ISSN 1806-9312  
Sexta, 26 de Abril de 2024
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548 - Vol. 5 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1937
Seção: - Páginas: 37 a 40
ULCERA DA CÓRNEA E SINUSITE MAXILAR(*)
Autor(es):
DR. EDGARD DE CERQUEIRA FALCÃO (Santos)

A cura radical de uma ulcera da córnea infectada, rebelde durante três anos consecutivos a todos os meios de tratamento ordinariamente empregado, obtido rápida e brilhantemente após a abertura, raspagem e drenagem dos seios maxilares segundo a técnica de Caldwell-Luc, e mantidas sem recidiva alguma até o presente, num espaço de tempo superior a sete anos, constituem a razão de ser deste trabalho, que vem focalizar mais uma vez, as correlações fisiopatológicas existentes entre as cavidades para nasais e a órbita com seu conteúdo, o globo ocular e anexo.
OBSERVAÇÃO: - José F., japonês, encenador, atualmente com 40 anos, domiciliado á Rua Oswaldo Cruz, 425, nesta cidade de Santos.

Por volta do primeiro semestre de 1926, instalou-se nos dois olhos deste paciente processo de queratite ulcerosa, com o cortejo clássico de sintomas que costumam acompanhar tal afecção: dores, intensa fotofobia e blefaro-espasmos, injeção periqueratica, lacrimejamento - copioso etc. Tratou-se, a principio, aqui mesmo em Santos. Corrida à via-sacra de vários consultórios locais e não havendo apresentado melhoras, transportou-se para S. Paulo, em busca do almejado alivio para seus sofrimentos. Aí, em desespero de causa, conceituado oftalmologista chegou a propôr-lhe a enucleacão do olho em pior estado, contando obter dessa forma a regressão do outro lado. Nada conseguindo igualmente na Capital, seguiu adiante e locomoveu-se para Campinas. Ainda desta vez, não alcançando a suspirada cura nos serviços da "Princesa do Oeste", desiludido de ficar bom, regressou a Santos, recorrendo então, de novo, aos especialistas da terra. Depois de ter andado por Seca e Meca, experimentando toda a gama de medicações indicadas para jugular a doença em apreço, veio ter ao nosso serviço clinico, em princípios de Março de 1929. A ulceração do O. D., após longo batalhar, capitulara, cicatrizando e deixando mancha irregular, que ocupava parcialmente o hemisfério interno da córnea, poupando, todavia, o campo pupilar. A do O. E.. entretanto, resistia ainda a toda espécie de terapêutica local e geral prescrita pela legião de oculistas daqui e alhures, sem modificar o aspecto com que, de inicio, se apresentara: larga ferida central, de bordos sinuosos, circundados pelo tecido coreano restante, fortemente infiltrado. Reação periqueratica intensa, fotofobia e blefaro-espasmos acentuados completavam o quadro. Tal aspecto manteve-se estacionário até o mês de Abril seguinte, a despeito da medicação aplicada, seguindo a indicação do caso. Regressando nessa época da Bahia, onde acabara de fazer proveitoso estagio na clinica do meu grande mestre, Prof. Eduardo de Moraes, na qual tivera a ventura de assistir a curas prodigiosas de afecções oculares as mais diversas, mediante a abertura, raspagem e drenagem ampla dos seios maxilares, sempre clinicamente doentes, apresentando graus variáveis de anormalidade, encontrei o paciente em apreço a submeter-se com regularidade aos tratamentos local e geral, que nenhuma modificação operavam no seu estado. Sem maiores ponderações, tendo em mente os extraordinários sucessos que presenciara na Cidade do Salvador, resolvemos agir de acordo com a orientação do Prof. Moraes. Examinando-lhe, as cavidades pré-nasais, notei, á transiluminação de Heryng, obscurecimento total de ambos os seios maxilares. Pela rinoscopia, porem, não se evidenciavam sinais clínicos de sinusite. Tinha os dentes da arcada superior em perfeitas condições. Proposta e aceita pelo desesperançado paciente a trepanação dos antros de Highmore, realizei esta intervenção em uma só sessão, sob anestesia loco-regional, obedecendo á técnica de Caldwell-Luc, o que ocorreu no dia 13-4-1929. Aberta àquelas cavidades, cujas paredes anteriores se achavam bastante espessada, encontrou inflamação discreta, á esquerda, traduzida por secreção catarral apenas, sem alterações microscópicas do revestimento mucoso; á direita, havia flagrante degeneração deste, que se mostrava ainda facilmente descolavel. Concluído todo às tempos do ato cirúrgico sem maiores incidentes, aguardou os resultados. Vinte e quatro horas após, era verdadeiramente surpreendente a melhora verificada: havia desaparecido a fotofobia, o blefaro-espasmos, a injeção peri-que- radica e a infiltração corneana, entrando a ulcera em franca cicatrização. Decorridos dez dias, integravam a cura, permanecendo apenas macula semelhante á do O. D., situada no hemisfério inferior e cobrindo em parte o campo pupilar. Depois da operação não modifiquei os curativos locais que vinham sendo feitos por ultimo, e que constavam somente de loções oculares com soluto de oxicianeto de Hg a 1-10.000 e instilação de argirol a 5%. No decurso pós-operatório, foi acometido de duas hemorragias sinusais tardias, de certo vulto, uma á direita, outra á esquerda. Consolidado o restabelecimento definitivo de meu observado, corrigi-lhe a refração com lentes adequadas, conseguindo então a seguinte acuidade visual:

O. D. - V=2/3 com esf. - 5,0.
O. E. - V=1/2 com esf. - 4.50 = cyl. - 1,0 a 145°.

Em face do que acaba de ser exposto, não resta a menor duvida sobre o efeito pronto e decisivo da intervenção nos seios maxilares relativamente ao evoluir do processo ulceroso corneana.Tal resultado conserva-se inalterado ha mais de sete anos. Não cabe, pois, lugar para pensar-se em mera coincidência. A explicação do mecanismo pelo qual se produziu a cura é difícil de dar. A hipótese de infecção focal é a mais plausível no caso. Entretanto, poder-se-ia estabelecer a seguinte controvérsia: sendo o antro direito o mais doente, como ponde regredir a inflamação do olho homologo, independente da erradicação do foco paranasal? Por outro lado, porque razão a queratite, á esquerda, só cedeu em seguida á supressão do estado inflamatório maxilar? São perguntas difíceis de responder satisfatoriamente com a atual soma de conhecimentos existentes. Escapam tais fatos ao domínio de nosso saber presente, passando para a classe imensa dos mistérios insondáveis do organismo humano.

Muito já se tem escrito acerca das complicações oculo-orbitarias das sinusites. Não virei portanto recapitular este tema, á guiza de comentários. A quem se interessar por este assunto, recomendo a leitura da magnífica monografia publicada em Paris, no ano de 1921, por F. Lemaitre, intitulada "Les complications orbito-oculaires des sinusites", e dos recentíssimos trabalhos de Octacílio Lopes, de Catanduva, e Edmund Spaeth, de Filadélfia: o primeiro, subordinado á epigrafe "Complicações orbito-oculares da sinusite maxilar" apresentado á "Segunda Semana de Otorrinolaringologia", reunida em S. Paulo, no mês de julho p. p., e o ultimo inserto em "The Laryngoscope", n.° 4, Abril de 1936, pág. 275, sob o titulo "The ophtalmological relationship to the nasal acessory sinuses". Todavia, como remate á observação que deu lugar a esta minha comunicação, quero ainda aludir ao êxito obtido por Mangabeira-Albernaz, em indivíduos acometidos de tracoma complicado de lesões corneana diversas, graças á abertura, curetagem e drenagem dos seios maxilares. No começo de l929, visitando a Bahia, aquele colega teve, como eu, a atenção despertada pelo Prof. Moraes para os magníficos efeitos conseguidos em certos casos de afecções oculares crônicas, refratarias á terapêutica habitual, mediante a simples trepanação dos antros de Highmore, que, via de regra, se mostravam doentes, em grau variável segundo as circunstancias. Voltando para Campinas, onde dispunha de vasto campo de observação, tratou Mangabeira Albernaz de apurar até onde chegavam tais correlações, iniciando, em colaboração com Carlos P. Stevenson, estudos naquele sentido. A titulo de nota prévia, comunicou logo a seguir á "Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo", sessão de l5-3-l929, um trabalho epigrafado "Tracoma e sinusite maxilar", que foi depois estampado no "Brasil-Medico", n.° l4, de 6-4-l929, pág. 377. Constava o mesmo de quatro observações, selecionadas entre os doentes que não conseguiam melhorar com os métodos clássicos e que, ao lado das formas conjuntivas daquela enfermidade, ostentavam lesões da córnea acompanhadas de reações inflamatórias intensas. Praticada a Caldwell-Luc em todos eles. foram encontradas alterações antraz diversas. Vinte e quatro horas após o ato cirúrgico retro, o séqüito de sintomas flogisticos corneana desapareceu sem exceção, produzindo-se a cura clinica num período de oito a dez dias, exatamente como no meu caso.
Finalizando, rendo justa homenagem á preclara figura do Prof. Eduardo de Moraes, que foi o primeiro, em nosso meio, a chamar insistentemente a atenção para as estreitas ligações patológicas existentes entre as cavidades para-nasais, particularmente o seio maxilar, e o aparelho visual, inaugurando, por assim dizer, o estudo em alta escala das infecções focais craniofaciais no Brasil.

RESUME

DR. EDGARD DE CERQUEIRA FALCÃO - "Ulcère de la cornée et sinusite maxillaire".

L'A. rapporte l'observation d'un malade qui, pendant environ trois ans, a eouffert d'ulcères infectées dana les deux yeux, lésions rebelles à toute medication. Le malade avait consulté nombre d'oculistes. ll fait une consultation avec l'A. au commencement de l929, alora que celui-ci, rentrait d'un voyage à Bahia, ou il avait frequenté le service du Prof. Moraea. D'après l'orientation de son maitre, l'A. prend la resolution d'ouvrir Ies sinus maxillaires du patient, ce qui determine la guérison radicale de l'ulcère de l'oeil gauche, l'autre s'étant déjà cicatrisé. La guérison s'est maintenue jusqu'à présent (8 années environ).




(*) Trabalho apresentado ao Congresso Medico Comemorativo do Centenário do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Santos, em 5 de Setembro de 1936.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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