INTRODUÇÃO
Crianças são primariamente respiradores nasais e esta preferência persiste durante a vida adulta. Respiração oral ou oronasal é usualmente limitada a condições de demanda do exercício, uso vocal ou quando patologias nasais impedem o fluxo de ar através do nariz. As taxas de ventilação pelas cavidades nasais podem exceder 10.000 litros ao dia12, conseqüentemente, o nariz é diariamente exposto aos efeitos de substâncias presentes no ambiente.
A histologia da mucosa nasal é similar à das vias respiratórias inferiores, portanto, processos inflamatórios nas cavidades nasais podem refletir ou afetar a via aérea inferior. Assim, uma resposta inflamatória vista no nariz pode ser um sinal de alerta de inflamação na via aérea inferior.
O termo biomarcador é definido como um indicador bioquímico, molecular, genético, imunológico ou fisiológico de eventos ocorrendo nos sistemas biológicos3. Como as passagens nasais são o primeiro sítio de contato e a primeira linha de defesa contra os contaminantes ambientais, o nariz representa um excelente local para avaliação de biomarcadores. Em estudos epidemiológicos com grande número de indivíduos e mesmo em estudos com populações menores investigadas, é importante utilizar uma técnica que seja relativamente não-invasiva, de baixo risco e simples de executar. A lavagem nasal ou nasofaríngea (LN) é fácil de coletar, segura e pode fornecer informação útil para o monitoramento da inflamação das vias aéreas. Sua utilização deveria ser considerada sempre que o nariz é objeto de estudo.
A anatomia nasal fornece uma superfície mucosa facilmente acessível tanto para coleta de amostras como para teste de provocação. Conseqüentemente, com a lavagem nasal é possível coletar freqüente e repetidamente. As medidas dos efeitos podem também ser realizadas minutos (ar seco, frio), horas (resposta tardia à antígenos, ozônio) ou dias (infecções por rhinovírus) após o indivíduo ter sido exposto4.
A lavagem nasal pode detectar alterações celulares após exposição a alergenos, irritantes ou agentes infecciosos. Bascom e colaboradores demonstraram um aumento significativo no número de eosinófilos nas 3 primeiras horas após provocação com antígenos e durante a fase tardia (4-11h) também em neutrófilos e células mononucleares5. Similarmente, um grande número de poluentes, tais como fumaça do cigarro e ozônio, têm demonstrado induzir um influxo de leucócitos polimorfonucleares (PMN's) para as vias aéreas superiores e inferiores de indivíduos expostos4. Mas ainda é debatido se o nariz pode ser aceito como um modelo para fisiopatologia da inflamação das vias aéreas inferiores, embora os mesmos tipos celulares na região nasal e nasofaríngea também existam no trato respiratório inferiore são reconhecidos por estarem envolvidos nos estágios iniciais de muitas doenças pulmonares9.
Graham e colaboradores1 demonstraram que a análise da lavagem nasal pode ser usada para detectar a indução e resolução de uma resposta inflamatória aguda no trato respiratório superior de seres humanos experimentalmente infectados com rhinovírus 39 - agente infeccioso desta região. Além disso, este estudo demonstrou que 4h de exposição ao ozônio induz um influxo de PMN's, um indicador de inflamação aguda, nas vias aéreas superiores. Um outro estudo de Graham e colaboradores2 examinaram a relação entre a resposta inflamatória na via aérea superior e inferior, e determinaram a utilidade da lavagem nasal em predizer as respostas celulares no trato respiratório inferior. Eles encontraram que um influxo de PMN's ocorreu nas vias superiores e inferiores em resposta ao ozônio. Embora os PMN's tenham aumentado significativamente na lavagem nasal e broncoalveolar do mesmo indivíduo, os leucócitos polimorfonucleares obtidos da lavagem nasal não puderam predizer o número total de PMN's broncoalveolares. Isto sugere que as respostas inflamatórias na cavidade nasal e nasofaringe são similares às vistas no trato respiratório inferior.
Recentemente, um estudo realizado na Suécia para avaliar a presença de poluentes dentro de escolas demonstrou aumento da concentração de biomarcadores na lavagem nasal das pessoas que trabalham nestes ambientes7.
REVISÃO DE LITERATURA
Biomarcadores de Inflamação
O fluido resultante da lavagem nasal é normalmente avaliado para células, mediadores imunológicos e marcadores de exsudato. O número de células epiteliais e leucócitos presentes na LN pode ser medido e, através de métodos de coloração, a contagem diferencial pode ser obtida. Variações padrão do número de células para indivíduos normais ainda não foram estabelecidas. Steerenberg e colaboradores encontraram após a lavagem nasal em indivíduos normais que a proporção média de neutrófilos é 88.8 ± 24%, de eosinófilos é 11.1 ± 24% e de linfócitos é 0.2±0.6%, em relação a todos os leucócitos. Graham e colaboradores demonstraram a freqüência de distribuição do número de PMN's detectado na lavagem nasal de 200 voluntários não-expostos experimentalmente. Os resultados indicaram que aproximadamente 50% dos indivíduos tinham menos que 10.000 leucócitos polimorfonucleares, enquanto 10% tinham mais que 100.000 PMN's. Além da grande variabilidade inter-individual na contagem celular, a variação intra-individual para contagem de neutrófilos também é alta. Fischer e colaboradores encontraram um coeficiente de variação(CV) de 98% utilizando pelo menos 5 lavagens subseqüentes, e, usando os dados para contagem de leucócitos no estudo de Hauser e colaboradores e transformando para CV, uma percentagem de 68% é encontrada para um mínimo de 2 lavagens subseqüentes10.
Os neutrófilos contém um grande número de grânulos com diferentes enzimas. Mieloperoxidase (MPO) é uma delas, e quando presente nas secreções nasais correlaciona-se com o número de neutrófilos, indicando que a concentração de MPO pode ser um biomarcador apropriado para a ativação neutrofílica11.
Histamina, liberada pelos mastócitos e basófilos, causa contração de músculos lisos (principalmente dos bronquíolos), dilatação e aumento de permeabilidade de capilares sangüíneos. Concentrações aumentadas de histamina na LN têm sido demonstrado em pacientes alérgicos e asmáticos6.
Proteína Catiônica Eosinofílica (PCE) é liberada pelos eosinófilos e tem a capacidade de romper a integridade da cobertura epitelial da vias aéreas. Foi demonstrado que níveis elevados de PCE correlacionam-se com número elevado de eosinófilos em pacientes alérgicos. Além disso, a concentração de PCE aumenta após elevação das concentrações ambientais de ozônio10.
Triptase é encontrada em mastócitos e basófilos, e juntamente com a histamina é liberada durante a degranulação. A triptase não é encontrada na lavagem nasal de indivíduos normais10.
A concentração de citocinas na LN também pode ser medida. Interleucina 8 (IL-8), uma potente citocina ativadora de neutrófilos, tem sido implicada numa grande variedade de condições patológicas caracterizadas por infiltração neutrofílica. Além disso, provocação da mucosa nasal com IL-8 em pacientes atópicos e não-atópicos induz um aumento significativo de neutrófilos e eosinófilos, indicando que a IL-8 é um poderoso quimioatraente para PMN's na mucosa10.
Marcadores de exsudato podem ser identificados na secreção nasal quando mudanças nas permeabilidades celulares produzem extravasamento de tais moléculas. Um aumento na concentração de albumina ou ácido úrico é indicativo de permeabilidade aumentada11.
Óxido nítrico (ON) é produzido por muitas células do trato respiratório e o ON endógeno parece exercer um papel importante de sinalização no controle fisiológico das vias aéreas e na fisiopatologia das doenças do trato respiratório10. Asma, fibrose cística e infecções das vias aéreas inferiores, são alguns exemplos de estados com aumento dos níveis de ON expirado. Óxido nítrico também pode ser medido por lavagem nasal segundo Barnes and Liew10.
Através de lavagem nasal é também possível identificar muitos outros biomarcadores, incluindo prostaglandinas, kininas, serotonina e complemento.
Técnica da Lavagem Nasal
Existem muitas técnicas para realização da lavagem nasal. Embora a técnica ainda não esteja padronizada, geralmente é realizada de duas maneiras.
O primeiro método (método de "bolus") requer mínimo treinamento. Com o indivíduo sentado, o pescoço 45o para trás e fazendo uma inspiração profunda, solicita-se que segure a respiração e eleve o palato ou tente realizar uma deglutição parcial a fim de fechar a cavidade nasofaríngea, conseqüentemente melhorando a habilidade para manter o fluido na cavidade nasal. Uma seringa ou pipeta de poliestireno com 10ml de soro fisiológico estéril, aquecida à 37o, é utilizada para instilar 5ml em cada narina. O fluido é mantido nas cavidades nasais por 10 segundos e, então, o indivíduo flexiona a cabeça e permite que o lavado flua para dentro de um recipiente estéril. O lavado nasal é em seguida transferido para tubo de teste graduado.
O volume do fluido coletado é anotado e utilizado para ajuste na contagem celular. As amostras são agitadas para dispersar o muco e centrifugadas. O supernatante é removido após a centrifugação para análise protéica posteriormente. As células são ressuspensas em soro fisiológico ou solução tampão de fosfato, e uma alíquota é recolhida para contagem celular total em um hemocitômetro. Das células remanescentes, uma parte é usada para preparar lâminas para a contagem diferencial.
Um segundo método de lavagem nasal foi introduzido por Penden e colaboradores. A LN é realizada utilizando-se um instilador nasal dosimetrado, com solução salina estéril e na temperatura ambiente. É instilado 5 vezes em uma narina enquanto a outra é ocluída, após isso o indivíduo é instruído para expirar o lado lavado num recipiente. Esta seqüência é repetida 5 vezes em cada lado do nariz e o lavado coletado é guardado.
Ambos os métodos podem ser facilmente realizados e têm vantagens relativas. O método de 'bolus' consegue coletar uma amostra maior da porção posterior da cavidade nasal, enquanto o método de spray recolhe uma concentração maior de mediadores da região anterior da cavidade nasal. Em geral, o resultado de mediadores solúveis é mais acurado do que a contagem celular, pois as células podem ficar retidas no muco nasal. Entretanto, a avaliação da celularidade nasal pode ser feita com ambas as técnicas8.
Deve ser enfatizado que enquanto não houver uma técnica padrão para realização da lavagem nasal, torna-se difícil a comparação de resultados de celularidade, por exemplo, entre os diferentes estudos. Alguns pesquisadores realizam uma lavagem antes de um teste de provocação, enquanto outros realizam 5 lavagens antes de qualquer exposição. É sabido que a LN pode exercer um efeito de limpeza ('washing out') da cavidade nasal. Isto pode explicar a grande variabilidade nas contagens celulares entre indivíduos. Conseqüentemente, é muito importanteestabelecer uma técnica padrão para lavagem nasal a fim de comparar resultados.
DISCUSSÃO E COMENTÁRIOS FINAIS
Como o nariz é a porta de entrada para o ar ambiental e também a primeira região do trato respiratório a reagir aos contaminantes do meio ambiente, é importante a existência de um método para quantificar estas reações. Este método, se aplicado para estudos populacionais ou mesmo para experimentos clínicos menores, deveria ser não-invasivo, seguro, reproduzível e simples de realizar. A lavagem nasal preenche estes critérios e é uma ferramenta muito importante quando se estuda respostas inflamatórias na região nasal e nasofaríngea. Em nosso país, onde muita vezes é difícil dispormos de tecnologia avançada para realização de estudos científicos, estamos propondo esta técnica de avaliação relativamente simples. O método de "bolus" parece-nos o mais simples. O paciente é facilmente treinado para um adequado fechamento velofaríngeo e podemos coletar uma amostra significativa tanto das cavidades nasais como também da nasofaringe. Do ponto de vista de análise, a celularidade apresenta uma variação significativa, entretanto podendo ser atenuada através da realização de lavagens repetidas antes da exposição. Por exemplo, realizam-se 4 lavagens pré-exposição e toma-se os valores da 4ª lavagem para comparação com os valores após a exposição. Em nosso laboratório, realizamos um estudo piloto para analisar o efeito de lavagens repetidas e a celularidade basal, e verificamos que existe queda no número de neutrófilos com 4 lavagens, e que após estas este número mantém-se ou até mesmo aumenta. Outra maneira de atenuarmos a variação é através da padronização da técnica. Em relação à avaliação de mediadores químicos, a análise é mais acurada, embora necessite de tecnologia mais avançada.
Como vimos, embora a lavagem nasal ainda não tenha sido padronizada, sua utilidade na avaliação dascavidades nasais como alvo para agentes contaminantes ambientais e/ou infecciosos tem sido claramente demonstrada, e pode facilmente ser executada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Ex-fellow em Otorrinolaringologia na University of California, San Diego; Médico do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Governador Celso Ramos e do Centro de Diagnóstico Otorrinolaringológico de Florianópolis. 2 Department of Surgery, Division of Otolaryngology, Chemosensory Perception Laboratory, University of California, San Diego.
Endereço para correspondência: Guilherme Pilla Caminha - Avenida dos Búzios, 1936 - Jurerê Internacional - 88053-300 Florianópolis/SC
Telefone: (0xx48) 282-1056 - Fax: (0xx48) 224-1111 - gcaminha@brasilnet.com.br Trabalho realizado no Department of Surgery, Division of Otolaryngology, University of California, San Diego (UCSD).
Artigo recebido em 13 de novembro de 2000. Artigo aceito em 26 de junho de 2001.
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