ISSN 1806-9312  
Sexta, 26 de Abril de 2024
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644 - Vol. 9 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 1941
Seção: Notas Clínicas Páginas: 225 a 242
NOTAS CLINICAS
Autor(es):
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ABCESSO DA LARINGE. MARCHA ACIDENTADA. CURA.

DR. IVO NETO - Jaú - Est. S. Paulo.

Dia: 9-1-1941. Ficha: 978. 2. B., branco, masculino, 25 anos, solteiro, brasileiro, mecânico, Jaú.

Nenhum antecedente hereditário ou pessoal digno de menção especial.

História atual: Com a gripe, apareceu-lhe, pela manhã, dor na garganta, pelo que procurou imediatamente o médico. Isto ha 4 dias. Foi-lhe rasgada qualquer cousa na garganta, tendo saido apenas sangue. Passou, então, a fazer curativos diários na garganta, e no nariz. Todavia, como estivesse sempre peiorando - faltando a voz e a respiração - a família resolveu ouvir a nossa opinião. Hontem começou a inchar externamente o pescoço; engole sómente líquidos, e com dificuldade. Tambem subiu a temperatura (Sic).

Exame: Indivíduo muito abatido, agitado, quasi afonico, dispnéico, temperatura de 38,5°, pulso de 120. Pescoço infiltrado, rubro doloroso, movimentos da cabeça difíceis.

Oroscopia: Fundo de boca de aspecto normal, notando-se apenas ferimento inciso, vertical, paralelo ao pilar anterior direito.

Rinvscopia anterior: Normal.

Laringoscopia: Grande tumefação apanhando a prega ari-epiglótica, faixa ventricular e valecula do lado direito; epiglote êdemaciada; glote quasi impermeavel; secreção purulenta no vestíbulo. Dôr e um pouco de trismus, fatores que embaraçaram um pouco o exame. Ausência de reação ganglionar.

Comunicada a gravidade do caso e, dada a iminência de sufocação do doente, foi indicada imediata traqueotomia, aceita pela família.

Traqueotomia-operador: Ivo Neto. Ajudantes: Dr. Orlando Aprigliano e doutorando Flavio Aprigliano.

Anestesia local. Incisão longa partindo do bordo inferior da cartilagem tiroide e terminando um pouco acima da furcula esternal. Ao afastamento dos planos musculares começou a descer pús vindo dos tecidos moles acima da incisão; aumento desta para o alto, constatando-se fístula na membrana tiro-ioidéa, à direita, donde fluía a secreção; traquéa recalcada para trás, tornando difícil o acesso; pinçamento do ístimo da glandula tiroide entre duas pinças, sendo posteriormente ligadas as extremimidades; exposição do esqueleto, apresentando-se a tiroide com o pericondrio descolado; abertura da traquéa ao nivel dos dois primeiros anéis; introdução da canula. Neste momento, expulsão de secreção muito fétida. Ligadura dos vasos e sutura em massa da incisão, acima e abaixo da canula. Injetados: "Anaseptil" a 25 % (veia), "Coraminá", vacina Antibronco-pneumonica e "Eucalyptine". No dia imediato, debridamento intrínseco do abcesso, por laringoscopia indireta, saindo bastante pús; externamente, foram feitas duas longas incisões ao longo dos bordos anteriores dos musculos esterno-cleidos para drenagem do pescoço, cujos tecidos mostravam-se infiltrados. Não encontramos coleção propriamente dita, mas serosidade; largo descolamento entre a traquéa e os musculos subjacentes das regiões laterais. Prosegue a mesma terapeutica. Abundante secreção pulmonar. Montem-se a temperatura.

11-1-41. Estado geral mão, temperatura estavel, expectoração abundante através da canula; hipo-faringe cheio de pús, o qual, na ausência de aparelho aspirador, foi desembaraçado com gazes montadas em pinça; pescoço ainda infiltrado e bastante secreção purulenta localisada entre os planos musculares descolados e a traquéa, a qual se apresenta desnuda e com coloração de folha séca; supuração de todos os pontos da ferida operatória e esfacelo dos tecidos moles; mão cheiro insuportavel. À noite, hemorragia na comissura inferior da incisão cirurgica, sendo necessária nova ligadura das duas extremidades do istimo da tiroide.

12-1-41. Temperatura de 38°, pulso de 120; faringe cheio de pús, procedendo-se limpesa da maneira do dia anterior; expectoração abundante, deglutição difícil; pús entre a traquéa e os planos musculares, tornando-se necessários coxins de gase, para impedir a entrada de secreção na arvore respiratória. Eliminação de tecidos moles necrosados. Dois curativos diários.

13-1-41. Continua nas condições do dia anterior.

14-1-41. Dores toracicas, muita tosse, dispnéa. Chamado o Dr. Pedro Brandão, cujo relatório se segue: "O exame do aparelho respiratório revelou discreta dispnéa, com taquipnéa de 36 movimentos respiratórios por minuto. A inspeção do torax nada revelou digno de nota. A palpação mostrou o fremito toraco vocal ligeiramente aumentado no terça médio do pulmão esquerdo, junto ao bordo interno do omoplata. A percussão revelou sub-massicês neste mesmo ponto, atingindo uma área circular de 7 cent., mais ou menos. A auscultação revelou a presença, no mesmo ponto de numerosos estertores crepitantes e subcrepitantes, com alguns roncos. Diagnóstico: bronco-pneumonia". Revulsivo local, instilações intratraqueais de "Eucalyptine", cardiotonicos, poção com bensoato de sódio, acetato de amonea, etc., e vacinas. Temperatura de 39°. Coma aumentasse a dificuldade para deglutir, introduzimos, via nasal, como nos laringectomisados, uma sonda fina até o estomago, para, desse modo, assegurarmos a alimentação ao nosso paciente.

15-1-41. Continua o mesmo estado, tendo arrancado a sonda numa crise de agitação, a qual foi novamente posta em lugar.

16-1-41. O mesmo quadro, mas o doente mostra-se mais animado e já conformado e mais acostumado com a sonda.

17-1-41. Devido a melhor alimentação o paciente apresenta aspecto mais animador, todavia, a temperatura, o pulso, a expetoração e a supuração das partes moles mantêm-se imutáveis. Constata-se uma certa diminuição da tumefação laríngea. Dôr no hombro direito, que objetivamente nada apresenta de anormal.

18-1-41. O estado geral e o da ferida permanecem o mesmo. O pús ameaça fluir para o mediastino. A laringe, no entanto, desinfiltra-se à olhos vistos. Pulso mais ritimado.

19-1-41. Apesar da temperatura e da profusa secreção das partes moles do pescoço é melhor o estado geral do paciente. Glote bem permeavel. Retirada a canula para a limpesa habitual e tamponado o orifício traqueal com algodão, a respiração processa-se sem embaraço. Foi retirada a canula.

20-1-41. Cae a temperatura - 37,5° - decresce o processo pulmonar. Glote permeavel, apenas as aritenóides mostram-se edemaciadas. Continua, porem, a supuração do pescoço. Todavia, externamente, a traquéa e os musculos se vão libertando do seu depósito fibrinoso escuro e tomando uma coloração rósea. Retirada da sonda esofageana e, como o paciente engulisse bem, foi definitivamente afastada.

21-1-41. Melhoras acentuadas; diminue a supuração, ausência de temperatura. Exame de urina normal.

22-1-41. Continua bem. Já anda. É mínima a supuração das partes moles do pescoço. Espetoração fluida. A traquéa permanece aberta.

23-1-41. O mesmo estado do dia anterior.

24-1-41. Tudo bem. Ausência de pús. Apenas, à compressão das massas musculares, aparece serosidade entre o conduto traqueal e os musculos. Estes já se apresentam com a sua coloração normal. Durante todo o tempo decorrido foram feitos 2 curativos diários.

25-1-41. Estado geral bom. Pescoço completamente desinfiltrado; ausência de secreção. A ferida operatória não tem tendência a cicatrizar. Espetoragão catarral. O conduto traqueal continua aberto.

26-1-41. Tudo bem. Apenas secreção catarral pela traquéa, que continua aberta e sem tendência para cicatrisar.

27-1-41. Estado geral ótimo. O paciente está ancioso para deixar o hospital, mas incomoda-o o ar que sai pelo orifício da traquéa e pediunos para fechá-lo. Pareceu-nos mais lógico esperarmos mais alguns dias, contudo, diante da insistência, foi realisada a operação plástica, tendo o doente alta no dia imediato.

28-1-41. Bom aspecto da ferida operatória; supuram, porem, dois pontos, permanecendo pequeno orifício por onde escapa um pouco de ar. Todavia, ulteriormente, processou-se fechamento absoluto, tendo o nosso paciente alta definitiva em 28-2-41.

Ultimamente apareceu no nosso consultório, mostrando-se bem disposto, tendo recuperado o peso perdido - 17 quilos - e ganho mais dois.

A terapeutica empregada no nosso caso foi a seguinte:

Anaseptil a 25 %, endovenosamente; vacina anti-bronco-pneumonica, Coramina, Eucalyptine, Glicose a 50%. Para o Anaseptil foi empregada a via parenteral, em virtude da impossibilidade do paciente deglutir. Foi injetado em doses diárias de 30 cc., fracionadas em 10 cc. até o desaparecimento da secreção purulenta.

COMENTÁRIOS

Dadas as dimensões relativamente exíguas da glote, é de se preverem, e realmente existem, os grandes embaraços respiratórios creados pelo abcesso da laringe, quando não diagnosticado e afastado em tempo preciso. O caso presente é o fruto duma dessas lamentaveis incúrias, onde a precocidade de diagnóstico transformaria, por certo, a marcha tempestuosa de que se revestiu. A literatura nacional é pobre no assunto e a estrangeira não chega a fornecer-nos nem uma centena de casos, o que nos animou à publicação do nosso e a tecermos algumas oportunas considerações. Das publicações brasileiras só temos conhecimento - salvo engano - de três observações do Dr. Aristides Monteiro, publicadas em número de Janeiro do "Brasil Médico" de 1938.

Muito menos encontradiço do que os seus congeneres da faringe, o abcesso da laringe é afeção de marcha geralmente rápida e sintomas alarmantes. E mais peculiar à idade adulta, no entretanto, como a medicina e a clínica não são regidas por leis inflexíveis, temos notícias de abcessos laringêos em creanças e a primeira observação do Dr. Aristides Monteiro - uma menina de 5 anos - prova-nos essa realidade. O sexo masculino é o que paga maior tributo.

As causas do abcesso da laringe são inumeras, observando os autores uma grande relação entre as doenças infecciosas e o aparecimento do processo celuliforme na laringe. São secundários à escarlatina, à gripe ou tifo, etc; outros têm sua origem no traumatismo, e ha ainda os denominados idiopáticos. No caso presente, temos a gripe como fator eiológico do mal. Tambem as anginas agudas devem ser responsabilisadas como ponto de partida para o desencadeamento dum abcesso laringêo. Só com o advento do laringoscópio travou-se conhecimento com o processo que ora estudamos. Não se impõe exame muito minucioso para o diagnóstico. A visão duma tumefação laríngea acompanhada de alta temperatura, disfagia, astenofonia e dispnéa, orienta o nosso senso clinico para o diagnóstico de abcesso. Isto quando intrinseco; quando combinado, como o caso em apreço, todos os sintomas enumerados e mais a tumefação das massas musculares laterais do pescoço, a dificuldade de movimentos da cabeça, etc., precisam de maneira quasi indiscutível o dignóstico. No tocante à confusão com outras afeções dessa parte do tractus-respiratório, alem do espelho, a evolução e a história pregressa do paciente dão-nos elementos suficientes para o afastamento de quaisquer dúvidas. O cancer, por exemplo, é, regra geral, entidade mórbida de passo vagaroso e da idade madura, salvo exceções. O edema agudo, conquanto muitas vezes, com uma sintomatologia mais ou menos semelhante, tem as suas características laringoscópicas: mole, claro, transparente, de modo a se não confundir com a tumefação dura e vermelha do abcesso. Convenhamos, no entanto, que o edema agudo pode evoluir para abcesso. Aristides cita um caso de Reiss em que pincelagens intempestivas numa angina aguda determinaram, preliminarmente, edema e, em seguida, manifestou-se o abcesso, aliás expontaneamente aberto. O diagnóstico diferencial com o crup tambem não suscita maiores apreensões. Leve-se em linha de conta que a laringite diftérica é doença da infância, ao passo que, o abcesso atinge mais particularmente o adulto. Ademais, o laboratório será um meio auxiliar ao alcance de todos nós. Outrosim, os polipos, os papilomas, podem prestar-se a confusão em seus sintomas, mas ainda o espelho ajuda-nos a separá-los. A séde de localização do abcesso intrínseco é variavel. Superficial ou profundo, assesta-se na valecula, na epiglote, na prega ari-epiglótica, no ventrículo de Morgani, nas próprias cordas vocais, tanto superior como inferior. Segundo opinião de alguns autores é a epiglote o local de predileção, já pelo maior número de glandulas, já pela maior exposição ao traumatismo da deglutição. Entrementes, o vestíbulo laringêo é o lugar onde mais comumente se localisa. O caso presente é uma confirmação dessa localisação. A prega ari-epiglótica, a falsa corda e a valecula do lado direito confundiam-se numa tumefação única tendente a fechar a glote. À esta imagem interior associava-se o processo extrinseco, com infiltração das partes moles do pescoço - laterais e anterior - verdadeiro flemão difuso da região. Conclua-se do exposto a gravidade e a marcha acidentada que nos proporcionou o caso. O germen em cena é quasi sempre o estreptococcus. Todavia, não podemos emprestar um testemunho pessoal. As parcas possibilidades econômicas do doente impediram-nos deste e outros exames complementares que pretendiamos fazer. A marcha clínica depende, naturalmente, da precocidade do diagnóstico e da resistência organica do indivíduo. Diagnosticado no seu início, um debridamento interno, realisado direta ou indiretamente, deverá, lógicamente, preservar o paciente de muitas complicações. Estas porem, reconhecido ou não o abcesso, são função do terreno e da preslesa com que se mobilizam as defesas individuais. De positivo nada se pode adeantar sobre o prognótico dos abcessos laríngeos. "É sempre reservado, podendo tornar-se, com o evoluir do caso, sombrio e fatal".

É ainda do trabalho de Aristides Monteiro o seguinte trecho: "Dudefoy, citado por Furet, considera os abcessos e flemões da laringe de extrema gravidade, baseado em dezenove casos que relata, dos quais quatorze morreram. Parece-nos que o prognóstico está dependente das complicações do abcesso, se as partes laterais do pescoço são tomadas, revestindo a forma de flemões, peri-laringeos ou se propagam ao mediastino, teremos as formulas mais graves da afeção, com um prognóstico que não podemos saber como terminar". Julgue-se pelo que acabamos de ler o obscurantismo prognótico do caso presente.

É interessante a observação de Virgil Schwartz, de Minneapolis onde relata abcessos gemeos do contorno laringêo, determinando paralisia de ambos abdutores, dispnéa, abcessos metastaticos para o tornozelo, para o joelho, punho, etc. Apesar de traqueotomisado, o paciente morreu no dia imediato.

O nosso paciente chegou a queixar-se de dôr na articulação scapulo-Numeral direita, impedindo o perfeito movimento do membro. Aliás, nada foi constatado objetivamente. Torna-se desnecessário frisar a orientação, cento por cento cirurgica para os casos da natureza do estudado. O abcesso laringeo endogeno, simples, já suscita tratamento cirurgico e espectação armada para qualquer eventualidade. Nos casos incipientes, ou como adjuvante do cirurgico, o tratamento clínico - inhalações, aplicações quentes, vacinas e, atualmente, a sulfanilamida pode contribuir para o bom andamento do processo, todavia, é na cirurgia onde reside toda a probabilidade de êxito.

Do que acabamos de relatar, fomos menos tocados pelo desfecho favoravel - em caso contrário tambem trariamos à luz, a nossa publicação - do que pelo invulgar da ocorrência clínica, o acidentado da evolução e os ensinamentos decorrentes dela. Outrossim, queremos salientar o valor da terapeutica sulfamidada para o sucesso do caso presente.

RÉSUMÉ

Dans son travail, l'auteur fait l'expositinn d'un cas énoncé, d'abcés mixte du larynx; il fait observer Ia rareté du procès, sa gravité et, en mime temps, il relève Ia fréquence des complications pulmonaires qui résultent de ces affections. Il passe en revue les symptómes, le sombre du prognostic et il raconte le succès obtenu comine un miracle de Ia' sulfanilamide.

BIBLIOGRAFIA

FORGUE (E) - Précis de Pathologie Externe - Tome 11 - 8." edition. KEEN (W. W.) - Cirurgia - Volume I.
KORNER (O) - GRUENBERG (K) - Enfermedades de Ia garganta, nariz e oido. KIRSCHNER (M.) - Tratado de Técnica operatória geral e especial. 111.
LAURENS (GEORGES) - Précis WOto-Rhino-Laryngologie - 1931.
LAURENS (GEORGES) - Chirurgie de 1'oreille, du Nez, du Pharynx et du Larynx - Troisième edition.
LEDERER - Diseases of the Ear, Nose and Throat - 1938.
MONTEIRO (ARISTIDES) - Abcessos do laringe, Separata do "Brasil Médico-, 1938, n q 2 - Janeiro págs. 23 a 27.
SCHWARTZ (VIRGIL J.) - "The Journal of Am. Medical Association" - Dyspnea. Due to Twin Abscesses at the Sides of the Larynx - April 939. Vol. 112 - n." 13. Pág. 1248.


TENTATIVA DE SUICIDIO COM LOCALISAÇÃO DO PROJETIL NO ETMÓIDE

CARLOS FERA - Do Serviço do Prof. Morais. BAIA

Alguns meses atrás chegou-nos à Clinica, enviado pelo Dr. Fernando de Carvalho Luz, um indivíduo que ele havia socorrido ha dias passados, por ter tentado suicidar-se com arma de fogo.

A ficha de Assistência era a seguinte:
"Ficha n.° 6131. E. O. C . , 27 anos, solteiro, baiano, comerciário, residente na Avenida Luis Tarquinio n.° 24. Ferimento por arma de fogo com orifício de entrada do nivel da região temporal direita, sem orifício de saida. Congestão ocular do mesmo lado, rinorragia, tatuagem.

Causa-tentativa de suicidio.
Local do acidente - residência.
Local do socorro - residência e Posto Central.
Descrição da natureza do socorro - cirurgico.
Destino do socorrido - ficou no Posto.
Material gasto - Coaguleno e calcio."

Na anamnése que fizemos o doente procurou nos convencer que absolutamente não havia tentado contra a vida, aquilo acontecera talvez ele dormindo.

No exame das fôssas nasais encontramos parte do septo osseo recalcado para a parede nasal externa esquerda, forçado pela compressão no lado oposto, exercido, tanto pelo corpo extranho, como pela reação edematosa da mucosa.

No olho direito houve derrame sanguineo nas camaras e extravasamento do humor vitreo e do aquoso, com diminuição do tonus ocular, já estando o olho em inicio de atrofia.
Orificio de entrada na fôssa temporal, já cicatrisado.

A bala penetrou na região temporal direita, atravessou a orbita, indo se localisar, depois de atravessar a lamina papiracea, ao nivel das celulas antero-superiores do etinoide (grupo lacrimal de Larroudé).

Pela palpação sente-se o projetil no canto interno do olho, pois não houve penetração completa da bala nas celulas etmoidais.

Um fator de importância para o prognóstico é saber-se se a dura-mater foi ou não atingida. Quando pelo orificio não sai massa cerebral, só a operação e algumas vezes a Radiologia resolve, mostrando a extensão das lesões osseas.

A sintomatologia para isto é muito falha. Muitos doentes rotulados de pequenos ferimentos, por não apresentarem nenhum sintoma geral, tempos depois de cicatrisada a ferida são bruscamente presos duma encefalite aguda, aparecendo o abcesso do cerebro.

A existência, porém, de perturbação geral, não indica sempre feridas graves.

No nosso caso, a Radiologia esclareceu não haver lesão da parede superior da orbita, estando integras as meninges. O orificio de entrada, como geralmente acontece nas feridas cranio-faciais, cicatrisou-se rapidamente.

Internado o doente, foi operado sob anestesia local. Fez-se uma incisão, como se se pretendesse fazer uma etmoidectomia por via externa, apenas um pouco aumentada, retirando-se facilmente a bala e fazendo-se em seguida uma limpesa das celulas etmoidais abertas para evitar-se uma posterior infecção das mesmas. Foram retiradas varias esquirolas, das quais uma que, sendo de tamanho regular, havia lesado a esclerotica, rompendo-a.



Fig. 1



Fig. 2



Fig. 3



Fig. 4



Logo em seguida fez-se a enucleação, encontrando-se no interior do olho grande quantidade de esquirolas e fragmentos de chumbo.

Sequencias post-operatórias - ótimas.

O doente teve alta curado, apesar de não se ter retirado um fragmento que restava no orificio de entrada da bala.

Atualmente nada sente o paciente; usa uma capsula e voltou a trabalhar no comércio.
Quanto ao resultado estético, como bem se vê na fotografia, foi o melhor possível.

Por muito que procurasse, só encontrei uma observação um tanto parecida, que se encontra no livro de Velter, "Feridas penetrantes do cranio por projetil de guerra", é a seguinte:
"Ferido de guerra. Orificio de entrada perto do angulo externo, globo atravessado. Estilhaço intra-etmoidal, perto do cume da orbita, a 5 cms. de profundidade.

Foi feita a orbitotomia infero-externa, com incisão curvilinea. Havia fratura de celulas etmoidais, do teto da orbita, descobrindo a duramater do lobo frontal. Foi feita a extração dum estilhaço, alojado nas celulas etmoidais posteriores. Enucleação. Sutura cutanea e drenagem com crina."

As feridas penetrantes do cranio são divididas por Vinay, segundo a natureza do projetil.
André Rendu se baseia nos sintomas gerais apresentados pelos feridos (estado de choque, coma, pulso, temperatura, etc.):

Porém, só uma classificação anatomica é racional, sendo o bisturi necessário para estabalece-la, porque os caracteres externos da ferida nada têm de preciso e não permitem, quasi nunca, julgar, nem da extensão nem do local exato das lesões profundas.

Velter descreve as feridas do cranio em 5 grupos, estando esta observação colocada no 3.° grupo, são eles:

1.° Feridas penetrantes cranio-cerebrais, com grande destruição; são lesões extensas com abertura do cranio, dilaceração dos hemisferios a algumas vezes, fraturas irradiadas à base. Quasi sempre são mortais.

2.° Feridas penetrantes do cranio sem abertura da dura-mater; são relativamente benignas, produzidas por pequenos estilhaços de obuz e de granadas, fragmentos de balas ricocheteadas, feridas de um só orificio, onde todos os graus de lesões osseas são notados.
São os casos favoraveis quando operados a tempo.

3.° Feridas penetrantes cranio-faciais: neste grupo estão as que lesam as cavidades orbitarias, seios da face e fôssas nasais.

4.° Feridas tangenciais - são feridas do couro cabeludo, arranhaduras, sulcos superficiais, sem estragos aparentes, produzidos por balas, pequenos estilhaços de obuz ou de bomba, presos de grande velocidade; parecem benignos e limitados à pele, porém são sempre graves por causa dessa falsa benignidade e das lesões osseas consideraveis.

5.° Feridas penetrantes cranio-cerebrais propriamente ditas. Este grupo compreende casos graves com abertura das meninges, lesões cerebrais mais ou menos profundas e presença frequente dum projetil intracraniano.

Enfim, e terminando, friso o valor inconteste que existe em fazer-se duas radiografias, de frente e de perfil, para uma bôa orientação do especialista quanto à localisação do projetil como tambem para uma perfeita orientação do ato cirurgico.

RESUME

L'auteur a presenté l'observation d'un cas de tentative de suicide par coup de revolver avec localisation du projectile a l'éthmoide, après avoir traversé l'orbite et le globe oculair.e.

L'extraction a été faite suivie d'un curettage des cellules éthmoidales infectées et d'énucleation du globe.

Il fait resaortir l'importante de l'intervention pratiquée du point de vue de resultat esthétiquea ce qu'on peut aprécier dana Ia photrographie du malade après sa complète guérrisson.


DA MELHOR TÉCNICA PARA A PROVA DE SCHWABACH EM EXAME DA AUDIÇÃO

DR. OROZIMBO CORREA NETTO
Póços de Caldas - Minas Gerais.

Foi em 1885 que Schwabach introduziu a sua prova para o exame da audição. Colocava o pé do diapasão vibrante no vertex, tomava nota do tempo medido em segundos que levava o som a extinguir-se no individuo examinado, comparando com o achado num individuo de audição normal, e a diferença de ambos os números, anotava: + ou - X (prolongado ou encurtado), como resultado do exame. Se não houvesse diferença entre o normal e o examinado, anotava: + O.
Assim, quando o examinado não ouvir mais o som e imeditamente passarmos o diapasão para um individuo normal, que pode ser o próprio examinador, o número de segundos que o
som ainda é ouvido mais longamente por este ultimo dá a duração do tempo que a condução ossea do examinado é encurtada da normal, e anota-se: - Schwabach - X.

E se o examinador não ouvir mais o diapasão depois que do vertex do examinado veio para o seu próprio, então, muda-se a prova num sentido inverso. O examinador coloca o diapasão vibrante no alto de sua cabeça até extinguir-se o som e passa-o logo para a cabeça do examinado.

O número de segundos que este agora ainda ouve, dá o tempo de duração que sua condução ossea para a do examinador é prolongada, e anota-se: - Schwabach + X.

Si, finalmente, o examinado não ouvir mais o diapasão aplicado em sua cabeça, depois de extinto o som na do examinador, isso indica que a condução ossea do examinador e a do examinado são iguais, e anota-se: - Schwabach + O.

Doutro modo, tambem conhecendo-se previamente o tempo da audição normal para cada diapasão, seria bastante realizar-se a prova sómente no individuo a examinar.

O que acima mencionei não me parece uma técnica correta, pelas razões que vou dar ao descrever a maneira pela qual tenho sempre realizado a prova de Schwabach no meu serviço do gabinete otologico das Termas de Poços de Caldas, que eu denominarei uma

MELHOR TÉCNICA

As provas exigem um grande exercício por parte de quem examina para delas tirar proveito, diante das circunstâncias que ocorrem em cada caso para a interpretação. Não usamos o metodo de aplicar o diapasão sobre o vextex, e preferimos colocá-lo atraz do pavilhão da orelha, sobre a mastoide, trabalhando com o A - a1- e c.

Não deixamos durante todo o tempo da prova o diapasão aplicado, mas com intervalos ou pausas após cada 5 segundos de aplicação porque é difícil determinar quando um tom mais fino se extingue numa aplicação continuada, o que mais facilmente se consegue se ele fôr interrompido. Quero dizer que a interrupção permite ainda perceber melhor uma continuação fina do tom, ao aplicar novamente o diapasão.

A aplicação do diapasão no alto da cabeça, no vertex, não é correta, porque o som alcança os dois ouvidos, ao passo que .como procedemos, na mastoide, realizamos o metodo para cada ouvido separadamente que é o que se tem em vista com a prova de Schwabach, essencialmente, em que procuramos alcançar através da condução ossea a parte mais próxima do ouvido interno, mais para fóra do aparelho do ouvido médio.

Determinamos o tempo com um relogio de paráda, contador de segundos, o que é indispensavel, porque o ajuste por meio do ouvido do examinador não fica inteiramente livre de possiveis objeções.

Finalmente, passamos a um ponto importante, isto é, que os resultados da prova de Schwabach devem absolutamente ser anotados por meio de fracções, cujo denominador represente o número de segundos achados em provas repetidas, feitas em individuos de audição normal quanto à duração da percepção do som por meio do exame com o mesmo diapasão que vai ser usado no paciente, e cujo numerador represente a duração da percepção achada no paciente a examinar.

Por meio de uma fracção assim feita, qualquer um pode logo formar um juizo acerca do acometimento da função com a notação completa, enquanto que uma simples designação de "Schwabach encurtado", ou de "Schwabach prolongado", como se usa geralmente, constitue uma muito vaga e pobre indicação da função alterada.

Estamos certos de que a prova de Schwabach fica assim executada por uma forma exata, que a nossa experiência já tem confirmado como a que mais se aproxima da sua maior precisão.

Um "Schwabach encurtado" será sempre menos indicativo, por exemplo, do que se dissermos "Schwabach encurtado 25 / 35".

Do mesmo modo - "condução aérea diminuida para a1" - será sempre menos indicativa do que "condução aérea diminuida para a1 45/65.

Para quem acompanha o resultado de um tratamento diário é que a notação por meio de uma fração se apresenta de grande valor, como temos tido provas no nosso serviço em numerosas observações.

Por ultimo, devemos dizer que empregamos a mesma técnica, quando fazemos a prova da "condução ossea absoluta" e que se pratica estudando a audição ossea pelo Schwabach após uma. completa obturação do conduto auditivo, comparando os resultados obtidos nos doentes aos que dão os individuos sãos. Este metodo tem-nos merecido a maior confiança.


POLICLINICA GERAL DO RIO DE JANEIRO - SERVIÇO DE LARINOTOLOGIA

CHEFE: DR. AUGUSTO LINHARES

OSTEOMA DO SEIO FRONTAL ESQUERDO

DR. FERNANDO LINHARES - Assistente efetivo e chefe interino


OBSERVAÇÃO CLINICA

Ficha B 8381, 3-2-41 . J. K. casado, branco, 45 anos, alemão, desenhista, rua Joaquim Otoni 51.
Aviador na grande guerra, sofreu um traumatismo na região superciliar onde ainda se nota quasi apagada uma pequena cicatriz de meio centimetro de comprimento. Ha quinze dias novo traumatismo e daí para cá intensa cefaléa (dor em cima do olho - sic).
Nega passado venereo. Quanto ao mais goza de ótima saúde.

RINOSCOPIA ANTERIOR. Septo desviado na porção superior (lamina perpendicular do etmoide), ausencia de corrimento nasal.
Fundo de olho normal, ausência de diplopia.

EXAMES COMPLEMENTARES. Radiografia: Seios frontais grandes e bem arejados. Seio frontal esquerdo apresenta um tumor osseo de contorno regular sem aderencias: OSTEOMA. Dr. Darcy Soares.

21-2-41. Operação do seio frontal esquerdo.

Operador Dr. Fernando Linhares. Anestesia local, 5 cn. anestesico Bayer. Incisão classica até o periosteo, indo do supercilio à base do nariz. Ruginação e trepanação ossea guiada pela radiografia.

Ao abrir o seio encontramos um tumor osseo, branco e eburneo apenas aderente ao soalho do seio por um delgado pediculo de tecido conjuntivo, facilmente destacavel pela cureta. Com uma pinça, goiva retiramos o tumor inteiro. Examinamos a cavidade, parede posterior e soalho integro, mucosa apenas um pouco espessada.

Contra abertura nasal e tamponamento frouxo com gase iodoformada. Pontos na pele.
Post-operatório normal, apenas um dos pontos inferiores supurou retardando o fechamento da ferida.

22-3-41 - ALTA DEFINITIVA.

Exame macroscopico - Tumor osseo de contormo irregular medindo dois centimet ros de comprimento por um de largura. (Fig. n.° 3).

Exame rriicroscopico - O exame microscopico dos cortes revelou tecido osseo com elementos histologicos normais, sem nenhum sinal que denote evolução n.eoplasica maligna: OSTEOMA. Dr. José N. Bica.

Osteoma do seio frontal apesar de histologica e anatomopatologicamente igual a qualquer osteoma (ossos longos) tem pela localisação e sintomatologia característica fôros de entidade clinica autonoma.

São relativamente raros os casos publicados, tanto assim que Jean Causse em sua tese de Montpelier de 1934 "Tumores osseos disgeneticos ou osteomas do seio frontal", de 253 casos publicados na literatura mundial de osteomas dos seios paranasais só encontrou 134 exclusivamente do seio frontal.

I. Duidal, de Stambul, em 1939 apresentou um caso muito semelhante ao nosso porem mais desenvolvido, com abaulamento do angulo supero interno da orbita.

No de van de Wildenberg, já não existe separação entre seio frontal, etmoide e seio maxilar, constituindo uma cavidade unica cheia pelo osteoma, com comprometimento da tabua interna do seio frontal e aderência a dura-mater. (100 gramas).

Em 1936 Escat publicou cinco casos de osteoma etmoido-frontal.

Uma das características que ncrs chama a atenção ao exame macroscopico é a dureza.
Quanto ao peso, volume e forma variam podendo atingir por vezes grande desenvolvimento (587 gramas. Carreia Arago).

No XXXII Congresso Italiano, Pierri apresentou um osteoma gigante.
Tem evolução lenta e insidiosa corroendo as paredes osseas sem entretanto com elas se soldar.

Alguns autores como Tilman, Bornhaupt e Escat advogam a origem etmoidal (considerando os frontal uma celula etmoidal desenvolvida). Citeli contraria esta opinião acreditando formar-se a custa da parede anterior do seio frontal.

Arnold explica como sendo restos de cartilagem etmoidal e Rokitansky vai mais alem considerando um encondroma ossificado. Jean Causse nega a origem traumatica em desacordo com a maioria dos autores (inclusive Lederer) justificando como um acidente concomitante.



Fig. 1 - Radiografia de frente mostrando o tumor ósseo dentro do seio frontal.



Fig. 2 - Radiografia de perfil, mostrando o tumor ósseo sem aderências.



Fig. 3 - Fotografia da peça (2 cms.).



Fig. 4 - Micrografia mostrando tecido ósseo normal sem nenhuma característica de evolução maligna (Osteoma do seio frontal). Dr. J. N. Bica.



Fig. 5 - Radiografia depois de operado (15 dias)



Funcionando como um corpo extranho dentro do seio e obliterando o canal nazo frontal é comumente acompanhado de inflamação cronica da mucosa.
Quanto ao desenvolvimento Causse distingue três periodos: fenomenos subjetivos (cefaléa), fenomenos objetivos (abaulamento, cefaléa exame radiografico), fenomenos extensivos (compressão, diplopia, palpação, movimentos oculares diminuidos).

Tumor benigno de evolução lenta, tendência invasora, e localização sujeita a complicações graves (meninges). Uma vez firmado o diagnostico é perfeitamente justificada a intervenção cirurgica, enucleação precoce e total (Terracol e Lamarque).

No nosso caso o paciente sofreu um traumatismo ha vinte anos manifestando-se os sintomas subjetivos tardiamente.

Osteoma do seio frontal, tumor osseo benigno, por sua localisação de carateres anatomo clinicos considerado entidade clinica autonoma.

Radiografia como unico meio de diagnostico na fase subjetiva (frente e perfil).

Tratamento cirurgico precoce e não recidivante.

BIBLIOGRAFIA

BALDENWECK e BAILARD - Annales de Ot. laring. - 1931 n.º 5.
BASTOS ANSART - Patologia Cirurgica.
CAUSSE-JEAN - Annales de Ot. laring. 1934 n.º II.
DUIDAL-IHSAN - Annales de Ot. laring. 1939 n.º 11 e 12.
ESCAT - Annales de Ot. laring. 1936 n.º 4.
LEAWANWORTH - Annales de Ot. laring. 1932 n.º 8.
LEDERER, - Diseases of ear nose and throat. 1938.
MOULONGUET - Annales de Ot. laring. 1937.
OLIVA-ROBERTO - Revista Oto-laringologica de S. Paulo, vol. IV n.º 5.
PIERRI - Mundo Medico (Novidades em O.R.L. 1938).
SAES-PAULO - Revista Brasileira de O. R. L. 1940 n.º 5 .
VAN DE WILDENBERG - Annales de, Ot. laring.- 1938 n.º 6.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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