INTRODUÇÃOA mucormicose é uma infecção fúngica, oportunista e fulminante, que acomete, principalmente, hospedeiros debilitados ou imunodeprimidos, sendo muito rara em indivíduos saudáveis.
REVISÃO DE LITERATURAA infecção está mais comumente associada a pacientes acidóticos, especialmente aqueles com cetoacidose diabética. A doença pode ser causada por dois grupos de fungos: Mucorales, que acometem, principalmente, indivíduos debilitados e imunocomprometidos, e Entomophtorales, que atingem indivíduos sadios e têm curso mais crônico. Mesmo em pacientes imunodeprimidos, a zicomicose permanece como uma infecção oportunista rara. Clinicamente, pode se manifestar através de seis entidades distintas. A zicomicose rinocerebral é a forma mais freqüente de apresentação, responsável por mais de 75% dos casos da literatura, sendo uma das doenças fúngicas mais rapidamente fatais. As hifas invadem os seios paranasais e o palato, estendendo-se para o seio etmoidal, região retroorbitária, e/ou SNC. Epistaxe, cefaléia grave, alterações do estado mental e oculares fazem parte do quadro clínico. O exame do nariz revela necrose das conchas nasais. Os achados oculares incluem proptose, edema periorbital, perda da acuidade visual e edema palpebral, podendo evoluir para exoftalmina, oftalmoplegia completa, cegueira e pupilas fixas e dilatadas. O diagnóstico depende do exame direto e histopatológico dos raspados e das biópsias do material necrótico. O tratamento baseia-se no diagnóstico precoce, com desbridamento cirúrgico agressivo e terapia com anfotericina sistêmica. Tem um prognóstico reservado, sendo que a zicomicose rinocerebral tem uma taxa de mortalidade de, aproximadamente, 50%.
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICOL. B. P., com 41 anos de idade, do sexo feminino, branca, natural e procedente de Ouro Preto /RO, foi admitida no Serviço de Emergência do HBDF com história de otalgia esquerda há 45 dias. A dor iniciou-se após retirada de um inseto do ouvido. Após cinco dias, iniciou quadro de febre alta, cefaléia holocraniana intensa, rigidez de nuca, paralisia facial periférica à direita, dor e hiperemia ocular. Esteve internada na sua cidade de origem por 40 dias, realizando tratamento para meningite; porém, persistiu com piora progressiva do quadro ocular, com o surgimento de proptose (Figura 1), edema facial e eliminação de secreção purulenta pela boca, sendo então transferida para o HBDF. A paciente gozava de boa saúde antes do início do quadro patológico atual e negava históriade patologias sistêmicas, como diabetes melittus, pneumopatias ou infecções recorrentes e o uso de drogas imunossupressoras. Ao exame, apresentava drenagem de secreção purulenta em região de pré-molares e caninos, fístula extra-oral e midriáticas, amaurose bilateral, necrose retiniana em AO, rigidez de nuca e paralisia facial periférica. À nasofibroscopia, coloração escurecida dos cornetos superiores e médios e tetos de fossas nasais. Exames laboratoriais constataram anemia normocítica e normocrônica, leucocitose sem desvio para a esquerda, hiponatremia e hipocalcemia leves, provas de função renal e glicemia e transaminases normais. IgG sérico discretamente elevada, IgA normal e sorologia negativa para HIV. O raio X dos seios da face demonstrava velamento parcial de todos os seios. A TC de órbitas e crânio (Figuras 2 e 3) demonstrou abcessos múltiplos orbitais e em partes moles da face, pansinusite, borramento da gordura orbital bilateral com duas condensações hipodensas, medindo cerca de 2 cm na órbita direita e espessamento difuso da musculatura extra-ocular. A radiografia de tórax revelou-se normal. O tratamento instituído consistiu de maxilarrectomia parcial e etmoidectomia bilateral, remoção dos dentes 14, 15 e 16, meatotomia média e orbitotomia, com remoção de material necrótico e purulento dessas áreas. O resultado do exame anatomopatológico revelou zicomicose (Figura 4), sendo iniciada a administração de anfotericina B (1 mg/kg/dia), imipenema e clindamicina. A paciente evoluiu com osteomielite da base do crânio e calota craniana, aparecimento, ao RX, de imagens com densidade de partes moles, sugestivas de processo inflamatório agudo, ocupando cavidades orbitárias, fossas inferotemporais, seios da face e estruturas de ouvido médio. A neurocirurgia afastou a possibilidade de abordagem cirúrgica dos ossos da base do crânio. Suspendeu-se o esquema anterior de antibioticoterapia e iniciou-se a terapia com cefpiroma e metronidazol. Realizada nova exploração cirúrgica dos seios da face e orbitotomia bilateral, com debridamento cirúrgico. A cultura do material revelou MRSA (Methicilin Resistant Staphilococus Aureus), patógeno comumente associado a pacientes submetidos a tratamentos hospitalares prolongados, e a paciente recebeu vancomicina por 28 dias. Obteve alta após seis meses de internação, com melhora do edema palpebral e da proptose, amaurótica e paralisia facial, fazendo uso de prednisona (5 mg/dia) e anfotericina B, semanalmente.
Figura 1. Foto da paciente, após a internação no HBDF.
Figuras 2 e 3. CT mostra abcessos em órbitas e alterações nasossinusais.
Figura 4. Exame histopatológico de material colhido das lesões sinusais.
DISCUSSÃOSinusite fúngica deve ser considerada em todo o indivíduo com sinusite crônica. As formas invasivas dos zicomicetos acomentem, normalmente, pessoas imunocomprometidas, principalmente as neutropênicas, diabéticas, portadores de hemocromatose e desnutridas, e caracterizam-se pelo início agudo de tosse, febre, ulceração nasal, epistaxe e cefaléia. Embora mais comum em pacientes com deficiência imunológica, a mucormicose pode, eventualmente, afetar indivíduos sãos. Sinais de mauprognóstico incluem necrose facial, deformidade nasal e hemiplegia. Existem casos crônicos descritos com até 20 anos de evolução, bem como casos com osteomielite de base do crânio e paralisia de pares cranianos. O tratamento consiste em desbridamento cirúrgico de todo o tecido invadido, associado à quimioterapia com anfotericina B, já que o fungo em tela, segundo a literatura disponível, não é sensível aos derivados azólicos, mesmo ao itraconazol. No caso descrito, não obstante tenha desenvolvido osteomielite de base do crânio sempossibilidade de abordagem por cirurgia, a paciente foi submetida a vários procedimentos cirúrgicos, não sendo possível a identificação precisa da espécie de fungo envolvida. Embora tenha a paciente apresentado melhora clínica, optou-se por se manter tratamento supressivo semanal com anfotericina B, já que não houve a possibilidade de comprovação da completa erradicação da infecção.
CONCLUSÃOMucormicose é uma infecção oportunista, e rara, com prognóstico reservado, que acomete mais freqüentemente indivíduos imunocomprometidos. O caso relatado é de interesse clínico, por tratar-se de diagnóstico de mucormicose sinonasal e periorbital em paciente imunocompetente.
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1 Médica Residente do 3º. Ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal.
2 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal.
3 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal.
4 Médico Chefe do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia do HBDF. e Preceptor de Residência Médica do PRM-ORL do HBDF.
Endereço para correspondência: Isnaldo Piedade de Faria - SQS 108 - Bloco D - Aptº. 404 - 70347-040 Brasília /DF
Telefone: (0**61) 9982-2438 - E-mail: isnaldopf@uol.com.br
Trabalho desenvolvido no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal (SMHS 102 - Bloco B - Asa Sul) - 70335-900 Brasília /DF.
Artigo recebido em 11 de janeiro de 2001. Artigo aceito em 02 de maio de 2001.