ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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520 - Vol. 67 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 2001
Seção: Relato de Casos Páginas: 722 a 725
Condrossarcoma de epiglote: relato de caso e revisão da literatura
Autor(es):
José V. Tagliarini 1,
Carlos E. Bacchi 2,
Seizo Yamashita 3,
Cristiane G. Cançado 4

Palavras-chave: condrossarcoma, laringe, laringectomia supracricóide

Keywords: chondrosarcoma, larynx, supracriccoid laryngectomy

Resumo: Condrossarcoma é o sarcoma mais freqüente da laringe. Sua incidência é maior na cartilagem cricóide do que nas outras cartilagens da laringe, sendo raro que ele se origine na epiglote. Relatamos no texto um caso de condrossarcoma originado na epiglote, no qual foi realizada laringectomia subtotal com crico-hioidopexia - e realizamos revisão da literatura.

Abstract: Chondrosarcoma is the most frequent sarcoma of the larynx. It is more prevalent in the cricoid and less prevalent in the other laryngeal cartilages. Chondrosarcoma is rarely located in the epiglottis. We reported a case of epiglottis chondrosarcoma that was treated with a supracricoid laryngectomy with cricohyoidopexy.

INTRODUÇÃO

Condrossarcoma é o tumor maligno caracterizado pela formação de cartilagem pelas células tumorais. É um tumor de crescimento lento, raramente encontrado na cabeça e pescoço, sendo a laringe um dos locais mais freqüentemente afetados na região1.

Na laringe o condrossarcoma é o sarcoma mais freqüente, ocorrendo em geral em pacientes com idade entre 50 e 70 anos, mas podendo ocorrer também em pessoas jovens. A relação homem - mulher é 3:1. O local mais comum de origem é a cartilagem cricóide (75%). Entretanto, têm-se reportado tumores originados nas cartilagens tireóide, aritenóide, epiglote e acessórias da laringe. A observação de alguns condrossarcomas originados da epiglote contradiz o conceito de que este tumor somente se origina em cartilagem hialina e não em cartilagem elástica2,3,5,6,7,12,14.

Relatamos caso de condrossarcoma da epiglote em paciente com 35 anos de idade, e apresentamos revisão da literatura sobre o tumor nessa localização anatômica.

Apresentação de Caso Clínico

S. A. N. C., tabagista há dois anos, com 35 anos de idade, do sexo feminino, procurou o Hospital, queixando-se de que há quatro meses estava com a voz abafada e dificuldade para engolir sólidos - com piora progressiva. Ao exame, apresentava lesão vegetante submucosa ocupando a face laríngea da epiglote, com extensão para as pregas ariepiglótica e vestibular esquerda. A lesão atingia o petíolo da epiglote, não afetava a glote e a mobilidade da laringe estava preservada. A voz era abafada, com um timbre discretamente grave. O exame do pescoço não apresentava linfonodos palpáveis. À endoscopia, a lesão acometia os terços anteriores das cordas vocais, poupando o restante das cordas vocais e as aritenóides, a mobilidade da laringe estava preservada. Foi realizada biópsia, que mostrou tratar-se de um condrossarcoma de baixo grau de malignidade. Após a biópsia, foi realizada avaliação da extensão do tumor com ressonância nuclear magnética. O exame mostrava, nas imagens em T1 nos cortes axiais e coronais, sem e com contraste, evidente lesão sólida com hipossinal. Observava-se realce periférico após injeção endovenosa de contraste, e os contornos eram irregulares. O tumor estava restrito à supraglote, localizado na epiglote e com aparente distorção do seio piriforme à esquerda. A lesão tinha forma assimétrica e media de 3-3,5 cm em seu maior diâmetro. Em densidade de prótons T2, mostrava aumento da intensidade de sinal. Como a lesão era restrita à supraglote e a mobilidade da laringe estava preservada, foi programada uma Laringectomia supraglótica; e, durante a cirurgia, ampliamos a ressecção, realizando laringectomia subtotal, com crico-hiodeopexia. Removemos o espaçopré-epiglótico e a cartilagem tireóide e preservamos as duas aritenóides, toda cartilagem cricóide e o osso hióide. A seguir, foi realizada a pexia da cricóide no osso hióide, com fios de sutura, reconstruindo a laringe. No 11º PO foi retirada a cânula de traqueotomia. Desde a primeira semana após a cirurgia, a paciente recebeu tratamento para reabilitação da deglutição. Apresentou um episódio de pneumonia aspirativa no 20º PO; e, após 30 dias, foi possível a retirada da sonda nasogástrica. O exame anatomopatológico mostrou, na macroscopia, que a lesãoacometia toda epiglote, tinha aspecto bocelado, cor branca, áreas mixóides e consistência cartilaginosa. Media 3,7 x 2,5 x 2,5 cm. O exame microscópico mostrava que se tratava de condrossarcoma bem diferenciado, de baixo grau de malignidade. A paciente após 30 dias da cirurgia estava sem traqueotomia, alimentava-se normalmente e apresentava uma voz aceitável, embora de timbre grave. Na ressonância nuclear magnética, realizada após seis meses da cirurgia para controle, não foi observado qualquer sinal de recidiva. Encontra-se atualmente em bom estado, sem sinais de recidiva ao exame clínico, tem a deglutição normal; e, mesmo após reabilitação vocal, permanece com uma voz grave.



Figura 1. Peça cirúrgica do tumor de epiglote. A massa tumoral é bocelada, e a superfície externa é lisa, brilhante com área de hemorragia focal.



Figura 2. Corte histológico do condrossarcoma revelando padrão lobulado de crescimento e moderada celularidade. As células neoplásicas tem aspecto lacunar e núcleos hipercorados (hematoxilina: 200x).



Figura 3. Exame de ressonância nuclear magnética em cortes axial evidenciando o tumor supraglótico.



Figura 4. Ressonância nuclear magnética em corte coronal evidenciando a extensão do tumor.



Figura 5. Exame de ressonância nuclear magnética de controle em corte coronal mostrando luz adequada na laringe sem sinais de recidiva tumoral.



DISCUSSÃO

Os condrossarcomas apresentam-se como massas lobuladas submucosas, de forma arredondadas ou ovaladas, recobertas por mucosa laríngea intacta. Em geral, é de consistência endurecida, mas pode apresentar áreas amolecidas e, eventualmente, áreas com degeneração cística. Apresenta a tendência de se desenvolver dentro da própria cartilagem e raramente, ou em casos de recorrência, pode estender-se para fora do pericôndrio externo, invadindo os tecidos vizinhos4.

Os condrossarcomas podem ser de baixo grau (Grau I), grau médio (Grau II) e alto grau (Grau III). O padrão histológico do condrossarcoma de baixo grau é similar ao do condroma benigno. No grau I, a neoplasia é composta de abundantes matrizes cartilaginosas basofílicas e metacromáticas, em que as células exibem núcleos pequenos e hipercorados. Ocasionalmente, encontram-se células binucleadas ou multinucleadas. Irregularidades nucleares e nucléolos proeminentes são indicativos de malignidade. As mitoses geralmente são ausentes4. Os condrossarcomas de grau médio exibem uma celularidade crescente, particularmente na periferia dos lóbulos. As mitoses são escassas. Os condrossarcomas de alto grau exibem pronunciada celularidade, com células grandes binucleadas e multinucleadas. As mitoses são freqüentes1.

O condrossarcoma da laringe é agressivo localmente, embora possa metastizar tanto por via hematogênica quanto por via linfática. As metástases ocorrem mais freqüentemente para pulmões e linfonodos regionais. Podem ocorrer também metástases para rim, baço e vértebras cervicais3.
O condrossarcoma é a neoplasia mesenquimal maligna mais freqüente da laringe11. Em recente revisão, Nicolai e colaboradores relatam aproximadamente 200 casos do condrossarcoma da laringe na literatura11.

Os sintomas apresentados nos pacientes com esse tumor consistem de rouquidão progressiva, dispnéia e disfagia, variando estes de acordo com a localização do tumor. A dispnéia predomina se a neoplasia tem extensãoanteriormente para dentro do lumen da via aérea. Se o tumor se desenvolve posteriormente para a faringe, pode causar disfagia. Como essas neoplasias são usualmente de crescimento lento, o paciente adapta-se ao progressivo estreitamento da via aérea, até que um episódio de dispnéia aguda o leve a uma traqueotomia de emergência8. Como já foi descrito na literatura, o primeiro sinal clínico pode ser a paralisia de corda vocal, aparentemente não associada com outras lesões laríngeas ou não laríngeas, denominadas de idiopáticas. A paralisia de corda vocal é quase exclusivamente um sinal precoce do condrossarcoma da cartilagem cricóide e pode ser relacionada ao envolvimento do nervo recorrente ou a fixação da articulação cricoaritenóidea8,11.

O condrossarcoma da laringe raramente é descrito como primário da epiglote3,5,6,7,14. Quando se origina da epiglote e envolve somente a região supraglótica, a ressecção supraglótica é o tratamento de escolha3,6. O condrossarcoma da laringe deve ser tratado com excisão ampla, com preservação da laringe e realização de laringectomia parcial, quando for possível preservar esqueleto laríngeo suficiente para evitar estenose4. No presente caso, a ressecção supraglótica não era possível, devido à invasão do petíolo da epiglote. Como as duas cordas vocais não estavam comprometidas no seu terço anterior e apresentavam mobilidade normal, com as duas aritenóides preservadas, optamos por ressecção mais ampla (laringectomia subtotal, com crico-hioidopexia segundo a técnica descrita por Laccourreye)9. Acreditamos que essa técnica seja segura para a ressecção de condrossarcomas restritos a supraglote. Não realizamos dissecção cervical no paciente, pois a maioria dos relatos mostra que a incidência de metástases cervicais é baixa - e esse procedimento está indicado na presença de linfonodos clinicamente comprometidos11.

O prognóstico da neoplasia depende da extensão do tumor, do seu grau de diferenciação e também de um tratamento primário adequado. O condrossarcoma de Grau I usualmente mostra malignidade local com mínima propensão a metastizar. As metástases são mais freqüentes em condrossarcomas de grau II ou III1.

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1 Professor do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
2 Professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
3 Professor do Departamento de Radiodiagnóstico da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
4 Médico Residente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.

Endereço para correspondência: José Vicente Tagliarini - Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Distrito de Rubião Júnior, s/n - 18618-000 Botucatu /SP - Telefone/ Fax. (0xx14) 6802-6256.

Artigo recebido em 24 de abril de 2000. Artigo aceito em 6 de fevereiro de 2001.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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