ISSN 1806-9312  
Sexta, 19 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
621 - Vol. 9 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1941
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 03 a 08
HEMORRAGIAS POST-TONSILECTOMIA (1)
Autor(es):
DR. JOSE GUILHERME WHITAKER

S. PAULO

A Tonsilectomia, geralmente considerada uma operação simples, exige, na verdade, que se lhe dê mais seria atenção. Qualquer dos tratados classicos de Anatomia Topografica, ao descrever e ilustrar as relações das amigdalas com os orgãos visinhos (arteria palatina ascendente e arteria faringeana, ramos da carotida externa separadas da amigdala, apenas, pelas tenues fibras musculares do musculo constritor da faringe) torna evidente o cuidado que exige uma intervenção em tal região, a qual anomalias e variedades anatomicas tornam ainda mais melindrosa.

A função de defesa que, ha cerca de dez anos, se reconhece, sem duvida, ás tonsilas, faz com que a escola vienense seja estricta nas indicações de operação. Em Viena, a simples hipertrofia das amigdalas, bem como ataques isolados de angina costumam ser combatidos, apenas, com medidas de higiene, - as mesmas que sé usam habitualmente na profilaxia dos resfriados.

Indicação formal para a tonsilectomia é a repetição frequente de anginas graves (febre alta, disfagia, fraqueza fisica). O reumatismo infeccioso, como se sabe, pode ter sua origem numa tonsilite cronica, mas indicação de operação só existe quando os ataques de reumatismo coincidem positivamente com o aparecimento de anginas, pelo menos em tres ocasiões consecutivas. Informações neste sentido, evidentemente, tem que ser fornecidas pelo proprio doente.

Já tivemos ocasião de praticar a tonsilectomia com o fim exclusivo de suprimir zoadas no ouvido. O interessante neste caso foi que a paciente tendo notado melhoras com a aplicação de nitrato de prata a 30 % nas tonsilas, convenceu-se de que eram estas a causa das martirisantes zoadas, que periodicamente a assaltavam, e ela propria pediu a operação. Três anos já se passaram e as zoadas não mais voltaram (J. G. Whitaker: Surdez e Zoadas, Revista Oto-laringologica de São Paulo, Vol V, N º 2, Março e Abril de 1937).

Anginas repetidas, principalmente quando acompanhadas de abcessos peritonsilares constituem a indicação mais frequente para a tonsilectomia. Justamente nestes casos observam-se hemorragias post-operatorias pelo dilaceramento forcado do tecido conjuntivo cicatricial que se constitue após a cura do abcesso peritonsilar.

O instrumento de Sluder tem melhor emprego nos casos de simples hipertrofia e nos casos de angina leve e frequente. Neste casos de abcessos peritonsilares recidivantes não se deve fazer uso do Sluder porque a manobra digital, que é o momento culminante da técnica do seu emprego, pode, dilacerando o tecido conjuntivo, acarretar a rutura dos vasos visinhos. Si por acaso for incompleta a extirpação, deixando restos tonsilares, a operarão faltou ao seu fim, porque aqueles remanescentes de tecido linfoide podem estar sujeitos ás mesmas infecções da amigdala intáta.

Em repetidas estadias em Viena tive a ocasião de verificar a relativa raridade de hemorragias post-operatorias em comparação com o que se dava no Brasil, sendo dificil explicar o fato, como veremos.

Registámos doze casos de hemorragias graves, mas nenhum fatal. Em todos eles, antes da operação, foram festas pesquisas .sobre a coagulabilidade, seguidas de infecções de Calcio, ás quais, mais tarde, associámos o acido ascorbico (Cebion de Merk), considerado até ha pouco como um dos melhores antihemorragicos. Em dois casos tratava-se de jovens de pouco mais de vinte anos com pressão arterial elevada e rara em tão pouca idade. Depois de forte hemorragia, a pressão ainda se mantinha em 16 mm. de Hg, em ambos os casos, sentindo-se os doentes perfeitamente bem.

Em outros casos observei leve coloração amarela no palato mole e a existencia de manchas arroxeadas e de veias dilatadas, sobretudo nas coxas. Suspeitando uma insuficiencia hepatica como causa remota, acrescentei ao tratamento pre-operatorio a administração de preparados de figado (Succo hepatico do Instituto Milanese), tendo verificado ligeira diminuição dos casos de hemorragia, durante e após a operação.

Em Viena não havia entre nossos colegas lembranças de casos de hemorragias causados por insuficiencia hepatica, embora se reconhecesse que é esta uma doença quasi exclusivamente dos tropicos.

Em Janeiro de 1939 recebi por intermedio do conhecido pediatra Dr. Vicente Baptista, o trabalho do Dr. Henrik Dam, de Copenhagen, publicado sob os auspicios da Fundação Josiah Macy no Zeitschrift fur Vitaminoforschung, zugleic Zentralblatt fur Vitaminologie und Verwandt Ernahrungsprobleme, Bern, Band 8, Helf 3 de 1938-1939, Pag. 248.

O objeto desse trabalho é o efeito da vitamina K na coagulação do sangue. O autor verificou que tal vitamina tem maior importancia na prevenção das hemorragias que a vitamina C, e que a vitamina K forma-se por sintese nos intestinos. Nas suas pesquizas utilizou-se de galinhas, nas quais o intestino delgado é demasiado curto em relação ao tamanho do corpo. Deixava-a em gaiola de piso de arame, de modo a permitir a quéda dos excrementos através dos intersticios, para evitar o conhecido habito de coprofagia das galinhas. A alimentação fornecida consistia em hidratos de carbono, fermento e oleo de figado de bacalhau. Duas semanas depois apareceram extensas zonas de hemorragias subcutaneas (petequias), sob as azas e nos flancos, ao mesmo tempo que o estado geral decaía sensivelmente. Tal estado melhorava quando se colocavam taboas no piso, permitindo assim a coprofagia normal, ou então pela adição á alimentação da vitamina K. Desses fatos Dam concluiu que, no homem e nos mamíferos, a produção da vitamina K se faz por síntese no intestino delgado, cuja longa dimensão está assim plenamente justificada. Outra verificação interessante foi a de só se dar absorção da vitamina K na presença de quantidade normal de bílis no intestino delgado. Os galinaceos são grandemente desfavorecidos pelo reduzido comprimento de seu intestino delgado. A vitamina K não pode se formar em curto espaço de tempo, e daí provem o habito de comerem o proprio excremento.

A vitamina K que, segundo Dam, tem poder estimulante sobre a formação das plaquetas sanguineas, pode ser dosada por metodos estabelecidos por aquele cientista e que consistem, em resumo, na contagem das plaquetas e na verificação do tempo de pró-trombina.

Tambem em Janeiro de 1939 obtive o valioso concurso da Dra. Carlota Pereira de Queiroz, de autoridade reconhecida em hematologia. Desde então, antes de praticar qualquer intervenção, faço examinar o sangue do paciente não somente quanto ao tempo de sangria e coagulação, como anteriormente fazia, mas tambem quanto ao numero de plaquetas e ao mesmo tempo de pró-trombina segundo o processo de Dam. O tempo de calcio tambem é verificado pelo metodo de Lee e Vincent.

O Nucleatol "Robin" como estimulante da formação de plaquetas, a vitamina K "Dutra", o Cebion "Merck" alem de outros medicamentos para tratamentos complementares ás vezes necessario, são os que temos usado com proveito. A dieta alimentar rica em vitamina K encontra-se completa no trabalho citado de Dam (o qual tem outras publicações sobre a vitamina K em relação com as molestias da infancia) e, em resumo, é fornecida por todas as plantas verdes muito expostas ao sol durante o amadurecimento (agrião, espinafre, e tambem o broto de bambú, e grama, dos quais pode-se obter chá). A semente de girasol é muito rica em vitamina K e o botão da rosa desfolhada é rico em vitamina C.

Com tais precauções, as perdas de sangue durante as operações nunca ultrapassaram de 10 cc e nenhum caso mais de hemorragia tive a registrar.

Uma consequencia inesperada dessas pesquizas foi que em trez casos do primeiro grupo de 50 pacientes, a operação se tornou desnecessaria.

O caso mais extraordinario foi o de uma moça de 23 anos, com indicação formal de tonsilectomia, devido a reumatismo articular no tornozelo, acompanhado de febricula diaria e frequentes incomodos" na garganta, por mezes seguidos. O interesse do caso dessa moça é de fato grande porque um seu irmão falecera de hemofilia, outro de leucemia, e seu pae, tambem meu cliente, era sujeito a epistaxis frequentes e sangrava facil e abundantemente quando lhe aplicava simples pincelagens no naso-faringe, expelindo nessas occasiões mais sangue que os pacientes tonsilectomisados depois de beneficiados pelo processo do Dr. Dam.

Com as pesquizas do medico dinamarquez Dr. Henrik Dam, tive a confirmação cientifica das suspeitas que mantinha de serem a insuficiencia hepatica e uma alimentação inadequada, causa indiréta de hemorragias, não raro atribuidas com injustiça ao cirurgião.

Ao terminar, uma observação ainda. O emprego sistematico de vitamina K como tratamento pré-operatório, sem exame completo do sangue, expõe evidentemente a fracasso. O mesmo diremos quanto ao calcio, á vitamina C e quanto a outros preventivos de hemorragia, como os preparados com base de veneno de cobra, neste momento tão em voga. Pelo que temos verificado um numero insuficiente de plaquetas é a causa mais comum, entre nós, das hemorragias post-operatorias; mas as anemias faceis de verificar com aqueles exames, e a falta de calcio podem coexistir com um numero normal de plaquetas. Autores americanos demonstraram que o excesso de medicação calcica é uma das causas de diminuição do numero de plaquetas.

Outra cautela é admitir somente provas sanguineas quando tiverem sido realizadas na vespera ou, o mais tardar na antevespera da operação, pois não são raras mudanças rapidas e desfavoraveis.

Em trabalho separado e em tempo oportuno, a minha ilustre colaboradora Dra. Carlota Pereira de Queiroz exporá a técnica que adotou, baseada em Dam, para a pesquiza do estado de coagulabilidade do sangue como diretriz do tratamento pré-operatorio das operações, quaisquer que sejam, envolvendo risco de hemorragia.




(1) Sumula do trabalho apresentado em Maio de 1940 ao 8.º Congresso Cientifico Pan-Americano, reunido em Washington - U.S.A.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia