UM CASO DE CONSULTORIO (1)DR. HOMERO CARRIÇO
RIO DE JANEIRO
Em 10 de janeiro do corrente ano, apresentou-se em nosso consultório, o Dr. O.F.J. para que lhe fizessemos exame especialisado na pesquiza de alguma lesão que poudesse explicar os escarros hemoptoicos que vinha apresentando ha varios dias, após forte resfriado. Por vezes eram estrias sanguineas, outras secreção muco-hemorragica. Nada mais sentia, além disso. Preocupado com o fato, havia procurado um tisiologista ilustre que após minucioso exame clinico e radiologico, nada encontrou de anormal para o lado do aparelho pulmonar.
Procedemos então ao exame oto-rino-laringologico, nada encontrando que justificasse a presença do sangue no escarro, pois tanto a cavidade bucal, oro e naso-faringe e fossas nasaes apresentavam-se absolutamente normais, sem qualquer vestigio sanguineo.
Dias depois, o doente, médico, teve escarros fortemente hemorragicos e temperatura febril. Alarmado, colheu o escarro para pesquiza de bacilos de Koch, cujo resultado foi negativo e fez nova radiografia, que, como a primeira mostrou pulmões de transparencia normal.
Procurou-nos então novamente, em 15 de janeiro. Como ainda dessa vez não conseguissemos encontrar qualquer vestigio sanguineo ou lesão, aconselhamos que fizesse uma radiografia dos seios para-nasaes, embora nada apresentasse que fizesse suspeitar qualquer processo patologico para esse lado. Entretanto, a radiografia provou-nos o contrario, pois revelou, (radio n.° 1) um espessamento acentuado da mucosa no seio maxilar esquerdo e opacidade no assoalho do seio do lado oposto. Imediatamente instituimos o tratamento, que vimos adotando ha longo tempo nos casos de sinusite, com solução de efedrina a 1%, pelo metodo de Proetz com a modificação introduzida entre nós por Ermiro de Lima. As melhoras não se fizeram esperar e, após o segundo curativo, feito 3 dias depois, houve desaparecimento completo do sangue no escarro. Foram feitos mais 3 curativos com efedrina, com intervalo de 4 a 5 dias entre um e outro, sem que surgisse qualquer vestigio de sangue.
FIG. 1
FIG. 2
Em 24 de Março, um mês após a interrupção do tratamento, a nova radiografia (radio n.° 2) mostrou regressão completa da opacidade do seio maxilar esquerdo, que se apresenta com transparencia normal e presença de uma imagem cistica no assoalho do seio maxilar direito.
Pedimos radiografia dos apices dentarios da hemi-arcada superior direita, notando-se a presença de alguns dentes suspeitos, que poderão explicar a imagem no seio maxilar.
Achamos o caso interessante, não só por se tratar de uma sinusite pobre em sinais clinicos, provavelmente de tipo hemorragico, como tambem por ser um caso em que se pode observar, mais uma vez, a ação benefica e eficiente da efedrina sobre a mucosa sinusal, sem a ajuda de qualquer outra terapeutica. Além disso, o desaparecimento do sangue no escarro após o inicio do tratamento, veio afirmar a sua procedencia, pondo termo à duvida em que vivia o doente.
OSTEOMIELITE DOS OSSOS DO CRANIO POST CALDWELL-LUC (2)DR. ARMINIO TAVARES
Florianópolis - Sta. Catarina.
A nossa observação é de extrema raridade, pois o número de casos publicados na literatura médica mundial, após cuidadosa pesquisa feita pelo Dr. Gabriel Pôrto, oto-rino-laringologista do Instituto Penido Burnier, de Campinas, Estado de São Paulo, (veja seu magnifico trabalho sôbre "Osteomielite do crânio consequente à operação de Caldwell-Luc", apresentado no 1.° Congresso Sul Americano de Oto-rino-laringologia, em Buenos Aires, no ano de 1940, Tomo II, página 69, Comunicações livres) é pequeno: apenas dê 11 casos, sem contar os dois relatados por êle, na revista já citada.
Portanto, 14, com o nosso.
OBSERVAÇAO
P.M.S., 40 anos, branco, brasileiro, casado, comerciante; residente na Laguna (Estado de Santa Catarina). Ficha particular 1.802. Data 12-10-1938.
Histórico. Visitando, na Laguna, um nosso estimado colega, Dr. Paulo Carneiro, que havia sofrido uma operação, fomos procurado, nesta ocasião, por P.M.S., que se dizia portador de uma sinusite frontal e estava fazendo banhos de luz, sem contudo experimentar melhoras. Tem sentido fortes dores e, de vez em quando, mau cheiro no nariz. Acusa passado venéreo; já fez tratamento anti-luético, mas nunca examinou o sangue (sic).
A rinoscopia mostrou ambas as fossas nasais congestas e com secreção de aparência purulenta nos dois meatos médios.
Ao exame da bôca, verificámos os dois últimos grandes molares superiores direito e esquerdo cariados.
Tratamento (de passagem por Laguna): receitámos fumigações de álcool mentolado, argirol a
2 % adrenalinado e que insistisse nos banhos de luz. Dentista.
Nota. Aconselhámos procurar-nos em Florianópolis, para fazer radiografias dos seios da face e reações serológicas para lues.
15-1-941. Até esta data nunca mais vimos o doente, até que, outra vez na Laguna, onde, por confiante e honroso convite do Dr. Paulo Carneiro, nos achavamos operando, fomos, novamente, procurado por P.M.S., que nos contou o seguinte: que desta vez estava resolvido operar-se, pois sofria muitas dores de cabeça.
Exame: mucosa nasal vermelha e secreção em ambos os meatos médios.
Tratamento. Indicámos abertura e drenagem dos seios maxilares. Aceita a cirurgia indicada, foi marcada para cinco dias depois. Receitámos Coaguleno e instilações nasais de protargol a 2 %.
20-1-941. Executámos, hoje, o clássico Caldwell-Luc dos dois lados e com anestesia local, por infiltração, de Sinalgan. Ambos os antros de Highmore apresentaram-se com degeneração poliposa e cheios de secreção purulenta e fétida. Cuidadosa curetagem e depois cloreto de zinco a 10 %. Largas contra-aberturas nasais pelos meatos inferiores. Nenhum tamponamento e iodo na incisão gengivo-jugal. O seio maxilar esquerdo tinha a parede anterior consistente e, sendo septado, foi transformado numa cavidade só. Do prirncípio ao fim da operação, tudo correu bem, como sempre acontece com o rápido e elegante Caldwel-lLuc. Gêlo. Sedol. Expectação.
21-1-941. Apirético: Iodo na incisão operatória.
24-1-941. Continua passando bem. Sem temperatura axilar.
26-1-941. Incisões gengivo-jugais fechadas. Lavagens com água oxigenada dos seios operados, dissolvida n'água fervida. Alguns coágulos e sem mau cheiro.
27-1-941. Que a noite passada teve forte dôr de cabeça. Receitamos Iodo-Bisman.
29-1-941. Meatos médios limpos. Com menos dôr de cabeça. Segunda lavagem dos seios maxilares com permanganato de potássio a 1/7.000, limpa.
30-1-941. Alta, curado. Continuar com Iodo-Bisman.
10-2-941. Procurou-nos, em Florianópolis, acusando dôr no lado esquerdo da face, que aparaceu depois de extrair um molar superior dêste lado, há 7 dias.
Exame. Reação inflamatória borrando toda a região geniana esquerda. Infra-vermelho, Sulfanilamida Abbott e pedimos radiografias dos seios da face e reações serologicas para diagnóstico de lues.
11-2-941. O radiologista - Dr. Djalma Moellmann - informa o seguinte: - Opacidade generalizada dos seios maxilares, direito e esquerdo, com mais intensidade no lado esquerdo. Pneumatização pronunciada do seio etmoidal esquerdo.
Reações de Hecht e Meinike, positivas +++
Diante dêste resultado, fizemos - amp. de Solu-Salvarsan 0,15.
Infra-vermelho e continuar com a Sulfanilamida.
12-2-941. Que ontem não se sentiu bem com a injeção. Trocámos por Natrol. Maior a reação inflamatória. Não sentimos flutuação. Parecendo tratar-se de um abcesso dentário, aconselhámos incisão drenadora, que não é logo aceita pelo paciente, que quer ouvir primeiro a opinião do Dr. Aurélio Rotolo, seu médico e parente.
À tarde. Voltou com a mesma indicação, depois de apalpar a opinião do seu clínico e amigo. Operado às 18 horas. Incisão bucogengival. Nenhuma secreção. Fizemos 1 amp. de Protinjetol e Sedol para a noite.
13-2-941. Que se sente melhor. Tivemos a mesma impressão da véspera. Mesma reação inflamatória. Com 37,8 de temperatura axilar. Bom estado geral. 1 amp. de Propidon na região glutea.
14-2-941. Ligeira melhora. Fiz 1 amp. de Natrol. Com 37,5 de temperatura axilar. Bom estado geral, aliás sempre o teve.
16-2-941. Piorou. Acentuada reação inflamatória, que se estende pela região malar e edemacia a palpebra inferior. Com dôres fortes. Está fazendo Natrol. Receitei comprimidos de Stopton, 4 por dia. Pedi nova radiografia, que, feita no Hospital de Caridade, onde está internado, nada revelou digno de nota.
18-2-941. Doente piorando, quasi sem poder abrir o olho esquerdo e sofrendo fortes dôres. Pensando num processo de osteíte ou mesmo de um abcesso na região malar, que a minha primeira operação não tivesse atingido, indiquei nova operação. Aceita, convidei o Dr. João de Araújo, que foi da mesma opinião. Com cloretila geral, aumentámos a nossa primeira incisão até atingir a da operação de Caldwell-Luc. Caímos no seio maxilar esquerdo e removemos grande parte da parede anterior do mesmo, com o fim de atingir o mais possivel a região doente e mesmo facilitar uma drenagem pelo seio, se secreção purulenta existisse nas partes moles. Não encontramos o pús procurado e nem a osteíte desejada, apenas no alveolo do dente extraído curetamos uma pequena zona que nos pareceu suspeita. Revisão do seio, nihil. Gaze iodoformada.
Tratamento:
Prontosil - 1 amp. Diariamente.
Stopton - 3 comprimidos por dia.
Natrol - 1 amp. em dias alternados.
Vacina Antipio - de 3 em 3 dias.
19-2-941. Continua com dôr. Grande reação que não cede. Edema forte palpebral inferior, que quer estender-se para a superior e ângulo interno do ólho esquerdo. Remoção da gaze e lavagem grande de Rivanol a 1/2.000.
À tarde. Temperatura 37,8. Estado geral bom. Estado local, nenhuma melhora.
20-2-941. Continua no mesmo. So nos resta insistir na medicação antiluética, por ser provavel uma periostite sifilítica. Até então, não tínhamos pousado o diagnóstico de osteo-mielite, razão porque desaconselhámos a familia de levar o doente para o Rio, como era da sua vontade, de avião, tanto mais quanto o paciente estava sob a ação da Sulfanilamida, que, como sabemos, é uma das contra-indicações daquela droga, o vôo. O Dr. Aurelio Rotolo, seu médico assistente e amigo, é da mesma opinião nossa, isto é, esperar o resultado da medicação clínica e especifica.
21-2-941. Calafrios. 1 amp. de Lantol. Bom estado geral. Anda e conversa.
23-2-941. Um parente muito chegado à familia convidou o Dr. João de Araújo, especialista tambem, para nos ajudar no tratamento, pois a familia acredita num número maior de lavagens diárias, pois nos recusamos a fazer mais de um curativo por dia. Não vi porque recusar tão acertada medida.
25-2-941. Doente sem experimentar melhoras. Indicamos ondas-curtas e receitamos iodeto de sódio a 10% -10 c.c. na veia-diariamente. Betaxina forte. Novas radiografias que nada esclareceram.
27-2-941. Muitas dores, que só cedem a ação do Veramon e, à noite, do Sedol. Estado geral ainda bom, tanto que tem ido ao consultorio do Dr. Rotolo fazer suas aplicações de ondas-curtas (duas sómente). Com 37,2 de temperatura.
A reação inflamatória avançou para as duas palpebras (agora não abre mais o olho esquerdo), apagou os relevos do malar e já se insinua pelo angulo interno do olho E. à procura do osso frontal.
Ante esta indomavel evolução, com bom estado geral e quasi apirético, firmámos o diagnóstico de osteomielite e logo em seguida comunicámos à familia a gravidade do caso, que, para nós, seria fatal. Fugimos, então, a qualquer mais cirurgia agressiva, pois não podiamos prometer, com esta terapêutica, nada de bom à familia.
28-2-941. Resolveram levar o paciente para o Rio. Fornecemos um minucioso relatório, onde firmávamos o diagnóstico de osteomielite dos ossos do crânio, post Caldwell-Luc, para ser entregue ao Prof. Sanson.
O clínico da familia que acompanhava o caso, se bem que concordasse com a ida do paciente para o Rio, não estava, porém, de acordo, com o nosso diagnóstico e conservava-se otimista.
2-3-941.O irmão do paciente, para surpresa nossa, telefonou-nos dizendo que pretendia chamar outro cirurgião (não especialista) para ver o doente e o que eu achava. E lógico que, não sendo em conferência, desta data então nos desinteressámos pelo infeliz doente, pois não mereciamos mais a confiança da familia e êle passou para outras mãos.
Nota - O restante da observação foi uma odisséia para o desditoso paciente, que, de mão em mão, foi mais duas vezes operado, até que afinal confirmaram -o nosso diagnóstico.
Não fomos consultado desde o dia 28-2-941 e nem seguiram os nossos conselhos. O que sabemos deste dia em diante foi por informações dignas de fé, fornecidas pelos Drs. Djalma Moellmann (que tambem viu o paciente), Paulo Carneiro e Angelo Novi.
3-3-941. Operado, novamente, por um habil cirurgião de Florianópolis. Assistiram os drs. João de Araújo e Aurelio Rotolo..
15-3-941. Seguiu hoje para o Rio de avião, pois não tinha melhorado, nada, pelo contrário, já agora sofria mais dores, a articulação temporo maxilar esquerda atacada e caía o seu estado geral.
22-3-941. Não procurou no Rio o destinatário do nosso relatório. Lá fizeram uma junta médica que diagnosticou osteite e, novamente, foi operado por um inteligente especialista.
4-4-941. Não experimentando melhoras, é feita nova conferência e, desta vez, esteve presente o nosso mestre Prof. Sanson. Confirmado foi, então, até que enfim, o nosso diagnóstico e, como era de esperar, afastada qualquer indicação cirúrgica.
11-4-941. O doente voltou de avião para Laguna.
28-4-941. Faleceu hoje. 24 horas antes do êxito letal, ficou hemiplógico - lado direito.
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Tomamos a liberdade de fazer a seguinte transcrição do trabalho do Dr. Gabriel Pôrto, (inclusive as suas conclusões), porque tem uma grande semelhança com a nossa observação:
"A sintomatologia da osteite do maxilar superior conseqüente à operação de Caldwell-Luc, é em tudo, semelhante à da osteomielite da abóbada craniana. Alguns dias depois da operação (8 a 15 dias) manifestam-se dor de cabeça e edema na região operatória, logo seguida de supuração sub-periostea.
O cirurgião, julgando tratar-se de simples abcesso da face, pratica a incisão e drenagem. O paciente sente-se aliviado, mas alguns dias depois, surgem novos focos de supuração e a doença atinge o osso frontal, através do malar ou da apófise ascendente do maxilar, podendo-se irradiar a toda a abóbada craniana. A evolução da doença é, em geral lenta, ocorrendo o óbito ao fim de três meses. O estado geral mantém-se via de regra bom, até o momento em que se manifestam as complicações endo-cranianas ou septicêmicas, conforme referem alguns autores.
A temperatura mantém-se sub-febril, com períodos de hipertermia e, às vezes, longos períodos de inteira apirexia.
A radiologia no início da doença presta poucos serviços, mas elucida o diagnóstico em fase mais avançada.
O germen causal de osteomielite do crânio encontrado com mais frequência é o estafilococo aureus e, logo em seguida, o estreptococo. Em nossos dois casos, foi o estreptococo o responsavel pelo processo de supuração.
O prognóstico da osteo-mielite do crânio conseqüente à operação de Caldwell-Luc, é mau.
Em nossos dois casos registrou-se o óbito e todos os casos que encontrámos na literatura, terminaram pelo exitus-lethalis. A morte foi o epílogo nos dois casos de Little, no de Lemon, no de Mueller, no de Haubrich e nos dois de Negus. Nas observações de Claoué, St. Thomson e Furstenberg não encontramos notícias de como terminou a doença.
Conclue-se, pois, que o prognóstico da osteo-mielite do crânio, consecutiva à operação de Caldwell-Luc é bem mais sério do que a infecção originada dos seios frontais, espontânea ou após intervenção operatória.
Esta terrível complicação de cirurgia das nasais pode ocorrer nas mãos dos grandes como nas dos neófitos.
Profissional algum está imune dêste grave acidente, diz-nos Furstenberg, pois até agora ainda não estão elucidadas as causas que determinam a osteo-mielite consequente às intervenções sóbre os seios da face.
E são, ainda, do Dr. Gabriel Pôrto, as seguintes
CONCLUSÕES
I. A osteomielite do crânio, consequente à operação de Calwell-Luc é excessivamente rara. O A. encontrou 11 casos na literatura.
II. A propagação da infecção do seio maxilar aos ossos do crânio, pode-se fazer por continuidade através dos canais de Harvers ou pela via venosa.
III. Os sintomas da osteo-mielite do crânio originada no antro são semelhantes aos da osteo-mielite originada no seio frontal.
IV. As exéreses ósseas extensas são muitas vezes impraticáveis no maxilar superior e menos justificáveis que as aconselhadas para os ossos do crânio.
V. O prognóstico da osteo-mielite complicação da operação de Caldwell-Luc é reservadissímo. Os casos registrados na literatura compulsada pelo A. foram todos fatais, assim como
os dois publicados neste trabalho (e agora o nosso).
VI. A responsabilidade do tratamento cirúrgico no desencadeamento desta terrivel complicação, que tanto pode ocorrer nas mãos dos mestres de cirurgia como nas dos neófitos, ainda não está elucidada.
CLINICA OTO-RINO-LARINGOLOGICA DO HOSPITAL SANTA ISABEL
SERVIÇO DO PROF. EDUARDO MORAES - BAHIA
SINDROME AURICULAR DE HIPERTENSÃO ARTERIALDE ARISTIDES MONTEIRO (3)
DR. ANTONIO QUEIROZ MUNIZ
Assistente da Clinica.
A observação que trazemos à apreciação da Casa, constitue sem duvida alguma assunto interessante, uma vez que, vem a otologia trazer cabedal primoroso no que tange ao diagnostico
da hipertensão arterial, que, como sabemos poderá passar despercebida, até o momento em que se instala acidente grave.
Quero referir-me a presença na orelha normal da arteria do cabo do martelo (ramo da timpanica que por sua vez é ramo da maxilar interna), que turgida e vermelha, poderá denunciar ao especialista uma hipertensão arterial ignorada, ou mesmo os prodomos de seu ictus cerebral, conforme acontecera a um dos doentes observados pelo Dr. Aristides Monteiro.
Na revista "O Hospital" de Janeiro de 1937, o habil especialista Dr. Aristides Monteiro, publicava as suas primeiras observações referentes a um novo sinal semiologico que de parceria a outros sintomas constitue, arma vigorosa para o otologista bem avisado, julgar do equilibrio vascular sanguineo, e destarte denunciar ao internista um hipertenso que até aquele momento não se apercebêra dos seus males.
Em sessão plenaria do 1.° Congresso Brasileiro de Oto-Rino, tivemos a satisfação de integrar a Assembléa que homologou a proposta do Dr. Mario Ottoni - de denominar-se o novo sinal, já n'aquele momento melhormente estudado de "Sindrome auricular de hipertensão arterial de Aristides Monteiro".
Eis a observação:
M.A.G. com 52 anos de idade, branco, casado, brasileiro, guarda civil e residente do Saldanha 5.
Anamnese:
Historia da doença: - Diz que, de vez em quando sente um "mal estar" na cabeça, acompanhado de zumbidos na orelha direita, tendo ultimamente aparecido umas tonteiras. Como não melhorasse procurou o medico da corporação, o qual não sendo especialista, encaminhou-o aos nossos cuidados.
Exame das orelhas:
O. D. Otoscopia e acumetria - normaes. Contrastando com o cinza-peroba da membrana timpanica encontramos a arteria do cabo do martelo tingida e bem vermelha.
O. E. Otoscopia e acumetria - normaes. Nariz e cavidades anexas:
Mucosa nasal: fortemente hiperemiada.
Cavidades anexas: - normaes.
Boca: - Dentes mal conservados.
Aparelho circulatorio: - Reforço do 2.° tom aortico. Pulso duro.
Tensão arterial: Mx. 26 Mn. 16. Vaquez Laubry.
Radioscopia: - Laudo fornecido pelo Dispensario Ramiro de Azevedo a pedido do Serviço de Saude da Guarda Civil: - Alargamento do pediculo nasal da base as custas da aorta ascendente, bem acentuado a denunciar um processo ectasiante. Hipertrofia ventricular esquerda. Assin. Dr. Alberto Silva.
Como acabamos de ver, pela observação em apreço, foi a presença da arteria do cabo do martelo de parceria com outros sintomas apresentados pelo paciente, que nos levou a afirmar o diagnostico de uma hipertensão latente, que, até aquele momento não havia despertado á atenção do internista para sua presença. Após a otoscopia enviamos e exigimos ao colega que nos tinha remetido o paciente, que fôsse feita sem tardança uma radiografia do aparelho circulatorio bem como o registro da sua tensão arterial. O resultado foi o já enunciado na observação, o qual foi para nós motivo de grande satisfação, em vendo confirmadas na pratica tudo quanto até então só conheciamos de literatura - aliás sobejamente documentada - e ao mesmo tempo termos ensejo de tratar do assunto em nosso meio, em um caso que se nos afigura dos mais brilhantes para uma apresentação pratico-demonstrativa do valôr de tal sinal.
A sindrome auricular de hipertensão arterial de Aristides Monteiro, é representada pelo seguinte cortejo: presença da arteria do cabo do martelo, zoadas, tonteiras e as vezes hipoacusia. É diante deste quadro sintomatico, que o especialista ou o clinico capaz de executar uma otoscopia, poderá fazer com muita probabilidade de certeza o diagnostico de uma hipertensão arterial, que até aquele instante se rotulava como uma perturbação no ambito da otologia.
Na feitura deste trabalho, tivemos em mira somente, pôr em relêvo um assunto que deve merecer o maior carinho, porquanto, poderá o otologista, fornecer ao clinico dados, que poderão a tempo evitar acidentes de grande vulto, e a mais das vezes irreparaveis.
E assim, estamos vendo que não somente a circulação retiniana, mais tambem á timpanica poderá fornecer informes de grande valia no equilatar do equilibrio vascular sanguineo.
BIBLIOGRAFIA
MONTEIRO (ARISTIDES) - O sinal da artéria do cabo do martelo na hipertensão arterial. O Hospital, pg. 31 - janeiro de 1937.
MONTEIRO (ARISTIDES) - Um novo sindrome auricular de hipertensão auricular. Arquivos do 1.o Congrs. Brasil. de O.R.L. - Volume III, pg. 301 - Outubro de 1938.
NETO (IVO) - Sindrome auricular de hipertensão arterial de Aristides Monteiro. Revista Brasil. de O.R.L., pg. 315. - Setembro e Outubro de 1940. ALMEIDA (GARFIELD) - Sinal da Arteria do cabo do martelo. Reflexões a margem da comunicação do Dr. Aristides Monteiro. O Hospital - pg. 155 - Fevereiro de 1937.
CURIOSIDADES CLINICASDR. FRANCISCO HARTUNG
S. PAULO
Rarissima contingencia clinica contem a presente observação: lesão do timpano, causada pela picada de um inseto.
Realmente o fato é de tal modo raro que qualquer interesse que possa haver na sua citação dirá respeito quasi que exclusivamente aos arquivos da otologia. Todavia, apezar de não permitir assim, pela sua excepcionalidade, qualquer vantagem pratica, o seu conhecimento não será totalmente perdido, uma vez que sugere um pensamento a mais sobre dificuldades imprevisiveis que nos deparam na pratica da medicina. E' o caso que a senhora vitima do incidente que relataremos, estava em tratamento de seu aparelho círculatorio; mantinha-se em dieta e fôra medicada neste sentido. De modo que, quando subitamente fôra acometida dos sintomas que exporemos, foram eles interpretados no primeiro instante como denunciadores de graves perturbações na circulação cerebral. Para a familia foi esta a primeira impressão, que felizmente se desvaneceu desde o momento em que foi retirada uma formiga de sua agressiva incursão no conduto auditivo e timpano da cliente.
A observação é muito breve e simples.
A Snra. I.L., de 55 anos presumiveis, está em sua casa em companhia de pessôas de suas relações, quando repentinamente é acometida de uma violenta pontada no ouvido esquerdo, sensação dolorosa acompanhada de um forte estalo do mesmo lado. E' incontinente conduzida ao nosso consultorio. Relata-nos que não está nem estivera resfriada recentemente; não experimentara no instante do incidente zoadas nem tonturas. A sua audição era normal. Imaginamos diversas hipoteses, menos aquela que correspondia á realidade. Pela otoscopia somos surpreendidos com um timpano de aspeto desconhecido. Côr e reflexo praticamente normaes, salvo ligeira congestão dos vasos em determinada zona. irradiando-se de certo ponto, situado um pouco para traz do umbus, e no qual se percebia nitidamente pequena hemorragia. Além deste havia um outro ponto de identico aspecto, sangrando um pouquinho no quadrante postero-inferiorí Era tudo o que se percebia, á vista desarmada, em uma otoscopia particularmente facil. Com o auxilio de uma lente, porém, não poderia ser maior a surpresa, porque além destes pequenos pontos hemorragicos, no angulo diedro entre o timpano e a parede inferior do conduto divisamos um pequeno inseto que se movia. A principio não se percebia bem o seu corpo, mas depois que ele abandonou a citada reentrancia verificamos ser uma formiga. Muito curioso notar que apreciamos varias excursões do animalsinho contra o timpano sem que a paciente percebesse o fato ou que houvesse qualquer sensação sonora. Retirada a formiga por meio de agua, colocamos um antiseptico em suas ferroadas que ainda sangravam, embora em muito pequena quantidade. No dia seguinte percebiam-se coagulos nestes mesmos pontos. Nada mais de interesse, cicatrização sem incidente.
SUMMARYThis ia a very rare case and very curioss observation. Very often we find alive insects in the external auditory canal, but this case is excepcionally rare because the drum was beat by the insett (an ant). The patient, a woman 55 years old had pain, dizzimess and noises. It is also interesting because the patient was in treatment of the circulatory apparatus and the fact has simulated severe troubles. The ant was caught and it was possible to verify the spots where it had beaten bleeding a little.
(1) Caso apresentado à Soc. O.R.L. do Rio de janeiro em 4 de Abril de 1941.
(2) (Observação apresentada à Sociedade Catarinense de Medicina, no dia 14 de Abril de 1941, quando não havia ainda falecido o paciente).
(3) Trabalho apresentado a Sociedade de Medicina e Cirurgia da Baía em sessão de Outubro de 1940.