INTRODUÇÃOA septoplastia é um procedimento cirúrgico dirigido à correção dos desvios do septo do nariz. Ela tornou-se uma cirurgia sistematizada a partir de Killian (1905). Desde então, célebres otorrinolaringologistas têm desenvolvido técnicas cirúrgicas diversas, cada uma com suas vantagens e desvantagens, sendo indicadas de forma individual para cada tipo específico de desvio de septo4,7,8. A todas elas, porém, é comum a necessidade de descolamento do mucopericôndrio septal. Este descolamento produz ruptura de microcapilares que pode originar sangramentos pós-operatórios, que, por sua vez, podem-se apresentar na forma de epistaxe ou de hematoma de septo. Na literatura, entre as complicações deste tipo de cirurgia, a sinéquia, a epistaxe, o hematoma e a perfuração do septo figuram como as mais freqüentes1,2,3. Estes dois últimos podem ser evitados valendo-se de cuidados técnicos intraoperatórios, mas mesmo assim, é comum o relato de sangramentos pós-operatórios por vezes importantes. Por conta deste risco, é prática comum o uso de tampões nasais ou "splints" ao final da cirurgia, que são removidos ainda no pós-operatório imediato1,2,4,5,6 em geral, 24 a 48 horas após a cirurgia. Os "splints" e, mais ainda, os tampões nasais costumam representar um grande incômodo pós-operatório, além de perturbar a recuperação da mobilidade ciliar da mucosa nasal. Tal incômodo, às vezes, torna-se, inclusive, motivo de desistência da cirurgia por parte do paciente.
A cola de fibrina tem sido utilizada em diversos tipos de procedimentos nasais sem nenhum relato de complicação relacionada à cola3,9-12. Hayward e Mackay2 utilizam-se deste recurso em 30 casos de septoplastia e percebem, no pós-operatório imediato, discreto edema e hiperemia mucosa que supõe ser decorrente de possível reação alérgica à cola. Já Volkov e Radev5 usam cola de fibrina em 40 septoplastias, sem relatarem complicações decorrentes disso, e com bons resultados em termos de prevenção de sangramentos (impressão semelhante à de Wüllstein6).
Com o objetivo de encontrar um meio de manter os folhetos septais coaptados após a cirurgia, sem necessidade de tamponamento ou "splints", utilizamos cola biológica em pacientes operados de septoplastia e avaliamos a evolução pós-operatória imediata destes indivíduos com respeito à ocorrência de complicações.
MATERIAL E MÉTODO20 pacientes consecutivamente operados de septoplastia (associada ou não a outros procedimentos intranasais) foram avaliados no período entre janeiro e maio de 2002. A idade dos pacientes variou entre 5 e 62 anos, sendo que apenas um era criança (5 anos) e apenas dois tinham mais de 40 anos (um de 50 e outro de 62 anos). O restante variou entre 16 e 37 anos. 12 pacientes eram do sexo masculino e 8, do feminino. As cirurgias foram executadas sempre sob anestesia geral e utilizando-se a técnica de ressecção submucosa do desvio osteocartilaginoso, da forma que se segue:
1. Retração mucosa com algodonóide embebido em vasoconstrictor;
2. Infiltração das duas faces do septo do nariz com xylocaína a 2% com adrenalina 1:100.000;
3. Incisão hemitransfixante em uma das faces septais, a cerca de 0,5 a 1 cm do bordo caudal do septo, de acordo com as exigências do desvio;
4. Descolamento subpericondral bilateral;
5. Remoção da parte desviada do septo utilizando-se faca de Ballenger e pinças de Takahashi e de Jannsen;
6. Preenchimento do espaço intra-septal com cola de fibrina Beriplast® P, Aventis, com imediata compressão dos folhetos durante alguns segundos;
7. Cobertura da área de incisão do septo com cola de fibrina. Em alguns casos, foi utilizada também sutura desta incisão;
8. Cauterização elétrica monopolar dos pontos de sangramento da mucosa nasal e/ou sinusal.
Outros procedimentos cirúrgicos foram realizados de acordo com as necessidades de cada caso. A tabela 1 mostra os procedimentos associados realizados nos 20 pacientes do estudo. Estes outros procedimentos foram feitos seguindo os métodos já bem padronizados de cirurgia endonasal, utilizando-se videoendoscopia e/ou microscopia.
RESULTADOSDos 20 pacientes operados, nenhum apresentou, no pós-operatório imediato, qualquer sinal de hematoma septal, nem tampouco sangramento pós-operatório importante e, por tanto, em nenhum caso foi necessário tamponamento nasal pós-operatório. Na primeira avaliação, feita 1 a 3 dias após o procedimento, o septo nasal encontrava-se com seus folhetos bem coaptados.
Quanto ao resultado funcional, todos os casos apresentaram grande melhora da função respiratória nasal já a partir do dia da intervenção. Esta função piorou após as primeiras 24 horas por conta de edema das conchas nasais, bem como acúmulo de secreção, fibrina e crostas, porém tal condição reverteu logo nas primeiras revisões.
Não houve nenhum caso de outros tipos de complicações, como formação de sinéquias, perfuração septal, abscessos ou outras.
Tabela 1. Relação dos casos e procedimentos realizados
S = septoplastia; Tb = turbinectomia bilateral; Tu = turbinectomia unilateral; CMb = conchotomia média bilateral; CMu = conchotomia média unilateral; MMb = meatotomia média bilateral; MMu = meatotomia média unilateral; ETb = etmoidectomia bilateral; Fb = frontotomia bilateral; ESb = esfenotomia bilateral; Sin = remoção de sinéquia
DISCUSSÃOSabemos que a cirurgia da obstrução nasal, quando realizada de forma correta, tem êxito em virtualmente 100%. Entretanto dois fatores contribuem para que muitos pacientes recusem este tipo de tratamento. Um deles é o fato de que a obstrução nasal, particularmente no adulto, não representa risco importante à sua saúde. Em grau variável ela pode, sim, perturbar a qualidade de vida do indivíduo, mas, em realidade, ele sempre terá a opção de conviver com o problema e valer-se de medidas de controle clínico, de acordo com a sua vontade. Outro fator é a perspectiva de um período pós-operatório extremamente desagradável, quando há a expectativa de se utilizar tampões ou "splints" nasais.
O tampão é utilizado para comprimir não só o septo, mas também as conchas nasais inferiores, com a intenção de se evitar sangramento pós-operatório. O "splint" nasal funciona exclusivamente para comprimir os folhetos do septo nasal, não realizando nenhuma compressão sobre as conchas. Estas medidas têm sido utilizadas desde os primórdios da cirurgia nasal 4 e costumam trazer enorme desconforto (sobretudo o tampão) para o paciente, além de atrasar a recuperação da função mucociliar e, com isso, elevar o número de complicações infecciosas.12 Entretanto tem-se percebido ao longo dos anos uma diminuição progressiva no tempo de tamponamento e diversos grupos em todo o mundo já têm abandonado o uso destes recursos, com índices de sangramento pós-operatório semelhantes aos encontrados com o uso dos mesmos. Provavelmente o domínio das técnicas microendoscópicas de cirurgia endonasal, bem como a utilização de microcautérios mais eficientes tenha contribuído com a redução do temor dos cirurgiões nasais em relação a essas complicações.
Todavia, quando não são utilizadas essas medidas, pode surgir hematoma septal por conta de sangramento, ainda que de pequena monta, entre os folhetos septais. Em geral esses hematomas têm pouco débito e são totalmente reabsorvidos ao cabo de alguns dias. Porém até que se resolvam, atrapalham a evolução pós-operatória, prejudicam a retomada da função mucociliar nasal e trazem incômodo respiratório para o paciente. Além disso, em alguns poucos casos, podem infectar-se e originar abscessos septais e uma cascata de complicações bastante perigosas.
A cola biológica tem sido usada em vários procedimentos cirúrgicos nasais,9,10,3,11 inclusive em septoplastias e turbinectomias,2,5,6 e já demonstrou ser bem tolerada pelos tecidos desta região, sem que nenhuma complicação tenha sido atribuída de forma inconteste ao seu emprego.
O selante de fibrina usado neste trabalho é um composto de Fibrinogênio, Trombina e Fator XIII humanos, Agente Antifibrinolítico bovino e Cloreto de Cálcio13. Tem ação hemostática e adesiva, reproduzindo os passos finais da cascata de coagulação fisiológica, formando um coágulo de fibrina estável. O coágulo é degradado naturalmente ao cabo de alguns dias ou semanas, por ação de enzimas fibrinolíticas. Muitos poucos relatos têm sido feitos de reação alérgica a essa substância e apenas um caso suspeito de transmissão de infecção viral pela cola.
Em todos os casos aqui apresentados foi utilizada a cola biológica para colagem dos folhetos septais ao final da septoplastia. A cola só foi utilizada para este fim, não sendo utilizada para hemostasia de cornetos ou cavidades sinusais nos casos de outros procedimentos associados. Esta hemostasia foi levada a cabo por meio de cauterização criteriosa, sob visão microscópica ou endoscópica, dos pontos de sangramento da mucosa. O uso da cola do espaço intra-septal mostrou-se fácil e rápido, exigindo apenas alguns segundos de compressão do septo para que uma colagem se fizesse adequadamente. Raramente mais do que 1 ml de cola foi necessário para colar toda a porção descolada do septo.
Procuramos fazer a primeira revisão pós-operatória 24 a 72 horas após o procedimento para que pudéssemos flagrar qualquer sinal de hematoma septal antes de uma possível reabsorção do mesmo. Em nenhum dos casos percebemos formação de abscesso ou sangramento septal pós-operatório, o que nos levou a acreditar que a cola biológica é um ótimo substituto para o tampão e o "splint" nasal na prevenção dessas complicações, além de assegurar um período pós-operatório imediato muito mais agradável para o paciente.
Observamos também que, em dois casos (4 e 12) em que não se utilizou sutura da incisão septal, ocorreu pequena retração e engrossamento do lábio interno desta incisão, o que causou um pequeno estreitamento da fossa nasal correspondente. Isto não causou desconforto respiratório para os pacientes, porém, causou-nos a impressão de que a cola biológica talvez não substitua bem a sutura do septo, podendo eventualmente ser causa de insucessos funcionais em fossas nasais mais estreitas.
Em outro caso (5), o desvio septal era extremamente severo e sinuoso, havendo laceração importante do mucopericôndrio bilateralmente, porém não ocorreu sangramento pós-operatório nem perfuração septal, o que, muito embora se trate de um caso isolado, faz-nos especular no interesse do uso da cola também na prevenção da perfuração.
No caso 11, de 5 anos de idade, o recurso da cola mostrou-se particularmente mais importante, pois evitou não só um pós-operatório especialmente desconfortável por tratar-se de criança, como também dispensou procedimentos de retirada de tampão ou "splint", que, nessa faixa de idade, tornam-se mais sofridos ainda.
CONCLUSÕESO uso da cola biológica no espaço intra-septal nas cirurgias de septoplastia mostrou ser bastante eficaz na prevenção de hematoma de septo e epistaxe pós-operatórios e garantiu uma recuperação tranqüila e confortável para os pacientes do estudo, demonstrando ser especialmente útil em crianças.
Não houve, nos pacientes estudados, nenhuma complicação intra ou pós-operatória que pudesse ser atribuída ao uso da cola biológica.
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1 Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo.
2 Especialista em Otorrinolaringologia.
3 Prof. Titular de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Pernambuco.
Instituição:Real Instituto de Otorrino e Fono
Endereço para correspondência: Silvio Caldas Neto - Rua Poeta Zezito Neves, 38, ap. 1801
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Artigo recebido em 26 de julho de 2002. Artigo aceito em 8 de agosto de 2002.