ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
526 - Vol. 69 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2003
Seção: Artigo Original Páginas: 452 a 456
Proposta de estadiamento topográfico para papilomatose laríngea
Autor(es):
Melissa A.G.Avelino1,
Paulo A.L.Pontes2,
Luc L.M.Weckx3

Palavras-chave: papilomatose laríngea, classificação, estadiamento.

Keywords: laryngeal papillomatosis, classification, staging

Resumo: A papilomatose laríngea (PL) é uma doença que acomete principalmente as pregas vocais, epiglote e pregas vestibulares, mas pode atingir a laringe em toda sua extensão. Até o momento não existe consenso sobre como estadiar o local e a intensidade das lesões papilomatosas. Objetivo: Propor um estadiamento a partir da classificação do local e intensidade das lesões na laringe, que seja abrangente, de fácil entendimento e aplicação clínica pelo otorrinolaringologista. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e Método: Partimos da divisão da laringe em três níveis: supraglote (S), glote (G) e infraglote (I); e da adoção de quatro graus de acometimento, de 1 (leve) a 4 (mais intenso). Classificação proposta: S1 (lesão focal), S2 (menos de 2/3 de extensão da luz), S3 (mais de 2/3 da luz), S4 (obstrutiva ou traqueotomia); G1 (focal em prega vocal ou com.anterior ou posterior - menos de 1/3 de extensão da prega), G1a (em 1 prega vocal) G1b (nas duas pregas), G2 (mais de 1/3 de extensão), G2a (em 1 prega vocal), G2b (nas duas pregas), G3 (mais de 2/3 extensão), G3a (1 prega vocal), G3b (nas duas pregas), G4 (lesão obstrutiva ou traqueotomia); I1(focal), I2 (menos 2/3 extensão da luz), I3 (mais de 2/3 extensão) e I4 (obstrutiva ou traqueotomia). Baseando-se nesta classificação topográfica, obtivemos 4 estádios: I, II, III e IV. Realizamos avaliação de 74 laringoscopias de 10 pacientes com PL antes e após o tratamento com cidofovir para constatar a viabilidade desta proposta de estadiamento. Resultados: Todos os 74 exames analisados puderam ser submetidos à classificação e estadiamento. Conclusão: Concluímos que o estadiamento proposto apresentou viabilidade perante a população estudada.

Abstract: Laryngeal Papillomatosis is a disease that most often affect the true vocal folds, epiglottis, false vocal folds and may extend in the entire larynx. There isn't a consensus about a classification of the site and intensive of the lesions. Aim: To propose a staging based on the classification of the site and intensity of the lesions in the larynx that can have easily application for the physician. Study design: Clinical prospective. Material and Method: We divided the larynx in three sites: supraglottis (S), glottis (G) and infraglottis (I); and in four degree of extension. Classification: S1 (focal lesion), S2 (less than 2/3 of extension of the lumen), S3 (more than 2/3 of extension) and S4 (obstructive lesion or tracheotomy); G1 (focal lesion on the fold or on the anterior or posterior commissure - less than 1/3 of extension), G1a (only one vocal fold) G1b (both vocal folds), G2 (more than 1/3 extension of the vocal fold), G2a (only one vocal fold), G2b (both vocal folds), G3 (more than 2/3 extension of the vocal fold) and G4 (obstructive lesion or tracheotomy); I1 (focal lesion), I2 (less than 2/3 extension of the lumen), I3 (more than 2/3 extension of the lumen), and I4 (obstructive lesion or tracheotomy). Based on this topographic classification we obtain 4 stages: I, II, III e IV. We evaluated 74 laryngoscopes of 10 patients with laryngeal papillomatosis before and after the treatment with cidofovir to establish the viability of the staging. Results: All the exams could be submitted to the classification and staging. Conclusion: We concluded that the staging proposed was viable on the studied population.

Introdução

A papilomatose laríngea (PL) é uma doença que se caracteriza pela proliferação de lesões epiteliais benignas de aspecto verrucoso, que podem ser sésseis ou pediculadas, únicas ou múltiplas, e com freqüência confluentes, podendo levar à obstrução das vias aéreas superiores. A etiologia é viral, pelo papiloma vírus (HPV), principalmente os tipos HPV-6 e HPV-11. Segundo a literatura, na laringe os locais comumente acometidos são as pregas vocais, a epiglote, e as pregas vestibulares. Embora ocorra principalmente na laringe, a doença pode afetar a boca, o nariz, a faringe, o esôfago e toda a árvore traqueobrônquica1-3.

Trata-se de uma doença benigna que por muitas vezes apresenta um curso muito agressivo, o que causa frustração para os otorrinolaringologistas há séculos. Os tratamentos cirúrgicos, com remoção exclusiva das lesões, têm-se mostrado pouco eficazes. Muitas vezes as recidivas ocorre num período inferior a 2 semanas, o que exige manipulações repetidas da laringe, o que pode levar a seqüelas permanentes como estenoses, membranas anteriores e posteriores, lesões das pregas vocais, formação de tecido de granulação, entre outras.4-6.

Têm sido estudadas várias alternativas terapêuticas para o controle da doença, como o uso de interferon, antimetabólicos, podofilina, hormônios, terapia fotodinâmica, indol-3-carbinol e os antivirais. Os antivirais que já são utilizados nas papilomatoses laríngeas incluem o Ribavirin, o Acyclovir e mais recentemente o cidofovir. Dentre estes o Cidofovir têm mostrado os resultados mais animadores7-,11. Entretanto, ao revisar a literatura, constata-se a ausência de padronização para classificar e estadiar as lesões papilomatosas. Ao mesmo tempo, existe grande variação tanto em relação aos locais como também a intensidade do acometimento. Em 1998, Derkay12 sugeriu um estadiamento em que propôs a divisão da laringe em epiglote (superfície lingual, superfície laríngea), prega ariepiglótica direita e esquerda, bandas vestibulares direita e esquerda, pregas vocais direita e esquerda, aritenóides direita e esquerda, comissura anterior/posterior e subglote, e criou um score de 0-3, onde o 0 é ausência de lesões, 1, lesão mínima, 2, lesão moderada e 3, lesão intensa. Ele realizava a soma dos sítios comprometidos para quantificar a intensidade da doença e sua resposta à terapia. Posteriormente, Pransky et al.9,10, baseados neste estadiamento, demonstraram seus resultados com o uso do Cidofovir na papilomatose laríngea recorrente em crianças.

No entanto, a falta de um consenso internacional ou nacional para estadiamento do local e intensidade de acometimento das lesões na papilomatose dificulta a demonstração e comparação dos resultados nos tratamentos propostos para esta enfermidade.

Objetivo

Nosso objetivo é propor um estadiamento a partir da classificação do local e da intesidade das lesões na laringe, que seja abrangente e ao mesmo tempo de fácil entendimento e aplicação clínica para o otorrinolaringologista.



Tabela 1. Resultados da classificação e estadiamento das 74 laringoscopias estudadas:



Tabela 2. Distribuição do número de laringes segundo os quatro estádios.



Gráfico 1. O estádio das lesões nos 10 pacientes estudados, na sua apresentação inicial, após tratamentos sem cidofovir e finalmente após esta medicação.



Método

A classificação proposta dividiu a laringe em três níveis: supraglote (S), glote (G), infraglote (I); e em quatro graus diferentes quanto à extensão das lesões. Partindo-se de uma lesão focal (grau 1) até uma lesão obstrutiva (grau 4), sendo que o grau 0 representa ausência de lesões. A glote foi dividida em "a" e "b", quando as lesões se restringem a apenas uma prega vocal é considerada "a" e quando acometem as duas pregas é classificada como "b".

S (Supraglote)
 S1 (lesão focal com menos 1/3 de extensão da luz)
 S2 (um ou mais focos de lesão com menos de 2/3 de extensão da luz)
 S3 (lesão com mais de 2/3 de extensão da luz)
 S4 (lesão obstrutiva ou traqueotomia)

G (Glote)
 G1 (lesão focal em prega vocal ou em comissura anterior ou posterior, com menos de 1/3 de extensão da prega) G1a (em 1 prega vocal) G1b (nas duas pregas vocais)
 G2 (um ou mais focos de lesão com menos de 2/3 de extensão da prega) G2a (em 1 prega vocal) G2b (nas duas pregas)
 G3 (lesão com mais de 2/3 de extensão da prega vocal) G3a (1 prega vocal) G3b (nas duas pregas vocais)
 G4 (lesão obstrutiva ou traqueotomia)

I (Infraglote)
 I1 (lesão focal com menos de 1/3 de extensão da luz)
 I2 (um ou mais focos de lesão com menos de 2/3 de extensão da luz)
 I3 (lesão com mais de 2/3 de extensão da luz)
 I4 (obstrutiva ou traqueotomia)

Após esta classificação baseada na topografia das lesões na laringe, agrupamos em quatro diferentes estádios onde:

- Estádio I - 1 ou 2 níveis grau 1
- Estádio II - 3 níveis grau 1
1 ou 2 níveis grau 2
1 nível grau 3, com os demais grau 0 ou 1

- Estádio III - 3 níveis grau 2
1 nível grau 3, com os demais grau 2 ou 3

- Estádio IV - Qualquer nível grau 4

A seguir seguem alguns exemplos:
Realizamos o levantamento de 74 laringoscopias, com registro das imagens através de fotos de 10 pacientes adultos do Instituto da Laringe (INLAR), com papilomatose laríngea recorrente antes e após o tratamento com cidofovir, para constatar a aplicabilidade do estadiamento e demonstrar os resultados com o uso do cidofovir nestes 10 pacientes. Consideramos três momentos no processo: os estádios das lesões na primeira avaliação, após tratamentos usuais sem Cidofovir e finalmente após o uso desta medicação.

Resultados

Todos os 74 exames avaliados foram submetidos à classificação e estadiamento propostos. (Tabelas 1 e 2 e Gráfico 1).



Exemplo 1: S4G3aI0 - Estádio IV



Exemplo 2: S0G3bI0 - Estádio II



Exemplo 3: S2G3aI0 - Estádio III



Exemplo 4: S0G1bI0 - Estádio I



Exemplo 5: S0G1aI0 - Estádio I



Exemplo 6: S2G3bI0 - Estádio III



Exemplo 7: S0G2aI0 - Estádio II



Discussão

A clínica otorrinolaringológica necessita padronização de uma classificação para a papilomatose laríngea, para que possamos nos referir as lesões ou até mesmo aos novos tratamentos propostos para o controle da doença, através de uma linguagem única. A classificação proposta foi desenvolvida a partir da idéia do estadiamento TNM para tumores malignos, e pôde ser realizada em todos os pacientes estudados. Diante da enorme diversidade de apresentação desta doença, consideramos que este estadiamento seja abrangente e de fácil aplicação para as lesões papilomatosas da laringe.

Para demonstrarmos a aplicabilidade desta classificação utilizamos uma população de 10 pacientes com papilomatose laríngea da nossa Instituição e classificamos todas as recidivas destes pacientes com as terapêuticas usuais e após a retirada das lesões e injeção local de cidofovir, com intuito de exemplificar, e não de demonstrar resultados conclusivos desta nova forma terapêutica (Tabela 1). A maioria dos pacientes avaliados encontrava-se nos estádios I e II, e as lesões nos estádios III e IV foram mais raras (Tabela 2).

Todos os pacientes eram adultos e não apresentavam acometimento extralaríngeo. O nosso objetivo com esta classificação foi de demonstrar o acometimento das lesões na laringe em toda sua extensão, e não de abordar o acometimento extralaríngeo, pois sabemos que a doença pode acometer diferentes sítios da faringe, cavidade oral, cavidade nasal, esôfago e árvore traqueobrônquica. O nosso estadiamento permitiu demonstrar ao nível de supraglote, glote e infraglote, os locais e intesidade das lesões encontradas.

O Gráfico 2 representa os estádios das lesões nos 10 pacientes estudados em três momentos diferentes, na apresentação inicial antes do início de qualquer terapêutica, na última recidiva após tratamentos usuais antes do início do cidofovir e após o uso desta medicação no término da pesquisa. Dos dez pacientes estudados, sete não apresentavam recidiva das lesões no terceiro momento, ou seja, ao término do uso do cidofovir. Este gráfico nos permite exemplificar a utilidade do estadiamento para demonstrar os resultados de um tipo de terapêutica (cidofovir) no tratamento da papilomatose laríngea.

Conclusão

Concluímos que o estadiamento das lesões na papilomatose laríngea baseado na classificação topográfica como proposto apresentou viabilidade perante a população estudada.

Referências Bibliográficas

1. Cummings CH, Fredrickson JM et al. Otolaryngology Head & Neck Surgery. Third Edition Copyright © 1998 by Mosby. Vol.3, Cap.99, p. 1901-2.
2. François M. Encyclopedie Médico-Chirurgicale (Editions Scientifiques et Médicales Esevier SAS, Paris 2000) Oto-rhino-laryngologie, 20-705-A-10, 8p.
3. Kashima HK, Leventhal B et al. Sites of Predilection in Recorrent Respiratory Papillomatosis. Ann Otol Rhinol Laryngol 1993;102: 580-3.
4. Doyle DJ, Henderson LA et al. Changes in Human Papillomavirus Typing of Recorrent Respiratory Papillomatosis Progressing to Malignant Neoplasm. Arch Otolaryngol Head Neck Surg Nov 1994;120:1273-6.
5. Doyle DJ, Gianoli GJ et al. Recurrent Respiratory Papillomatosis: Juvenile versus Adult Forms. Laryngoscope May 1994;104:523-7.
6. Hartley C, Hamilton J; et al. Recurrent Respiratory Papillomatosis - The Manchester Experience, 1974-1992. The Journal of Laryngology and Otology 1994;108:226-9.
7. Kiroglu M, Cetik F et al. Acyclovir in the Treatment of Recurrent Respiratory Papillomatosis: A Preliminary Report. American Journal of Otolaryngology 1994;15:212-4.
8. McGlennen RC, Adams GL et al. Pilot Trial of Ribavirin for the Treatment of Laryngeal Papillomatosis. Head Neck Surg nov/dec 1993;504-13.
9. Pransky SM; et al. Intralesional Cidofovir for Recurrent Respiratory Papillomatosis in Children. Arch Otolaryngol Head Neck Surg; 1999;125:1143-8.
10. Pransky SM, Brewster DF; et al. Clinical Update on 10 Children Treated With Intralesional Cidofovir Injections for Severe Recurrent Respiratory Papillomatosis. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2000;126:1239-43.
11. Snoeck R; et al. Treatment of Severe Laryngeal Papillomatosis with Intralesional Injections of Cidofovir. Journal of Medical Virology 1998;54:219-25.
12. Derkay CS. Recurrent Respiratory Papillomatosis. Laryngoscope January 1998;111:57-69.




1 Pós-graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia/CCP da UNIFESP-EPM.
2 Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia/CCP da UNIFESP-EPM e Chefe do Setor de Laringologia e Voz.
3 Chefe da Disciplina de Otorrinopediatria da UNIFESP-EPM.

Endereço para Correspondência: R. Otonis 674 Vl. Clementino - Tel/Fax (0xx11)5539-7723 - E-mail: melissa.avelino@uol.com.br

Artigo recebido em 13 de novembro de 2002. Artigo aceito em 05 de junho de 2003.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia