ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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477 - Vol. 68 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 2002
Seção: Artigo de Revisão Páginas: 730 a 734
Disacusia neurossensorial imunomediada
Autor(es):
Norma de Oliveira Penido 1,
Mariana Dantas Aumond 2,
Fernando Danelon Leonhardt 3,
Carlos Eduardo Cesário de Abreu 4,
Ronaldo Nunes Toledo 5

Palavras-chave: disacusia neurossensorial, doença autoimune da orelha interna, Western Blot

Keywords: sensorineural hearing loss, autoimmune inner ear disease, Western Blot

Resumo: A disacusia neurossensorial imunomediada (DNSI) é caracterizada geralmente por uma disacusia neurossensorial bilateral, progressiva e assimétrica, acompanhada ou não por outros sintomas da orelha interna. Três pacientes com DNSI cujo quadro clínico e audiométrico eram sugestivos de doença auto-imune, e apresentaram resposta positiva à terapia imunossupressora ou pesquisa positiva de anticorpo anti hsp-70 68kD, foram estudados com relação às características clínicas, testes diagnósticos, alternativas terapêuticas e evolução da doença. Dois pacientes apresentaram quadro de disacusia neurossensorial rapidamente progressiva, associado a quadro vestibular, e outro, quadro de surdez súbita unilateral. Nenhum paciente apresentou positividade às provas reumatológicas, e apenas um paciente apresentou aumento na velocidade de hemossedimentação. Nenhum paciente obteve resposta adequada sustentada à corticoterapia, mas dois deles melhoraram com outras terapias imunossupressoras. O diagnóstico da DNSI é clínico e baseado na resposta positiva ao teste terapêutico com imunossupressores. A pesquisa de anticorpo anti-hsp70 de 68 kD pelo Western Blot é o único exame laboratorial específico para seu diagnóstico, possuindo sensibilidade de 42% e especificidade de 90%. Apenas 1 paciente apresentou positividade para este teste e não respondeu à terapia imunossupressora. Os dois pacientes com teste negativo responderam satisfatoriamente ao tratamento. A baixa sensibilidade do Western Blot e seu alto custo dificultam sua difusa utilização em nosso meio. A introdução precoce do tratamento é de suma importância por auxiliar no diagnóstico e por proporcionar um melhor prognóstico auditivo.

Abstract: The immunomediated sensorineural hearing loss (ISHL) is characterized as an asymmetric and progressive sensorineural hearing loss. Tree patients with ISHL were studied, regarding clinical aspects, diagnostic tests, treatment options and disease evolution. They presented whether positive response to immunosuppressive therapy or positiviness to Western Blot test for hsp 70-68kD. Two patients presented rapidly progressive sensorineural hearing loss, associated to vestibular symptoms and the other presented unilateral sudden deafness. No patient reacted to rheumatological testes, and one presented increased erythrocyte sedimentation rate. None satisfactorily responded to corticotherapy, but two presented clinical improvement with other immunosuppressive therapies. The ISHL diagnosis is based on clinical aspects and on the positive response to therapeutic testes with immunosupressor drugs. The Western Blot test for hsp 70-68 kD, with 42% sensitivity and 90% specificity, is the only specific laboratorial exam for ISHL. One patient presented positiviness to this exam and did not responded to immunosuppressive therapy. Two patients with negative tests satisfactorily responded to immunosuppressive therapy. The low sensitivity and high costs of Western Blot test represent difficulties to the spread use of it. The early introduction of treatment has a major importance in the diagnosis of ISHL and to increase the auditory prognosis.

Introdução

A disacusia neurossensorial imunomediada (DNSI), geralmente manifestada como uma disacusia neurossensorial bilateral rapidamente progressiva (DNSRP), assimétrica, acompanhada ou não por outros sintomas da orelha interna, mantém-se, ainda hoje, como uma doença desafiadora. Inicialmente pode se manifestar como disacusia unilateral e só tardiamente, após vários anos, se manifestar na outra orelha. A fisiopatologia dessa entidade nosológica permanece desconhecida, mas a resposta positiva ao tratamento imunossupressor reforça a existência de mecanismos imunológicos e auto-imunes. Apesar de reverter ou estabilizar a perda auditiva, o tratamento imunossupressor apresenta efeitos colaterais importantes, aumentando a necessidade de redescobrir e desenvolver testes diagnósticos altamente específicos, para evitar esses efeitos em pacientes que não se beneficiariam do tratamento.
Em 1958, Lehnhardt1 foi o primeiro a aventar a possibilidade da DNSRP ser resultado de um processo auto-imune contra a orelha interna. Schiff and Brown2, em 1974, especulam que devido à melhora da surdez súbita (SS) com o uso do hormônio adrenocorticotrófico, sua etiologia deveria ser uma vasculite auto-imune. Em 1979, McCabe3 relata diversos casos de DNSRP tratados com sucesso com terapêutica imunossupressora e introduz a entidade clínica da DNSI.

O quadro clínico da DNSI é caracterizado por uma disacusia neurossensorial, geralmente bilateral, progressiva, associada a sintomas vestibulares (vertigens e instabilidade) e resposta vestibular diminuída ao exame otoneurológico. Em alguns casos, zumbido e plenitude aural podem estar presentes. O acometimento das orelhas externa e média é infrequente. Raramente a perda auditiva pode se apresentar como SS ou com caráter de flutuação.

A idade dos pacientes acometidos encontra-se geralmente entre a quarta e quinta décadas, sendo mais comum em mulheres4. Uma característica importante é a sua rápida progressão, podendo em alguns dias ou semanas levar a uma perda neurossensorial bilateral severa. O exame otorrinolaringológico geralmente não apresenta alterações, sendo a anamnese importante para fornecer dados em relação à existência de doenças sistêmicas associadas. A audiometria tonal não revela padrão típico da curva, podendo ser ascendente ou descendente e a discriminação vocal pode não se apresentar proporcional à perda na audiometria tonal. Na eletronistagmografia podemos encontrar comumente redução nas respostas da prova calórica.

Comumente a disacusia neurossensorial imunomediada está associada a doenças sistêmicas auto-imunes (DAI). Essa associação é bem caracterizada nas seguintes DAI: lupus eritematoso sistêmico, poliarterite nodosa, artrite reumatóide, arterite de células gigantes, granulomatose de Wegener, colite ulcerativa, síndrome de Sjögren, síndrome de Behcet, amiloidose, sarcoidose, síndrome de Cogan (SC) e doença de Berger. Entretanto, a incidência de acometimento da orelha interna nas DAI é muito variável.

Os pacientes estudados foram acompanhados prospectivamente no setor de Otologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP no período de 1999 a 2001, sendo avaliados com relação à história clínica e exame físico, exames laboratoriais (hemograma, velocidade de hemossedimentação, pesquisa de fator antinúcleo, sorologias para Treponema pallidum e pesquisa de anticorpo anti 68kD -hsp 70), avaliação audiológica e otoneurológica. Foi introduzida terapia inicialmente com corticosteróide (prednisona 1mg/kg/dia) e substituída por outras drogas imunossupressoras (ciclofosfamida ou metrotrexate) de acordo com a evolução clínica e/ou audiométrica.

A positividade à terapia imunossupressora foi definida como uma resposta sustentada de quatro semanas à mesma, incluindo: melhora na média de tons puros de 15 dB NA ou mais, melhora no índice de discriminação vocal em 20% ou mais, ou estabilização da audição com melhora completa da vertigem.

O anticorpo específico anticóclea conhecido atualmente pode ser detectado pelo teste de Western Blot contra o antígeno hsp-70 (heat shock protein) de 68 kD. Este antígeno, obtido de macerado de orelha interna animal (bovina ou de rato), é colocado em contato com o soro do paciente através de um painel do tipo Western Blot.

Apresentação dos casos clínicos

Caso Clínico 1

O.M., 63 anos de idade, masculino, branco, natural e procedente de Dracena/SP, farmacêutico, com história há 15 dias de ardor em olho E após contato com produto de limpeza, associado a sintomas de infecção de vias aéreas superiores. Há 7 dias iniciou quadro súbito de perda de equilíbrio, vertigem, náuseas, vômitos, zumbido e febre noturna diária. Negava hipoacusia.

Ao exame físico ORL apresentava desequilíbrio com olhos fechados para E e nistagmo horizonto-rotatório para D. Exame oftalmológico inicial evidenciou à biomicroscopia hiperemia conjuntival importante e ceratite puntata à D, com exame de fundo de olho sem sinais de vasculite (HD: ceratite superficial medicamentosa).

Audiometria inicial mostrava disacusia neurossensorial bilateral e simétrica com perda leve a moderada e discriminação para monossílabos de 84% à D e 96% à E. Exame otoneurológico com hiporreflexia à E. Exames laboratoriais iniciais evidenciaram apenas aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS:110 mm/h).

Foi iniciada terapia antivertiginosa e corticoterapia com prednisona 1 mg/kg/dia. Após uma semana iniciou perda auditiva progressiva à E, piora do quadro ocular e vertiginoso. Novo exame oftalmológico evidenciou à biomicroscopia hiperemia conjuntival superficial e profunda com reação de câmara anterior e teste da fenilefrina positivo (HD: esclero-uveíte anterior não-granulomatosa). Nova audiometria evidenciou disacusia neurossensorial bilateral e assimétrica, com perda leve a moderada à D e severa à E, com discriminação para monossílabos de 76% à D e 20% à E. Realizada ressonância nuclear magnética (RNM) de crânio compatível com vasculite de pequenos vasos. Feita hipótese diagnóstica de SC e iniciado pulsoterapia com solumedrol 1g EV por 03 dias e pulsoterapia mensal com ciclofosfamida 1g EV, com melhora do quadro clínico, vertiginoso e oftalmológico.

As sorologias para sífilis e doença de Lyme e provas reumatológicas (pesquisa de fator anti-núcleo) foram negativas. A pesquisa do anticorpo anti hsp 70 de 68 kD foi negativa. Ecodopplercardiograma evidenciou aumento leve de átrio E e insuficiência aórtica e tricúspide mínimas. Realizadas audiometrias mensais com melhora progressiva nos limiares tonais e discriminação vocal. A audiometria após 3 meses de tratamento evidenciou disacusia neurossensorial com perda leve à D e moderada à E, com discriminação para monossílabos de 92% à D e 64% à E.

Caso Clínico 2

F.O.S, 24 anos, feminina, branca, natural e procedente de São Paulo, técnica de enfermagem, com história de zumbido em ouvido esquerdo há dez anos e há sete dias com perda auditiva importante à esquerda. Relatava ter tido artrite aos cinco anos de idade tratada com penincilina benzatina e descolamento de retina há um ano tratada com corticosteróide.

Ao exame físico geral, ORL e oftlamológico apresentava-se sem alterações. A audiometria inicial mostrava disacusia neurossensorial à esquerda com perda moderada à severa e discriminação para monossílabos e dissílabos à esquerda de 36%. Exames laboratoriais iniciais estavam normais (velocidade de hemossedimentação de 20 mm/h).

Foi iniciada terapia com pentoxifilina 40mg/dia e prednisona 1mg/kg/dia, com relato de melhora da disacusia pela paciente e audiometria após dez dias de tratamento evidenciando melhora nos limiares tonais, principalmente nas freqüências agudas (perda auditiva leve a moderada, curva ascendente) e discriminação vocal para monossílabos e dissílabos de 68%. Foi iniciada diminuição da dose da prednisona oral, passando a paciente referir aumento na intensidade do zumbido, vertigem, náuseas e plenitude aural. Nova audiometria evidenciou piora nos limiares tonais audiométricos e eletrococleografia (eletrodo transtimpânico e aquisição com clicks a 90 dBNA) demonstrou hydrops à esquerda (relação SP/AP de 43%). O exame otoneurológico estava normal. Com o aumento da dose da corticoterapia, houve melhora clínica e audiométrica que não se sustentaram após nova diminuição da dose. As sorologias para sífilis, pesquisa do fator anti-núcleo e pesquisa de anticorpo anti 68kD -hsp 70 foram negativas. Angioressonância realizada encontrava-se normal.

A paciente passou a apresentar efeitos colaterais da corticoterapia (sd. de Cushing) e então se optou pela suspensão da mesma. Foi feito uso de azatioprina 100mg/dia e instilação de corticóide intra timpânico (depomedrol 0,4ml) através de tubo de ventilação otológico, sem melhora do quadro clínico. Iniciado tratamento com metrotrexate 10mg/semana com melhora importante do zumbido e remissão total da vertigem. Audiometria evidenciava perda auditiva neurossensorial severa à esquerda e limiar de detecção de voz de 90 dB. Aumentou-se a dose de metotrexate para 20 mg/semana e houve uma discreta melhora audiométrica para limiares de detecção da voz para 70dB.

Caso Clínico 3

V.A., 38 anos, masculino, amarelo, natural do Japão e procedente de São Paulo, com história de surdez súbita à direita há cinco anos associada a zumbido. Negava vertigem. Ficou internado na ocasião, tendo feito uso de hidrocortizona e manitol sem melhora do quadro. Ha três meses iniciou quadro de zumbido à esquerda de forte intensidade, percebendo perda auditiva deste lado após cessar o zumbido. Negava flutuação da audição.

Ao iniciar o acompanhamento em nosso serviço apresentava-se sem anormalidades ao exame físico e a audiometria mostrava perda auditiva neurossensorial bilateral e simétrica moderada e discriminação para monossílabos de 76% à direita e 80% à esquerda. A eletrococleografia obtida com eletrodo transtimpânico e aquisição com clicks a 90 dBNA evidenciou relação SP/AP de 33% à direita e 14% à esquerda com ondas P1 e P2 acima da linha de base (exame de eletrococleografia alterado bilateralmente). As emissões otoacústicas foram ausentes em ambos os ouvidos, compatível com lesão coclear bilateral.

Exames laboratoriais evidenciaram VHS de 13 mm/h, sorologias para sífilis e pesquisa de fator antinúcleo negativas. A pesquisa do anticorpo anti 68kD -hsp 70 foi positiva.
Fez uso de prednisona 1mg/kg/dia por três semanas, dieta com restrição de sódio e gordura e uso de hidroclortiazida 25mg/dia por três meses sem melhora da audição.

Discussão

A disacusia neurossensorial imunomediada, intensamente estudada nas últimas duas décadas em relação aos seus mecanismos etiológicos e fisiopatológicos, mantém-se uma doença complexa e de difícil diagnóstico e tratamento. As principais características clínicas da DNSI são: perda auditiva bilateral neurossensorial rapidamente progressiva ou súbita, assimétrica, acometendo comumente freqüências graves. Em alguns casos, zumbido e plenitude aural podem estar presentes. Raramente a perda auditiva pode se apresentar com caráter de flutuação.

Aproximadamente 60% dos pacientes relatam vertigem5, o que coincide com o nosso estudo, onde 66% (N=2) dos pacientes apresentaram este sintoma. Na eletronistagmografia podemos encontrar comumente redução da resposta calórica. Pacientes que apresentam flutuação da audição, vertigem e zumbido, devem ser avaliados também em relação à presença de hydrops endolinfático. No caso desses pacientes apresentarem resultados à eletrococleografia compatíveis com hydrops endolinfático (relação SP/AP > 0,33) e não apresentarem resposta à terapia imunossupressora, serão tidos como portadores de doença de Ménière. Entretanto, se estes pacientes apresentarem hydrops e resposta positiva à terapia imunossupressora, deverão ser classificados como portadores de disacusia imunomediada, manifestada por hydrops endolinfático5. A paciente relatada no caso 2 está inserida nesta classificação.

A incidência, maior em mulheres e na faixa etária de 30 a 50 anos, é semelhante a dos pacientes com DAI sistêmica; no nosso estudo, a distribuição por sexo foi de 2 pacientes do sexo masculino para 1 do feminino. A associação com DAI sistêmica é relatada em 29% dos pacientes com DNSI, e um dos nossos pacientes (33%) apresentou associação com DAI sistêmica (síndrome de Cogan)5. A DAI caracteriza-se pela possibilidade do indivíduo reagir contra antígenos autólogos, e são classificadas em doenças órgão-específicas e não órgão-específicas. A orelha interna é capaz de apresentar resposta imunológica humoral frente a estímulo antigênico, local ou não, sendo o saco endolinfático reconhecido como região de maior capacidade de processamento imunológico devido à presença em sua estrutura do colágeno tipo II. Vários mecanismos fisiopatológicos podem explicar a DNSI: hipersensibilidade imediata (IgE contra antígenos cocleares ou imuno-complexos); ação direta das células T citotóxicas; hipersensibilidade mediada por complexo antígeno-anticorpo; hipersensibilidade tardia (possível exposição de antígenos cocleares não expressados, à partir de lesão traumática ou infecciosa, sensibilizando linfócitos T circulantes com dano ao órgão); mecanismo auto-imune clássico (formação de auto-anticorpos ou anticorpos de ação cruzada entre diferentes órgãos (rim e cóclea principalmente)6. A SC é uma doença rara que acomete predominantemente adulto jovem, raça branca e sem predominância de sexo. A etiologia pode ser considerada como uma resposta de hipersensibilidade a um ou mais agentes infecciosos, associada a vasculite. As características clínicas da síndrome de Cogan são: ceratite intersticial não luética associada a vertigem, tinnitus e disacusia neurossensorial. Evidencias de vasculite sistêmica são encontradas em 50% dos pacientes7; o paciente estudado, caso 1, apresentou sinais de vasculite sistêmica na ressonância magnética cerebral. As formas atípicas da síndrome de Cogan abrangem doenças oculares inflamatórias mais severas. O diagnóstico é de exclusão e baseado na suspeita clínica uma vez que não existem exames laboratoriais específicos. A pesquisa de anticorpos contra antígenos específicos da orelha interna pelo método de Western Blot (anti hsp 70- 68kD) é negativa8, e essa pesquisa foi negativa no paciente do caso 1. A ressonância nuclear magnética pode mostrar hiper-sinal nas estruturas da orelha interna em T1 após a injeção de contraste (gadolíneo).

Entre os exames laboratoriais que podem auxiliar no diagnóstico das DNSI, podemos citar o Western Blot contra hsp-70 de 68kD, a velocidade de hemossedimentação (VHS), hemograma completo, pesquisa de anticorpo anti-citoplasma (ANCA), complemento, fator anti-núcleo, sorologia para Treponema pallidum. Entretanto, apenas o VHS se mostrou útil para o screening de doenças sistêmicas. O aumento do VHS mostra-se adequadamente sensível para detectar a necessidade de testes mais específicos5. A sorologia para Treponema pallidum é desejável em todos os pacientes com fatores de risco para doenças sexualmente transmissíveis. O Western Blot contra hsp-70 de 68kDA possui sensibilidade de 42% e especificidade de 90%, tendo a maior especificidade para o diagnóstico das DNSI, possuindo também valor preditivo positivo importante em relação à corticoterapia5. Pacientes com Western Blot negativo podem no entanto, se beneficiar da corticoterapia, uma vez que o teste é pouco sensível, pois 58% dos pacientes que respondem positivamente à corticoterapia apresentam resultado negativo neste teste9,10,11. Apenas 1 paciente apresentou, neste trabalho, positividade para Western Blot contra hsp-70 de 68kD e não respondeu à terapia imunossupressora, entretanto os 2 pacientes com teste negativo responderam satisfatoriamente ao tratamento.

A RNM pode auxiliar no diagnóstico das DNSI, através do hipersinal coclear após infusão de contraste paramagnético (gadolíneo), nas imagens obtidas em T1, quando na presença de processo inflamatório6. Nos casos de DAI a RNM pode evidenciar outras alterações sistêmicas do sistema nervoso central, como vasculite de pequenos vasos, presente no paciente do caso 1.

O tratamento imunossupressor à base de prednisona 1mg/kg/dia constitui a primeira escolha no tratamento da DNSI, e sua duração na dose máxima depende da evolução do caso, devendo permanecer na dose de manutenção (10-20 mg/dia) por pelo menos 3 meses. Quando não se obtém a resposta satisfatória ou quando o paciente apresenta contra indicações à corticoterapia, está indicada a troca da mesma por outras drogas imunossupressoras, como a ciclofosfamida e o metotrexate. Durante o período se administração dessas drogas deve-se monitorizar os eventuais efeitos colaterais e avaliar a relação custo-benefício do tratamento. As reações adversas à prednisona incluem: alterações hidro-eletrolíticas, osteomusculares, gastrointestinais (úlcera péptica, pancreatite), alterações dermatológicas, neurológicas, psiquiátricas e hormonais (estado cushingóide, diabetes mellitus e insuficiência supra-renal), entre outras. A ciclofosfamida possui como principais efeitos colaterais, a mielossupressão, alterações nas funções reprodutivas, náuseas e vômitos, flebites e tromboses. O metotrexate possui como principais efeitos tóxicos a mielossupressão e alterações gastrointestinais, e seu uso prolongado pode causar toxicidade hepática crônica12.

A positividade à terapia imunossupressora foi definida como uma resposta sustentada de quatro semanas à mesma, incluindo: melhora na média de tons puros de 15 dB NA ou mais, melhora no índice de discriminação vocal em 20% ou mais, ou estabilização da audição com melhora completa da vertigem. Em nosso estudo, nenhum paciente obteve resposta adequada sustentada à corticoterapia, mas dois deles melhoraram com a instituição de outras terapias imunossupressoras. O paciente relatado no caso 1, após o uso de ciclofosfamida, apresentou remissão total da vertigem e melhora de 220% (melhora de 20% para 64%) à E e 21% (melhora de 76% para 92%) à D na discriminação vocal. A paciente relatada no caso 2 apresentou remissão total da vertigem e estabilização do quadro auditivo depois de iniciado o tratamento com metotrexate.

Comentários finais

A disacusia neurossensorial imunomediada, intensamente estudada há vinte anos, permanece uma doença complexa em relação ao diagnóstico e tratamento. O diagnóstico é eminentemente clínico e baseado na resposta positiva ao teste terapêutico com imunossupressores. Atualmente a pesquisa do Western Blot para o anticorpo anti-hsp 70 de 68kD, é o único exame laboratorial específico para o diagnóstico da DNSI. Entretanto, a baixa sensibilidade deste teste e seu alto custo dificultam sua utilização rotineira em nosso meio. A introdução precoce do tratamento é de suma importância por auxiliar no diagnóstico e proporcionar melhor prognóstico auditivo.

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1 Doutora em Medicina pela UNIFESP-EPM.
2 Médica Pós-Graduanda (Mestrado) em Otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM.
3 Médico Pós-Graduando (Mestrado) em Otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM.
4 Médico Pós-Graduando (Mestrado) em Otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM.
5 Médico Pós-Graduando (Mestrado) em Otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM.

Trabalho apresentado como Pôster no II Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, realizado de 22 a 26 de agosto de 2001 em Goiânia, GO.

Instituição: Universidade Federal de São Paulo Paulo-Escola Paulista de Medicina.

Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana.

Endereço para correspondência: Fernando Danelon Leonhardt - R. Bandeira Paulista, 142 - apto. 22
04532-000 - São Paulo - SP

Tel. (0xx11) 3168-0103 - E-mail: fernandodanelon@uol.com.br

Artigo recebido em 6 de setembro de 2001. Artigo aceito em 25 de abril de 2002.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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