ISSN 1806-9312  
Segunda, 29 de Abril de 2024
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650 - Vol. 9 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 1941
Seção: Notas Clínicas Páginas: 285 a 292
PSEUDO-MASTOIDITE, OU MASTOIDITE DE LUC (1)
Autor(es):
HUMBERTO J. LAURIA (5)
DR. PAULO BRANDÃO (3)
DRS. ESTEVAM REZENDE e ARISTIDES MONTEIRO (4)
DR. RUY DE TOLEDO (6)

CLINICA DE OTORINOLARINGOLOGIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO BRASIL
Professor João Marinho

Identificação - Edmundo F., 32 anos, solteiro, brasileiro, branco, morador na rua Visconde de Mauá n.º 44, nesta Capital. Matricula n.° 85.377.

Histórico - Veiu ao Ambulatório por causa de uma "inchação" atrás e em cima da orelha esquerda. Faz 15 dias sentiu fortes dores no ouvido desse lado. Quatro dias depois começou o ouvido a purgar, com mau cheiro, tendo nessa ocasião diminuido ás dores. Foi então que principiou a inchação que o traz à consulta. Informa mais que há seis anos apareceu-lhe purgação no mesmo ouvido, que cessou com medicamentos caseiros.

Inspeção - Estado geral de bom aspecto, confirmado pelo exame clínico. Localmente, apresentava o aspecto trivial de uma mastoidite aguda, no grau de adiantamento em que costumamos recebe-las no hospital.

O deslocamento do pavilhão, a supuração e edema subcutâneos, demais, extendidos pela apófise zigomática, levaram-nos sem hesitação ao diagnóstico de mastoidite aguda, tipo Hartmann. (Figs. 1 e 2).



FIG.1 - FIG.2 - FIG.3



Otoscopia - Uma granulação pediculada obstruia a luz do conduto. Retirada, vimos o conduto cheio de cerumem. de mistura com secreção purulenta. Limpo, deparamos, surpreendidos, com um tímpano de aspecto normal, salvo ligeira hiperemia do cabo do martelo, que atribuímos à reflexa provocada pela manipulação da limpeza que lhe fizeramos.

No lugar em que se pediculisava a granulação, estava uma fístula, localizada na parede postero-superior do conduto. O que não nos admirou porquanto, aí, já a tinhamos visto mais de uma vez em casos de mastoidite. Sondando, porém, a fístula, verificamos não corresponder à parte óssea do conduto. Estava situada na porção fibro-cartilaginosa. Não demos maior importância ao achado.

Diagnóstico - Mastoidite aguda, tipo Hartmann.

Operação - A de Schwartz. Cortical de coloração normal e mais dura do que costuma em tais casos. Células mastoidéias de aspecto e consistência normais. A trepanação, levada até ao antro sem nenhuma secreção e, por toda parte só encontrou tecido de aspecto são.

Restabelecimento pronto.

COMENTÁRIO

Depois de rever a literatura, encontramos casos semelhantes descritos por Henrique Luc, em sua obra clássica(2). No seu primeiro caso, sucedeu-lhe como a nós nos sucedeu: trepanação sem encontrar mastóide lesada.

Refletindo sôbre o caso, pareceu-lhe descobrir razões a diagnóstico diferencial entre a mastoidite comum e o que veiu a chamar "abcesso subperiósticos sem supuração óssea". Passou, desde então, a suspeitar essa modalidade na desproporção da otite média frusta, e logo desaparecida, com a extensa supuração externa, em que vê outro sinal diferencial: a proeminência mais acentuada da coleção purulenta acima da mastóide, extendendo-se para a fenda palpebral, em vez de mostrar-se atrás, como costuma, o que também observa-se no nosso caso, como está na figura III.

Instruído nesse caso, em outros semelhantes aparecidos depois, limitou-se a abrir a coleção por incisão da parede postero-superior do conduto, seguida de cura sem demora.

A leitura da lição do Mestre (a XXXIII, loc. cit.), completará o que por brevidade deixamos de dizer. Restringimo-nos apenas a declarar não vir assinalada nessa lição situar-se a fístula na porção cartilagínea, o que leva à suposição de ter sido na parte óssea, sede habitual delas. Teremos, porventura, onde a vimos, contribuído para precisar o que por abreviação pode chamar-se de pseudo-mastoidite de Luc?

Embora a lição não se preocupe da patogenia desse achado, não desdenha o Dr. Luc da prudente objeção que, conta, lhe fizeram, a "de antes abrir uma mastóide sã, que deixar sem trepanação alguma doente".

A pseudo-mastoidite de Luc, terá a mesma explicação da mastoidite comum. Somente aqui foi tão benigna e fugaz como a otite media que a provocaria, através de algum pertuito, que nunca deixam de existir, condicionados por expansões de finas trabéculas de periósteo comuns às células mastoidéias e à cortical. Por essas comunicações é que a celulite acaba se exteriorizando em abcesso subperióstico. Enquanto há retenção de pus nas células mastóideas, a osteíte rarefaciente, razão da necrose óssea, progride. Abre-se passagem franca entre o interior e a cortical, a descompressão faz cessar ou diminuir muito o processo destruitivo. Assim se explicam curas expontaneas de mastoidite aguda, conforme comentário do Professor Marinho a uma comunicação de Prof. Paula Santos, na Semana de Oto-rino-oculística em S. Paulo (1926, pg 330).

Insignificante prelúdio desse processo passar-se-a na pseudo-mastoidite de Luc, já hoje sem a importancia que ao tempo lhe dava o seu descobridor, com reservas ainda de abrir o antro, operação que não julgava pequena nem isenta de riscos, a começar pela cloroformização, único modo de anestesiar aquela época.

OSTEOMIELITE DO FRONTAL

OBSERVAÇÃO DE UM CASO

DR. RUY DE TOLEDO (6)

João P. R., dezesseis anos, branco, lavrador, residente em fazenda do município de Tabatinga.

Antecedentes morbidos pessoais e hereditários sem significação. Rapaz de compleição regularmente robusta, ausencia de estigmas lueticos, ligeira hipertrofia da tireoide. Nega qualquer afecção anterior do nariz e garganta.

História da doença atual. Conta que no dia cinco de março do ano corrente, apanhou intenso resfriado, acompanhado de dôr violenta na região superciliar direita. Dois dias depois, tendo toda essa região e mais a palpebra superior direita se inflamado muito, e continuando violentas as dores, procurou um médico que praticou pequena incisão pouco acima do supercilio, pela qual se escoou regular quantidade de pús. Três dias após foi praticada nova incisão, desta vez, a uns três centímetros acima do supercilio. Como com essas incisões a dôr se atenuasse, embora a drenagem fosse bastante imperfeita, voltou para o campo, onde permaneceu fazendo uns curativos externos até a data em que nos procurou em nosso consultório, mandado pelo colega que o havia atendido nos primeiros dias de doença e, que, tendo-o visto novamente, suspeitou de uma invasão ossea do frontal e recomendou que nos procurasse.

Exame do doente Apresenta-se em vinte e sete de março o paciente ao nosso exame: palido, emagrecido, facies de infetado, com trinta e sete e seis de temperatura, com cem pulsações, queixando-se de cefaléa, sonolencia e grande desanimo.

Retirada a atadura que lhe envolvia a fronte, constatámos a existencia de um flemão, que tomava toda a metade direita do frontal, com grande edema das palpebras e quemose, drenando um pús fetido e abundante pelas duas pequenas incisões referidas. A inspeção com estilete, feita pelas incisões, revelou-nos a existência de uma larga destruição do osso frontal, impressão essa corroborada pela palpação. Pela rinoscopia anterior, vimos um corneto medio direito turgido e de mucosa degenerada imerso em pús do meato medio. O restante do exame oto-rino-laringologico sem importancia.

O diagnostico clinico firmado pelo exame foi: osteomielite do frontal consecutiva a sinusite frontal aguda supurada. As radiografias, embora não perfeitas, confirmaram o diagnostico clinico, como se vê por uma delas na Fig. 1 . Osteomielite do frontal com extensas lesões da metade direita desse osso, sinusite etmoidal e maxilar direitas.
Removido para o hospital, Casa de Saude Santa Izabel, foi o paciente operado no dia seguinte, vinte e oito de março, tendo ficado registado no livro de cirurgia sob o n.° 33.410.

OPERAÇÃO. Operado por nós, auxiliado pelo Dr. Syrthes de Lorenzo.

Anestesía geral pelo Balsoformio.

Incisão unica interessando todos os planos até o osso, partindo da inserção dos cabelos, a uns dois centímetros da linha mediana, descendo até o supercilio, e acompanhando este até terminar no angulo externo da orbita. Levantado o retalho, aliás descolado sem dificuldade, apenas no meio de abundante hemorragia, constatamos a destruição do osso frontal ruma area correspondente a quasi todo o retalho levantado, isto é, compreendendo toda a região frontal direita desde a linha mediana até uma vertical tangente ao angulo externo da orbita. Nesse ponto a necrose, que partia da linha superciliar, atingia uma altura de três centímetros e, nas proximidades da linha mediana, a necrose era bem mais extensa, atingindo a inserção dos cabelos. Em profundidade, a destruição ossea, pelo processo de necrose, atingia a tabua externa e a diploe em toda essa extensão e a tabua interna na mesma extensão, excetuando-se apenas uma ilhota de tecido osseo de aparencia sã, de forma irregularmente circular, de uns quatro centímetros quadrados de superfície, fortemente aderente à dura-mater.

A remoção do osso doente foi feita com cureta e pinça goiva, sem dificuldade, em virtude da fraca consistencia do osso necrosado, e foi ampliada em todos os bordos até que fosse encontrado osso com consistência e aspecto normais. O seio frontal direito ficou inteiramente apagado, tendo sido retirado, em quasi toda a sua totalidade, a parede posterior do mesmo. A dura-mater, no final da operação, estava exposta numa area de oito a dez centímetros quadrados.

Em virtude do precário estado geral do paciente, preferimos deixar o etmoide para uma segunda secção operatória. Após embrocação com tintura de iodo, tamponamos toda a cavidade com gaze iodoformada cujas extremidades saiam pelo fim da incisão, no angulo externo da orbita e no meio da mesma, na curva que ligava a incisão vertical à horizontal. Pontos de crina, espaçados cada dois centímetros, unindo os bordos da ferida.

Saímos da sala de operações, ceticos quanto aos resultados da nossa intervenção. Recomendamos abundantes hipodermóclises de soro glicosado. Iniciámos o tratamento sulfamidico desde o primeiro dia da intervenção. Escolhemos a sulfamida em solução a trinta por cento (Albucid) em injeções de cinco centímetros cubicos diários.

Entretanto o post-operatório decorreu, com surpreza nossa, sem o menor incidente, nem mesmo febril. As gazes aos poucos retiradas foram no quinto dia substituirias por outras menores que drenavam uma discreta secreção sero-purulenta.

Onze dias depois, foi o paciente fotografado, apresentando o aspecto que se vê na Fig. 2.

Dezesseis dias após a primeira intervenção, estando toda a ferida inteiramente cicatrizada, praticamos a etrnoidectomia por via externa e cura radical da sinusite maxilar pela técnica de Caldwel-Luc.

Vinte e quatro dias, após à primeira intervenção, foi dada alta ao paciente que clinicamente são, se removeu para sua residencia.



FIG.1



FIG.2



COMENTÁRIOS

A publicação deste trabalho tem o intuito único de apresentar a observação de um caso, que por não ser muito frequente, pode despertar o interesse da parte dos colegas que dedicam as suas atenções e empregam as suas atividades no mesmo ramo da medicina que nós. E inteiramente despido de intuito erudito.

As breves considerações, que desejamos fazer em torno do exposto, são as seguintes: a boa evolução do caso presente, e o decurso post-operatório, isentos de quaisquer complicações, devem-se sem dúvida, às boas defezas organicas do paciente, à intervenção que procuramos fazer bastante radical, e tambem à ação da sulfamida. A falta de identificação do germe piogenico, pelo exame bacteriológico, deve-se ao fato de, tendo o nosso doente chegado às nossas mãos com duas incisões já praticadas, haver por força contaminação por germes extranhos. Sendo entretanto o estreptococo, o estafilococo ou o pneumococo, ou associação de dois ou mais desses agentes comuns das osteomielites o causador da infecção, em qualquer dos casos, havia perfeita indicação na escolha da medicação sulfamídica.

A idade jovem do nosso paciente, com o natural desenvolvimento do tecido osseo medular, e com a ausência de acidentes metastáticos, fossem eles abcessos sub-periostais, epidurais ou encefalicos, que fazem sempre pensar numa propagação infecciosa por via sanguinea, através da rede venosa sub-periostal anastomosada aos plexos epidurais por meio das veias diploicas, faz-nos crer que a propagação da infecção no caso presente, se tenha feito por contiguidade no tecido diploico.

Sobre a relativa raridade de casos de osteomielite da abobada craniana devemos dizer que, em cerca de trinta mil doentes por nós examinados em nossos varios serviços, só tivemos oportunidade de encontrar três casos, sendo que nenhum em decurso post-operatório de sinusite. Corroboramos no modo de pensar de outros, que teem estudado estes assuntos, que isso se deve à forma inteligente de proceder, muito generalizada entre nós, de não operar sinusites agudas a não ser nos casos de grande urgência, sendo que nesses casos a intervenção se deve cingir a uma simples drenagem. Os outros dois casos referidos são: um de uma criança de onze meses portadora de osteomielite, de marcha torpida, que interessava em parte o frontal, parietal e escama do temporal, produzido pela supuração de um berne (larva de dermatobia cyaniventris) no angulo externo da orbita. A larga exérese dos tecidos necrosados, pôs a descoberto, nesse caso tambem, uma área apreciavel de duramater. O resultado da intervenção foi igualmente o melhor possivel. Isto se deu antes do advento da sulfamida. Um ano depois tinhamos do doentinho boas noticias. O outro caso refere-se a uma menina de onze anos. Traumatismo na região frontal, com fratura da parede anterior do seio frontal. Exacerbação e supuração de um processo de sinusite catarral cronica, até então ignorada. Formação de sequestro. Extração cirurgica do mesmo. Decorrer acidentado durante um ano. Eliminação periodica de pequenos sequestros. A conduta, por uma serie de fatores, foi a mais conservadora possivel. Cura clinica controlada ha dois anos.

Na data em que terminamos o presente trabalho, meados de Setembro de 1941, cinco meses decorridos da alta, temos noticias de que o nosso paciente continua em excelentes condições de saúde.

RÉSUMÉ

L'auteur rapporte l'observation d'n cas d'ostéomyélite du frontal, (garçon de seize ans) consécutive à un procéssus de sinusite frontale aigue suppurée, qui, aprés vingt jours de traitement inadequat, produit la destruction d'un quart de l'os frontal.

L'intervention chirurgicale consistant dans l'exérese de l'os necrosé jusqu'aux limites de l'os normal, met à nu, environ 12 centimétres carrés de la dure-mére.

Le post-opératoire est livre de toute complication et, seize jours aprés la premiére intervention, l'auteur fait l'ethmoidectomie et le traitement radical de la sinusite maxillaire par la téchnique de Caldwel-Luc.

Vingt cinq jours aprés la premiére intervention, le patient quitte l'hôpital cliniquement guérit.




(1) Comunicação feita na Sociedade de O.R.L. do Rio de janeiro, em 9-9-41.
(2) Dr. Luc, Lições sobre supurações do ouvido médio, etc., 2.ª edição. 1910, páginas 546 e seguintes.
(3) Chefe de Clínica na Faculdade e do Serviço da Especialidade do Hospital S. Francisco.
(4) Assistentes da Clínica.
(5) Assistente-adjunto da Clínica.
(6) Oto-rino-laringologista da Santa Casa de Araraquara.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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