Trago hoje aos meus colegas um caso clinico que achei interessante devido as condições em que me chegou às mãos e também devido à sua evolução.
No dia 9-8-52 encontrava-me de plantão no Serviço de oto-rino do Hospital de Pronto Socorro do Distrito Federal, quando às 18 horas mais ou menos fui procurado por uma mulher muito aflita, trazendo um filho ao colo - criança de 1 ano e 8 meses, - apresentando grande dispnéia inspiratoria, tiragem e ligeiramente cianosada. Trazia na mão um papel de receita de um colega, que tinha atendido a criança na residencia da mesma, no qual o referido colega nos comunicava ter feito 15.000 unidades de sôro anti-diftérico e indicava a traqueotomia.
Observei o menino e perguntei a mãe a quanto tempo êle estava doente. - Esta, então, contou: que a criança há 4 dias passados tinha levado um tombo, caindo de costas, ficando logo após rouca e desde aquêle momento vem tendo tosse e um pouco de dificuldade respiratoria, mas hoje, esta dificuldade aumentou tanto, que a criança ficou sufocada, obrigando-a a chamar o médico que a enviou ao nosso hospital.
Enquanto a mãe relatava esses fatos, a criança adormeceu no colo e notamos que a respiração melhorou um pouco.
Externamente nada encontramos digno de nota. Ao exame do óro-faringe, a mucosa apresentava coloração normal. Com as manobras para o exame, a criança chorou e a dispnéa se acentuou.
Pedimos um exame de laboratório e o exame direto nada revelou, o que levou o laboratorista a semear para fazer a cultura.
Tentamos melhorar com recursos clinicos (cálcio, atropina, compressas frias, etc.), mas nada adiantamos, donde resolvemos fazer a traqueotomia devido a tiragem se acentuar mais. Após a traqueotomia a respiração se normalisou e a criança adormeceu. Era nossa vontade nesse momento fazer uma laringoscopia direta, mas achamos deshumano sacrificar a criança com o exame.
Internamos a paciente e receitamos 100.000 unidade de penicilina, de 4/4 horas, intramuscular.
No dia 10, a criança estava passando bem, mas muito abatida. Durante o dia a temperatura variou de 37° a 37°, 6. Mantivemos a penicilina e receitamos uma poção com erisimo.
Dia 11, como a criança já estivesse em melhores condições, fizemos a laringoscopia direta e, ao exame, encontramos as falsas cordas vocais muito congestionadas e as cordas vocais verdadeiras, de coloração rosca. A temperatura foi de 37º 4. a 37º,6. -Mantivemos a medicação.
Nesse dia chegou-nos as mãos o resultado negativo da cultura.
Dia 12, apresentava as primeiras melhoras e a temperatura descia para 36,6º. Continuamos com a penicilina (Pronapen), mas de 24/24 horas, e a poção.
No dia 14 - Melhorou. Temperatura 36,5°. Mantivemos a medicação e associamos o gluconato de cálcio intramuscular.
Dia 15 - Passando bem. Removemos a cânula. Medicação: Gluconato de cálcio e poção c/erisimo.
Dia 16, passando bem. Curativo da ferida cirurgica. Temperatura 36,4º. Medicação: Gluconato de calcio e vitamina C.
Dia 17 - Passando bem. Curativo da ferida cirurgica. Mesma medicação. Dia 17 - Alta. Curada.
COMENTARIOS - Neste caso de dispnéia laringéa inclinamos a admitir que se tratasse de um trauma da laringe por queda dorsal em que, possivelmente, a laringe traumatisou-se de encontro a coluna vertebral, razão da congestão das cordas vocais, onde é o unico local em que a proteção é quase nula e, tambem, com certeza, por ação reflexa devido a anastomose dos nervos da laringe com o vago e o simpatico.
Na historia da medicina encontramos citações de inumeros casos em que, somente a ação reflexa, é capaz de produzir até mesmo a morte por inibição, sem sinal algum anátomo-patológico na laringe. Em medicina legal, quantos casos há em que, somente a ação reflexa, é que age sem o menor sinal de lesão ao nivel da laringe.
Devido a estes fatos é que prefiro aceitar a classificação dos traumas da laringe em externos e internos. Os externos, todos os traumas que possam afetar a laringe externamente e, os internos, os que ocasionados por corpos estranhos, manobras com aparelhos cirurgicos ou ainda as manobras feitas pelo próprio doente (como por exemplo com o dedo).
Os traumas da laringe podem apresentar como sintoma, desde a disfônia, até o mais grave de todos que é a inibição laringéa.
O tratamento varia com o tipo do trauma, podendo ser: clinico (como por exemplo compressas no pescoço, calcio, ante-hemorragiços, ante-infecciosos, etc.) ou cirurgico (traqueotomia).
O prognostico, finalmente, varia com o tipo do trauma e lesão que afete a laringe.
RESUMO
Apresentamos a caso de uma criança que tinha levado um tombo de costas e que 4 dias depois apresentou-se com uma grande tiragem, fazendo o médico que a atendeu de urgencia, pensar em difteria e medica-la nesse sentido, enviando a criança ao Pronto Socorro para traqueotomia de urgência.
No Pronto Socorro, atendemos discordando do colega clinicamente (e posteriormente o laboratorio confirmou a nossa opinião) e diagnosticamos um traumatismo externo da laringe, que foi confirmado pela laringoscopia direta.
Tratamos no momento com a traqueotomia de urgencia e demos alta, curada, 9 dias depois.
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