ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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591 - Vol. 5 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1937
Seção: Associações Científicas Páginas: 439 a 448
ASSOCIAÇÕES CIENTIFICAS
Autor(es):
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SECÇÃO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA

Reunião de 17 de Abril de 1937

Presidida pelo dr. Francisco Hartung, secretariada pelos drs. J. E. Paula Assis e Ribeiro dos Santos, realizou-se no dia 17 de abril de 1937, uma reunião da Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina.

No expediente o dr. Rafael da Nova pediu a palavra proferindo um discurso alusivo á personalidade do prof. Bovero. O sr. presidente agradeceu a homenagem que traduziu a vontade de toda a Casa e propoz que essa oração fosse transcrita integralmente na ata, o que foi aprovada. O dr. Paulo Sáes tambem sugeriu que fosse lançado na ata um voto de profundo pesar pelo falecimento do dr. Almeida Camargo, o que foi aprovado.

As palavras proferidas pelo dr. Nova foram as seguintes:

"Sr. Presidente: - Afirma um dos aforismos em que o filosofo de Montpellier condensou a sua genial visão dos factos desde os albores até meados do século XIX que os vivos são sempre e cada vez mais guiados pelos mortos. Verdade cristalina é esta que resalta da acção objetiva e pratica de Bovero. A homenagem que aqui hoje se presta á sua memoria é a confirmação do influxo que ele continua a exercer sobre nós, discipulos agradecidos. Fazendo a ciência pela ciência, sem se preocupar com o lado pratico da vantagem material, tinha só em mira plantar no espírito dos alunos a boa semente que selecionara após longas vigílias, numa ancia incontida de perscrutar e de saber. Na sua avidez de ciência, não repousava sobre o que já fizeram os predecessores: experimentava, inquiria, sopesava, verificava os achados dos outros, porque, como filosofo, estava certo que a condição de todo o progresso é julgar incompletas as ideias reinantes. Só com essa convicção de que andam tão afastados os fariseus da ciência, pode a inteligência humana chegar a novas revelações. Não pretendo aqui fazer uma biografia. E' tarefa que cabe aos doutos discipulos que de perto se abeberaram dos tesouros do seu saber. Nem é isso que se tem em mira na simplicidade dessa homenagem.

Seja-me porem permitido rapido bosquejo sobre a sua trajetória terrena, servindo-me das diretrizes que o maior intelectual da Alemanha indicou para se pintar mesmo a largos traços a vida de um homem. Manda Goethe que se coloque tal individuo nas condições mesológicas do seu tempo, indagando das ações contrarias ou favoraveis á sua atuação; procurando saber o conceito que aí ele tirou dos homens e do mundo e, si é escritor, poeta, artista ou cientista, como foi que externou tais impressões. Nasceu Bovero na renascença da pátria italiana. Era a península uma massa amorfa de pequenos estados, que se degladiavam por ciúmes fúteis. O renome de que gozavam era o mais depreciativo; vejam-se, por exemplo, os juízos que sobre eles externou Lamartine e que o levaram aos azares de um duelo. Surgiram então os gênios construtores de Mazzini, Cavour e Garibaldi que restituíram ao mundo a grandeza de sua terra. Foi então, quando mal se tinha apagado o clarão da Victoria, que Bovero viu a luz. O triunfo político, trouxe no seu séqüito o renascimento intelectual italiano. Multiplicam-se os recursos, aparelham-se as universidades e surgem os grandes mestres que fazem orgulho á humanidade. Influenciados por tal meio, as peregrinas qualidades de Bovero - inteligência lúcida, apego ao estudo, curiosidade ansiosa de saber, deviam fatalmente revelar-se em toda a plenitude da força. Daí o acumulo de conhecimentos que entesourou logo aproveitados na pátria de origem, em cujas universidades ingressou como mestre brilhante. Foi então que, atendendo ao convite do fundador da nossa escola, para cá se transportou com as fortes armas da sua cultura, com a couraça do seu caracter e a riqueza pródiga do seu coração. O meio paulista tambem lhe foi propicio. Liberto de preocupações materiais, mesmo porque dotado de temperamento tão modesto, desprezava o fausto, pôde dedicar-se de corpo e alma aos seus alunos, formando a pleiade brilhante, com Locchi á frente, que manterá acesa a lampada votiva do seu culto. Identificado conosco, amou profundamente esta terra. Conhecedor de nossa gente, da brandura, de noção de independência que lhe é peculiar, achava talvez um doce consolo neste meio, perante a dureza extremista que impera em sua pátria. De resto, um homem que nascera, quando se não tinham ainda de todo dissipado os clamores de Victoria na Porta Pia, devia fatalmente detestar toda a acção tirânica que acorrenta o pensamento. Em resumo: a vida de Bovero é um espelho. Nele se refletem com intenso brilho as condições da sua época. Recebeu a acção benéfica do meio em que viveu e, depurando-a no caminho de seu grande cerebro asparziu-a a mãos cheias sobre os homens que tiveram a ventura de se aproximar dele. Salve sacerdote da honra e da cultura!"

Em seguida passou-se á ordem do dia, da qual constaram os seguintes trabalhos:

HEMOGENIA- Dr. GUEDES DE MELO F.º

O A. referiu as diversas causas que podem determinar a hemogenia cronica, típicas, citando a existencia também de hemogênias agudas. Abortou os tratamentos mais interessantes e modernos, com a hemoterapia, a opoterapia, a fenil, hidrazina, a radioterapia, a esplenectomia e ligadura da esplenica, considerando de 82 % os casos de cura. Referiu tambem, o uso da vitamina C (acido ascórbico) como agente hemostático.

Comentarios: - Dr. Carlos Gama: - Considerou que o papel das plaquetas está tomando hoje uma nova feição, aliada á crase sanguinea, teor calcico, assim como o papel do acido ascórbico, parecendo que as paratireóides são influídas por esse acido. Sobre a questão da esplenectomia, já temos praticado um certo numero apreciavel sem consequências funestas, assim como a ligadura, da arteria hepática, aproveitando a vicariancia da coronariaestomaquica.

Dr. Roberto Oliva: - O dr. Penido Monteiro ha pouco tempo apresentou um trabalho onde nos relatou resultados brilhantes com o emprego de vacina estafilococcicas para esses casos.

Dr. Ribeiro dos Santos: - A respeito da etiologia, muito bem focalizou o A. a questão. Ha entretanto estabelecido um paralelo entre hemofilia e hemogenia, pensando que não ha esse antagonismo em que tanto insistem os AA.. Sabemos que a citosina atuando sobre a serozima, dá a trombina (substancia coagulante) e a trombina atuando sobre o fibrinogênio (substancia coagulante) dá a fibrina. A trombina sendo uma substancia complexa é de se pressupor que contenha a serozima e a citosina. No caso de hemofilia, a opinião unânime dos AA. é de que o calcio não intervem, admitindo a existencia de uma substancia anti-coagulante qualquer. Mas essa substancia não mais é aceita, devido ás provas experimentais que se efetuaram. A questão portanto tem que se resolver entre a serozima e a citosina. Diz um A. que no plasma existe a pro-serozima, e quando a passagem dessa substancia para serozima se demora, teremos o estado conhecido de hemofilia. Outros dão toda a importancia á citosina, encontrada nos leucocitos, plaquetas e endotélios vasculares. Si remontarmos á vida embrionária, nos cordões de Hiss, que dão formação aos vasos e sangue, quando ha uma anormalidade, ela pode predominar para a linhagem sangue (teremos a hemofilia) ou pode predominar para a linhagem vasos (teremos a hemogenia). Na hemogenia o tempo de coagulação é normal ao passo que no hemofílico esse tempo demorado. O hemogenico tem uma debilidade vascular, é uma doença congenita
é radicada aos cordões de Hiss.

Dr. Müller: - Ha pouco tempo fiz duas conferencias em que ressaltava o papel da alimentação como causa de degeneração humana, e perguntaria ao A. qual era a alimentação da criança (o que lhe foi informado ser pobre), pensando que o caso se poderia ligar a uma pobreza alimentar.

O dr. Hartung, tambem achou que uma diferenciação muito nitida entre hemofilia e a hemogenia não se pode estabelecer, sendo assunto ainda controvertido entre os AA., nebuloso segundo a feliz expressão do dr. Ribeiro dos Santos. Os diversos casos que têm passado por suas mãos fizeram-no sempre pensar num estudo dedicado e minucioso por parte do hematologista e do especialista. Num caso que teve, dado com toda a justiça como hemofílico e em que foi preciso a extirpação inadiável das amigdalas, tendo sido preparado com sais de calcio, experimentou a intervenção que correu da melhor maneira possivel e só vinte dias depois foi colhido na rua por um violentíssimo apistaxe.

Dr. Guedes de Melo F.°: - A questão que o dr. Gama nos ensinou sobre a suplência da coronária estomáquica é muito interessante e é indicação muito proveitosa. Quanto á infecção devemos primeiro considerar o fator terreno constitucional. Felicitou o dr. Ribeiro dos Santos pelo brilhante apanhado que fez sobre a homogênea e hemofilia e reputa mesmo original a sua idéa de filiar essa questão á vida embrionária, isto é, aos cordões de Hiss. A hipotese do dr. Müller tambem se justifica, mas não devemos esquecer que o acido ascórbico nem sempre é absorvido pelas vias digestivas o que obrigou os AA. introduzi-lo pela via parenteral.

GROSSO MOLAR INCLUSO. OSTEITE DO MAXILAR SUPERIOR - Dr. Paulo Sáes.

Relatou a observação do caso, exibindo as radiografias comprovantes do grosso molar incluso, que se acompanhou de uma osteite do maxilar superior.

Comentarios: - Dr. Ribeiro dos Santos: .- Perguntou ao A. se o trajeto fistuloso foi encontrado no maxilar superior, passando para o inferior, (o que foi informado que não), ou então, a região toda estando dentro da zona do trigemeo, poderíamos pensar num fenomeno de ordem trófica, passando para o maxilar inferior.

Dr. Hartung: - Considerou o caso dos mais brilhantes e relata um caso semelhante que se acompanhou de perturbações nervosas.

Dr. Paulo Sáez: - A hipotese do dr. Ribeiro dos Santos até certo ponto se justifica, mas pensa que o dente fosse o unico causador do foco purulento e que a fistula se tenha formado necessariamente entre os tecidos. Nada mais havendo a tratar foi encerrada a reunião.

Reunião de 17 de Maio de 1937.

Presidido pelo dr. Francisco Hartung, secretariada pelos drs. J. E. Paula Assis e Ribeiro dos Santos, realizou-se no dia 17 de maio de 1937, uma reunião da Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina.

No expediente o dr. Hartung informou que o prof. Marinho vindo á S. Paulo, deverá pronunciar uma conferencia de assunto escolhido e que será previamente anunciada. O dr. Roberto Oliva leu uma moção no sentido de se intensificar a campanha contra o ruido, tendo usado da palavra tambem o dr. Vicente de Azevedo, que informou os colegas presentes do andamento do projeto que no mesmo sentido foi ventilado na Câmara Municipal e que está tendo a melhor aceitação, e propõe que a moção do dr. Roberto Oliva tenha a maior divulgação e que seja enviada aos poderes públicos. Tambem no expediente o dr. Homero Cordeiro sugeriu que as atas transcritas para a Revista sejam submetidas a uma revisão pelo secretario da mesa. Todas as propostas foram aprovadas e passou-se em seguida, á ordem do dia.

RADIOLOGIA DO OSSO TEMPORAL. - Dr. Paulo A. Toledo.

O A. estudou os aspectos radiologicos no temporal, dando as diferentes posições de incidências, exposição essa acompanhada de esquemas. Em seguida estudou os elementos para o diagnostico, como a trabeculatura, as celulas, os orgãos contidos no rochedo e os seus contornos. Estudou por fim diversas entidades nosológicas afetando o temporal e terminou dando o metodo radiologico que mais se deve indicar para o diagnostico de uma mastoidite aguda.

Comentarios: - O dr. Rafael Nova referiu que era necessario afirmar que numa percentagem dos casos lhe coube observar, todos os diagnosticos radiologicos foram confirmados pela operação. No ultimo caso que parecia uma perda de substancia, a radiografia não era nitida e se a operação não confirmou o diagnostico feito, notaram-se entretanto, perturbações que indicavam comprometimento do osso. O A. Tambem frisou muito bem a mastoide do tipo infantil, sendo que nesses casos a radiografia facilita muito a interpretação, e assim evitam-se de antemão lesões. Tambem frisou, com toda razão a necessidade de se praticar sistematicamente a radiografia da mastoide antes de qualquer intervenção.

O dr. Francisco Hartung concorda com os dizeres do dr. Nova, entretanto deseja fazer alguns reparos, reportando-se a 1929, quando começou a se interessar pela radiografia da mastoide. Já em 1934 o proprio A. se mostrava céptico sobre a contribuição da radiologia e nestes ultimos tempos tem perdido entusiasmo, e considera exagero afirmar que se possa fazer um paralelo entre as imagens de uma sinusite maxilar ou frontal e as imagens fornecidas pela apofise mastoide. Considerou tambem temerário afirmar que se possam tirar conclusões seguras de ordem clinica radiografia e pensa que só em 15 % dos casos se poderá confiar na radiografia para a elucidação de um diagnostico. Teve um doentinho cuja sintomatologia era pobre e a radiografia deu um aspecto transparente, além de uma célula grande na ponta da mastoide, completamente velada, coincidindo esse dado com a suspeita clinica. Feita a operação encontrou-se tudo normal, apenas se notando um processo de periantrite além de uma otite media de que o doente era portador. Deseja entretanto que esses seus comentarios sejam de encorajamento ao A., e que este continue em seus estudos, para um maior aperfeiçoamento da radiologia no temporal.

O dr. Mazili referiu que o erro se deve imputar ao radiologista e não á radiografia pois uma radiografia bem tirada do temporal, fornece todos os elementos necessarios para um diagnostico e sendo o temporal um osso tão complexo, demanda, muitas vezes, tres radiografias. Quanto ao caso de ponta da piramide, no serviço do prof. Rafael de Barros, temos tido pouca experiencia.

O dr. Rezende Barbosa diz que o A. abordou o valor da radiografia do temporal nas lesões supurativas do ouvido, nada nos dizendo, devido á premência do tempo, a respeito das lesões não supurativas onde a mesma torna-se de um valor quase que absoluto. Por exemplo, nos neurinomas do acustico, onde a radiografia demonstra um alargamento do orifício do conduto auditivo interno, sinal patonômico dessa afecção, na surdez progressiva cronica, onde ela vem demonstrar a existencia de osteítes condensantes ou rarefacientes, e, finalmente, nas malformações do conduto auditivo externo, onde nos auxiliará na determinação da presença ou ausencia dos orgãos nobres do ouvido interno.

O dr. Mangabeira Albernaz, disse: - A radiografia não nos pode dar uma certeza como a anatomia e na minha comunicação de hoje em estudos feitos sobre 200 temporais secos na questão da ponta da pirâmide, observei uma discordancia entre a radiologia e anatomia.

O dr. P. Almeida Toledo agradeceu a todos os comentarios e referiu que os tumores do acustico são sempre indicados por um alargamento da cisterna. Entretanto pode existir uma simples hipertensão com alargamento da cisterna. Tambem não pretendeu ter a radiografia na linha de sinal patonômico de qualquer afecção, mormente se está diante de uma diminuição da transparência, onde se deve guardar a maior reserva.

Devido ao adiantado da hora, foi encerrada a reunião.

Reunião extraordinária de 31 de Maio de 1937

Presidida pelo dr. Francisco Hartung, secretariada pelos drs. J. E. Paula Assis, e Ribeiro dos Santos, realizou-se no dia 31 de maio de 1937, uma reunião extraordinária da Secção de Oto-Rino-Laringologia da Associação Paulista de Medicina, em homenagem ao prof. João Marinho, que, convidado pelo sr. presidente, tambem fez parte da mesa.

No expediente referiu o sr. presidente que recebeu um oficio da Associação, delegando-lhe poderes para representar a mesma na inauguração da clinica oto-rino-laringologica do dr. Penido Burnier, missão essa, honrosa, que dará desempenho.

Depois de aberta a sessão, o dr. Francisco Hartung proferiu as seguintes palavras de saudação ao ilustre visitante prof. Marinho:

- "Sr. professor dr. João Marinho. A saudação que vos dirijo neste momento não deve ser interpretada como uma formalidade a que a minha posição me obrigue, e sim, como a expressão jubilosa e sincera de todos os colegas do nosso departamento de especialidade, na Associação Paulista de Medicina; traduz, em sua simplicidade a satisfação de que nos deixamos possuir, quando vos apresentamos as nossas boas vindas e o justificado orgulho pela honraria da vossa presença. - Podeis estar certo, sr. professor, que não ha necessidade de exibirdes as vossas credenciais, para que ingresseis no nosso recinto cientifico, porque todos os colegas aqui presentes, acorrendo á vossa autorizada palavra, mesmo entre aqueles mais novos na especialidade, ha muito sabem que o vosso nome se irradiou da Capital do Brasil, para ser conhecido e acatado em qualquer recanto do paíz; e, mesmo fóra dele, nas margens do Prata, no entusiasmo sadio de Segura, ou em Vienna, por parte do celebrado Ruttin, tive a imensa satisfação e desvanecimento de ouvir expressões do mais alto louvor, para com a figura de um patrício ilustre, professor de Oto-rino-laringologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, nome cuja orbita cientifica não mais se contivera dentro dos limites da sua grande Pátria, porque era um vulto que gozava já de prestigio internacional. Aliás, sr. professor, se me emocionei, no orgulho de brasileiro, ouvindo o elogio da vossa personalidade, nem por um instante tive um movimento de surpresa, porque já em tempo remoto, ainda nos bancos da Faculdade, o nosso saudoso amigo prof. Lindenberg, ensinava-nos a respeitar o vosso nome, como lidimo representante da gloriosa escola vienense, e que como ele, se esforçava por divulgar entre nós a otologia cientifica de Urbantschitch, de Politzer, de Neumann e de Alexander. Ainda por ele viemos a saber do vosso brilhante concurso em 1915, para professor da Faculdade, e do sucesso da vossa tese sobre a "Anestesia Troncoregional em Otorinolaringologia", e da vossa merecida posse na Cátedra, quando se jubilou o professor Hilário de Gouvêa em 1918. E assim, quando tempos depois, tivemos nós os paulistas, a ventura de vos conhecer pessoalmente, já não nos era novidade a vossa impressionante estatura cientifica, emoldurada em um invejável preparo classico que se reflete sempre nas exteriorizações da vossa cultura. De hontem é ainda a vossa campanha tonsilar, recebida sob aplausos pelos especialistas do Brasil inteiro. Percebendo vós que os detratores da nossa cirurgia favorita, no seu criterio de um conservantismo exagerado e retardatário, na iminência estavam de prejudicar o prestigio e a popularidade que os especialistas para ela conseguiram, a ponto de, com frequencia, o diagnostico e a indicação operatoria serem feitos pelo proprio publico, não hesitastes em vir á cena para revidar apaixonadamente e fazer silenciar a sua argumentação imoderada e imprudente. "Não faz mal nenhum tirar as amigdalas", dissestes vós e nós todos repetimos em coro, porque defender o prestigio da amigdalectomia nos dias de hoje, para quem bem conheça os complexos de ordem individual e geral articulados com a patologia do orgão, é contribuir para o bem estar do meio em que se vive; é uma atitude corajosa da mais alta compreensão, porque melhorar o "standard" de saude da coletividade será mais um dos meios de serenar as grandes convulsões sociais e políticas que o mundo hoje atravessa. E' manifestar em toda a parte a tendencia para as profilaxias do conjunto. Foi o que aconteceu no capitulo das grandes endemias tropicais, tendo a extinção dos anofelineos e as grandes drenagens tornado anacrônico o uso do quinino preventivo. Ai estão em toda a parte, as Ligas de defesa contra a tuberculose, em franca prosperidade, assim como as organizações tendentes a diminuir o contagio nas venereopatias; bem mais perto do campo de nossas atividades, chamando-nos á meditação, a "Associação Internacional de Profilaxia de Cegueira", com séde em Paris e comitês regionais espalhados pelo mundo inteiro e já auferindo resultados muito animadores em sua finalidade. Para o nosso lado, no momento em que quisermos trabalhar em uma ação conjunta e congênere ás precedentes, em uma luta de defesa no problema da surde, e vós sr. professor Marinho, devereis julgar da sua oportunidade, em qualquer inquérito preliminar sobre a sua variadissíma etiopatogenia, deveremos depor que ha uma parte dela que escapa á nossa alçada cientifica, porque dizendo respeito ao aspecto social do problema está sujeita ao determinismo da lei de Mendel e só uma legislação muito avançada poderá resolver; mas, deporemos ainda, uma outra parte para a qual poderemos colaborar e que si é incontestavel que a paracentese do timpano foi uma grande conquista da pequena cirurgia e que a Politzeração cura os catarros tubários acudidos em tempo, são elementos embora eficientes em casos individuais, de raio muito limitado para o problema em conjunto si não removermos as amigdalas infectadas e deixarmos o nasofaringe infantil obstruido e contaminado. Que se julgue por esta perspectiva isolada do problema amigdaliano pela sua co-participação na patogenia da surdez, do alto espírito de quem como vós, fundamentando-o nos conhecimentos da medicina moderna, defende apaixonadamente a atuação operatoria, compreendendo que a existencia de ínfima parcela de casos de nitida contra-indicação facilmente afastáveis da cirurgia por qualquer especialista de mediana cultura, nunca justificaria um abstencionismo sistematico, numa epoca em que já se conseguira que a amigdalectomia fosse tão vulgar nos Champs Elysés como nas planícies da Patagônia, na Quinta Avenida ou como nos sertões de Matto Grosso.

Certificae-vos pois sr. professor, pelas minhas palavras, da emoção que acometeu aos vossos colegas paulistas quando terçastes armas no memorável duelo cientifico de 1926, porque em S. Paulo se compreende que defender as conquistas já consagradas da medicina é obra meritória e digna de todo aplauso.

Mas, não ficou naquela epoca a nossa admiração pelo vosso espírito, combativo, porque ele tem voltado a fulgurar todas as vezes que os interesses da medicina e a polemica cientifica oportunidades proporcionam.

E na elegância da vossa linguagem, na solidez das vossas asserções doutrinarias assim como no vigor de vossas convicções, percebe-se o equilibrio da vossa cultura aprimorada que si vos faculta uma noção nitida do conceito de relatividade para discussão da materia de ordem cientifica, nunca cede logar á descrença e ao cepticismo, inimigos da nossa profissão e das nossas responsabilidades perante o meio em que vivemos.

E aí estão para endossar as minhas palavras dando vida ás minhas expressões, os vossos antigos alunos, internos e assistentes, esses vultos vossos satélites, demonstrando em pontos diversos do Brasil quanto aproveitaram a aceleração inicial que vós lhes imprimistes na Santa Casa do Rio de Janeiro.

E hoje, quem desconhece o nome respeitado de que goza Paulo Brandão e o prestigio a que tem todo o direito Estevam de Rezende e Aristides Monteiro. Aqui entre nós, Homero Cordeiro faz jus á fama de cirurgião meticuloso, com um ótimo preparo na especialidade, e confirma com aqueles que ficaram na Capital da Republica, a sua nobre estirpe cientifica. Gabriel Porto, mesmo no Interior do Estado consegue fazer conhecido nos grandes centros e é acatado como autoridade em neoplasias do laringe. E tantos outros mais: Paulo de Faria, Paula Assis, Berbert de Amorim, José Julio Cansanção, Penido Monteiro, Brasilino Lima, José de Andrade Medicis, a integrar a pleiade brilhante de especialistas que tanto tem honrado a escola...

Tende pois a palavra, sr. professor João Marinho, todos os presentes estão ansiosos por ela; reconhecem a culminância da vossa personalidade cientifica e sabem do vosso brilho invulgar nas letras medicas do Brasil".

Com a palavra, o Professor João Marinho passa a fazer considerações sobre petrite, têma este sugerido pelo Dr. Gabriel Porto, como, no momento, o preferido na Secção de Oto-rino da Associação Paulista de Medicina.

Restringe-se a considerações anátomo-patológicas e particularmente ás vias de propagação entre o ouvido lesado e a ponta do rochedo adoecida: petrosites, ou com mais propriedade de linguagem, petrite, segundo proposta de Bellinor e Mangabeira-Albernaz.

Reviu a possibilidade de extender-se o mal pela via pré-formada de piramide pneumática (raro) ou espongiosa e ebúrnea, por osteomielite. Lembrou as quatro direções que nas pirâmides pneumatizadas, podem tomar as celulas, da caixa ou do antro até a ponta, vias intra-piramidais - superior, inferior, anterior e posterior.

Passando á propagação do mal pelas chamadas vias extra-piramidais, peri-tubarias, peri-carotideanas, peri-meatica, peri-bulbar, lembrou sugerir aos colegas a possibilidade de mais um que não, e recordava tela vista apontada, e tão natural parecia, que antes á novidade proveria de leitura descuidada, assinalada já em revistas passada desapercebida á minha leitura.

Essa via seria a perineural, pelas bainhas nervosas dos nervos pétreos. Saídos da caixa do timpano, onde a inflamação inicial, caminham em direção á ponta do rochedo tão á superfície da piramide, que quasi se podem considerar superficiais, ou peripiramidais, e, desse modo, ou sub-aracnóideos, com certeza, quando, na altura do terço final da piramide, emergem pelo hiato de Falópio e o hiato acessório, em direção dos ganglios esfeno-palatino e ótico, pelos quais se relacionam os nervos pétreos com o ganglio de Gasser.

Daí, as dores de cabeça regulares fronto-parietal nas otites flegmonosas não perfuradas, bem assim as acusadas para o fundo da orbita (1.° ramo do trigemeo) em mais de um desses casos, dores que regridem com a paracentese ou com a perfuração expontanea.

Esse ultimo processo, situado para a ponta da piramide, daria na petrite. Intensa ou virulenta de modo anormal, a infecção passaria da mucosa ao periósteo, intimamente confundidos na região; do periósteo ao esqueleto, determinando a osteite rarefaciente, com as suas granulações - a petrite, em uma palavra.

Em menor intensidade, a otite chegada á ponta pela via pétrea, denunciaria sua extensão ao apite tão somente pelo sindroma de Gradenigo, de regressão, ás mais das vezes expontanea.

Como diagnosticar, diferenciando a petrite do sindroma?

Pelas provas radiológicas. Referiu-se á serie de rochedos radiografados e levados pelo Dr. Mangabeira-Albernaz á contemplação e aplauso da XI.ª Reunião da Sociedade Rio-platense de Oto-rino-laringologia, em Janeiro deste ano, em Montevidéu. Do estudo anatomico normal desses rochedos, não seria difícil deduzir o acidente da petrite, com a consequente oportunidade operatoria.

Antes de ratificada a lesão da ponta pela radiografia, a intervenção de Ramadier seria precipitada, concedida á experiencia clinica a suposição de não passar a sintomatologia apical de simples Gradenigo regressivel, hipótese mais comum de verificar-se que a petrite estabelecida.

Nada mais havendo a tratar foi encerrada a reunião.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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