IntroduçãoPoucos tumores raros têm sido mais discutidos na literatura do que os tumores cartilaginosos da laringe. Como com qualquer patologia rara, a experiência com esses tumores tem se acumulado lentamente, com aproximadamente 270 casos relatados desde a apresentação de Travers39 à Medico-Chirurgical Society of London, em 1816. A raridade desses tumores é assinalada na literatura: 31 casos da Armed Forces Institute of Pathology num período de 40 anos (1929 a 1969)18; 10 casos da Massachusetts Eye and Ear Infirmary num período de 30 anos17; 10 casos do Department of Pathology of Temple University Health Sciences Center num período de 35 anos2 e 47 casos da Mayo Clinic num período de 85 anos (1910 a 1995)22. A avaliação da real incidência desses tumores é difícil, porque muitos estudos, como prática usual de determinada instituição, utilizaram repetidamente a mesma base de pacientes, conduzindo a dados enganosos. Como exemplos:
1) dos 47 pacientes com tumores cartilaginosos reportados por Lewis e colaboradores22, da Mayo Clinic, em 1997, muitos já tinham sido anteriormente apresentados por New29, 1918; Figi12, 1932; New30, 1935; New e Erich28, 1938; Goethals e colaboradores13, 1963; Gorenstein e colaboradores14, 1980; Neel e Unni26, 1982;
2) dos 31 pacientes apresentados por Hyams e Rabuzzi 18, 3 já tinham sido previamente publicados por Sirota e Hurwitz37 e por Brandenburg e colaboradores4;
3) dos 8 pacientes com condrossarcoma reportados por Nicolai e colaboradores31, 3 já haviam sido anteriormente apresentados por Ferlito e colaboradores11;
4) Damiani e Tucker9 reportaram 1 paciente com condroma tratado por cirurgia conservadora; três anos e meio mais tarde, Lavertu e Tucker20 realizaram laringectomia total no mesmo paciente por recorrência.
Portanto, um estudo meticuloso que considere a repetição de pacientes pode revelar que esses tumores são ainda menos freqüentes do que o número de casos publicados sugere.
A raridade desses tumores condiciona experiência limitada de instituições ou especialistas e, como resultado, a literatura contém numerosos estudos que se restringem à apresentação de casos isolados ou de pequeno número de casos, com discussão baseada em informações provenientes da revisão de diferentes estudos retrospectivos. Figi12 enfatizou que poucos especialistas, mesmo com grande experiência, encontrarão mais de 1 tumor cartilaginoso da laringe ao longo de sua vida profissional.
O condrossarcoma deve ser considerado o tumor cartilaginoso mais freqüente da laringe. É importante ressaltar que até a década de 90 o condroma era tido como o mais comum, possivelmente pelo o fato de que, no passado, o termo condroma era usado para designar qualquer tumor cartilaginoso. A terminologia condrossarcoma foi introduzida por New30 em 1935, para designar o tumor cartilaginoso maligno. Por essa razão, a incidência do condroma foi, por décadas, erroneamente estimada em 70 a 80% do total dos tumores cartilaginosos3,7,20,27. Além disso, a maioria dos casos publicados não apresentava seguimento, este era curto e, como tem sido bem documentado em grupos maiores de pacientes ou com longo seguimento, muitos dos condromas reportados eram, de fato, condrossarcomas de baixa malignidade, como o estudo histológico da recorrência anos mais tarde provou5,10,20,21,26,27,31,38. O seguimento de longo tempo, além de demonstrar a interpretação errônea de benignidade no tumor original, tem contribuído para ampliar o conhecimento a respeito desses tumores, assim como ajudado na definição da cirurgia como modalidade mais apropriada de tratamento na forma de laringectomia, parcial ou total, dependendo da localização e dimensão do tumor, identificação das variáveis de significado prognóstico e previsão de sobrevida.
Esse trabalho visa apresentar os resultados cirúrgicos com longo tempo de seguimento de 6 pacientes com tumores cartilaginosos da laringe, 4 condrossarcomas de baixo grau e 2 condromas.
Material e MétodoNo período de 1980 a 2000, 6 pacientes com tumores cartilaginosos da laringe sendo 4 condrossarcomas de baixo grau (1 da cartilagem tireóide e 3 da cartilagem cricóide) e 2 condromas da cartilagem cricóide foram atendidos e operados em nossa Clínica. Foram analisados os dados referentes ao paciente, ao tumor, à cirurgia realizada, aos resultados e ao seguimento. Os parâmetros em relação aos pacientes incluíram idade, sexo e raça; as variáveis do tumor compreenderam localização, dimensão e tipo histológico; os fatores referentes à cirurgia realizada consistiram da data, modalidade da cirurgia e condições das margens da peça cirúrgica; os parâmetros relativos aos resultados incluíram recorrência tumoral e tempo de detecção, causa e data da morte, período de seguimento e estado clínico do paciente no final do estudo. Os pacientes eram todos homens, brancos, com idade variando de 38 a 64 anos, com média de 50,1 anos. Os 5 tumores da cartilagem cricóide, 3 condrossarcomas e 2 condromas, aparentemente originaram-se na lâmina, localizada na placa posterior dessa cartilagem. Nesse grupo de pacientes a dispnéia e/ou a rouquidão progressiva foram os sintomas predominantes. Em 1 paciente (caso 3), nenhuma sintomatologia relacionada ao tumor tinha sido notada pelo paciente até que foi observada pelo anestesista a dificuldade na passagem da sonda de entubação pela região subglótica para cirurgia ortopédica. A duração dos sintomas até o diagnóstico variou de 6 meses a 10 anos (média aproximada de 3,4 anos), com o condrossarcomada cartilagem tireóide sendo o caso de maior duração. Estudo radiológico foi realizado em todos pacientes para definir a localização e extensão dos tumores, sendo que em 67% dos pacientes demonstrou-se imagem de importância diagnóstica, na forma de calcificações intratumoral com marcado desenho salpicado (popcorn-type calcification) (Figura 1, A e B). No paciente com tumor da cartilagem tireóide (caso 1), a inspeção e palpação do pescoço mostrou massa de consistência endurecida, fixa à cartilagem tireóide, deformando os contornos do pescoço. Nesse paciente a laringoscopia revelou abaulamento arredondado supraglótico, liso, recoberto por mucosa íntegra, reduzindo a fenda glótica e causando imobilidade da prega vocal homolateral ao tumor. Nos 5 pacientes com tumor da cartilagem cricóide, a laringoscopia mostrou abaulamento submucoso na parede posterior da região subglótica, arredondado, séssil, de superfície lisa e recoberto por mucosa íntegra. Desses pacientes, 2 (casos 4 e 5) apresentavam mobilidade diminuída das pregas vocais e 3 (casos 2, 3 e 6) mobilidade conservada. A dimensão do tumor variou de 1 a 6 cm (malignos, média de 4,2 cm; benignos, média de 1,5 cm). Três pacientes (casos 1, 4 e 5) foram submetidos à traqueotomia, sob anestesia local, na ocasião da laringoscopia direta realizada para colheita de fragmentos do tumor e 3 (casos 2, 3, e 6) no dia da cirurgia, precedendo a laringectomia conservadora.
O caso 1 com condrossarcoma da cartilagem tireóide e o caso 5 com tumor em cartilagem cricóide necessitaram de laringectomia total. Muito embora provavelmente presentes por muitos anos, observamos que esses tumores permaneciam confinados dentro dos limites da laringe, pressionando sua estrutura, mas sem alcançar invasão do pericôndrio externo.
Dois pacientes com condrossarcoma da cartilagem cricóide (casos 2 e 4) receberam ressecção subpericondral de toda essa cartilagem seguida de anastomose término-terminal tíreo-traqueal, com aplicação de um molde. Na consulta pré-operatória, foi obtido consentimento desses 2 pacientes para laringectomia total caso fosse considerado necessário durante a cirurgia. Após a ressecção do arco e a desarticulação cricotireóidea, os pericôndrios interno e externo da lâmina foram descolados até contornar a sua borda superior evitando-se, ao máximo, abrir as articulações cricoaritenóideas. A redução da tensão na linha de sutura da anastomose foi obtida através da liberação da laringe, combinada com a mobilização da traquéia conseguida por dissecção romba ao longo de sua parede anterior até o mediastino. Antes de completar a sutura das paredes ântero-laterais da anastomose, foi aplicado molde endolaríngeo, mantido em posição por 4 semanas (caso 2) e 8 semanas (caso 4).
Os 2 pacientes com condroma da cartilagem cricóide (casos 3 e 6) tiveram ressecção local do tumor através delaringofissura. Após exposição do tumor, uma incisão vertical foi praticada interessando mucosa e pericôndrio interno que recobriam o tumor, indo desde a área interaritenóidea até 1 cm abaixo do seu limite inferior. Depois do levantamento dos retalhos mucopericondriais, o tumor foi ressecado passando por cartilagem normal, contornando o seu perímetro, delimitado por uma linha nítida resultante da diferença de densidade entre os tecidos tumoral e cartilaginoso normal. O leito da cavidade operatória, representado pelo pericôndrio externo, foi preenchido pela reposição e sutura dos retalhos mucopericondriais. Foi colocado molde endolaríngeo, mantido em posição por 4 semanas.
Figura 1. Radiografia sagital simples do pescoço com penetração de partes moles demonstrando condrossarcoma: A, cartilagem tireóide (caso 1) e B, lâmina da cartilagem cricóide: calcificação intratumoral com marcado desenho pipoqueado (caso 5); C, lâmina da cartilagem cricóide sem calcificação intramural (não incluído no estudo por falta de seguimento). É notável como esses três pacientes suportaram tal redução do lume laríngeo.
Figura 2. Radiograma sagital simples do pescoço demonstrando condrossarcoma da cricóide (caso 2): A, pré-operatório; B, resultado da ressecção dessa cartilagem com anastomose término-terminal tíreo-traqueal; C, peça cirúrgica mostrando: a, lâmina completamente tomada pelo tumor; b, segmento cricotraqueal anterior (arco e três primeiros anéis traqueais) com tecido de granulação.
Figura 3: Distribuição de tumores cartilaginosos na laringe. A, em nosso grupo de pacientes. B, na literatura: números representam a ordem decrescente da freqüência de acometimento da cartilagem: C-cricóide; T-tireóide; A-aritenóide; E-epiglótica.
ResultadosAs margens cirúrgicas foram consideradas negativas para tumor nos 6 pacientes. Nenhum dos pacientes apresentou metástase ou morte relacionada ao tumor. Dos 2 pacientes (casos 1 e 5) com condrossarcoma que receberam laringectomia total, 1 (caso 1) morreu, livre de tumor, 30 anos após a cirurgia e o outro está vivo, assintomático, há 22 anos. Dos 2 pacientes com condrossarcoma da cartilagem cricóide (casos 2 e 4), que tiveram ressecção total dessa cartilagem com anastomose tíreo-traqueal, 1 deles (caso 2) foi submetido a laringectomia total para recorrência após 8 anos e permanece livre de tumor 21 anos após a cirurgia de resgate (por conseguinte 29 anos após a cirurgia conservadora inicial), e o outro paciente (caso 4) morreu sem doença em atividade, 8 anos após a cirurgia. Dos 2 pacientes com condroma (casos 3 e 6) que foram submetidos a ressecção local através de laringofissura, 1 deles (caso 3) morreu sem apresentar evidência do tumor, 6 anos após a cirurgia, e o outro (caso 6) está vivo e livre de tumor 20 anos após a cirurgia. Em resumo, o seguimento compreendeu períodos de 30, 29, 6, 8, 22 e 20 anos, respectivamente, após a cirurgia inicial. O paciente seguido por mais tempo, foi o caso 1, com 30 anos, e por menos, o caso 3, com 6 anos. A sobrevida até 5 anos foi de 100% e até 20 anos de 67%, sendo comorbidade fator responsável pelo decréscimo. Até o presente levantamento, 3 dos 6 pacientes, 2 dos que tiveram tumor maligno e 1 dos casos de tumor benigno, estão vivos e assintomáticos, com média de seguimento de 23,7 anos.
A Tabela 1 sumariza os dados relativos ao paciente, ao tumor, à cirurgia realizada, aos resultados e ao seguimento.
Ver tabela 1Tabela 1. Tumores Cartilaginosos da Laringe: Dados do Paciente, do Tumor, da Cirúrgica Realizada, dos Resultados e do Seguimento.
Ver tabela 2Tabela 2. Correlação entre Condroma e Condrosarcoma de Baixo Grau da Laringe em nosso Estudo.
DiscussãoEmbora muito se tenha escrito sobre os tumores cartilaginosos de laringe, nenhuma causa definitiva foi relacionada a sua etiologia. Das teorias clássicas, uma delas, que se referia à ossificação anormal da cartilagem laríngea, tem sido a mais aceita. A ossificação nas cartilagens cricóide e tireóide começa na terceira década e aumenta com a idade16,19. A observação de que tumores cartilaginosos mais freqüentemente surgem em idade mais avançada, sugere possível relação entre o desenvolvimento desses tumores e alterações do processo de ossificação. A lâmina da cartilagem cricóide é a localização mais comum dos tumores cartilaginosos da laringe, seguida pela parte ínfero-lateral da cartilagem tireóide; essas áreas correspondem à inserção dos principais músculos intrínsecos e extrínsecos da laringe. A ossificação progressiva da laringe é atribuída à influência de estímulos mecânicos produzidos pela contração desses músculos15,16,19. Tumores cartilaginosos da laringe acometem com mais freqüência a cartilagem hialina do que a elástica, sendo extremamente raros nas cartilagens aritenóide e epiglótica8,17,18 (a cartilagem aritenóide é hialina com uma pequena parte de cartilagem elástica no processo vocal na inserção do músculo vocal, enquanto que a epiglótica permanece não ossificada por toda vida). Brandwein e colaboradores5 formularam a hipótese de que o processo de ossificação poderia estimular a ocorrência de células mesenquimais multipotenciais ou restos cartilaginosos, normalmente ausentes na cartilagem madura, as quais seriam a origem desses tumores. A revisão da literatura revelou referências a condroma congênito por Montanari25 em criança de 56 dias de vida; por Simpson e colaboradores36 em uma criança de 3 dias de vida e por Adler e colaboradores1 em uma menina de 2 dias de vida. Dessa forma, o fator congênito separa a linha de raciocínio para a origem desses tumores em crianças e em adultos; portanto, outros fatores etiológicos devem estar envolvidos. A ocorrência de dois tumores cartilaginosos primários (o aparecimento do segundo tumor anos após o primeiro), relatado por Wengraf40 é única na literatura, porém é questionável pois parece mais ser uma recorrência tumoral tardia.
Nosso pequeno grupo de pacientes apresenta uma prevalência de condrossarcoma-4 (67%), pacientes, concordando com os achados da literatura atual5,11,22,31. No último estudo da Mayo Clinic22, de 47 pacientes, apenas 3 (6%) tinham condroma. O fato dos nossos pacientes serem do sexo masculino, com média de 50,1 anos está de acordo com a predominância masculina bem definida, de cor branca, ocorrendo com maior freqüência em pacientes idosos, na 5a e 6a décadas de vida. A localização do tumor em nosso grupo, 83% na cartilagem cricóide e 17% na cartilagem tireóide, está de acordo com os dados da literatura de que a sede de predileção é a cartilagem cricóide, seguida em ordem decrescente pela cartilagem tireóide e, muito raramente, pelas cartilagens aritenóide e epiglótica.
Não foi surpresa que 67% de nossos pacientes (casos 1, 2, 4 e 5) somente procuraram tratamento após um longoperíodo sintomáticos, que pôde ser contado em anos, resultando em tumores extensos na ocasião do diagnóstico. O diagnóstico precoce do tumor cartilaginoso da laringe é infreqüente porque, como o crescimento é muito lento, a sintomatologia é pouco valorizada pelos pacientes nos casos relatados que apresentavam dificuldade mesmo em precisar quando os primeiros sintomas surgiram. Por essa razão, é compreensível que 4 dos 6 pacientes apresentassem tumores extensos no diagnóstico. Três pacientes (casos 1, 4 e 5) adiaram a consulta até o último momento, isto é, até que a dificuldade respiratória se tornou intolerável. A percepção da existência de estreitamento subglótico na passagem da sonda de anestesia em cirurgia ortopédica, como primeiro sinal do tumor, como ocorreu em 1 de nossos pacientes (caso 3), não é usual. Acontecimento similar foi reportado por Lewis e colaboradores22; Neis e colaboradores27 e, Schittek e James35. Correlação entre idade, dimensão do tumor e malignidade tem sido sugerida na literatura5,18,31. Tumores com mais de 3 cm de diâmetro, predominando em pacientes mais velhos, são associados à malignidade enquanto que tumores com menos de 1-2 cm de diâmetro, originando-se em qualquer idade, mas afetando pacientes mais jovens que no condrossarcoma, são relacionados à benignidade. Em nosso estudo foi reconhecida a conexão entre dimensão do tumor e malignidade, entretanto não foi encontrada relação entre grupo etário e histologia do tumor (Tabela 1).
Provavelmente, o aspecto mais controverso, e de certa forma confuso do diagnóstico dos tumores cartilaginosos, é a distinção entre tumor benigno e maligno de baixo grau apenas em função do exame histológico de biópsia. Muito embora o critério para diferenciar benignidade e malignidade tenha sido bem estabelecido23, as amostras tumorais obtidas pela biópsia não fornecem condições para a diferenciação porque o quadro histológico varia de uma área para outra no mesmo tumor. O fato do padrão histológico de malignidade estar limitado a certas áreas do tumor, ou seja, o tumor maligno apresentar áreas com aspecto benigno, poderia, pelo menos em parte, explicar relatos de diagnóstico de condroma no material de biópsia, seguido de um diagnóstico definitivo de condrossarcoma no exame histológico da peça cirúrgica ou da recorrência anos depois. Desse modo, recorrência após ressecção de um tumor diagnosticado como sendo condroma pode ser considerado um condrossarcoma até que se prove o contrário, e uma revisão histológica cuidadosa é mandatória devido a possibilidade de subdiagnóstico de malignidade. Dado o aspecto endoscópico e imagem radiológica quase que patognomônica dos tumores cartilaginosos de laringe; a dificuldade em se obter material suficiente pela biópsia de um tumor de consistência firme, semelhante à óssea e recoberto por mucosa íntegra; a presença de áreas histologicamentediferentes no mesmo tumor limitando a validade do diagnóstico de condroma numa biópsia, levamos a questionar o quanto importante é a biópsia e se ela não pode ser deferida, já que a distinção pré-operatória não apresenta influência no planejamento do tratamento. Em nosso grupo, tivemos o diagnóstico original correto em 4 (67%) dos 6 pacientes e subdiagnóstico de malignidade em dois (33%) nas amostras de tumor da cartilagem cricóide, sendo o diagnóstico final feito na peça cirúrgica (casos 2 e 4). A transformação maligna de um tumor benigno que vinha se desenvolvendo lentamente, por meses ou anos, não pode ser excluída6,27,32. Os autores que defendem essa hipótese argumentam que a longa evolução de um condrossarcoma constitui prova de que ele evoluiu, durante muitos anos, como tumor benigno. Entretanto, não há nenhuma prova conclusiva que sustente esse argumento.
A Tabela 2 apresenta a correlação entre condroma e condrossarcoma em nosso estudo.
Cirurgia é a modalidade de tratamento apropriada para tumor primário ou recorrente. De acordo com nossos resultados e com os da literatura consultada pode se afirmar que a laringectomia conservadora com margem de segurança é a filosofia de tratamento recomendado para esses tumores, reservando a laringectomia total para tumores extensos ou recorrências nos quais a cirurgia parcial não é factível. O crescimento lento e localizado desses tumores, o fato de que recorrência tumoral poder ser tratada com cirurgia parcial ou total sem causar impacto desfavorável à sobrevida do paciente17,18,20,22,27 e da taxa de sobrevida não ser maior com laringectomia total ao invés da parcial20 suportam o uso da cirurgia conservadoracomo procedimento inicial. A ressecção cirúrgica completa do tumor é fator importante para reduzir a taxa de recorrência, mas margens cirúrgicas livres de comprometimento neoplásico não representaram garantia para o não-desenvolvimento de recorrência, muitos anos depois, em 1 dos nossos pacientes com condrossarcoma (caso 2). Deve-se ressaltar que, muito embora a cirurgia conservadora tenha falhado em erradicar o tumor, o resultado foi gratificante em termos em manter uma laringe funcional por muitos anos até a observação da recorrência. A sobrevida desse paciente demonstrou ainda que a recorrência de condrossarcoma, após cirurgia conservadora, tratada com laringectomia total, não influenciou adversamente o resultado final. Esse achado está de acordo com os de outros estudos5,7,20,21,. É interessante assinalar que a sobrevida dos 2 pacientes com condrossarcoma (casos 2 e 4), diagnosticados erroneamente como tendo condroma nas amostras do tumor obtidas pela biópsia, não foi diferente daqueles com diagnóstico inicial de condrossarcoma (casos 1 e 5). Essa observação, reforça as da literatura5,20,21 e confirma que malignidade não diagnosticada no tumor primário não interfere no resultado final. Em tumores extensos da cartilagem cricóide, a ressecção dessa cartilagem com anastomose tíreo-traqueal provou ser uma técnica cirúrgica alternativa para 2 pacientes (casos 2 e 4) com condrossarcoma os quais, caso contrário, teriam sido tratados com laringectomia total. O progresso na cirurgia de tumor da cartilagem cricóide teve que superar a argumentação de que a ressecção subtotal ou total dessa cartilagem não resultaria em perda de suporte necessário para a patência da laringe18,20,38. Cocke8, em 1962, coletou 10 casos de cricoidectomia de uma revisão de literatura, apresentando cura de 100%, e 60% de estenose de laringe. Entretanto, ele não comentou as técnicas cirúrgicas usadas. Para o reparo do suporte do arcabouço da laringe, após a ressecção subtotal da cartilagem cricóide, várias técnicas cirúrgicas têm sido utilizadas: sutura do corno inferior da cartilagem tireóide ao primeiro anel traqueal e moldagem20; enxerto autólogo de costela27; retalho da cartilagem epiglótica e transposição de um retalho do músculo esternocleidomastóideo de pedículo superior para reforço da parede póstero-lateral da laringe7; enxerto de pele total3; moldagem endolaríngea34 e anastomose tíreo-traqueal33. Link24 realizou exérese total da cartilagem cricóide por curetagem, removendo metade na cirurgia inicial do tumor e a outra metade na da recorrência, seis anos mais tarde. Visto que 70-80% dos tumores cartilaginosos da laringe se originam na cartilagem cricóide, em nossa opinião, a sua ressecção subpericondral seguida de anastomose tíreo-traqueal pode ser considerada uma técnica cirúrgica alternativa à laringectomia total.
Os tumores pequenos podem receber ressecção por meio de laringofissura. A racionalidade da exérese local do tumor repousa na existência de uma linha nítida quecircunda o tumor, resultante da diferença de consistência entre os tecidos tumoral e o cartilaginoso normal. Assim, a margem de ressecção local apropriada deve passar através de tecido cartilaginoso normal, externamente a essa linha, assegurando margem cirúrgica adequada.
O conceito da ressecção do pericôndrio externo no local do tumor tem sido de certa forma controverso, e não encontra apoio nos achados cirúrgicos em nossos quatro pacientes com tumor da cartilagem cricóide, dada a presença de um plano de clivagem entre o pericôndrio íntegro e o tumor. O pericôndrio externo representa o limite de uma ressecção segura e manobras além dele não tem nenhum outro propósito além de pôr em risco o nervo laríngico recorrente. O tumor não deve ser enucleado ou curetado. Recorrência local do tumor no passado estava, pelo menos em parte, relacionada à ressecção do tumor por curetagem5,27,31, mais propriamente do que com a não-ressecção do pericôndrio externo.
Devido ao potencial do tumor maligno para recorrência, o seguimento deve ser maior do que 5 anos, pois um período de tempo menor do que esse pode não ser suficiente para detectar o surgimento de recorrência, como demonstramos.
O fato de o condroma e o condrossarcoma de baixo grau da laringe apresentarem quadro clínico similar, terem diferenciação difícil baseado no exame histológico do material colhido pela biópsia, serem tratados pela mesma modalidade de cirurgia e terem o mesmo prognóstico (apesar da tendência para recorrência do condrosarcoma), é forte argumento para a reunião desses dois tumores em um mesmo grupo. Entretanto, esse argumento não pode ser amplamente aceito porque, apesar do fato de o diagnóstico de condroma na biópsia ter limitada validade, esses tumores são distintos e podem ser diferenciados no exame da peça cirúrgica por um bom número de características histológicas distintas.
ConclusõesCondroma e condrossarcoma de baixa malignidade apresentam quadro clínico similar e de difícil diferenciação com base no exame histológico de fragmentos de tumor obtidos pela biópsia. Entretanto, o não-diagnóstico de malignidade não tem impacto adverso na sobrevida. A localização e dimensão do tumor têm influência direta na escolha entre cirurgia parcial ou total. Nossos resultados reforçam o conceito de que a laringectomia conservadora seja a modalidade inicial de tratamento, reservando-se a laringectomia total para tumor original ou para recorrência, quando a cirurgia parcial seja factível. O seguimento de 5 anos pode não ser tempo suficiente para observar recorrência no condrossarcoma de baixa malignidade.
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1 Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2 Pós-graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3 Otorrinolaringologista pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Robert Thomé - Alameda Itú 483 - São Paulo/SP - CEP 01421 - 000
Tel: (0xx11) 288-9988; (0xx11) 5579-3260 - Fax: (0xx11) 284-3049; (0xx11) 5081-4677
E-mail: rthome@dialdata.com.br
Trabalho realizado na Clínica Privada de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço dos autores.
Trabalho apresentado no 102nd Annual Meeting of the American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery, setembro 13-16, 1998, San Antonio, Texas, U.S.A.
Artigo recebido em 10 de maio de 2001. Artigo aceito em 26 de junho de 2001.