ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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655 - Vol. 9 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1941
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 315 a 329
VALOR SEMIÓTICO DA PROVA DOS BRAÇOS ESTENDIDOS (*) - Parte 1
Autor(es):
DR. OSWALDO LANGE (**)

CONSIDERAÇÕES GERAIS PRELIMINARES

A prova dos braços estendidos não constitue novidade. Propósta por Bárany, que estudava cada um dos membros superiores separadamente - sob o nome de prova do desvio do index ou prova da indicação - para a apreciação dos movimentos tônicos relacionados às excitações labirínticas provocadas, esta prova foi, logo depois, aplicada à clínica para o estudo dos desvios tônicos espontaneos que caracterisam as afecções do aparelho vestibular e de suas vias centrais e periféricas. Posteriormente os oto-neurologistas, verificando que os estímulos tônicos labirínticos não são estritamente unilaterais, passaram a usar uma variante, estudando os desvios - isolados ou conjugados - dos dois membros superiores, conservados em estensão e na horizontal em relação ao eixo vertical do corpo.

Si pesquizada como sinal de função vestibular alterada, a prova pertence aos chamados sinais espontaneos; ao contrário, si for provocada por uma excitação vestibular, a prova representa um dos mais importantes reflexos vestibulares. O desvio dos braços estendidos, seja espontaneo ou provocado, é devido a uma assimetria do tonus muscular dos membros superiores a qual, provoca, no membro que desvia para fora, um aumento do tonus dos musculos abdutores. Considerada assim, a prova se constituirá em elemento indicador da assimetria tônica que surge condicionada por uma brusca incoordenação funcional entre o sistema vestibular de um lado e o do lado oposto.

Surgiram, assim, as primeiras aplicações práticas da prova dos braços estendidos, logo ampliadas pelos mesmos oto-neurologistas, sob a forma de variantes que estudavam os desvios segundo os varios planos de orientação dos canais semi-circulares (horizontal, frontal e sagital), graças à modificações impostas à cabeça do paciente.

Utilizando-a, puderam especialistas de renóme, tais como Magnos, Bárany, Quix e Chiloff, demonstrar, tambem, a ação das maculas utriculares e saculares na manutenção do tonus muscular; depende dos "sagittae" (otolitos da sacula) o tonus dos musculos que atuam nos movimentos que se fazem no plano frontal e, dos "lapilli" (otolitos utriculares), o tonus de esforço para os movimentos no plano sagital; em outras palavras, a cada grupo de otolitos corresponde o controle dos movimentos que se realizam em um plano determinado do espaço.

Em relação aos membros superiores que nos interessam neste estudo, os "sagittae" atuam modificando o tonus dos adutores e dos abdutores, ao passo que os "lapilli" agem sobre o tonos dos flexores e dos estensores; esquematisando para fixar idéias, os primeiros serão os responsaveis pelos desvios laterais, os segundos regem os desvios verticais. Demonstrada essa ação dinamogênica expecífica, entrou a prova dos braços estendidos, definitivamente, para os domínios da oto-rino-laringologia, principalmente nas suas inter-relações com a neurologia.

Os oto-neurologistas a empregam sob variadas formas, tendo em vista a pesquiza dos mesmos efeitos. Pesquizando os desvios dos braços estendidos seja espontaneos ou provocados, com os braços em posição fixa ou movimentando-se das varias posições extremas para a posição "test ", com a cabeça em posição normal sobre o tronco ou inclinada para um dos lados, ou ainda, nas diferentes angulações propostas para o estudo das ações dos canais semi-circulares - o oto-neurologista, em última análise, procura evidenciar as diferenças de comportamento dos varios segmentos do sistema vestíbulo-semi-circular sobre o tonus muscular, ou melhor, pesquiza os reflexos tônicos estáticos e estatocinéticos de origem labiríntica.

Das numerosas pesquizas experimentais feitas neste sentido ficou demonstrado, digamo-lo desde já, que as cristas das ampôlas dos canais semi-circulares constituem o ponto de partida dos reflexos labirínticos de movimento (estato-cinéticos) ao passo que os otolitos saculares e utriculares são os receptores para os reflexos de posição (estáticos). Voltaremos mais tarde ao assunto quando estudarmos, com maiores detalhes, as aplicações da prova dos braços estendidos à oto-neurologia.

As vantagens da posição exigida para a execução desta prova - membros superiores estendidos horizontalmente - não escaparam aos fisioligistas que se propuzeram ao estudo do tonus muscular e de suas variações fisiologicas individuais. Aproveitaram-se dela eminentes pesquizadores (Goldstein, Fischer, Wodack, Magnus e Kleyn) para estudar as variações do tonus de postura, do tonus de manutenção das atitudes e do tonus de sustentação das atividades cinéticas voluntárias e automaticas (tonus de sustentação e de esforço), seja quando considerados isoladamente, seja quando influenciados pelas atitudes da cabeça em relação ao espaço (reflexos tônicos labirínticos) ou pelas posições da cabeça em relação ao tronco (reflexos tônicos cervicais).

Os memoraveis trabalhos de Sherrington sobre a rigidez decerebrada, mercê de alterações consequentes à lesões diencefalo-mesenfalicas, chamaram a atenção dos estudiosos para novas possibilidades da prova dos membros superiores estendidos, no dominio da hierarquisição das funções dos varios centros tonigenos, escalonados ao longo do eixo encefalo-medular. Desde então, a experimentação em animais de laboratório, o estudo clínico das reações reflexas da criança, a observação detalhada de reflexos distônicos em indivíduos adultos portadores de lesões diencefalo-mesencefalicas, os trabalhos de Bourguignon e Lapicque sobre a subordinação cronaxica dos sub-sistemas do neuro-eixo e, por fim, o estudo cuidadoso dos reflexos tônicos do homem normal sob influencia de fatores liberadores varios (anestesia geral, sono hipnotico), permitiram demonstrar, neste último, a persistencia de reações tonígenas, comparaveis aos reflexos de atitude e de posição, encontraveis em animais inferiores e comuns nas crianças recemnascidas e lactentes.

A medida que o indivíduo cresce, à medida que se processa a hierarquisação dos seus centros motores tendendo à telencefalisação definitiva, estes reflexos da criança paulatinamente desaparecem, de tal sorte que, na idade adulta, somente pesquizas muito delicadas poderão evidenciar a persistencia de reações tonígenas , sua difícil apreciação clínica na idade adulta, decorre do fato de terem a mesma intensidade em ambos os lados do corpo e por serem controladas severamente pelos sistemas funcionalmente superiores. No indivíduo portador de uma lesão do sistema nervoso central, no entanto, estas reações tonígenas se acentuam e serão tanto mais perceptíveis quanto maior for a assimetria da lesão, isto é, quanto maior for a diferença do tonus muscular entre um hemi-corpo e o outro.

A semiologia neurológica já começou a lançar mão de algumas destas provas, inicialmente empregadas para o estudo dos reflexos tonígenos de posição e de atitude. Embora seu emprego não esteja ainda sistematisado e nem siquer sejam bem delimitadas suas aplicações praticas, não haverá mal em que sejam recordadas, aqui, algumas destas pesquizas, principalmente aquelas que utilizam a posição que estudamos, isto é, a manutenção dos membros superiores em estensão horizontal. Dupla vantagem trará tal recordação: referiremos alguns fenomenos interessantes que poderão servir para a compreensão de intrincadas questões relativas ao tonus muscular normal e mostraremos algumas das aplicações praticas da prova dos braços estendidos. E' tambem possível que alguns destes fenomenos orientem, ulteriormente, a interpretação de certas alterações da prova dos braços estendidos, nas afecções desse sector complicado da patologia neurologica, que é a região diencefalo-meso-rombencefalica.

A observação minuciosa de fatos clínicos e experimentais, por outro lado, permitio deduzir outras noções importantes que ampliaram, cada vez mais, as possibilidades da prova dos braços estendidos, possibilidades estas que justificam já sua inclusão no arsenal neurologico, para exame rotineiro de sindromos de natureza diversa como sejam os de origem piramidal e extra-piramidal. Tais estudos porém, por serem esparsos, não permitiram ainda a sistematização - técnica e semiologica - da prova, nem tão pouco a catalogação dos ensinamentos que ela é capaz de fornecer. Para algumas de suas modalidades, o que existe na literatura médica, são citações e referencias esporadicas, sem grande valor porque não amparadas em estudo de conjunto.

Estas foram as razões que nos levaram a tentar uma contribuição à semiologia da prova dos braços estendidos. Reunindo o que pudemos encontrar na literatura, no tocante às aplicações praticas da prova, procuraremos concatenar os resultados obtidos afim de demonstrar seu valor, metodizar sua técnica de pesquiza e sistematizar seus resultados.

Faremos, precedendo o estudo semiologico da prova dos braços estendidos, um apanhado geral sobre os reflexos tonígenos de atitude e posição mais frequentes nos membros superiores do adulto normal. Antes, porem, tentemos esboçar a fisiologia da prova, isto é, delimitar a ação dos diferentes sistemas que concorrem para a manutenção da posição "test ".

Este esboço fisiológico permitirá compreender melhor as alterações patologicas da prova.

A conservação de ambos os membros superiores em extensão, perpendiculares ao tronco e paralelos entre si, estando o paciente de pé, sentado ou deitado e com a cabeça no mesmo plano que o tronco, exige o concurso de varios sub-sistemas, todos integrantes do sistema nervoso central.

O sistema piramidal fornece a energia e a força musculares necessárias para a estensão dos varios segmentos dos membros superiores entre si e para impedir a constante tendencia à quéda em virtude da ação da gravidade.

Uma parte importante do sistema vestibular atua para provocar os esforços tônicos que impedirão os desvios, seja no sentido frontal, seja no sagital: dos "lapilli" das utriculas partirão os estimulos necessários para o controle dos estensores, flexores e elevadores; dos "sagittae" das saculas partirão os reforços tônicos para os adutores e os abdutores. Seriam estas as fontes do tônus de esforço e do tônus de sustentação de atitude, cujo tuberancias anexos ao complicado sistema vestibular.

O sistema cerebelar fornece a graduação para as sinergias musculares necessárias para a conservação da posição; o cerebelo controla a contração harmonica dos complexos sinergicos agonista - antagonista que impedem o aparecimento de tremores (tremores intencionais), quando seja iniciada a contração voluntária dos elevadores e estensores dos membros superiores.

Outro elemento, tambem indispensavel para a manutenção dessa posição, é a sensibilidade proprio-ceptiva profunda e inconciente (articular e muscular) que fornece as indicações necessárias para a aplicação exata da energia muscular (sistema piramidal), dos esforços tônicos (centros tonígenos mesencefalicos), da sinergia e da eumetria das contrações musculares agonistas e antagonistas (sistema cerebelar). De fato, todos estes sistemas, com excepção apenas do piramidal, atúam por mecanismos reflexos, cuja via ascendente é constituida pelos neuronios sensitivos que conduzem a sensibilidade inconciente (feixes espinho-cerebelares de Flechsig e Gowers e parte dos feixes posteriores de Goll e Burdach). Lesado o sistema sensitivo, "ipso facto", estarão interrompidos estes reflexos e a posição não poderá ser mantida, mesmo que esteja integra a energia e a força muscular.

E' preciso notar que, conservando o paciente os olhos abertos, o controle visual pode suprir, até certo ponto, o deficit da sensibilidade profunda, da mesma forma que, na pesquiza do sinal de Romberg, o controle visual diminue grandemente as oscilações e a tendencia à queda que se dão em consequencia da falta das indicações da sensibilidade profunda; na tabes, por exemplo, as oscilações do corpo se exageram após o fechamento das palpebras. Veremos, ulteriormente, que o mesmo se dá com a prova dos braços estendidos quando o doente tem um deficit da sensibilidade profunda.

Em resumo, concorrem para a manutenção dos membros superiores estendidos, o sistema piramidal, o sistema tonígeno do tronco cerebral, o sistema vestibular, o sistema cerebeloso, as vias sensitivas. Com os olhos abertos, o trabalho destas últimas será diminuido, digamos assim, graças à ação auxiladora da visão; cerradas as palpebras, todo o controle da posição será feito por intermedio da sensibilidade profunda conciente, muscular e articular, e pelas indicações fornecidas pelos epitelios sensoriais da utricula e da sacula. Veremos, mais tarde, as aplicações praticas destas noções.

Complicar-se-á mais o problema si, ao em vez de ordenar apenas a manutenção dos membros superiores estendidos, o observador pedir ao paciente que, partindo de outra posição, coloque seus membros superiores na posição "test"; neste caso, alem dos dispositivos necessários à manutenção da atitude, entrarão em jogo outros, encarregados da cinética. Será exigido, assim, maior apuro das funções piramidais (movimentação voluntária), vestibulares (direção no movimento), cerebelares (eumetria, sinergia, cronometria, dinamogenia), tonígenas (tonus de esforço da motilidade voluntária) e sensitivas (continuas indicações próprioceptivas para a regulação do movimento). Muito maior influencia terá, nestas condições, o fator visual; sua interrupção acusará qualquer deficit na eumetria, na regularidade, na direção e no ritmo do movimento.

O que dissemos até agora permite uma primeira tentativa para a sistematização técnica de pesquiza da prova dos braços estendidos em suas aplicações à patologia neurológica.

Primeiramente, o doente de pé, sentado ou em decúbito dorsal, e com os olhos abertos, será convidado a manter os membros superiores estendidos imoveis e perpendiculares ao tronco: essa atitude poderá ser realizada passivamente pelo observador. Verificado que não se processam desvios, em segundo tempo será interceptado o controle visual; desde esse momento estarão afastadas as correções por influencia da vontade. Deve ser pedido ao paciente que se conserve sem fortes contrações musculares para que se possam manifestar, desde logo, as reações tonicas normais (figuras 1 e 2).

Depois, a prova será praticada com a movimentação ativa do doente. Tendo os membros superiores estendidos ao longo do corpo, ou elevado em angulo de 180° sobre o tronco, ou ainda, formando cruz com o tronco, o doente será convidado a trazer seus membros para a atitude "tese", primeiramente com os olhos abertos e, depois, sem o controle da visão.

Detalhe técnico que deve ser rigorosamente observado é aquele que se refere à posição da cabeça do doente. Já dissemos, e voltaremos ainda ao assunto, que as modificações de posição da cabeça em relação ao tronco provocam o aparecimento de reflexos (reflexos tônicos cervicais de Magnus e Kleyn) que, embora muito atenuados no adulto normal, podem prejudicar a apreciação dos resultados da prova.

Da mesma forma devem ser evitadas as modificações da posição da cabeça em relação ao espaço (reflexos tônicos labirínticos) ; a prova não pode ser executada em decúbito ventral, em decúbito lateral ou na vertical mas com a cabeça para baixo. pois que estas posições, alterando a situação dos otolitos, modificam grandemente as cronaxias neuro-musculares (Magnus, Kroll, Marinesco). Apenas em alguns casos poderá a prova ser praticada com o doente de pé ou sentado mantendo a cabeça em hiper-flexão ou em hiper-extensão, ou melhor nas posições ótimas recomendadas por Bruenings para o estudo das ações dependentes dos canais semi-circulares posteriores (frontal ou sagital). Estes casos, em que se estuda o funcionamento do labirinto periferico, não constituirão assunto deste trabalho: só nos interessam os desvios dos membros superiores que aparecem com a cabeça em situação normal. Pelo menos só os resultados da prova feita nestas condições serão considerados, aqui, para o diagnostico neurologico.

A bom observador, conhecedor da fisio-patologia dos varios sub-sistemas cujo concurso é necessário para a execução perfeita destas atitudes e movimentos, a prova dos braços estendidos, em suas varias modalidades de execução, fornecerá indicações preciosas sobre a preferencia da lesão por este ou aquele sistema. Mediante sucessivas variações poderá o neurologista, quando menos, suspeitar de uma lesão atingindo eletiva ou preferencialmente o sistema sensitivo, o sistema piramidal, o sistema vestibular e o sistema cerebeloso.

Evidentemente, como qualquer outra em medicina, a prova dos braços estendidos não dispensará a execução do exame neurológico completo; a suspeitas que ela provocar serão controladas por outras provas e pesquizas. Nem por isso ela perderá seu valor, como tambem e pela mesma razão, não perdem sua significação, numerosas outras provas utilisadas em Neurologia. A prova de Romberg, por exemplo, quando positiva, constitue elemento de convicção para afirmar a existência de disturbios da sensibilidade profunda nos membros inferiores: este elemento, no entanto, embora característico, não dispensa o exame pormenorizado da sensibilidade objetiva, em todas as suas formas, quer superficiais ou profundas.

Aí estão a técnica e as indicações gerais da prova dos braços estendidos. Evidentemente ela não será necessária em todos os casos; em alguns, porque os disturbios neurológicos sejam tão nítidos a ponto de dispensá-la e em outros, porque seja impossivel praticá-la.

Entre estes últimos - e aproveitamos o momento para delimitar as aplicações praticas da prova - figuram em primeiro lugar, evidentemente, os casos de ankilose, de retrações fibrotendinosas, de contraturas musculares periféricas, de atrofias musculares intensas, de paralisias completas por comprometimento global dos neuronios periféricos. Depois, os casos em que as lesões dos sistemas motores centrais já produziram atitudes e posturas viciosas, como as que se verificam nas grandes contraturas consequentes às hemiplegias piramidais e nas hipertonias acentuadas de tipo extra-piramidal (sindromos palidais, sindromos parkinsonianos) e, tambem, nas hipotonias (coréias) e distonias (espasmo de torsão) por lesões estriadas puras ou mixtas, páleo-estriadas.



FIG. 1
Posição para a prova dos braços estendidos, com o paciente de pé e olhos fechados.


Notar que ambos os braços tendem à elevação (reação normal de elevação espontanea bilateral) e que esta elevação é mais intensa no lado habitualmente mais ativo) (direito).



FIG. 2
Posição para a prova dos braços estendidos, com o doente em decubito dorsal e olhos fechados.

Notar que ha leve tendencia à divergencia (reação normal de desvio bilateral para fóra).

 
FIGS. 3 e 4
A prova dos braços estendidos em um caso de paralisia radial por lesão traumatica do nervo no terço inferior do antebraço (A. S. - S. N. 4.063).



Notar a impossibilidade da estensão da mão e da estensão da primeira falange dos dedos. Nas lesões desta natureza, paraliticas no sentido amplo da palavra, o doente pode permanecer com os olhos abertos.

Existem ainda algumas restrições de ordem geral e facilmente compreensiveis. Será preciso que o paciente entenda o que dele se vae exigir e que não tenha lesados os centros corticais da eupraxia do movimento; assim, excluem-se das aplicações praticas da prova os portadores de psicopatias graves, os afasicos (afasia sensorial) e os apraxicos. Excluem-se, tambem, aqueles nos quais haja impossibilidade para a realisação do movimento (miotonias) ou da manutenção das posturas (astenia, miastenia, miopatia).

Feitas estas restrições, todas facilmente admissiveis, a prova dos membros superiores estendidos terá ótimas indicações nos casos de sindromos piramidais, cerebelosos, vestibulares e sensitivos - e destes últimos, exclusivamente aqueles em que haja comprometimento das sensibilidades profundas, concientes ou inconcientes. Ela terá tanto maior valor, quanto mais frustra e atenuada for a sintomatologia clinico-neurologica; é uma prova de suspeita e não de convicção.

Ha lugar aqui para dizer, desde já, porque em certos sindromos vestibulares e cerebelosos, a prova não poderá, teoricamente, fornecer resultados muito seguros. Realmente, a prova que estudamos fornece resultados muito seguros nas afecções que atingem, de um lado, o sistema vestibular periferico e, de outro, o cerebelo. O mesmo não se dá, quando a lesão se assesta no tronco cerebral (bulbo, protuberancia e pedunculos cerebrais) ou nos pedunculos cerebelosos, atingindo as vias vestibulares centrais ou as conexões vestibulo-cerebelares. Realizam-se, assim, sindromos mixtos nos quais, não só a prova dos braços estendidos como outras, consideradas muito mais especificas, não poderão fornecer elementos seguros para o diagnostico diferencial. Voltaremos, mais longe, a esta questão.

Diga-se o mesmo no que se refere às perturbações do tonus muscular dependentes de lesões localizadas no tronco cerebral. Não são suficientemente conhecidos ainda os centros, as vias, as inter-relações anatomicas e funcionais que mantêm os nucleos tonigenos, entre si e com os centros vestibulares. Daí a dificuldade de isolar, nas lesões do tronco cerebral, sindromos distonicos especiais que caracterizem, por esta ou aquela forma, as alterações da prova que estudamos.

Feitas estas restrições, passamos a estudar as aplicações praticas da prova dos braços estendidos, já consignadas na literatura médica. Em primeiro lugar, estudaremos as reações tônicas normais do homem adulto que podem ser evidenciadas por essa prova.

Antes de terminar estas considerações preliminares, é necessário fazer-se uma ressalva. Não cogitamos, neste trabalho, das aplicações da prova dos braços estendidos ao diagnostico das nevrites perifericas ou das lesões dos ramos terminais do plexo braquial. Não, tivemos em mãos o material necessário para esse estudo que, no entanto, parece digno de cuidadosa observação. A proposito, não nos furtamos ao prazer de apresentar o único caso que pudemos examinar (vide figuras 3 e 4), referente a uma paralisia radial traumatica.

CAPITULO I

A PROVA DOS BRAÇOS ESTENDIDOS NO ESTUDO DO TONUS MUSCULAR

O homem adulto conserva, ainda que reduzidos em relação à criança recemnascida e aos lactentes, porque frenados e modificados pelas estruturas superiores, vestigios da organização reflexa tônica postural. Tal organização compreendendo, segundo Magnus e Kleyn, reflexos estáticos (reflexos de postura, reflexos tônicos cervicais e labirínticos, reflexos de endireitamento) e reflexos estático-cinéticos (reações à rotação e reação aos movimentos de progressão), sobresáe no adulto desde que sejam liberados os centros tonigenos mesencefálicos. Lesões piramido-extra-piramidais bilaterais, sejam completas - realizando o sindromo de rigidez decerebrada de Sherrington - ou parciais - realizando os sindromos de decerebração mitigada de Kinnier


Wilson - determinam o aparecimento destes reflexos, destinados a manter e repartir o tonus para o sistema muscular, de sorte a permitir que o indivíduo vença a força de gravidade e mantenha-se em equilibrio na posição característica da sua especie.

Esta organisação reflexa, independente da motricidade voluntária e automatica, preside à distribuição do tonus muscular e às variações dependentes da posição e da movimentação dos varios segmentos do organismo. As lesões piramido-extra-piramidais, mixtas e bilaterais, permitindo libertação completa dos centros mesencefalicos e fazendo retornar à atividade integral os centros que presidiam à movimentação fetal, tornam facil a demonstração dos reflexos de posição; algumas lesões piramidais e extra-piramidais isoladas e unilaterais permitem apreciar um aumento relativo na intensidade destes reflexos.

No homem adulto e normal, como dissemos acima, só provas delicadas permitem demonstrar a persistencia destes reflexos, com intensidade sempre muito pequena. Já tem sido tentada a sistematisação de sua pesquiza para fins diagnosticas; contudo, o que ha de firme neste terreno, ainda não satisfaz as necessidades da clínica e, por óra, parece ser prematuro interpretar os problemas relativos à regulação da função tônica sob o ponto de vista clínico. Duas dificuldades perturbam a apreciação exata dos problemas relativos aos fenomenos tônicos do homem: de um lado, o fato de que seu estudo tem sido feito mediante experimentação em animais - recurso que nem de longe se assemelha ao que se passa na patologia humana - e, de outro, a falta de conhecimentos anatômicos e fisiológicos precisos sobre os centos que regem o tonus muscular.

Não sendo de nosso intuito o estudo pormenorisado destes reflexos, citaremos, guiados pela classificação de Hoff e Schilder (1), aqueles para cuja pesquiza se utiliza a posição dos membros superiores estendidos em plano perpendicular ao eixo do tronco:

1.°) Reação de divergencia (Fischer e Wodak) : si a um paciente com os olhos vendados, mandarmos que eleve lentamente os dois membros superiores até a horizontal , veremos, à medida que o movimento se fizer, os braços divergirem um do outro. Pelo contrário, si o movimento for feito com rapidez, os braços convergirão. Esta reação tônica é mais nítida quando praticada com uma pequena modificação proposta por Marinesco (2) ; o doente permanecerá em decubito dorsal e elevará os membros superiores até formarem angulo de 45° com a horizontal. De qualquer forma, esta é uma reação tônica frequente nos individuos normais. Em alguns casos, alem da divergência, ha tendência à elevação dos membros superiores alem do limite marcado.

Segundo Ugo Quadri (3), a reação com divergência é exagerada nos casos de lesões cerebelares, sendo que diverge e se eleva mais o membro do lado homologo ao da lesão. A reação à convergência é exagerada nos casos de lesões estrio-palidais.

2.°) Fenomeno da persistência de posição (Hoff e Shilder) ao iniciar esta prova, o doente está de pé com os olhos vendados, os membros superiores estendidos horizontalmente para a frente. O observador eleva passivamente um dos braços do doente até 60° aproximadamente, acima da horizontal e, depois de 30 segundos, ordena que o doente abaixe voluntariamente o membro que foi elevado até encontrar o plano horizontal em que está o outro. Verifica-se que nunca o abaixamento é completo, persistindo uma diferença de nivel, variavel entre 2 a 10 centimetros. Pode-se realizar a prova pondo o braço em posição inversa, isto é, formando um angulo de 60° abaixo da horizontal; mandando o paciente elevá-lo voluntariamente, verifica-se que não ha elevação completa, mesmo que estejam absolutamente integras todas as formas de sensibilidade. Esta reação tônica provocada pela posição ocupada anteriormente pela articulação do ombro, (reflexo tonígeno articular proprio-ceptivo) é normal, comum a todas as pessoas adultas. A diferença de nivel entre os dois braços não é percebida subjetivamente, tanto assim que, continuando o doente com os olhos vendados, si igualarmos o nivel dos dois braços, informará ele que o observador abaixou ou elevou demais o braço que fora movimentado.

3.°) Fenomeno imitatório dos membros superiores (Hoff e Schilder) : ordena-se ao doente que, de olhos fechados e partindo de posições estremas (flexão ou estensão maximas), imite com um dos membros superiores a posição que o observador imprimio, passivamente, ao outro; observa-se que a posição é sempre excedida, havendo uma diferença, para mais, na amplitude do movimento voluntário. Evidentemente, a posição de partida deve ser de curta duração para evitar o fenomeno da persistência da posição descrito acima.


4.º) Prova fundamental (Marinesco) ou reflexo ancestral do pescoço sobre os membros (Hoff e Schilder): ao iniciar a prova, o paciente está de pé ou em decubito dorsal, com os membros superiores estendidos e perpendiculares ao tronco, com os olhos vendados. Si o observador virar a cabeça do paciente para a direita, o braço homólogo se desvia para fora em abdução e se eleva, ao passo que o esquerdo abaixa ligeiramente. A rotação da cabeça para a esquerda tem efeito analogo mas inverso.

Fischer e Wodack, analisando os efeitos desta prova que é positiva em cerca de 90% dos individuos normais, pensam que a diferença de nível dos dois membros superiores depois da rotação da cabeça seja dependente de uma excitação labiríntica. No entanto, Hoff e Schilder a encontraram positiva em dois indivíduos nos quais tinham posto fora de ação os labirintos de ambos os lados; para eles a reação deve ser considerada como um reflexo estático da cabeça sobre os membros.

Para Hoff e Schilder, esta reação é exagerada nas lesões cerebelosas quando a rotação se faz para o lado lesado e abolida num ou nos dois lados, nos casos de afecções estrio-palido-nigricas. Marinesco, (loc. cit.), estudando um grupo de 16 doentes extrapiramidais (2 casos de molestia de Parkinson, um de espasmo de torsão e 14 sindromos parkinsonianos post-encefaliticos), demonstrou que a ausência de reação da rotação passiva da cabeça não constitue uma característica das afecções do sistema extrapiramidal, como pensam Hoff e Shilder; Marinesco obteve em 6 casos uma reação normal, em 5 vezes uma reação paradoxal invertida.

No entanto, no que diz respeito aos cerebelares, Marinesco subscreve in totum a opinião de Hoff e Schilder. Ugo Quadri (loc. cit.) que tambem pesquizou a reação em cerebelares, confirma o que dizem os pesquizadores austríacos. Veremos, mais tarde, que outros autores, tais como Barré e Kabaker (4) e Vlavianos (5), confirmam a asserção. Nós mesmos apresentaremos um caso cuja documentação cinernatografica confirma que, no lado lesado, à rotação da cabeça, segue-se-uma elevação maior do membro homólogo (vide figuras 5 e 6). Voltaremos ao assunto ao tratar da prova dos braços estendidos para a semiologia das afecções cerebelosas.

5.°) Fenomeno da pronação (Goldstein e Gielich) : o paciente é convidado a estender os membros superiores com os olhos vendados. A palma da mão pode estar voltada para cima ou para baixo. Depois de alguns instantes, surge um reflexo tonico de pronação, com tendência à posição de repouso da mão e do ante-braço (vide figuras): a reação é tanto mais perceptível quanto maior for a supinação inicial. Este fenómeno, encontrado em todas as pessoas normais, é exagerado nas afecções piramidais.

6.°) Reação da elevação espontanea (Hoff e Schilder) convidado o paciente a permanecer, durante certo tempo, com os braços estendidos horizontalmente e os olhos vendados, verifica-se que os braços se elevam, ligeiramente acima da horizontal, e que a elevação é maior no lado que habitualmente é mais usado para atos volicionais (lado direito na maioria dos indivíduos normais) (vide figura 7).

7.°) Pertencem, tambem, a esta classe de reflexos as reações tônicas que Goldsten (8) descreveu sob o nome de modificações induzidas do tones (Induzierte Veraenderungen der Tonus) : as mudanças de atitude de outros membros ou de segmentos musculares distantes, podem modificar o tonus dos musculos dos membros superiores; estes convergirão, por exemplo, si os membros inferiores forem levados à abdução passiva forçada e divergirão si estes últimos forem postos passivamente em adução. Estas modificações tônicas induzidas serão melhor percebidas si o doente estiver em decubito dorsal, com os membros superiores estendidos e verticais, formando angulo reto com a horizontal.

Os reflexos de posição no homem normal não estão ainda suficientemente esclarecidos em seu mecanismo fisiologico, o que torna particularmente difícil a interpretação fisio-patológica dos reflexos que nos oferecem as observações neurológicas. Si alguns conservam, na patologia, seus característicos gerais, outros fornecem respostas paradoxais ou se apresentam de tal sorte deformados que se torna difícil, às vezes, identificá-los. Voltaremos a tratar de alguns deles.

Alem dos que acima citamos, e que, por serem mais conhecidos e mais constantes, já entraram em certas clínicas estrangeiras, para o dominio do exame neurológico finamente especialisado, têm sido descritos outros, encontrados esporadicamente por este ou aquele pesquisador e, mais ou menos arbitrariamente; filiados à mesma classe de reflexos de posição. Mencioná-los e descreve-los aqui seria alongar inutilmente esta exposição, uma vez que são ainda desconhecidas suas aplicações à patologia e que, por outro lado, não têm a mesma frequência daqueles que já foram aqui citados.



FIG. 5
A prova dos braços estendidos na pesquiza dos reflexos de posição da cabeça. Posição inicial. Notar que o doente com os olhos abertos, olha para seu membro superior direito para controlar sua posição. Este doente (A.C. - S.N. 3.172) apresentava um hemisindromo cerebeloso e hemisindromo sensitivo à esquerda. Notar que a fotografia não poude focalizar bem nitidamente a mão esquerda (tremor intencional).



FIG. 6
Reflexos tonicos do pescoço - Virando a cabeça para a direita, o braço direito entra em abdução e se eleva ligeiramente, ao passo que o esquerdo entra em adução e ligeiro abaixamento.



FIG. 6 BIS



FIG. 7



Estes reflexos são, no geral, interpretados como reações locais da tendencia do organismo às posições intermediárias de repouso e de facilitação. Esta interpretação é certa para os reflexos estáticos e estato-cinéticos descritos no animal por Magnus e Kleyn; estes pesquizadores puderam demonstrar que são estas as reações tônicas que fazem retomar às posições normais o animal colocado, experimentalmente, em posições inabituais. O mesmo intuito é atribuido às reações reflexas do tonus induzidas de Kurt Goldstein, ao fenomeno de pronação de Goldstein e Gielich, ao fenomeno da persistência da posição de Hoff e Schilder e ao reflexo ancestral do pescoço sobre os membros de Hoff e Schilder.

Evidentemente o assunto ainda está confuso. Serão necessárias novas e cuidadosas pesquizas para poder verificar, dentro da complexidade destas reações, até que ponto poderá chegar sua assimilação com os fatos observados pela experimentação animal e, sobretudo, para poder delimitar, na genese destes fenomenos, a ação respectiva do labirinto e dos receptores próprioceptiveis periféricos.

Realmente, parece que muitos destes fenomenos estão subordinados, diretamente, à ação tônica labiríntica, compreendidos na orbita das ações do sistema dos canais semi-circulares ou das reações dependentes dos otolitos seculares e utriculares.

Embora não caiba nos limites deste trabalho discutir a fisiologia do labirinto - assunto mais para o oto-neurologista - não ficará mal expor, em grandes traços, as noções basicas indispensaveis para a compreensão de algumas anormalidades que - por disfunção deste orgão ou de suas vias centrais e periféricos - póde apresentar a prova dos braços estendidos. Embora, nestes casos, a prova faça parte dos recursos do otologista, todos os neurologistas, e mesmo, os clínicos gerais devem conhecer-lhe o mecanismo fisiologico e a interpretação de suas principais anormalidades.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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