ISSN 1806-9312  
Sexta, 19 de Abril de 2024
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624 - Vol. 9 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1941
Seção: Notas Clínicas Páginas: 21 a 36
NOTAS CLINICAS
Autor(es):
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CASO DE CONSULTORIO (1)

PROF. JOÃO MARINHO

A sugestão que a nossa Sociedade acolheu com simpatia, qual seja a que passaria a figurar em ordem do dia, destacada com o título de "Casos de Consultório", tenho hoje grande satisfação de inaugurá-la, na intenção principal de seu feitio, maior simplicidade junto a dificuldades encontradas para o diagnostico logo á primeira consulta, dificuldades mais aparentes que reaes, dificuldades provindas muitas vezes de causas mínimas, mas que, pelo imprevisto com que se apresentam, desviam o diagnostico ou determinam embaraços ao proseguimento de tratamento cirugico de outra maneira facílimo.

J. R. M. S., pelos 50 anos de idade, padecente de sinusite maxilar, vai para três ou quatro anos, depois de longamente tratado por lavagens diameaticas, acaba operado pelo Caldwell-Luc. A sinusite fôra motivada por cárie dentária bem patente à radiografia com abcesso apical aberto no antro.

Julgara-se bom um ano. Ultimamente voltou-lhe o máu cheiro, comparado ao de "camarão podre" (sic). Alguma secreção, não muita, pela manhã.

Preparei-me para lavar-lhe o antro com larga cânula através da esperada contra-abertura prenunciada na anamnese. Não tendo sido encontrada, fez-se a lavagem por punção diameatica através de parede integra. O trocater penetrou bem na cavidade. O ar insuflado pelo enema é que não passou. De novo confirmava a ponta do trocater em bôa situação, o mesmo embaraço verificou-se à passagem do ar. Estaria a ponta mergulhada na espessura de mucosa hiperplasiada ou poliposa?

Nova punção, mais para trás, sem melhor exito.

Com as cautelas de contraindicação que sabemos, ensaiei a lavagem. Nada, ainda.

Retirei a cânula, tanto mais enfiado com o insucesso, quando o doente inteligente e de alta categoria social, já familiarisado em lhe ver correr com abundancia o liquido de lavagens feitas em mais de um País extrangeiro por onde, por dever de ofício, peregrinara e com ele a sinusite, havia de estar comparando o acontecimento com a trivialidade de igual bem sucedido.

Feitas as contas: a válvula do enema de tanto lhe haver passado solução fisiologica empregada em dezenas ou centenas de outras maxilites, apresentava-se obstruida de cloreto de sódio cristalisado.

Ilustra outrosim o mesmo caso o quanto a pratica contradiz teorias.

A ultima, no capítulo das sinusites, assentada aliás por mim mesmo, parecer deduzido de lições de Luc, Pietrantoni, Ermiro ser a de sinusite maxilar não dever ficar longamente ao antro de Highmore. Ou será consequencia de fronto-etmoidite, ou complicar-se-a da infestação desses dois seios por contaminação subida do maxilar segundo o modo de ver de Sieur e Jacó e Luc.

Pois, o mal no maxilar, há tres ou quatro anos, ai ficou circunscrito, conforme se depreende de radiografias idôneas, inclusive tomografia, feita em Cuba e, mais recentemente, não há três semanas, em São Paulo e no Rio.

Desentupida a canula, logo ar e o liquido puzeram-se a passar como de costume.

"UM CASO DE RINOSCLEROMA CURADO PELO RAIO X PROFUNDO" (2)

DR. GEORGES DA SILVA

Nossa comunicação é o que pode haver de mais simples. O nosso colega, Dr. Mauro Penna, teve a gentileza de focalizar um dos nossos casos de rinoscleroma tratado pelo Raio X, no comentar a recente comunicação do Dr. Capistrano Pereira sobre o assunto; e mais declarou que procuraria fazer com que o caso fosse por nós trazido à presença dos colégas. Como se depreende de logo o Dr. Penna, não teve grandes dificuldades a transpor e com o objetivo de atender a sua solicitação, é com prazer que aqui estamos para mostrar-vos o referido caso.

Trata-se de Maria das Dores, brasileira parda, solteira, 24 anos, natural do Estado do Rio, residente a Rua Carlos Sampaio, 48 - 3º

Estava doente havia 4 anos.

Os primeiros sintomas foram: cefaléas, obstrução nasal, seguindo-se abundante secreção amarela com máo cheiro, e com o progresso da molestia surgiram massas carnosas pelas narinas.

Procurara então um serviço de O.R.L. desta cidade, onde sofreu pequeno ato cirurgico consistindo na reseção de parte destas carnosidades.

Na ocasião do exame, apresentava à rinoscopia anterior, obstrução completa das duas fossas nasais devido ao grande espessamento da mucosa das conchas inferiores e do septo nasal, espessamento este irregular, apresentando em alguns pontos sinequias.

À adrenalinisação das fossas nasais, não se conseguiu a menor retração da mucosa. Aliás, as fossas nasais por sua impermeabilidade, quasi total, não eram acessiveis às manobras habituais de exame.

À rinoscopia posterior, notamos que a obstrução ficava pouco aquem dos orificios coanais.

À palpação da porção cartilaginosa da piramide nasal, notamos uma certa dureza.

Além disso, nada apresentava digno de referencia no decorrer do exame da especialidade.

Ao simples aspecto destas lesões, que são características, Moure considera seu diagnostico facilimo para quem já o tenha visto uma só vez, o diagnostico de Rinoscleroma se impôs, o que foi confirmado poucos dias após pelo resultado anatomo-patologico feito pelo Dr. Amadeu Fialho (6-6-1939).

Ficha n. 116 do Ambulatório do Centro de Cancerologia dos casos não confirmados. Biopsia n. 124.

Desde 1904 vem sendo discutido o emprego da Roentgenterapia no tratamento do Rinoscleroma; Kahler citado por Mac Kee em seu tratado: "X Rays and Radium in the treatment of diseases of the skin", parece ser o primeiro a ter empregado o radium no rinoscleroma.

Conhecendo os constantes bons resultados obtidos pelos Raios X profundos e pelo Radium no estrangeiro, não pensamos senão nesta terapeutica que é a única que se impõe pelos seus resultados.

Assim empregamos a Roentgenterapia que foi feita da seguinte maneira:

A primeira serie durou 50 dias e recebeu 2.480 r, sendo numa média de 160 r por aplicação; com 728 r a paciente acusou certa permeabilidade nasal do lado direito.

Finda a primeira serie, fizemos uma pequena eletro-coagulação afim de restabelecer sómente a função respiratória nasal.

A segunda serie durou tambem 50 dias recebendo 1.280 r.

Mac Kee aconselha o uso de um tratamento sub-intensivo e com filtragem elevada (manda fazer 400 r uma vez por mês, sendo maior ou menor esta dose de acôrdo com fatores inherentes ao enfermo) .

Tivemos ocasião, no Primeiro Congresso Brasileiro de O.R.L. em 1938, de apresentar um caso tratado pela curieterapia com os melhores resultados.

Só devemos a fatores aleatorios, o termos tido ocasião em tão pouco tempo vermos os efeitos da Curie e Roentgenterapia no Rinoscleroma e nos enfileiramos de logo entre os que consideram estes como os recursos de maior eficacia no tratamento destes estados morbidos.

RINITES IRRITATIVAS CAUSADAS POR AGENTES QUIMICOS OU MECANICOS (3)

DR. JORGE HIRSCHMANN - Serviço do Prof. Paula Santos

Apesar de serem frequentes as afeções septais de origem profissional, poucas vezes temos ocasião de observa-las, provavelmente por serem a maioria das vezes benignas, produzindo sintomatologia reduzida, razão porque os operarios não procuram o serviço medico.

Tivemos ha pouco tempo ocasião de observar um caso típico de rinite profissional e aproveitamos para tecer alguns comentários em torno dessas rinites. Começaremos expondo o caso.

OBSERVAÇÃO: L. B., com 23 anos, casada, residente em S. Paulo. Veio à consulta em 3-10-1940.

História: Queixa-se a doente de obstrução nasal esquerda completa com secreção pouco abundante, sensação de queimadura, às vezes dores e frequentemente perdas sanguineas do mesmo lado. Está doente ha 8 meses; o começo foi lento e a princípio apenas tinha a sensação de queimadura, coceira e pouca secreção. O inicio destes males coincidiu com o tempo em que começou a trabalhar em uma fabrica de lapis, onde trabalhava com grafite e algumas vezes numa secção de tintas e foi nesta, que, respirando um acido forte, teve pela primeira vez abundante hemorragia nasal que cedeu expontaneamente.

Ha um ano e meio mais ou menos, quando estava gravida, fez exame de sangue, sendo o resultado positivo, uma cruz e tem feito desde então um tratamento rigoroso. Continuava com o tratamento anti-luetico pois o clinico com quem se tratava, julgava ser a lesão nasal de causa sifilítica. Não tendo melhorado nada, foi enviada ao nosso serviço para um exame rinologico. Conta ainda a doente quetivera ha muito tempo, uma ferida do lado oposto, quando trabalhava no mesmo serviço.

O exame do faringe e dos ouvidos nada revelou digno de nota.

Rinoscopia anterior: Fossa nasal direita: fossa ampla, recoberta de uma mucosa de coloração um pouco palida; sobre o corneto inferior havia um pouco de secreção muco-purulenta. Hipertrofia do corneto medio.

Fossa nasal esquerda: Abundante secreção muco-purulenta espessa, fechando completamente a fossa. Removida a secreção, vemos uma fossa nasal estreitada, a mucosa septal em toda a sua extensão apresenta-se granulosa, de coloração esbranquiçada, ulcerada em alguns pontos, sendo a maior ulceração na parte cartilaginosa, sangrando com extraordinaria facilidade, desde que a toquemos com o estilete. As granulações em alguns pontos são elevadas, chegando a tocar a mucosa dos cornetos. Nestes, em verdadeiro contraste, a mucosa é lisa e apenas apresenta uma coloração esbranquiçada.

Seria uma lesão de causa luetica? Dificilmente pudemos aceitar esta hipotese, pois após um tratamento rigoroso e bem orientado, a reação de Wassermann, feita recentemente deu resultado negativo.

Mandamos fazer então a intradermoreação de Montenegro, pois a doente já havia morado no interior, em zona onde existe leishmaniose. O resultado desta reação foi negativo.

Em vista desses resultados, e após uns 2 curativos, começamos a interrogar a paciente com mais cuidado e foi quando descobrimos que trabalhava com grafite. A paciente não dava importancia a esse detalhe e só então lembrou-se da coincidencia da sua doença com o tempo em que começara a trabalhar. Pensamos então numa irritação produzida pela poeira associada a irritações produzidas pela inhalação de substancias químicas. Aconselhamos a paciente a abandonar o serviço e com alguns curativos simples, que consistiam em limpesa da secreção seguida de toques com pioctanino e mais electrargol que a doente pingava em casa, vimos a lesão evoluir para a cura.

Atualmente, após 3 semanas de curativos, a doente voltou a respirar pela fossa nasal direita, a secreção quasi não mais existe, desapareceram as ulcerações, não ha mais epistaxis e a mucosa do septo volta pouco a pouco ao estado normal, as granulações estão desaparecendo.

As afeções do nariz em diversas profissões, como foi a de nossa paciente são frequentes; esses processos geralmente atingem exclusiva ou principalmente o septo, ou ainda, produzem catarros,cronicos das vias aereas superiores. Pela inhalação de vapores irritantes, são produzidas alterações quimicas. O pó age mecanicamente podendo tambem estar associado à ação quimica quando contem substancias soluveis como por exemplo, acido sulfurico, amoníaco, cloreto de sodio, etc.

As alterações do septo traduzem-se geralmente por inflamações que começam com ligeira hiperemia na zona vascular, mais tarde descolamentos da mucosa, seguidos de erosões, granulações que sangram com frequencia. Nos casos mais graves, chegam às ulcerações e perfurações, conforme a intensidade do agente causador, sendo estas ultimas dificilmente causadas apenas por irritação mecanica. Esta, em vez daqueles disturbios pode produzir algumas vezes, apenas uma lenta atrofia da mucosa sem inflamações, podendo então o processo degenerativo cessar sua evolução temporaria ou definitivamente, mesmo que a substancia irritante continue agindo, sem causar outras perturbações.

O ponto inicial das lesões está geralmente localizado mais ou menos a 1 1/2 ou 2 cms. para traz do vestíbulo nasal, extendendo-se daí para a parte cartilaginosa do septo, raramente atingindo o septo osseo.

A sintomatologia subjetiva é das mais variadas, traduzindo-se por comichão, sensação de queimaduras, corrimento, obstrução, às vezes dores, mas ha casos que assumem um aspecto lentamente cronico, nos quais os sintomas passam desapercebidos aos trabalhadores e a descoberta da lesão é obra do acaso.

Os operarios mais sujeitos às afeções septais são os que trabalham com cromo, onde ha simultaneamente as 2 ações, uma química produzida -pelos vapores do cromo e outra mecanica, pela poeira do mesmo. Antigamente todo o operario que trabalhava nesse ramo, apresentava uma afeção septal. Segundo Hermann, 2/3 dos operarios empregados em cromo ha mais de um ano apresentavam perfuração; felizmente hoje ha medidas protetoras capazes de diminuir consideravelmente aquela porcentagem.

A evolução das inflamações do septo, produzidas pelo cromo é cronica, podemos encontrar entretanto casos de evolução aguda. Rudolf teve ocasião de observar em alguns operarios já no primeiro dia de serviço hemorragia nasal, em outros já no 7.° dia extensas inflamações da mucosa do septo, e uma vez teve ocasião de observar uma perfuração após 7 dias de serviço. Todos estes operarios eram cuidadosamente examinados antes de entrarem no serviço e não apresentavam na ocasião nenhuma anomalia nas fossas nasais.

As perfurações apesar de extensas algumas vezes, dificilmente produzem deformações do arcabouço nasal. Quando a inflamação é acentuada podemos observar lesões na mucosa que recobre os cornetos, sem haver alterações osseas. Abandonando o serviço o processo inflamatório tende a desaparecer, si bem que possa continuar a progredir durante algum tempo.

Em menor escala encontramos lesões semelhantes em operarios empregados em fabricas de explosivos e fosforos. Tambem com o cimento dá-se a mesma cousa, mesmo nas pessoas que apenas se encarregam do seu transporte, sendo então mais comum um catarro naso-faringeo cronico.

Em todos os outros trabalhos nos quais ha substancias irritantes atuando nas fossas nasais, podem aparecer as mesmas lesões mais ou menos extensas de acordo com a especie das substancias e o tempo de serviço.

Nas fabricas de cigarros, o pó do tabaco age quimicamente produzindo principalmente nos trabalhadores jovens, catarros cronicos e algumas vezes erosões. Nos padeiros a farinha de trigo torna a mucosa seca e aparecem então no nariz pequenas lesões que com frequencia produzem epistaxis. Nos operarios que trabalham em tecelagem, podemos encontrar erosões e em menor numero ulcerações. Muitas outras profissões ainda podemos citar, mas creio que estas são suficientes para nos mostrar as possibilidades de alterações da mucosa nasal produzidas por agentes irritantes externos.

A nossa paciente trabalhava na industria do lapis, onde a grafite antes de ser manipulada, apresenta-se como um pó finissimo; além disso nessa industria os operarios trabalham frequentemente com tintas que contêm a maior parte das vezes substancias quimicas irritantes capazes de provocar profundas alterações da mucosa septal.

Finalmente, devemos ainda acrescentar que a cocaina tambem é causadora de perturbações da mucosa do septo. Estas são semelhantes às produzidas pelo cromo, sem sintomatologia subjetiva acentuada. Além da irritação produzida pelo pó, é provavel que tambem atue como fator importante o espasmo vascular que a cocaina deve causar. As perfurações do septo, aparecem algumas vezes após poucas semanas de uso do toxico. Em 8 casos, poude Natanson observar extensa destruição da cartilagem com quéda do nariz; as quantidades de cocaina empregadas diariamente eram de 1,0 - 5,0 - 10,0 grs. ou mais.

O mesmo autor, baseado nas suas observações diz que, toda a vez que encontrarmos uma perfuração septal de causa desconhecida, devemos pensar na cocainomania.

ANGINAS E NEFRITES (4)

FRANCISCO HARTUNG - S. Paulo

Em continuação ao assunto supra-mencionado, que nos serviu de tema em Março passado, apresentamos hoje mais um caso clinico. Não ha o menor interesse ou necessidade de reviver o seu aspecto teorico; apenas demonstrar praticamente mais um resultado feliz da extirpação das amigdalas em plena evolução do processo renal, embora se tratasse de uma forma aguda e difusa de nefrite. Mais uma vez fica comprovado que Volhard tem razão, quando advoga um intervencionismo precoce em tais emergencias. A operação das amigdalas cura, de fato, e não ha razão para teme-la.

OBSERVAÇÃO: A. M., menino de 8 anos, residente nesta capital. Havia 15 dias que fôra acometido de uma nefrite, quando fomos chamados a vê-lo. Um exame, feito a 12 de Julho, demonstra que o pequeno perde albumina nas urinas e que está aumentando o urubilinogeno. No sedimento ha numerosos cilindros hialinos, alguns outros granulosos e cercos, além de varias hematias. Tambem são assinaladas celulas epiteliais das vias superiores, bem como filamentos de muco. Quatro dias após é feito novo exame. Quantidade em 24 horas bem pequena, apenas 540 gramas. Densidade bôa, 1020. De albumina, ha traços muito pronunciados, e apenas 0,21 de cloretos em 24 horas. No sedimento encontram-se cilindros hialinos, hematias e celulas epiteliais. A 18, novo exame revela ainda a baixa diurese, 660 gramas em 24 horas; continuam os traços de albumina muito pronunciados e tambem verifica-se o aumento do urubilinogeno; ao mesmo tempo, que os cloretos ainda estão muito retidos, 2,70 em 24 horas, e a urea é mal eliminada, 16 gramas. Exame microscopico identico ao precedente: cilindros granulosos e algumas hematias.

O doentinho guardava o leito sob dieta. Não obstante, manifesta-se edema, que começa pelas palpebras, e a pressão arterial que já subia, chega a 17,3.

Foi então que o examinámos, a 18 de Agosto. Quasi negativa a anamnese em relação à garganta. Afirma o pae que o pequeno nunca teve anginas. As amígdalas são pequenas e encastoadas. Não se vêm criptas cheias, nem ha pús à expressão. O sinal dos pilares, si existe, é extremamente discreto: não se percebe congestão alguma neles. Dentes bem tratados e em bom estado. Não ha nas fossas nasais corrimento, exsudato ou qualquer congestão que nos levem a suspeitar das condições do seio. Ha alguma fibrina, resultante dos tamponamentos operados contra hemorragias que houvera.

Inspecionando o corpo, verifica-se que o edema assinalado nas palpebras se denuncia tambem em algumas outras partes, mas discretamente.

Com tais elementos: a) insuficiencia da função renal, b) hipertensão arterial, c) taquicardia com aritmias, d) edemas, e) hemorragias nasais, f) provas urinárias de inflamação renal, embora não, fosse grande a quantidade de albumina e o exame do sedimento não fosse muito desfavoravel em seu resultado, se impunha o diagnostico de glomerulo-nefrite aguda difusa, e consoante as mossas idéias, a operação de amigdalectomia deveria ser imediata.

Contudo ficou resolvido que o doentinho ficaria em repouso no leito durante dois a três dias, com -o fim de baixar-se a pressão que estava a 17,5 e diminuir a taquicardia de 130.

Na manhã seguinte porém, os acontecimentos forçaram-nos a mudar de atitude, para operar imediatamente. Não obstante o repouso e a medicação cardiotonica, a pressão, ao envez de baixar, subira para 17,9 e a taxa de uréa no sangue, apesar do rigor da dieta subira para 0,88 por litro. Além destes sintomas uremicos, como si não bastassem no quadro, ao edema citado, à taquicardia com aritmias, vem articular-se um elemento muito serio, pois a creança se deixa dominar dor invencivel insonia. Dá ao seu avisado pediatra, a impressão de um estado precomatoso.

Operámos então o pequeno incontinente, na data de 17-7-40. Não foi possivel anestesia alguma devido ao estado do doentinho, que suportou perfeitamente bem, apesar da hipertensão, edemas e aritmias.

À tarde, a pressão já baixara para 13,5.

Apesar das más condições do operado, nada ha de assinalar de maior interesse no periodo post-operatório.

A 20, dia imediato a pressão medeia entre 14 e 8.

A uréa no sangue, já começou a baixar: 0,66 ctgrs por litro.

A 21, ha ainda alguma aritmia, mas o pulso já desceu para 92, de 130 que era no ato operatório. A uréa continua em descida, 0,61 ; quantidade de urina em 24 horas, 660 gramas.

A 22, quarto dia post-operatório, percebem-se ainda algumas aritmias, mas o pulso está a 80 mais de 900 gramas de urina emitida, e a uréa desceu já para 0,11.

Do quinto dia em diante quasi tudo é normal. Pulso regular, pressão bôa, nada mais se percebe do edema e os exames do sedimento tornam-se cada vez mais favoraveis.

Muito recentemente, em principies de Dezembro tivemos noticias do pequeno operado. Otimas.


COMOÇÃO COCLEAR RARA (5)

J. E. DE REZENDE BARBOSA - S. Paulo

Observação clinica.

A. B. O., branco, brasileiro, casado, com 41 anos de idade, medico, ha dias que vem notando certa diferença para o lado dos ouvidos: certa sensação de ouvido cheio e pontadas. Ha 48 horas passeou a cavalo, por muitas horas, ao sol causticante. Nesse mesmo dia dirigiu-se, de automovel, a Santos, sentindo ao descer a Serra do Mar ensurdecimento bilateral com otalgia. Executou, repetidas vezes, a manobra de Valsalva, sem resultado positivo. Certo companheiro de viagem, sem o paciente perceber, colocando-se atraz do mesmo, e com ambas as mãos espalmadas, comprimiu violentamente ambos pavilhões auriculares, advindo daí, imediatamente, ensurdecimento mais acentuado, dôres e zoadas, bilaterais, notando então o paciente que, agora, ao executar a manobra de Valsalva escapava ar pelo ouvido direito. Ao chegar a Santos ingeriu regular quantidade de bebida alcolica gelada, sobrevindo recrudecimento das dôres de ouvido e zoadas mais intensas, alem do agravamento da queda de audição que o obriga a conversar em vóz gritada. Como não pudesse dirigir o carro, regressou a S. Paulo no assento posterior do automóvel, no que não é acostumado (sic), ao que liga então as ligeiras nauseas, sem sintomas vertiginosos rotatorios, que o acometeram durante essa viagem de regresso.

Examinado horas após, não se queixa de cefaléas, ausencia de nistagmo expontaneo, apresenta intensidade da vóz aumentada, em ambiente fechado conversa em vóz gritada, e queixa-se de não conseguir distinguir mais entre as campainhas de seus dois telefones de consultorio, perdendo a noção de qualidade entre esses dois sons diferentes. Quando do exame pelos diapasões, tambem, nota que os mesmos soam de qualidade diferente em ambos ouvidos. Negatividade absoluta de qualquer intoxicação alimentar ou quimica recente.

Otoscopia:

O. D.: ausencia de secreção no conduto. Paredes do conduto integras. Membrana timpanica com sufusões sanguineas disseminadas, reflexo luminoso apagado, quadrante posterior abaulado e vasos radiais nitidos. No segmento postero-inferior observa-se sinal de pequenissima perfuração, não marginal, redonda, entretanto obliterada pela mucosa da caixa turgecente. Ausencia de hematotimpano. Trompa permeavel escapando ar pela perfuração.

O. E.: paredes do conduto auditivo externo integras, sem secreção no mesmo. Membrana timpanica congestionada, com sufusões sanguineas intensas disseminadas por toda extensão, ausencia de reflexo luminoso. Ausencia de perfuração, bem como de hematotimpano. Trompa impermeavel.

Acumetria:







Curva audiometrica obtida poucas horas após o choque traumatico. Surdez acentuada, bilateral, com condução ossea nula, excepto para a frequencia 8.192 ciclos.





Curvas audiometricas obtidas uma e duas semanas após o acidente traumatico. Verifica-se que as melhoras se processam gradativamente, de maneira acentuada para as frequencias graves e do lado direito, enquanto que á esquerda, principalmente nas frequencias agudas, a queda da audição é mais acentuada, bem como as zoadas, de timbre agudo, e que necessitam de 20 a 30 decibels acima do limiar de audibilidade para serem mascaradas.





Curvas audiometricas obtidas um mez e dois mezes após o traumatismo. A' direita a audição encontra-se dentro de limites normais. A' esquerda, nas frequencias 2048,4096 e 8192 d. v. as melhoras continuam lerdas, bem como o paciente queixa-se, ainda, desse mesmo lado, de zoadas agudas, e que continuam, tambem, a serem mascaradas somente com sons muito acima do limiar de audibilidade. Devemos recordar, que, á esquerda, a membrana timpanica não se rompeu durante o traumatismo.

Sequencias: conservação da asepsia a mais completa possível dos condutos auditivos. Paracentese à esquerda: nada fluiu da caixa. Gaze esterial e instilações de alcool salicilico a 2%. Repouso no leito. Vitamina B1 em doses elevadas, sôro glicosado hipertonico.

Tudo evoluiu bem. Cicatrisação sem supuração de ambas membranas timpanicas e sem demora. Uma semana após, como demonstra a curva audiometrica, já porfiamos apreciar rapida e acentuada melhora para o lado da audição, mas sempre mais marcada do lado direito. Zoadas ainda continuam, principalmente à esquerda.

Dois meses após, pudemos comprovar que, à direita, a função já se encontrava restabelecida nos limites da normalidade. À esquerda, no entanto, continua o paciente acusar zoadas, de timbre agudo, e que aumetam principalmente quando o mesmo se encontra recostado sobre o pavilhão direito (provavelmente devido ao fato de abolir, dessa maneira, o papel mascarador que exerce sobre as zoadas do lado esquerdo, a audição normal à direita).

Comentários

Não resta duvida que o caso em apreço enquadra-se nos traumatismos do ouvido interno consequente às variações bruscas da pressão atmosferica, caso esse, entretanto, apresentando características singulares.

1) a raridade da causa determinante;
2) a comoção coclear, praticamente isolada, sem sintomatologia evidente de comprometimento vestibular;
3) apesar da bilateralidade do traumatismo, o comprometimento mais acentuado de um lado que do outro e
4) a evolução desconcertante e rapida.

De um modo geral, os traumas labirinticos consequentes às variações bruscas da pressão atmosferica são condicionados ou pelas explosões de qualquer especie, que se processam a certa distancia do indivíduo, ou devidos a uma compressão ou descompressão atmosferica, mais ou menos brusca, que sofrem certas pessoas, por profissão ou por esporte, tais como os escafandristas, os trabalhadores dos caixões na construção de pontes sub-aquaticas ou tuneis subterraneos, nos alpinistas e, finalmente, nos aviadores.

Todos esses individuos, quando acidentados, acusam uma comoção labirintica, total ou parcial, associada a lesões da caixa e mesmo da membrana timpanica, tais como sejam uma congestão, às vezes com abaulamento da membrana e hematotimpano, ou retração da mesma com posterior atrofia do mucoperiosteo da caixa.

Os choques dirétos sobre o pavilhão, conduto auditivo externo e membrana timpanica, mecanicos, fisicos ou quimicos, comumente traumatisam o pavilhão, conduto e membrana, com rutura ou não, alteram a mucosa da caixa congestionando-a, não raramente observando-se o hematotimpano e, com maior raridade, repercutem sobre o labirinto, posterior ou anterior, mas de uma maneira discreta e passageira.

Não cogitamos aqui do simples traumatismo sonoro, proporcionando uma surdez, temporaria ou permanente, tal como acontece na antiga surdez dos caldereiros, hoje substituída pela surdez dos trabalhadores dos martelos peneumaticos, pois essa parte foge ao espirito dessa observação.


O nosso caso trata-se de uma comoção coclear isolada, bilateral, em consequencia a variação brusca da pressão atmosferica no conduto auditivo externo, pressão seguida de descompressão, produzida por choque mecanico sobre os pavilhões auriculares.

Analisando-se, detalhadamente, a presente tos dados interessantes a mesma nos fornece:

a) A qualidade do choque traumatico, a mão espalmada, que, com tanta pontaria, ou melhor, com tanta sorte, conseguiu comprimir de uma maneira absoluta, total, o ar contido no conduto auditivo externo, produzindo, portanto, uma elevação consideravel da pressão atmosferica dentro do mesmo.

b) O papel nefasto da obstrução tubaria. Já antes do acidente queixava-se o paciente de sensação de ouvido cheio e pontadas, sintomas denunciadores de uma provavel obstrução tubaria, bem como, minutas antes de sofrer o choque traumatico, ao descer a Serra do Mar, acusava a impossibilidade de restabelecer a pressão no ouvido médio pela costumeira manobra de Valsalva. Portanto, ambas as trompas encontravam-se impermeaveis, o ar da caixa reabsorvida, pressão intra-timpanica diminuída, hiperemia ex-vacuo do muco-periosteo. Essas condições todas agravaram a intensidade do choque contra o sistema endo-linfatico e vaso-motor da cóclear.

c) O papel protetor da membrana timpanica. Bourgeois que "uma grande perfuração timpanica priva o labirinto de seu écran protetor natural" (cit. Rigaud). O nosso caso veio demonstrar, no entanto, que não havendo qualquer lesão da membrana timpanica anterior ao acidente traumatico, a sua rutura, durante o acidente, atua como uma verdadeira valvula de segurança salvaguardando a cóclea de lesões maiores e, talvez, irredutiveis. Imediatamente após o traumatismo o próprio paciente acusou a perfuração timpanica a direita (Valsalva positivo com ar silvando no conduto). Ao primeiro exame acumetrico o deficit auditivo era acentuadíssimo em ambos os lados, indiferentemente, mas, em medições posteriores, como podemos observar pelas curvas audiometricas seriadas, verificamos que as melhoras se processaram mais rapidamente à direita, lado da membrana perfurada, que à esquerda, sendo que ainda do ultimo exame a surdez é evidente em certas frequencias agudas, desse mesmo lado esquerdo, associada a um sintoma que não deve ser desprezado, as zoadas, de timbre agudo e de mascaramento dificil com sons logo acima do limiar de audibilidade, o que indica que esse tinitus é consequente a uma reação bioquimica ao nivel das estruturas nervosas do ouvido interno, portanto de prognostico reservado.

d) A comoção coclear isolada. Praticamente, os sintomas exteriorizados pelo paciente foram sómente de comprometimento do labirinto anterior. Os sintomas nauseosos, acusados durante a viagem de automovel, são despreziveis, pois a qualquer um de nós não escapa. Ao exame clinico nada nos chamou atenção para o lado do labirinto posterior: nem vertigens, nistagmo ou deficit estáto-cinético. Julgamos desnecessarias as provas instrumentais vestibulares, pelo menos despidas de valor pratico.

A patogenia do processo coclear não passa, parece-nos, de suposições, principalmente no caso presente que, de uma maneira completamente desconcertante evoluiu rapidamente para melhor apesar da absoluta falta de condução ossea quando do primeiro exame, sintoma esse que a qualquer um de nós será sempre de máu prognostico.

O deslocamento brusco e violento dos ossiculos movimentou de maneira identica os liquidos peri e endolinfaticos, proporcionando hemorragias nas estruturas da membrana basilar e rampa média. Seria plausivel, tambem, que o choque repercutindo sobre a capsula ossea labirintica produzisse uma alteração nas paredes dos vasos arteriais e venosos, ocasionando uma infiltração peri-vascular, exudato serosa nos espaços perilinfaticos, em suma, uma otite interna vaso-motora, como quer Brunner.

O mais logico, parece-nos, é o simples derrame sero-sanguinolento nos espaços peri-linfaticos e rampa média, enxarcando as celulas de cabelo do orgão de Corti, proporcionando a alteração na recepção de suas frequencias especificas, o que está de acordo com o sintoma de diplacusia binaural disarmonica acusada pelo paciente.

A condução ossea, infinitamente encurtada, pelo menos nas frequencias médias e graves, é de explicação mais dificil. Segundo Guild, nos individuos portadores, em vida, de Rinne potivo com Schwabach infinitamente encurtado, casos de explicação até então dificil, a autopsia dos mesmos veio demonstrar, sistematicamente, a presença de micro-fraturas das lamelas osseas da região do sub-aditus, colocadas exatamente em frente da cavidade vestibular. Tal fato não se enquadra em nosso caso, pois a evolução favoravel demonstra em contrario. Será mais razoavel, portanto, que se ligue a alteração marcada, mas passageira, da condução ossea, bilateralmente, a um verdadeiro colapso da membrana basilar pelo derrame sero-sanguinolento ou, em ultima analise, à existencia de regular quantidade de liquido na caixa, produzindo uma imobilidade total da membrana da janela redonda, e, consequentemente, ocasionando a inercia da membrana basilar.

A comoção coclear isolada, desse nosso caso, sem, praticamente, comprometimento do vestibulo, encontra-se inteiramente de acordo com o esquema classico de que nas comoções labirinticas por variações bruscas da pressão atmosferica, o vestibulo não padece de lesões paralelas aquelas observadas na cóclea. E é logico, pois mesmo que exista um acentuado derrame sanguineo em todos espaços peri-e endo-linfaticos, a sua reabsorpção, proporcionando uma retração fibrosa, não influe tão diretamente na função do equilibrio quanto na audição. Mesmo que exista discreta retração fibrosa do neuro-epitelio das maculas e cristas, estas ainda serão sensiveis aos deslocamentos da corrente endo-linfatica, enquanto que na cóclea o comprometimento da movimentação da membrana basilar afeta diretamente a função do orgão de Corti, acrescido ainda pelo fato que qualquer alteração nas qualidades fisico-quimicas dos liquidos labirinticos modifica as propriedades fisicas de resonancia peculiar às diferentes regiões do orgão de Corti, escalonadas na membrana basilar, interferindo portanto na audição.

Na comoção cerebral, com repercussão labirintica, devemos observar o inverso, isto é, a predominancia dos sintomas vestibulares sobre os cocleares. Pelo menos é a regra.




(1) Comunicação á Sociedade de O.R.L. do Rio de janeiro, em 12-11-1940.
(2) Comunicação á Sociedade de O.R.L. do Rio de janeiro, em 12-11-1940.
(3) Trabalho apresentado á Secção de O.R.L. da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, em 24-10-1940.
(4) Apresentado á Sociedade Oto-rino-laringologia do Rio de Janeiro a 6-12-40.
(5) Comunicação á Secção de O.R.L. da Associação Paulista de Medicina em 17-3-41.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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