IntroduçãoOs cistos de laringe representam um grupo de lesões benignas raras que podem causar obstrução respiratória importante e até mesmo a morte se não tratadas adequadamente1,2,3. Apresentam dificuldade em seu diagnóstico, pois são, via de regra, achados de exame em pacientes com sintomas inespecíficos ou assintomáticos, devendo serem pesquisados em pacientes com estridor laríngeo ou dispnéia a fim de se evitar essas complicações1. Além disso, é válido ressaltar que esses pacientes podem apresentar-se ao otorrinolaringologista com outras queixas comuns, tais como disfonia, dor, disfagia ou sensação de corpo estranho na garganta, ou ainda ser, freqüentemente, um achado ocasional, não necessitando de tratamento específico.
Em 1970, DeSanto4 classificou os cistos laríngeos em ductais e saculares, de acordo com sua posição na laringe e exame histológico, sendo que os saculares são cistos encontrados ao longo do plano do sáculo, profundamente às falsas cordas vocais, prega ariepiglótica e ventrículo anterior, enquanto os cistos ductais são formados pela distensão dos ductos glandulares obstruídos4. Tal classificação é amplamente aceita até hoje e será empregada nesse estudo.
ObjetivoO objetivo desse estudo é relatar nossa experiência com pacientes portadores de cistos laríngeos sintomáticos e submetidos a tratamento cirúrgico, ressaltando as principais características etiológicas, clínicas e topográficas dos mesmos, bem como nossa conduta terapêutica e resultados.
MATERIAL E MÉTODONeste trabalho retrospectivo foram estudados 19 pacientes portadores de cistos laríngeos supraglóticos atendidos e submetidos a tratamento cirúrgico na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no período de janeiro de 1990 a janeiro de 2000.
Os sintomas eram atribuídos à presença do cisto após terem sido afastadas e tratadas todas as outras causas possíveis do sintoma como refluxo gastroesofágico, faringite crônica e amigdalites.
O diagnóstico, em todos os casos, foi estabelecido por meio da laringoscopia e confirmado na microcirurgia de laringe pela laringoscopia de suspensão e no exame anátomo-patológico.
Foram analisados a idade, sexo, sintomas, exame físico, localização do cisto, o tratamento realizado e os resultados obtidos, correlacionando esses dados entre si.
RESULTADOSDos 19 pacientes estudados, 12 eram do sexo feminino e 7 do sexo masculino (Gráfico 1). A idade variou entre 2 e 83 anos, com média de 36 anos e mediana de 34,9 anos (Gráfico 2).
A sensação de corpo estranho na garganta foi a queixa mais freqüente (47,3% dos casos). Disfagia, disfonia e dispnéia estavam presentes em, não necessariamente os mesmos, 5 pacientes (26,3% dos casos). Em 3 dos pacientes com dispnéia foi necessária traqueotomia de urgência. Dois pacientes (10,5%) queixavam-se de dor cervical e um paciente tinha massa visível à oroscopia com estridor (Gráfico 3). Dez pacientes (52,5%) apresentavam mais de um desses sintomas.
A duração dos sintomas variou entre 2 meses e 12 anos, porém a maioria (11 pacientes - 57,8% dos casos) apresentava 1 ano ou menos de história clínica. Somente 3 pacientes (15,7% dos casos) apresentavam sintomas há mais de 3 anos (Gráfico 4).
A maioria esteve relacionado à epiglote, sendo que 7 localizavam-se em sua face lingual e 1 na face laríngea. Em 6 casos estava localizado na valécula, foram ainda localizados 3 cistos na banda ventricular e 1 na porção posterior do ventrículo e outro junto à aritenóide direita (Quadro 1).
Seguindo a classificação de DeSanto e colaboradores, foram encontrados 15 cistos ductais (78,8%) e 3 cistos saculares (15,7%), incluindo nestes últimos duas laringoceles internas. Um dos cistos ductais de epiglote corresponde a um cisto traumático por corpo estranho. Além disso, um dos cistos encontrados na valécula teve como resultado anátomo-patológico de linfangioma, assim, não se enquadrando nessa classificação.
Entre os 19 cistos, 18 deles eram sésseis (94,7%) e apenas 1 era pediculado, valvulando para glote (cisto em aritenóide direita).
Todos os casos foram tratados cirurgicamente, sendo em 18 (94,7%) deles tratados por via endoscópica, e uma delas, para exérese de um cisto em face lingual de epiglote, foi acompanhada de amigdalectomia lingual. Em um único caso foi feita cirurgia por cervicotomia, para uma laringocele interna extensa. Nessa cirurgia foi realizada traqueotomia e incisão cervical mediana, com exposição do espaço paraglótico esquerdo com rebatimento do pericôndrio e remoção da porção superior da cartilagem tireóide esquerda. Foi feita então a dissecção de laringocele até sua origem em porção superior do ventrículo esquerdo.
Nosso seguimento pós-operatório variou de 1 a 8 anos, com média de 4,4 anos. Houve recidiva em 2 pacientes (10,5%). Uma delas ocorreu no paciente que apresentava o linfangioma, que recidivou em 5 anos após a cirurgia. A outra recidiva aconteceu em um paciente com cisto ductal em face lingual da epiglote, que apresentou 3 recidivas em menos de 1 ano, sendo que após a terceira cirurgia ele foi seguido por 5 anos, sem recidiva. Nove pacientes (47,3%) não apresentaram recidivas em mais de 5 anos de seguimento.
Gráfico 1. Distribuição quanto ao sexo
Gráfico 2. Distribuição quanto à idade
Gráfico 3. Sintomas Encontrados
Gráfico 4. Duração dos Sintomas
Quadro 1. Relação entre localização dos cistos na laringe e sua respectiva classificação
DiscussãoCistos de laringe são incomuns, correspondendo a 5% das lesões benignas de laringe5. Várias hipóteses foram discutidas para explicar a patogênese dessas lesões; em 1929, Imperatori acreditou que fossem remanescentes branquiais e em 1943, Dinolt aventou a possibilidade de seqüestro sacular. Finalmente, DeSanto e colaboradores em 1970 propôs classificá-los em cistos saculares e ductais.
Em seu estudo, DeSanto não observou predileção de tais cistos por qualquer um dos sexos4. Em nosso estudo observamos uma prevalência do sexo feminino (12 casos), correspondendo a 63,2% da população estudada.
Foi constatada também uma maior prevalência dos cistos laríngeos na faixa etária entre 20 e 40 anos (42,5% dos casos), não correspondendo ao que outros autores4,5 encontraram, uma vez que em seus estudos, esta lesão era mais comum a partir da sexta década de vida. Apenas 36,5% de nossos pacientes tinham acima de 40 anos de idade.
Com relação ao quadro clínico, Lam5 e Albert6 descrevem serem lesões, em sua maioria, assintomáticas. Quando presentes, os sintomas variam com a idade, tamanho e a localização dos cistos, sendo descritos tosse progressiva, disfagia, rouquidão, estridor, dispnéia, sensação de corpo estranho e dor2,4,5,7. Em nosso estudo nenhum paciente era assintomático no momento do diagnóstico. O sintoma mais comum que encontramos foi de sensação de corpo estranho (47,3% dos pacientes), seguido de disfagia, disfonia e dispnéia, que foram relatados pelo mesmo número de pacientes (26,3% dos casos). É importante ressaltar que a maioria dos pacientes (52,5%) apresentavam mais de um sintoma à ocasião do diagnóstico.
Grande parte dos pacientes (57,9%), quando procuraram o Serviço, tinham sintomas dentro de um período máximo de 1 ano. Somente 15,8% dos pacientes apresentavam sintomatologia há mais de 3 anos, o que demonstra que as queixas geradas pela presença do cistos laríngeos são valorizadas e motivam consulta ao especialista.
Vários autores relatam casos de obstrução respiratória importante que estes cistos podem causar1,3,8. Mitchell1 e colaboradores em seu estudo verificou a necessidade de traqueostomia em 20% de seus pacientes. Três de nossos pacientes (60% dos indivíduos com dispnéia) realizaram traqueostomia, ou seja, 15% de todos os casos. A mortalidade por cistos de laringe em crianças é de 40% em crianças segundo LaBagnaro9; não encontramos na literatura dados à respeito da mortalidade pelos mesmos em adultos.
Quanto à localização dos cistos na laringe, Lam5, Albert6 e DeSanto4 afirmam ser a epiglote onde os mesmos são mais encontrados, especificamente sua face lingual1,5. Além da epiglote, as cordas vocais verdadeiras são referidas por Lam como outro local de grande prevalência. Wong3 afirma serem a valécula e base da língua os locais mais comuns de cistos na laringe.
Não consideramos neste estudo os cistos de cordas vocais verdadeiras. Na região supraglótica encontramos preferencialmente cistos em epiglote (42% dos total de casos); destes, 87,5% se concentravam em sua face lingual. Seguindo a epiglote, a valécula portava 31,3% dos cistos (vide Quadro 1). Não tivemos cistos na região infraglótica, que são considerados raros5.
Utilizamos a classificação de DeSanto para cistos laríngeos, que os subdivide em saculares e ductais4. Cistos saculares são cistos grandes encontrados ao longo do plano do sáculo, profundamente às falsas cordas vocais, prega ariepiglótica e ventrículo anterior. Acredita-se serem resultado da distensão cística do sáculo da laringe. As laringoceles enquadram-se neste tipo de cisto. Cistos ductais são formados pela distensão dos ductos glandulares obstruídos e constituem o tipo mais comum de cisto laríngeo4. Em nosso estudo, encontramos 3 casos de cistos saculares (15,7% dos casos) e 15 casos de cistos ductais (78,8% dos casos), confirmando a observação de DeSanto que cistos ductais são mais comumente encontrados. Tal classificação é largamente aceita, porém, de difícil aplicação prática. Não conseguimos enquadrar nessa classificação um dos cistos encontrados, que correspondia a um linfangioma. Pereira10 e colaboradores em 1955 propôs uma classificação mais detalhada, onde os cistos laríngeos são subdivididos em neoplásicos e não-neoplásicos (ou de retenção). O linfangioma constituiria um cisto neoplásico, juntamente com o cisto disembrioplástico (que pode ser congênito ou adquirido), o traumático (acidental ou cirúrgico) e o hemangioma cístico. Os cistos não-neoplásicos, ou de retenção, são subdivididos em glandulares, amigdalóides e linfáticos. Mitchell1 considera semântica a distinção entre cistos ductais e saculares proposta por DeSanto, uma vez que a história natural e o prognóstico não mudam com a classificação11.
Tem se descrito várias formas de tratamento para os cistos laríngeos, tais como aspiração, marsupialização com ablação a laser e excisão completa via endoscópica ou externa. A recidiva está diretamente relacionada com a manutenção de remanescentes da parede do cisto, sendo recomendada, assim, a excisão total pela sua menor taxa de recorrência7.
Todos os nossos pacientes foram submetidos à excisão completa dos cistos, sendo 18 via microlaringoscópica e apenas uma externa, sendo a taxa de recidiva de 10,5%. Esta baixa taxa de recidiva já foi confirmada por outros autores1,5. Além disso, talvez esta taxa de recorrência fosse ainda menor se utilizássemos o laser de CO2 preconizado por Danish7.
ConclusãoRelatamos, assim, nossa experiência com cistos supraglóticos de laringe, onde uma compreensão clara acerca da história clínica e evolução natural dos cistos laríngeos torna-se fundamental ao médico especialista, que com métodos relativamente simples é capaz de realizar o diagnóstico e o tratamento adequados dessa patologia.
Referências Bibliográficas1. Mitchell DB, Irwin BC, Bailey CM, Evans JNG. Cysts of the infant larynx. J Laryngol Otol 1987;101:833-7.
2. Albert DM, Ali Z. Two cases of vallecular cyst presenting with acute stridor. J Laryngol Otol 1985;99:421-5.
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4. DeSanto LW, Devine KD, Weiland LH. Cysts of the larynx - Classification. Laryngoscope 1970;80:145-76.
5. Lam HCK, Abdullah VJ, Soo G. Epiglottic cyst. Otolaryngol Head Neck Surg 2000;122:311-2.
6. Albert SWK. Vallecular cyst: repot of four cases - one with co-existing laryngomalacia. J Laryngol Otol 2000;114:224-6.
7. Danish HMN, Meleca RJ, Dworkin JP, Abbarah TR. Laryngeal Obstructing Saccular Cysts: a review of this disease and treatment approach emphasizing complete endoscopic carbon dioxide laser excision. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1998;124:593-6.
8. Newman BH, Taxy JB, Laker HI. Laryngeal cyst in adults. Am J Clin Pathol 1984;81:715-20.
9. LaBagnaro J. Cysts of the base of the tongue in infants: an unusual cause of neonatal airway obstruction. Otolaryngol Head Neck Surg 1989;101:108-11.
10. Pereira C. Quistos do laringe. Rev. Bras Otorrinolaringologia 1955;23:159-200.
11. Ramesar K, Alibizzati C. Laryngeal cysts: clinical relevance of a modified working classification. J Laryngol Otol 1988;102:932-5.
1 Médico Pós-graduando da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
2 Acadêmica do 6o ano da FMUSP.
3 Médico Assistente-Doutor da Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUSP.
4 Médico Assistente da Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUSP.
5 Professor-Doutor da Clínica Otorrinolaringológica da FMUSP.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Serviço do Prof. Aroldo Miniti.
Endereço para correspondência: Rafael Burihan Cahali - Divisão de Clínica Otorrinolaringológica -
Hospital das Clínicas - FMUSP Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 6º andar, sala 6021
São Paulo - SP Fax (0xx11)280-0299
Artigo recebido em 24 de janeiro de 2002. Artigo aceito em 15 de agosto de 2002.