ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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580 - Vol. 5 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 1937
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 338 a 354
CONSIDERAÇÕES EM TÔRNO DAS PETRITES - PARTE 2
Autor(es):
DR. PAULO MANGABEIRA-ALBERNAZ (*)

b) As fases da petrite.

Eis um fator em geral desprezado no estudo do diagnóstico do mal. Talvez seja êste discúido no estudo das fases a causa primordial da verdadeira confusão existente no diagnóstico clínico das petrites. Acentuam-se os sintomas tal e tal, misturando-se os da fase de início com os do período de estado ou mesmo de terminação. Vemos as mais autorizadas figuras da especialidade juntar as dores da fase incipiente ao síndromo de Gradenigo e às manifestações meningo-encefálicas do último período da afecção. E' necessário tentar-se, o mais cedo possível, chegar a diagnóstico, e para isso é indispensável estudar os sintomas relativos a cada fase do mal.

As petrites podem ser agudas, sub-agudas ou crônicas. Aqui o valor desta divisão é de pouco alcance prático. Em geral as acro ou as baso-petrites são agudas.

A petrite, segundo o parecer de Kopetzky (68), apresenta quatro períodos principais: 1.°) o de dôr ocular e de supuração do ouvido; 2.°) o de infecção geral discreta; 3.°) o de acalmia; 4.°) o estádio terminal.

No primeiro período, aparecem a dôr ocular (o primeiro sintoma a manifestar-se, na opinião de Kopetzky) e o corrimento. Êstes dois sinais constituem os sintomas mais evidentes, invariàvelmente presentes no curso da supuração da pirâmide, ainda segundo o parecer de Kopetzky (68). Ocasionalmente aparecem nêste período, sendo apenas "corroborativos, e não diagnósticos", paresia do facial, vertigens, nistagmo e vômitos.

E' inútil frizar que êste primeiro período não corresponde à observacão universal. A maioria absoluta dos casos conhecidos não se acompanhava de manifestações labirínticas, nem de ataque ao facial.

O segundo período é o de infecção geral discreta (low grade sepsis). A temperatura matutina oscila entre 37,2 e 37,7, para chegar à tarde a 38,3-38,8. "Quando uma infecção geral discreta continua a se manifestar após mastoidectomia, e é acompanhada de dôr ocular e supuração, isto deve ser considerado sinal fortemente corroborante de supuração do ápice".

Segue-se o terceiro período ou de acalmia. Durante 5 a 19 dias, parece que tudo tende à normalização. "A dôr desaparece, porque o rochedo foi perfurado e terminou aquela tensão inflamatória da dura da região do ápice". Logo que o abcesso sub-dural se formar, a dôr voltará.

"Se se quizer" diz Kopetzky (68) "salvar a vida do paciente, tem-se que operá-lo antes do período de acalmia".

O período terminal, apresenta o quadro da leptomenengite aguda purulenta.

Esta é a divisão proposta por Kopetzky. O estudo das observações publicadas no mundo inteiro e o próprio raciocínio, levam-me a convicção de que esta divisão está longe da realidade.

Em primeiro lugar, devemos ter em mente que há dois tipos de petrite: 1 ) a petrite em osso pneumatizado e 2) a petrite em osso de qualquer outro tipo. Pode-se de modo esquemático dizer que a primeira é uma osteíte e a segunda uma osteomielite. Que a primeira é a mais comum, a geralmente e quási exclusivamente observada, não é necessário dizer.

A petrite, como já vimos, nada mais é do que a inflamação da substância óssea, pneumática ou esponjosa, contida entre as quatro faces do rochedo. Aínda que haja quem afirme o contrário, não padece dúvida que petrite e mastoidite são patológicamente análogas.

Quando um paciente, em seguida à rino-faringite inicial, vem a ter a orelha média atingida pelo processo inflamatório, êste - como é notório - não fica localizado exclusivamente à caixa do
tímpano. Se mastóide, escama, zigoma e rochedo são pneumatizados, o processo invade de vez todo o sistema celular (Carmack; Taylor (153) ; Coates, Ersner e Myers; Jones; Guild; e outros).

Da reação do organismo, da virulência do germe, das condições climáticas, do tratamento precoce bem orientado, etc., depende a marcha do processo. Admitamos que o organismo baqueie: à invasão, que já se deu desde o início, segue-se a reação local intra-celular: o muco-periósteo congestiona-se, transsuda, as células enchem-se de sôro e depois de pus. As trabéculas intercelulares são destruidas, o pus vai ganhando terreno, e, dentro de pouco, a cortical é, aqui ou alí, atingida e perfurada: abcesso sub-periósteo mastóideo, abcesso látero-faríngeo, abcesso peri-sinusal, abcesso sub-dural anterior ou posterior, etc., tudo isso depende do capricho da natureza em doar ao osso, aqui ou alí, menor resistência, e formam as complicações mais frequentes da afecção.

Temos, pois, em primeiro lugar, um período de invasão: a otite média é generalizada às cavidades pneumáticas do temporal. Êste período, por sua vez, comporta duas fases: a) de transudação da mucosa das células: b) de supuração. E óbvio dizer que, neste período, os sintomas só poderão ser: dôr, com as características da dôr da otite média: dôr profunda no ouvido, cefaléia temporo-parietal, hemicrânia. A profundidade da dôr, seu tipo perfurante, são o sinal mais característico da invasão. Mas a dôr por si só, tem significado muito relativo. E' necessário que a radiografia já tenha mostrado que o temporal do paciente é do tipo pneumático.

A dôr ocular é o primeiro sintoma a aparecer, diz Kopetzky (68). Para ele, ela é devida a repuxamento do ramo oftálmico, exercido pelo edema inflamatório da dura-mater na região da ponta. Não me parece razoável que, quando aínda o rochedo esteja com as paredes intactas, antes de se manifestarem as dores próprias à caixa, à trompa, ao antro, às células (que são as dores pungentes descritas, causadas pelo ataque ao nervo de Jacobson e seus ramos), o nervo oftálmico já esteja sofrendo compressão pela dura visinha que, de-certo, aínda não foi atingida. Da mesma maneira que, na mastoidite, o periósteo não dá sinal de sofrer, antes que o processo atinja certo desenvolvimento, não é admissível que a dura se intumesça antes que o processo atinja os vasos intra-ósseos e as bainhas vasculares e nervosas. No período de invasão, portanto, as dores são as da otite média aguda, com a modificação em profundidade.

O segundo período, de necrose inter-celular, será o período que Kopetzky descreve como o primeiro.

Admitamos que a invasão não se tivesse feito de um golpe; que após a paracentese, ou mesmo após a mastoidectomia, o mal entrasse em franco declínio. De-súbito, recrudesce ou retorna a
supuração, surgem dores violentas de caráter hemicrânico. E' evidente que as paredes inter-celulares se romperam, e que a drenagem, embora incompleta, está se efetuando. E' possível nesta fase a inflamação, pela via das bainhas durais que penetram no rochedo, alcançar a dura, e esta, entumescida, atuar sôbre os ramos do trigêmeo, principalmente sôbre o ramo recorrente de Arnold ou nervo da tenda do cerebelo. As dores serão de tipo orbitário ou óculo-orbitário para uns; parieto-temporais para outros. Gradenigo era a favor destas. Kopetzky e sua escola a favor da dôr ocular. Profant diz textualmente: "O primeiro sinal definido a aparecer é dôr nas áreas supridas pelo trigêmeo, mais comummente na área têmporo-parietal".

Chegamos ao terceiro período ou de exteriorização: o rochedo é perfurado, surgem as complicações. A infecção atinge a dura, formando-se, dentro de pouco, um abcesso extra-dural, cuja presença, não diagnosticada em tempo, será a causa de uma meningite ou meningo-encefalite de prognóstico sombrio.

Parece lógico supor-se que, pelo local e tipo da dôr, fôsse possível ter-se uma orientação acêrca do ponto ou da face do rochedo em que a perfuração se verificou. Infelizmente assim não acontece, como adiante veremos.

Temos, pois, que admitir três fases ou períodos na petrite: l.a) a de invasão; 2.a) a de necrose inter-celular; 3.a) a de exteriorização. Se o rochedo não fôr pneumático, podemos ter a necrose do tecido esponjoso. Se fôr o osso compacto, o processo se difunde, em geral, pela via vascular ou pelos canais de Havers, e, de fato, assim acontece na osteomielite.

Será possivel fazer-se o diagnóstico da petrite desde a primeira fase? Não. Em toda otite média aguda em temporal pneumático o processo é total, isto é, invade de vez todas as células. A dôr é algo especial, mas não pode ser distinguida da dôr da mastoidite comum.

Será possível o diagnóstico do mal na segunda fase? Aqui a sintomatologia - isto é, a modificação do tipo da dôr, a recrudescência ou o reaparecimentto da supuração, em um osso radiogràficamente verificado pneumático - permite um diagnóstico de suposição. Não se pode firmar com certeza o diagnóstico nesta fase, nem com o auxílio dos meios subsidiários (raios X, exame do liquor, hemograma, etc.). Uma trombose do seio, urna mastoidite, podem semelhar perfeitamente a petrite.

Diz uma autoridade no assunto, Tato (150), que, em caso de otite aguda, a co-participação do ápice deve ser suspeitada, quando a otite, apesar de estar em bôas condições de drenagem, datar de mais de quatro semanas, e fôr acompanhada de dores de cabeça, localizadas principalmente na órbita. Como se vê, o autor apenas admite o diagnóstico de suposição.

Moulonguet (102) é mais pessimista: "No estado atual da ciência otológica, parece impossível firmar-se de vez o diagnóstico de supuração do ápice do rochedo, e êste diagnóstico só pode ser feito no curso do ato operatório".

Não é mais optimista Ramadier (132) : "Aqui asseguro que, no estado atual de nossos conhecimentos, é impossível firmar-se éste diagnóstico com certeza. Devemos com efeito renunciar a ver nas dores mais características, como a dôr óculo-orbitária ou a nevralgia do trigêmeo, e no próprio síndromo de Gradenigo, um sinal característico de acro-petrite".

Só na terceira fase - na de exteriorização, quando já começam a se manifestar as complicações (abcesso sub-dural, meningite localizada, etc.) - é que, o diagnóstico pode ser firmado. Não posso concordar com a possibilidade, admitida por certos autores, de se chegar a diagnóstico precoce.

E' claro que não me refiro aqui aos casos em que o cirurgião, ao rever uma mastoidectomia, encontra uma fístula que o leva à ponta ou à zona do saco endo-linfático. Nêstes casos, o diagnóstico se impõe. Reporto-me aos casos em que faltam êstes dados, e que infelizmente constituem a mór parte das observações.

c) Os sintomas clínicos.

Não há, de modo geral, nenhum sinal clínico que, por si só, permita fazer-se o diagnóstico de petrite. Para melhor compreensão do estudo, é necessário, porém, encarar, com certa minúcia, os sintomas mais frequentes e mais importantes: a dôr, a paralisia do motor ocular externo, e o corrimento.

1) Dôr - Segundo a autoridade de Kopetzky (74), "está peremptóriamente admitido (fairly definitely established), que o sintoma mais constante da petrite é a dôr no primeiro ramo do trigêmea, representada por dôr intra e supra-orbitária". Do mesmo parecer são Myerson, Rubin e Gilbert (113): "O sintoma mais frequente e mais importante talvez seja a dôr; aparece no ôlho e ao redor dêle, e é o primeiro sintoma a manifestar-se". Aínda Kopetzky (68), em outro trabalho, assevera que a dôr ocular é o primeiro sintoma a aparecer. "Sua localização e seu carater são tão típicos, que são quási diagnósticos, por si só, de uma supuração do ápice, quando a rádio demonstrou ser a pirâmide de estrutura pneumática". Eagleton (29) dá tambem grande valor à ocular. Para êle "dôr na região posterior do ôlho, acompanhada de infecção geral continuada, significa necrose do ápice do rochedo".

Já Friesner, Druss, Rosenwasser e Rosen pensam de modo algo diverso: "Vale mais a dôr do que sua localização". E Kopetzky (68) assegura que a dôr na face e nos dentes pode aparecer em lesões supuradas assentes em qualquer parte da orelha média ou da mastóide.

Vemos, pois, que há, nestas asserções, duas falhas:

1.a) atribuir a dôr, em qualquer fase da petrite, aos ramos do trigémeo; 2.ª) cindir a ação sensitiva do nervo de acôrdo com a localização do processo. Se uma lesão inflamatória da mastóide causa dôr na face e nos dentes, porque uma do rochedo - convém lembrar que o antro faz parte dêste e não da mastóide - terá de ser acompanhada de dores oculares?

E' digno de reparo o predomínio desta dôr ocular - in and about the eye - nas observações de origem norte-americana. Tomei ao acaso tôdas as observações em que era indubitável, ou pela clínica combinada com as lesões radiográficas, ou pela intervenção operatória, ou pela necroscopia, ter havido processo indiscutível do rochedo, quer da parte basal, quer da ponta. Procurei estabelecer uma estatística da localização da dôr, assinalando, em cada caso, todos os tipos de dôr, aparecidos do comêço ao fim da afecção. Eis os dados colhidos em 129 observações, das origens mais variadas.

Dôr dentro do olho 22 vêzes;
Dôr atrás do olho 16 vêzes;
Dôr ao redor do olho 3 vêzes;
Dôr sôbre o olho 9 vêzes.

Em alguns doentes, a dôr era simultaneamente atrás e encima, dentro do ôlho e ao redor dêle, etc. Nestas condições, foi o sintoma registrado em 48 casos dos 129, portanto em 37,2% dêles. Dêstes casos, 13 são de autores de várias nacionalidades, e 35 de autores americanos. As observações são 66 dêstes, e 63 daqueles, sendo evidente a desproporção entre o registro do sintoma entre uns e outros.

A dôr orbitária foi observada, nos mesmos 129 casos, em 17 pacientes. Era

geral em 6 ;
atrás da órbita em 6;
sôbre a órbita em 4 ;
no canto externo em 1.

A dôr orbitária, péri ou intra ou retro-orbitária, só se manifestou em 13,1 % dos casos.

As demais localizações da dôr, nestas 129 observações, foram as seguintes:

Dôr têmporo-parietal 44 vêzes;
Dôr frontal e occipital 26 vêzes;
Dôres hemi-cranianas 12 vêzes ;
Dôres nos dentes 9 vêzes;
Dôres nos maxilares 5 vêzes;
Dôres na face e no pescoço 4 vêzes;
Dôres na nuca 7 vêzes.

Não vejo, pois, por que motivo a dôr ocular é sintoma de mais significação do que a dôr têmporo-parietal. Acho que nêste sintoma tem mais valor o tipo, isto é, dôr pungente, contínua, terebrante, sem caráter nevrálgico, do que a localização, pois que esta poderá, às vêzes, variar de acôrdo com a sede da lesão óssea.







Temos a prova disso em uma série de observações clínicas:

l.ª) O caso de Levesque.

Segundo os estudos recentes de Porta, a inervação das faces superiores do rochedo é fornecida: 1.° - pelos ramúsculos muito finos do nervo oftálmico, primeiro ramo do trigêmeo; 2.° - pelo nervo recorrente de Arnold, igualmente pertencente ao oftálmico; 3.° - pelo ramo meníngeo do vago. Por meio do colorido com ósmio e estudo ulterior, conclue Porta que os primeiros suprem a sensibilidade da dura da face ântero-superior do rochedo; o 2.° e o 3.° inervam a dura da fossa craniana posterior, a tenda, as foices do cerebro e do cerebelo. Daí inferir que as dôres retro-bulbares nos processos do rochedo cabem aos primeiros; as dôres occipitais, aos dois últimos. Infelizmente tal fato não corresponde à observação clínica.

Ora, no caso de Levesque, a dôr era retro-ocular, e desapareceu imediatamente após a retirada de um sequestro volumoso da região do seio lateral.

2.a - O caso de Fioretti. Tratava-se de um caso de colesteatoma, em que o autor fez a radical. Toda vez que se tocava a região da trompa, o paciente acusava dôr dentro do ôlho e na sua circunvisinhança.

3.ª - O caso de Tato e Beitia - Em um paciente de petrite, operado pelo método de Holmgren-Frenckner, encontraram os autores uma cavidade cheia de pús em pleno rochedo. Com uma cureta fina introduzida nesta célula, ao tocar-se para cima, o paciente, sob anestesia local, sentia dôr, ora no ôlho ora nos dentes, de acôrdo com a profundidade em que se achava o instrumento.

4.ª - Os casos de Eagleton (28) - Relata o famoso especialista dois casos em que, enchendo um abcesso do lobo têmporo-esfenoidal com agua destilada, manifestava-se incontinente
a dôr retro-ocular, que desaparecia com a mesma rapidez, mal se esvaziava a cavidade.

5.ª - A ausência de dôr ou sua presença no lado oposto - Friesner, Druss, Rosenwasser e Rosen verificaram, pelo estudo histológico, que as alterações patológicas do gânglio de Gasser e do trigêmeo não estavam sempre associados à dôr característica ou à sua distribuição. Houve casos em que se observaram grandes alterações inflamatórias dentro do gânglio e na sua circunvizinhança, sem que se tivesse manifestado a dôr profunda ocular. Em um caso de tromboflebite do seio cavernoso, observado por Turner e Reynold, o paciente não se queixou de dôr atrás do ôlho, embora o exame histo-patológico post-mortern tivesse demonstrado haver infiltração do oftálmico. Verificou Eagleton (29), em um caso de abcesso sem dôr ocular, lesões inflamatórias histológicas do gânglio de Gasser.

Fatos idênticos, isto é, dôr sem lesão histológica e lesão histológica sem dôr, relata ainda Uffenorde (167).

Ainda do mesmo parecer são Moulonguet (102) e Ramadier (134). "Dôr profunda no fundo do ôlho não implica absolutamente em lesão do ápice do rochedo", diz êste.

Tobeck (159) referiu há pouco um caso de petrite sem sintomas. A necroscopia também nada revelou. Mas o exame histológico veio demonstrar que a causa da morte fôra uma trombose do plexo venoso pericarotídeo, cuja causa tinha sido a supuração de uma célula da pirâmide, rôta no canal da carótida. Não houve neste paciente, em vida, manifestações dolorosas.

Na observação de Cavanaugh a dôr não fôra do ôlho e sim da têmpora, mas a doença era de um lado, como ficou provado pela necroscopia, e a dôr se manifestara do lado oposto, que era são.

Em suma: a dôr ocular ou óculo-orbitária, considerada isoladamente, está longe de ser um sintoma característico de petrite. Mais importante é seu tipo, do que a localização. Creio, como Moulonguet (102), que "dôr ocular não significa acro-petrite, mas afecção da meninge na zona suprida pelo nervo de Arnold".

2) Paralisia do motor ocular externo - Outro sinal muito frequente nas petrites é a paresia ou a paralisia do nervo do sexto par, manifestada sob a forma de estrabismo interno e diplopia.

Tem-se feito verdadeira celeuma em torno de tal sintoma. E, o mais curioso, é que autores do valor de Kopetzky (70), tão extremados se mostram em querer negar o valor dêste sinal clínico, que até confundem a paralisia do nervo do sexto par com o síndromo de Gradenigo. Êste, como é sabido, compõe-se de três elementos: dôr têmporo-parietal ou melhor no domínio do trigêmeo, paralisia ou paresia do nervo do VI par, e supuração auricular. Se a paralisia não se apresentar, não temos o síndromo completo, mas, em todo caso, dois elementos dêle estão presentes. Não compreende porque tanto se trabalha para negar a importância da paralisia do motor ocular externo, e, de outra parte, gasta-se tanto esfôrço para exalçar o valor da dôr ocular ou orbitária. A meu ver, uma ou outra, de per si, tem a mesma importância, isto é, tem importância muito relativa.

Estudando os casos em que pude verificar com rigor que a causa do mal era, de-fáto, uma osteíte ou osteomielite da ponta, reuni 146 observações. Em 94 destas havia paralisia do motor ocular externo. Temos, assim, a paralisia em 64,4% dos casos. Esta estatística é mais favorável ainda à importância da paralisia, do que a de Ramadier (132), que, em seu notável estudo, achou a paralisia 36 vêzes em 71 casos, o que dá uma porcentagem de 50,7.

De seus estudos histo-patológicos concluiram Friesner e Drixss: "A osteíte do rochedo, como fator causal da paralisia do sexto par, é muito mais importante do que se pensa. Nem sempre isto pode ser demonstrado macroscópicamente, mas pode ser verificado por estudo histológico". Kopetzky (68) não é do mesmo parecer. Diz êle textualmente: "Já que temos observado supurações da ponta sem lesão do motor ocular externo, é ilógico considerar a manifestação aparente de paralisia dêste nervo, como sintoma diagnóstico de acro-petrite". A pensar dêste modo, o notável otologista americano não chegaria a diagnóstico em nenhum caso otológico, pois não há sintoma, por valioso e expressivo que o seja, que não possa faltar com frequência maior ou menor. Basta citar a dôr ocular, que nas observações por mim coligidas, faltou em 62,8% dos casos.

3) Corrimento - Eis um sintoma que, em certos casos, assume características muito especiais, capazes, só por si, de trazer à mente a idéia de petrite.

Tato (149) é de parecer que se deve suspeitar da co-participação da ponta, quando, no decurso de uma otite média, apesar-de bôas condições de drenagem, existir um corrimento de mais de quatro semanas, acompanhado de dôres orbitárias. Já temos aí um dos dados típicos, que os autores reputam de valor: corrimento contínuo, a-pesar-de bôas condições aparentes de drenagem.

O que caracteriza, ainda, o tipo de corrimento, são, além disso: 1 ) a abundância; 2) o aspecto francamente purulento; 3) a inconstância ou melhor a interrupção seguida logo de nova descarga; 4) a falta de relação entre o corrimento pelo conduto e pela mastóide, quando esta já foi operada.

Corrimento prolongado e abundante, de mais de vinte dias de duração, faz pensar em mastoidite, quando o tímpano está largamente aberto. Já, por si, é um sinal de abcesso intra-ósseo, localizado seja em que parte fôr do temporal.

Não se pense, porém, que só há petrite com supuração abundante. Friesner, Druss, Rosenwasser e Rosen acentuam que "a crença, geralmente aceita, de que uma afecção séria da pirâmide deve estar sempre associada a corrimento persistente ou reincidente da caixa, também é errada. Havendo dôr, um corrimento discreto é de significação mais grave, do que um corrimento profuso".

O aspecto purulento permite excluir-se a otorréia mucosa, em que o corrimento tem aspecto catarral, e a otite de repetição por adenoidite, em que o fluxo é também mucoso.

Característica muito expressiva é manifestar-se a supuração por descargas. O corrimento diminue gradativamente, cessa de todo, o aspecto da membrana é quási normal; de súbito, reaparece copiosamente o fluxo purulento. Como bem o friza Ramadier (132), "éste fenômeno, ao qual o próprio Kopetzky empresta muita importância, não é de certo constante; mas quando existe, constitue excelente sintoma de petrite".

Se o paciente já foi operado, pode ainda o corrimento fornecer indicações preciosas. Ora vemos a lesão mastóidea limpa, granulosa, em franca cicatrização, enquanto a supuração pelo conduto, e portanto da caixa, continua abundante. Ora ao contrário, a caixa secou rápidamente, mas a supuração pela abertura mastóidea continua copiosa e rebelde. Em qualquer dos casos, deve vir à mente do especialista a idéia de petrite. Na primeira hipótese, pode tratar-se de uma petrite anterior, da zona da trompa. No segundo exemplo, deve estar em causa uma petrite posterior (Ramadier 132).

Como se vê, dos sintomas isolados, o corrimento parece ser o que pode dar indicações diagnósticas mais valiosas.

d) Os síndromos.

A petrite manifesta-se preferentemente por um grupo de sintomas. Vejamos quais são êstes síndromos, nos mais simples aos mais complexos.

1.° - Síndromo de Eagleton (29) - Êste autor reputa a dôr atrás do ôlho significativa de irritação da dura-mater da face superior do rochedo. Mas se ela se combinar a infecção geral continuada, significará necrose do rochedo. Temos assim dôr retro-ocular mais septicemia, igual a síndromo de osteíte ou osteomielite da ponta.

2.º - Síndromo de Ostmann-Moulonguet - Êste conjunto, descrito pelo Prof. Ramadier (132), consiste em dôr ocular ou óculo-orbitária e otite aguda.

3.° - Síndromo de Ostmann-Moulonguet-Tato - E' admitido como de valor nas petrites por Aristides Monteiro (99). Consiste no síndromo de Ostmann-Moulonguet acrescido de exame radiográfico positivo. Pouco difere de um dos propostos por Kopetzky (68): dôr ocular mais pneumatização extensa do rochedo revelada pela radiografia.

4.° - Síndromo de Uffenorde (168) - O elemento primordial é aqui a recrudescência do corrimento auricular. Se o corrimento diminuiu muito ou mesmo cessou, e reapareceu acompanhado de dôres oculares, trata-se de supuração da ponta.

5.° - Síndromo de Gradenigo - Por muito tempo significou êste síndromo paquimeningite localizada na ponta do rochedo. Nêstes últimos anos, certos autores (Vogel, Engelhardt, Kopetzky, Rudakov, etc.) têm procurado negar-lhe o valor. A ausência de base anátomo-patológica, de uma parte, e, de outra, a sua manifestação não só em casos de petrite, como de mastoidite, de flebite do seio lateral, de meningite difusa etc., têm sido apontadas por certos autores, como prova da falta de significação do síndromo de Gradenigo, chegando alguns mesmo a propôr seja êle de vez posto à margem. Kopetzky (77) leva seu exagêro ao ponto de declarar que "a-pesar dos estudos publicados, ainda aparece na literatura a frase síndromo de Gradenigo". Mas êste autor frequentemente engloba na mesma crítica o síndromo de Gradenigo e a paralisia isolada do VI. É óbvio que, se esta é parte integrante daquele, as duas coisas não são, todavia, iguais. Não se pode negar que, na petrite, a significação do síndromo de Gradenigo é muito maior do que a da simples paralisia do motor ocular externo.
E' um êrro querer-se considerar um síndromo indicação patológica precisa, ou exigir-lhe base anátomo-patológica, o que, aliás, Tato já demonstrou cabalmente. O síndromo nada mais é que um conjunto de sintomas a indicar mais ou menos (nunca com a segurança que Vogel, Kopetzky e outros querem exigir da tríade de Gradenigo), uma localização ou uma suspeita clínica. O síndromo de Longhi-Avellis, por exemplo, manifesta-se por paralisia da metade do véu e paralisia da metade correspondente do laringe. Podem causa-lo uma osteíte, uma neurite, um tumor, um corpo estranho. Ninguem por isso pretenderá excluí-lo da literatura.

E' verdade que o síndromo de Gradenigo não entra, de modo constante e absoluto, no quadro da petrite. Mas não há nenhum outro síndromo que possua tais características, como veremos em breve. Não deixa, porém, de ter a tríade de Gradenigo grande significação nas lesões da ponta, pois nestas é que ela aparece com maior frequência.

6.° - Síndromo de Kopetzky - O síndromo de Kopetzky (74) compõe-se de dôr entra e supra-orbitária, continuação ou reincidência da supuração, e febre discreta. "Quando esta tríade se apresenta no curso de supuração auricular, antes ou depois da operação", diz Kopetzky (74), "o mal pode ser diagnósticado por hipótese (tentatively), como petrite". Alguns autores descrevem como síndromo de Kopetzky o agrupamento de estádios do mal descrito pelo emérito especialista: 1) dôr ocular e corrimento auricular; 2) infecção geral discreta (low grade sepsis) ; 3) período de acalmia; 4) estágio terminal, meningite. Não vejo razão para se confundirem as fases do mal com seus sintomas.

Coates, Ersner e Myers, como também Taylor (154), descrevem com o nome de síndromo de Kopetzky um conjunto de vários sintomas: dôr orbitária noturna, vertigens, náuseas, insônia, dôr de cabeça, mastóide operada com drenagem da orelha média. Em nenhum de seus trabalhos Kopetzky descreve tal síndromo, que corresponde a todas as fases do mal, quando Kopetzky se esforça sobretudo por fazer o diagnóstico, antes que a petrite se exteriorize, isto é, antes que o mal sáia do rochedo para a cavidade craniana. Daí a sua contestação à valia do síndromo de Gradenigo, que é, em geral, tardio.

Em trabalho posterior, encerrando a discussão a respeito do mesmo, e referindo-se a dôr retro-bulbar que Friesner acentuara aparecer às vêzes em casos de trombose do seio lateral, declara Kopetzky (67) : "A dôr retro-orbitrária, acompanhada de infecção geral discreta e de radiografias com destruição do rochedo, em casos em que radiografias anteriores revelaram pneumatização franca do rochedo e da mastóide, mas sem necrose, constitue um quadro bem diverso do quadro da trombose".

7.° - Síndromo de Eves - Em 112 casos por êle estudados e tirados da literatura universal, achou Eves que o quadro clínico predominante é o seguinte: 1) dôres noturnas atrás e ao redor do olho; 2) corrimentto auricular recorrente ou contínuo: 3) temperatura correspondente a infecção discreta: 4) irritabilidade nervosa.

8.° - Síndromo de Seydell - Para Seydell o quadro clínico típico, em 41 casos estudados, pode cingir-se ao seguinte: 1) dôr nevrálgica; 2) corrimento do ouvido ou pela lesão operatória mastóidea; 3) infecção geral discreta; 4) frequentemente, paralisia do motor ocular externo: 5) observações radiográficas demonstrativas de destruição da ponta do rochedo.

E' inútil frizar que o autor reune no quadro mencionado sintomas de várias fases do desenvolvimento da lesão.

Apresenta-se nesta fase outro conjunto de valor diagnóstico: é o síndromo de Gradenigo com exame radiográfico positivo para lesões do rochedo. Seu valor é, de-fáto, igual ao do último síndromo descrito de Kopetzky, mas, infelizmente, só tem utilidade quando não se trata mais de petrite pura, mas de complicações desta.

E' claro, por consequência, pela exposição que se acaba de ler, que, como assevera Guild, "um síndromo de petrite é lógicamente impossível manifestar-se, ficando o diagnóstico a depender de um processo de integração de sintomas".

e) Os exames auxilares.

Resumem-se em três: a radiografia, a fórmula hemo-leucocitária, o exame do liquor. Só no primeiro me deterei; os outros têm valor muito relativo.

A radiografia do rochedo deve ser feita em várias incidências. Sussman, Kraus (80), Tato (151), preferem a posição de Stenvers; Kopetzky (68), Taylor (153), as de base, tipo Hirtz. Thienpont acha que, para o diagnóstico das acro-petrites, a incidência de Stenvers - Lowbeer - Herrnheiser basta para nos revelar todos os pormenores da estrutura óssea com tôdas as modificações patológicas. A verdade, porém, é que a maioria dos autores é acorde em declarar ser indispensável o emprêgo de pelo menos três incidências.

Tôda vez que há um processo inflamatório da orelha média em um indivíduo cujo rochedo é pneumatizado, mesmo que não haja o menor sinal clínico de petrite, as células do rochedo mostram-se veladas. O simples processo congestivo basta para causar êste véu. Assim o afirma a autoridade de Taylor (154). Como o dizem Coates, Ersner, Myers, "em muitas circunstâncias o radiologista é incapaz de distinguir entre petrite, petrite exsudativa e congestão da parte pétrea devida a anomalias venosas do crânio". Em um caso observado por Nichols, o véu das células do ápice não pôde ser distinguido entre edema das células, e ápice esponjoso ou ebúrneo. Acresce aínda ser notório, desde os estudos de Lériche, que tôda congestão óssea é acompanhada de descalcificação (Moulonguet 102).

Eisinger é de parecer que, da imagem radiográfica do rochedo, não podem absolutamente ser tiradas conclusões extensas para o diagnóstico, tal o número de êrros que daí pode advir.

Ao contrário, Arnoldson declara que, até mesmo antes que apareçam os sintomas clínicos típicos, podem as radiografias revelar a inflamação da ponta. Esta opinião não tem a sanção geral. Carmack reputa a rádio, por si só, um guia inseguro para a exploração do ápice. Taylor (154) diz que, conquanto o exame radiográfico possa fornecer informações grandemente úteis, não basta para que o diagnóstico final nêle se possa basear. "O perigo está em fazer-se o diagnóstico da petrite baseado sómente na radiografia" acentua Law; "creio que em tais casos podemos dar ao quadro clínico 75 % das glórias do diagnóstico, e à radiografia os 25% restantes".

Nichols não esconde que "a esfera do diagnóstico radiológico da petrite é completamente limitada, e que a operação só deve ser levada em conta quando há sintomas definidos".

A divergência dos dados por mim colhidos entre o estudo radiográfico e o estudo anatômico de duzentos temporais isolados, sêcos, são uma prova concreta, insofismável, de que não se deve exigir demais do exame radiográfico, e de que seu valor, infelizmente, não é tão grande quanto o julga grande número de otologistas,

CONCLUSÕES

l.ª - A inflamação do rochedo não deve ser chamada petrosite, e sim petrite (de pétra, rochedo), termo perfeitamente justo, e que tanto se refere à osteíte como à osteomielite da pirâmide.

2.ª - Como já está sobejamente demonstrado pela observação clínica, a petrite pode ser sómente da parte basal do rochedo, isto é, da parte que fica para fora do conduto auditivo interno; e pode ser apical, isto é, da parte interna ao mesmo conduto. A primeira pode chamar-se basti-pedrite (de basos, base), e a segunda de acro-petrite (de ákra, vértice). Quando o processo fôr generalizado, poder-se-á chamá-lo pan-petrite.

3.ª - O rochedo tem quatro faces, que topográficamente são: 1 ) ântero-súpero-externa; 2) póstero-interna; 3) ântero-ínfero-externa; e 4) ínfero-ínterna.

4.ª - A pirâmide rochosa, como a mastóide, pode ter contextura pneumática, esponjosa ou diplóica, esclerosa ou ebúrnea, e mixta. A pneumática pode ser de células pequenas, médias ou grandes.

5.ª - A frequência de pneumatização do rochedo varia. Kraus achou 25 % ; Belinoff e Balan,
35 % ; Carmack 32 % ; Myerson, Rubin e Gilbert 11 % (em 200 temporais dos quais 36 de crianças); Friesner, Druss, Rosenwasser e Rosen, 16,6%, Ziegelmann; 17% na face anterior; 22% na posterior; 14% na inferior.

6.ª - A frequência de pneumatização da ponta oscila igualmente muito. Glick, pelo estudo histológico, encontrou-a em 35 % dos casos; Tobeck, radiológica e anatômicamente, em 13 %; Hagens em 25 temporais estudados anatômicamente 25 histológicamente, 28 % ; Friesner, Druss, Rosenwasser e Rosen, histológicamente, 24 temporais, 5 % ; Ziegelmann, anatômicamente, 6 %.

7.a - Em duzentos temporais sêcos, isolados, estudados radiogràficamente, verifiquei, quanto às mastóides: 41,5% pneumáticas; 13,3% diplóicas; 29% pneumo-diplóicas; 6,5% esclerodiplóicas; 2 % esclerosas; 7,5% pneumo-esclerosas. Quanto à ponta do rochedo, 28,5% eram pneumáticas; 31,5% diplóicas; 36% pneumo-diplóicas; 4% esclero-diplóicas. Em 5 % dos casos havia divergência entre a ponta direita e a esquerda. Das 57 pontas pneumáticas em 12 (21%,) se tratava de células pequenas; em 24 (42%) de células médias; em 21 (36,8%) de células grandes.

8.a - Do estudo radiográfico em apreço fica patente não haver relação entre a estrutura da mastóide e a do rochedo.

9.ª - O estudo anatômico dos 200 temporais revelou que a ponta era: pneumática em 35,5 % dos casos; diplóica em 15,5%, esclerosa em 8,5 % ; pneumo-diplóica em 13,5 % ; pneumo-esclerosa em 13%; e diplo-esclerosa em 14%. Em 22 vêzes o ápice direito era de estrutura diferente do ápice esquerdo. Das 35,5% pontas pneumáticas 22,5% eram de células pequenas; 6 % de células médias; 7 % de células grandes.

10.ª - O estudo radiográfico não concordou com o anatômico: quanto às pontas pneumáticas, por exemplo, aquele deu 28,5% e êste 35,5%. Ficou evidente que na rádio não se distingue a ponta esponjosa da esclerosa.

11.a -Entre as células grandes há uma de 32,5 mm. x 14 x 9, que é a maior até agora descrita.

12.ª - O ângulo de inserção do rochedo na escama e na mastóide, e, por conseguinte, o eixo do conduto, varia muito, não podendo servir de reparo para métodos cirúrgicos. O ângulo borda superior-escama mediu, nos 200 temporais, de 40 a 70 graus, sendo o mais comum o de 50°, que foi encontrado em 24 % dos casos. A idade não influe: num temporal de uma criança de um dia, o ângulo era de 50°.

13.ª - Mouret classificou em oito grupos os espaços celulares do rochedo; Girard descreveu sete; Schlander reduziu-os a três; Myerson, Rubin e Gilbert a dois, cindidos em seis subgrupos e mais um de células da ponta; Tobeck admite 4. Mouret e Seigneurin provaram que todas as células do rochedo, estejam localizadas onde estiverem, são prolongamentos ou dependências da caixa do tímpano. Tremble repetiu há pouco as experiências dêsses autores, chegando a resultados análogos. E fora de dúvida que esta divisão dos grupos celulares é arbitrária. O rochedo é ocupado pelo labirinto, por canais ósseos, e no restante por osso esponjoso medular ou pneumático que se distribue sem regras fixas ou passíveis de sistematização.

14.ª - As vias, por intermédio das quais a infecção se difunde da caixa ao rochedo e a seu ápice, dependem da situação das células. Se os pontos de partida são, invariàvelmente, a caixa ou o antro, as vias variam de acôrdo com a distribuição das células.

15.a - Ha seis tipos de supuração do rochedo: a) baso e acro-petrites independentes, sem mastoidite; b) baso e acro-petrites concorrentes com mastoidite: c) baso e acro-petrites secundárias, resultantes de peri-labirintite supurada, após mastóidectomia (Lempert).

16.ª - A petrite pode ter dois aspectos: a petrite em osso pneumático, que é uma osteíte, e é a petrite comum; e a petrite em osso diplóico ou mixto, que é uma osteomielite.

17.a - Por petrite deve entender-se a osteíte ou osteomielite do rochedo, quando o processo se acha ainda confinado às quatro paredes da pirâmide. Quando a vítrea já foi perfurada, teremos não uma petrite, mas uma complicação (abcessos subdural, sinusal, retro ou látero-faríngeo, etc.). Petrite em rigor é somente o que os autores chamam petrite fechada.

18.ª - Apresenta o processo três fases: a) a de invasão, contemporânea à invasão da caixa e do antro; b) a de necrose inter-celular, quando os septos são destruidos e começa de fato o processo de osteíte; c) a de exteriorização, quando a vítrea da pirâmide é perfurada em qualquer das quatro faces, e surgem as complicações.

19.ª - O diagnóstico na primeira fase é inexequível. Na segunda, só pode se fazer um diagnóstico de suposição. O diagnóstico só é em geral possível de ser firmado, no terceiro período, donde se conclue ser impossível diagnosticar-se seguramente a petrite pura.

20.ª - A dôr ocula, como a orbitária, não tem o significado que certos autores, mórmente os americanos, lhe emprestam. Em 129 casos indubitáveis de petrite, tanto da base como da ponta, a dôr ocular (dentro, atrás, ao redor do ôlho ou sôbre êle) só foi observada 48 vêzes (37,2 % ), 13 vêzes por autores de vária nacionalidade, 35 por autores americanos. As observações são 66 dêstes e 63 daqueles. A dôr orbitária (geral, atrás da órbita ou sobre ela) foi observada em 1 7 casos (13,1%). A dôr têmporo-parietal encontrou-se 44 vêzes (34,1 % ). As dôres frontal e occipital manifestaram-se em 26 casos. A dôr óculo-orbitária apareceu, pois, em 50,7% dos casos, e o frontotêmporo-paríeto-occipital em 54,6%. Não é, portanto, exáto que a dôr órbito-ocular seja sintoma mais significativo do que a dôr fronto-têmporo-paríeto-occipital.

21.ª - A dôr ocular tem se manifestado em caso de sequestro da região do seio lateral; em irritação da região do orifício timpânico da trompa; em casos de abcesso cerebral. Curetando-se determinada cavidade, a dôr se fazia sentir, ora no ôlho ara nos dentes, de acôrdo com a profundidade em que a cureta era manejada. Além disso, em casos em que a histologia revelou lesões inflamatórias do nervo e do gânglio de Gasser, as dôres não se haviam manifestado durante a vida do paciente. A dôr tem sido verificada do lado oposto à lesão, embora êste lado esteja normal. Por conseguinte, a dôr ocular não tem, nas petrites, o valor que se lhe quer emprestar.

22.ª - A paralisia simples do motor ocular externo também não é sintoma que mereça fé. Apareceu, em 145 casos típicos de petrite, ria proporção de 64,1 % , sendo, portanto, mais constante do que a dôr.

23.a - O corrimento caracteriza-se pela abundância e sobretudo pelo seu curso descontínuo, pois que se faz por verdadeiras descargas. Quando o paciente já foi operado de mastoidite,
é significativo o fluxo ser abundante ora sei pelo conduta, ora só pela mastóide.

24. ª - Os síndromos são os elementos mais preciosos de diagnóstico, mas só permitem o diagnóstico das complicações, e não da petrite pura. a) O de Eagleton (dôr retro-ocular +septicemia) não permite diagnóstico senão de abcesso extra-dural, tanto da ponta, como de qualquer parte do rochedo.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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