIG. 32
Caso M. L. (S. N. 4.497) - Hemiparesia piramidal esquerda. Mesmo doente que nas figuras 30 e 31.
Nesta ocasião, (Agosto de 1940), o doente não acusava mais "fraqueza" alguma no membro superior esquerdo. O sindromo piramidal, grandemente melhorado, era agora de tipo exclusivamente deficitário: o exame neurologico não evidenciava qualquer sinal do sindromo de libertação.
Nesta fotografia, tirada 2 minutos depois de iniciada a prova dos braços estendidos, notar que, apezar de ter os olhos abertos, o doente é incapaz de impedir a queda do membro superior esquerdo, a semi-flexão do ante-braço, a pronação e flexão da mão.
FIGS. 33 e 34
Caso M. L. (S. N. 4.497) - Hemisindromo piramidal esquerdo.
Fotografias tiradas após a precedente. Mesmas anotações. Notar, mais, o abaixamento do ombro.
FIG. 35
Caso J. 13. (S. N. 163) - Hemiparesia esquerda por provavel meningioma comprimindo a zona motora direita, evoluindo ha 12 anos.
Neste doente, são totalmente normais as provas de Barré e Mingazzini no membro inferior e a de Raimiste no membro superior.
Notar a triplice flexão do membro superior esquerdo (do ante-braço, da mão e dos dedos), a pronação da mão e o afastamento dos dedos (déficit dos adutores).
Movimentando os braços da vertical para a horizontal, este doente apresentava exagero à esquerda do fenomeno de divergencia e do fenomeno de pronação.
Caso J. S. P. (S. N. 4.536) - Sindromo piramidal esquerdo. Notar, do lado esquerdo, a quéda com triplice flexão do membro superior. Neste lado, ha, tambem, déficit nos abdutores dos dedos. Do lado direito, a posição tambem não é correta, esboçando-se a flexão do ante-braço. O doente está com os olhos fechados, mas não havia déficit sensitivo.
Em certos casos, mesmo em se tratando de hemiplegias piramidáis, isto é, de lesões unilateráis do sistema piramidal, a prova dos braços estendidos revela disturbios bilateráis. Os doentes em que temos encontrado estas anomalias - esboço de-flexão do ante-braço, tendência à queda do braço, tendência à pronação da mão, tudo no lado são - geralmente são individuos entrados em idade, velhos sofredores de seu déficit motor, muitas vezes cheios de dores, de tal sorte, que se torna dificil interpretar corretamente o que a inspecção verifica no lado controlateral ao lesado (vide figuras 36, 37 e 38).
Em todo caso, não seria demais lembrar que o sistema piramidal fornece, tambem, alguns contingentes de fibras para o lado homolateral à sua origem cortical. O principio da enervação piramidal bilateral mas desproporcionada, que explica certa persistencia da motricidade no lado hemiplégico mesmo nas mais graves lesões do neuro-eixo e as suplencias muito comuns na hemiplegia infantil, poderia ser invocado aqui - sem que pudessemos ser acoimados de otimistas - para explicar o déficit motor observado no lado controlateral aquele em que se instalou a hemiplegia.
Para o estudo dos sindromos piramidáis deficitários puros ou predominantes deficitários, mas sempre frustros, as provas de Barré e Mingazzini podem, pois, ser substituidas pela prova dos membros superiores estendidos, desde que se recomende ao doente que fique com as mãos bem abertas, mantendo os dedos em afastamento máximo. Nos casos positivos, mesmo com os olhos abertos (esta minucia caracterisa a "forma piramidal" da prova dos braços estendidos), os déficits da energia muscular voluntária para a manutenção de atitudes serão notados, no máximo, um a dois minutos depois de iniciada a prova. Si o processo é estenso, haverá déficit global em todos os músculos do membro superior. Si a lesão é discréta, o déficit será exclusivo ou predominante em segmentos isolados.
Fáto característico é que os doentes, mantendo os olhos abertos e vendo portanto que os segmentos do membro superior lesado não mantêm entre si as mesmas posições que os do lado são, se esforçam para corrigir essas posições. Resulta que a queda do braço, por exemplo, não se faz uniformemente e sim com pequenos ressaltos, constituídos por contrações musculares bruscas. Esta modalidade de quéda com ressaltos, fenomeno que, aliás, pode ser visto em todos os outros agrupamentos musculares dos membros superiores e não só nos elevadores do braço, é mais um dos característicos e dos mais importantes da "forma piramidal" da prova dos braços estendidos; ela serve, até, para comprovar a sinceridade do paciente e para o diagnóstico diferencial entre as hemiplegias piramidáis orgânicas e os processos de simulação ou decorrentes do pitiatismo.
Antes de terminar este capítulo, é preciso chamar a atenção para uma causa de erro que póde falsear os resultados da prova e dificultar sua interpretação para o diagnóstico do sindromo piramidal deficitário. Será preciso colocar os segmentos dos membros superiores de tal forma que não seja possível a limitação das angulações de deflexão por causas outras que não aquelas decorrentes do déficit piramidal. Si puzermos os membros superiores de forma que as faces anteriores do ante-braço e do braço fiquem dirigidas para cima, o membro cairá verticalmente sem que se note o déficit dos estensores do ante-braço, isto é, sem a semi-flexão do ante-braço sobre o braço: o que se deu é que o próprio peso do ante-braço e a ação da gravidade atuaram produzindo a segmentos. Este defeito de entre a "forma piramidal" e a "forma extra-piramidal" da quéda do membro superior. Ilustramos esta causa de erro com fotografias de um mesmo doente que, em fotografias anteriores, já nos servio para demonstrar todas as particularidades da quéda dos membros superiores por déficit piramidal (vide figuras 39, 40 e 41).
FIG. 39
Caso M. L. (S. N. 4.497) - Sindromo piramidal à esquerda.
Fotografia para mostrar uma causa de erro a evitar na prova dos braços estendidos quando aplicada ao estudo do sindromo piramidal. Nota-se a queda do membro superior esquerdo sem flexão do ante-braço o que poderia fazer pensar em sindromo extra-piramidal. A flexão do ante-braço, que é bem visivel em outras fotografias deste doente tiradas na mesma ocasião, não se deu aqui porque, estando a face anterior do ante-braço voltada para cima, a ação de gravidade é suficiente para produzir a estensão máxima do ante-braço.
FIGS. 40 e 41
Caso M. L. (S. N. 4.497) - Sindromo piramidal à esquerda.
Mesmas anotações que na figura 39. Notar tambem a hipotonia dos musculos da loja posterior do braço esquerdo (musculos em bandeira).
CAPITULO V
A PROVA DOS BRAÇOS ESTENDIDOS NO DIAGNOSTICO DOS SINDROMOS SENSITIVOS
Vimos, no capítulo anterior, que a prova dos membros superiores estendidos pode ser utilizada, com real proveito, para o diagnóstico diferencial entre as hemiplegias piramidáis e os hemi-síndromos motores de natureza pitiática. Observando cuidadosamente as angulações que formam entre si os vários segmentos dos membros superiores durante sua queda, atentando para os fenomenos decorrentes da resistência oposta pelo doente à tendência às posições de repouso, poderá, o neurologista avisado, servir-se desta prova com um dos bons tests para afirmar a organicidade ou não de uma hemiplegia.
Certamente não será apenas nessa prova que se baseará tal diagnóstico diferencial. Serão pesquizados cuidadosamente os sinais do síndromo de libertação, principalmente a presença de reflexos anormais ou invertidos. É sabido como Babinski, demostrando a quasi constância da inversão do reflexo cutâneo plantar nas lesões piramidáis, contribuiu para delimitar fronteiras entre as hemiplegias orgânicas e as hemiplegias funcionais pitiáticas.
Infelizmente, porem, nem todos os casos de hemiplegia piramidal apresentam o sinal de Babinski e outros sinais do síndromo de libertação. Depois dos trabalhos de Barré ficou demonstrada a possibilidade da existencia de síndromos piramidáis exclusivamente deficitários, sem qualquer dos sináis do síndromo de libertação; Barré admitiu que a etiologia destes síndromos estivesse ligada a lesões corticais compressivas, principalmente aquelas devidas à processos pré-frontais.
É verdade que dificilmente tais síndromos evoluirão sempre nesta forma puramente deficitária: com a evolução da lesão, pela progressiva destruição dos elementos ganglionares da 5.ª camada, evidentemente, surgirão, pouco a pouco, os sinais do síndromo de libertação. E certo porem que, em alguns processos de evolução muito lenta - meningiomas por exemplo - o síndromo deficitário, durante largo lapso de tempo, é a única representação clínica do acometimento do sistema piramidal. Durante todo este tempo, não existem sinais do síndromo de libertação e, incluido entre êles, o sinal de Babinski.
Alem destes, existem outros casos de hemiplegia por lesão mixta - piramido-extra-piramidal - nos quais o sinal de Babinski geralmente prima pela ausência. Ao lado do síndromo deficitário, o exame neurológico mostra alguns sintomas da série de libertação, tais como a contratura e a hiper-reflectividade tendinósa; não existe, porem, o sinal de Babinski. nem mesmo outros reflexos anormais filiados à mesma patogenia, tais como os sinais de Rossolino e de Mendel-Bechterew.
Evidentemente, nestes casos todos, o diagnóstico diferencial entre os processos orgânicos e aqueles de etiologia funcional não pode se basear na pesquiza de sinais que, por força mesmo da lesão, não podem existir.
Entre as pesquizas de que se pode lançar mão, em tais eventualidades, figuram as que indagam da hipertonia e da hiperfleflectividade tendinósa, outros elementos constituintes do síndromo de libertação. Mesmo estes elementos, porem, podem faltar, tal seja a localisação da lesão; a associação de lesões da via sensitiva ascendente à lesão piramidal condiciona o não aparecimento da hipertonia (as ações tonicas são, em ultima análise, ações reflexas para cuja execução é indispensavel a integridade da via sensitiva ascendente) ; por outro lado, a associação de lesões radiculares posteriores à lesão piramidal póde interromper os arcos metaméricos medulares e, consequentemente, impedir o aparecimento do hiperreflexia tendinósa.
Diante de todas estas possiveis anomalias do síndromo piramidal, condicionadas pela localisação ou pelo caráter das lesões do neuro-eixo, é evidente que, em muitos casos pelo menos, a prova dos braços estendidos possa constituir elemento de primeira importancia para o diagnóstico entre o orgânico e o funcional. Esta importancia avoluma-se nos síndromos piramidais deficitários puros.
Não se diga que a clínica neurológica está suficientemente municiada para este diagnóstico diferencial. Todo o neurologista regista, em seu serviço, casos dos mais dificeis em que, às vezes, só exames reiterados e provas repetidas fornecem indicação segura. Crescem as dificuldades diante dos casos apresentados pelos doentes simuladores levados a tanto por esta ou aquela razão. E' nestes casos, principalmente, que, a nosso ver, a prova dos braçosestendidos assume o maior valor. Dificilmente um simulador poderá reproduzir todas as modificações que a lesão piramidal orgânica determina na energia das contrações musculares do membro superior.
Praticando essa prova num caso no qual suspeitavamos de simulação foi que tivemos ocasião de perceber mais uma das aplicações da prova dos membros superiores estendidos: o estudo dos síndromos sensitivos.
Por ser interessante, relataremos os tópicos principais dessa observação, cuja anamnése e primeiros exames levaram a pensar em que se tratasse de um déficit simulado:
Tratava-se de A. G. C. (A. P. 6.359) que, em 20 de janeiro de 1939 sofrera traumatismo craniano do qual resultara uma "esquesitice" (sic) no hemicorpo direito, principalmente no membro superior. O histórico do caso era o seguinte: no dia 20 de Janeiro, ao passar por uma porta muito baixa, bateu com o vertex no batente superior e, ligeiramente atordoado, sentou-se por alguns instantes. Diminuindo a dor, recomeçou a trabalhar no transporte de madeira, mistér em que estava ocupado e, assim continuou durante o dia todo sem nada sentir. No dia seguinte, ao acordar, sentiu um pouco de dor de cabeça e a mão direita esquecida. Antes de ir para o serviço conversou com um compadre, relatando os incidentes da véspera, e este aconselhou a ir a um médico, não ao médico da companhia, mas a um outro cujo nome declinou e que era "especialista" nestes casos de acidentes de trabalho. Para lá dirigiu-se o paciente e tendo relatado tudo ao médico, sem que este o examinasse, ouviu que sua molestia era muito grave e assinou uma declaração que o profisiosnal escreveu e posteriormente mandou registrar em cartório. Depois, o paciente foi para o serviço e três dias após, como não melhorasse o adormecimento da mão (a cefaléia já desaparecera), procurou o médico da companhia o qual lhe receitou umas "injeções". Passados 20 dias como os sintomas aumentassem, pois agora sentia no pé direito a mesma anormalidade que sentia na mão e ante-braço direitos, volveu ao médico da companhia o qual nos enviou o doente para exame neurológico.
O doente nos contou todos os fátos acima relatados com notavel prolixidade, e, desde logo, tivemos a impressão de que seus males estavam sendo exagerados e talvez de nada mais se tratasse; avolumaram-se nossas suspeitas porque o doente frequentemente, referia-se ao "especialista" em acidentes do trabalho e sugeria nossa intervenção no sentido de uma indenisação. O exame neurológico de rotina, nada de anormal mostrou para o lado da motricidade voluntária (movimentos normais e força normal) e dá refletividade superficial e profunda; nenhum reflexo patológico, tanto na mão como no pé direitos, pupilas normais reagindo bem à luz e à acomodação; sensibilidades superficiais normais. Apenas na mão o doente não distinguia bem as impressões tatís e não diferenciava bem as temperaturas. Dizia o doente que não podia permanecer de pé, que perdia o equilíbrio facilmente. Pesquizamos o sinal de Romberg: com os olhos abertos notavam-se pequenas oscilações; com os olhos fechados o paciente tinha tendencia à queda, mas tivemos a impressão de que ele procurava cair propositadamente. O mesmo notava-se na marcha; o doente dizia que não podia andar mas, instado andava bem, embora movimentasse exageradamente a perna direita. Ao fazer a meia volta, para o lado esquerdo nada havia de anormal; para o lado direito, havia tendencia à queda, mas tivemos a impressão que o doente escolhia lugar para cair de molde a não se machucar. Este primeiro exame, completado por resultados normais do exame do líquido céfalo-raquidiano (inclusive pressão) e das radiografias do craneo, nos levava decididamente a considerar o caso como um déficit funcional, quando não de uma completa simulação.
Reexaminando-o dias depois para completar as pesquisas, fizemos, desde logo, a prova dos braços estendidos. Pondo-o na posição test com os olhos abertos, esperavamos que o braço caisse rapidamente como já nos fora dado ver em outros doentes, simuladores ou pitiaticos. Grande foi nossa surpresa quando vimos que os braços permaneciam perfeitamente horizontais: apenas o doente queixava-se, constantemente de uma "esquesitice" no membro superior direito. Apezar de tudo o doente foi capaz de permanecer cerca de 4 minutos com os braços em posição horizontal, ambos no mesmo plano. Tal fato, não estava muito de acordo com a nossa suposição diagnóstico porque, evidentemente, si o doente tivesse interesse em mostrar a "fraquesa" que resultara do traumatismo, não haveria ocasião melhor do que aquela, tanto mais que êle sabia que estavamos agindo como perito.
Não havendo desvio nem quéda dos braços estendidos e recordando as perturbações que viramos anteriormente na marcha e na atitude para a pesquisa do sinal de Romberg, lembramo-nos, só nessa ocasião, da possibilidade de tratar-se de um disturbio da sensibilidade profunda. Para verificá-lo, nada mais fácil do que retirar o controle visual. Desde logo vimos confirmadas as suspeitas, pois, tão depressa -o paciente fechou os olhos, os membros superiores se desnivelaram, iniciando-se a queda do braço direito (figura 42).
Outras provas foram feitas, inclusive a de Raimiste; enquanto o doente estava com os olhos abertos, os segmentos do membro superior direito permaneciam na posição que os colocavamos; cessando o controle visual, dava-se imediatamente a queda (vide figura 43), por mais que recomendassemos ao doente de manter o ante-braço na posição vertical inicial.
Exames posteriores, muito minuciosos quanto à sensibilidade profunda, demonstraram que o paciente não era um simulador e que o traumatismo craneano produzira, provavelmente, pequeno foco hemorrágico único ou pequenas sufusões hemorrágicas na região cortical parietal. Os disturbios da marcha, a tendencia à quéda, a positividade do sinal de Romberg, a quéda do membro superior direito depois de interrompido o controle visual, nada mais eram que elementos de um único sindromo - ataxia sensitiva - produzida pela lesão cortical parietal pura.
A evolução do caso mostrou o acerto diagnóstico; com aplicações de radioterapia profunda, o síndromo sensitivo reduzio-se grandemente, apresentando o doente, em janeiro de 1940, época em que o examinamos pela última vez, apenas um síndromo sensitivo mitigado, atingindo as sensibilidades profundas da mão e da parte inferior do ante-braço, com disposição radicular, o que indicava a localização cortical do processo.
Esta observação permite alargar mais o campo de ação da prova dos braços estendidos para o diagnóstico neurológico.
Desde agora, a prova tem aplicações, não apenas no estudo das reações tônicas espontâneas normais, na apreciação qualitativa e quantitativa dos desvios tônicos provocados pelas excitações labirínticas experimentais ou dos desvios espontâneos consequentes a lesões - irritativas ou destrutivas - do sistema vestibular e de suas vias de projeção periféricas e centrais, na evidenciacão dos desvios unilaterais produzidos pelas lesões do sistema cerebeloso, no despistamento dos síndromos piramidáis e extra-piramidáis deficitários e da sua diferenciação diagnóstico com os sindromos funcionais pseudo-paréticos - mas tambem no estudo dos síndromos sensitivos.
FIGS. 42 e 43
Caso A. G. C. (A. P. 6.359) - Hemisindromo sensitivo à direita. Enquanto os olhos se conservam abertos, os segmentos dos membros superiores permanecem nas posições ordenadas; cessado o controle visual, dá-se a quéda. Em cima a posição de Mingazzini, em baixo, a posição de Raimiste.
Nestas últimas aplicações, ela deve emparelhar com a pesquiza objetiva dos distúrbios da sensibilidade profunda (barestésica, artrestésica, miestésica, estereognóstica), com a pesquiza do sinal de Romberg, com o estudo dos característicos da marcha, com as provas de imitação de posições impostas passivamente ao membro homólogo são, em suma, com todas as provas que pesquizam a anestesia profunda e sua consequencia, a ataxia sensitiva.
Detalhe técnico que se nos afigura importante é aquele que consiste em só mandar fechar os olhos depois de ter a certeza de que o doente não apresenta qualquer outro distúrbio que possa ocasionar a queda dos braços (síndromos piramidáis e síndromos extra-piramidáis). Só depois dessa precaução é que deverá ser interrompido o controle visual: todo o doente que, com os olhos abertos, póde manter seus membros superiores em posição horizontal, perpendicularmente ao tronco e que os deixa cair sem ter noção dessa queda, depois de interrompido o controle visual, apresenta um deficit da sensibilidade profunda, muscular, articular e óssea.
Evidentemente, os resultados da prova só terão esta nitidez quando se tratar de um síndromo puro, e, como é sabido, as hemiplegias sensitivas puras são relativamente raras. Só pudemos estudar dois casos nestas condições; primeiro, o que foi citado acima e, depois, o caso de M. F. S. N. 3.816), hemisíndromo sensitivo direito total (face e membros) e global (acometidas todas as formas de sensibilidade), com hemianopsia homonima direita, provavelmente por lesão sub-cortical de um dos ramos da artéria cerebral posterior (arterio-esclerose), atingindo o contingente tálamo-parietal.
Tratava-se de um homem de 62 anos de idade que, em 4 de janeiro de 1939, sentio, repentinamente, todo o hemicorpo direito "esquecido". O exame neurológico não mostrou qualquer sinal piramidal quer da série deficitária, quer do síndromo de libertação: reflexos tendinosos profundos presentes, ausentes os reflexos patológicos, tonus muscular diminuido no hemicorpo direito. Marcha hemi-atáxica direita; o doente, ao dar o passo, levantava demasiadamente a perna direita e, alem disso, olhava cuidadosamente o chão, sempre receioso de cair. As manobras para a pesquiza de deficit motor piramidal (Barré, Mingazzini, Raimiste) nada mostravam de anormal enquanto o paciente mantinha os olhos abertos: interrompido o controle visual, todas estas provas se tornavam positivas.
FIG. 44
Caso M. F. (S. N. 3.816) - Hemisindromo sensitivo direito. Prova dos braços estendidos em decubito dorsal. Enquanto o doente está com olhos abertos, (notar que ele olha para o braço direito), os membros superiores se conservam na posição test. Nota-se apenas ligeira tendencia à divergencia.
FIG. 45
Mesmo caso que na figura precedente.
Interrompido o controle visual, o membro superior desde logo esboçava a quéda.
Vide figuras seguintes.
FIGS. 46 e 47
Mesmo doente que nas figuras precedentes. Clichés de um film cinematografico (30 quadros de intervalo entre uma e outra. Notar a queda progressiva do membro superior. Chegado a um certo angulo, o peso dos segmentos acelerava a queda e a mão iria chocar-se com o rosto do paciente si o observador não a sustentasse.
FIG. 48
Caso M. F. (S. N. 3.816) - Hemisindromo sensitivo á direita.
Posição inicial para a prova dos braços estendidos. Notar que, solicitado a manter os membros superiores horizontais, o doente olha para a mão direita para controlar sua altura.
FIG. 49
Mesmo caso que na figura precedente.
Interompido o controle, o membro superior direito, ao envez de cair, se eleva.
Vide fotografias seguintes, todas tiradas de um film cinematografico (30 quadros de intervalo entre uma e outra).
FIGS. 50 e 51
Mesmo doente que nas figuras anteriores. Continúa a elevação paradoxal do membro superior direito. Ver no texto a explicação desse resultado falso da prova.
O exame neuro-ocular mostrou hemianopsia lateral homonima direita. O exame detalhado da sensibilidade objetiva demonstrou a existencia de distúrbios globais, atingindo todas as formas de sensibilidade, tanto superficiais como profundas, em todo do hemicorpo direito, face inclusive (vide graficos 1 e 2). O doente apresentava a over-reaction de Head.
Neste doente, a prova dos braços estendidos mostrou resultados aparentemente paradoxáis.
Praticando-a em decubito dorsal, com os membros superiores estendidos e verticais, verificamos o que esperavamos: enquanto esteve com os olhos abertos, os braços puderam manter-se nessa posição e conservaram-se paralelos (quando muito, notava-se certa tendencia à divergencia bilateral) (vide figura 44); desde que o controle visual era interrompido, o membro superior direito tendia à quéda (figuras 45, 46 e 47).
Estando o doente de pé, dava-se o mesmo fato. Tão logo fosse interrompido o controle visual, o membro superior direito entrava em queda. No entanto, algumas fotografias que apresentamos deste doente (figuras 48, 49, 50 e 51) mostram o aparente paradoxo que assinalamos acima: parece que, depois de interrompido o controle visual, o membro superior direito se eleva em vez de cair. E' que, por ocasião dessa prova ordenamos ao doente que não deixasse o braço cair. Ora ele que, ao abrir os olhos em provas anteriores, vira que seu membro superior direito estava, inexplicavelmente segundo suas expressões, sempre mais baixo que o esquerdo, instado agora para não o deixar cair, fez esforço para impedir a queda. Não tendo perfeita noção da posição dos segmentos da articulação do ombro, o esforço foi excessivo e, como resultado, determinou a ascenção do braço.
Gráfico 1Gráfico 2Esta aparente contradição, possivel nos resultados da prova, demonstra dois fatos, um de ordem particular, referente ao caráter do déficit de que o doente era portador, outro de ordem geral, atinente à aplicação da prova dos braços estendidos no estudo dos síndromos sensitivos puros.
O primeiro fato, demonstrado pela simples inspecção das fotografias, é que o doente não tinha déficit motor piramidal ou extra-piramidal. A possibilidade de manter os membros superiores paralelos sob controle visual e a verificação da ascenção após a perda do controle visual, afastam definitivamente, a nosso ver, a idéia de que este doente tivesse um deficit motor.
O outro fato, demonstrado agora, é que o médico deve conhecer bem a fisiopatologia dos varios sistemas que interferem para a manutenção dos braços estendidos em posição horizontal, de sorte a estar apto a interpretar corretamente suas possíveis e aparentes anormalidades. Este caso, por exemplo, ensina que um doente com motricidade integra póde executar um movimento voluntário tendente a corrigir uma posição viciosa provocada por um déficit sensitivo; nos casos de síndromos sensitivos, para poder verificar todas as possibilidades da prova dos braços estendidos, não deve o doente perceber a quéda de seus braços e o médico não deve exigir dele esforços voluntários tendentes a impedir essa quéda. Caso contrário, entram em jogo fatores que falseiam totalmente os resultados.
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(*) Trabalho laureado pela Associação Paulista de Medicina, em Julho de 1941, com o prêmio "Honório Libero".
(**) 1.º Assistente e chefe de clinica de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo (Serviço do Prof. Adherbal Tolosa)