ISSN 1806-9312  
Sexta, 19 de Abril de 2024
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4550 - Vol. 80 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2014
Seção: Relato de Caso Páginas: a
Otomastoidite tuberculosa em lúpico
Autor(es):
Simone Callefi Hirata; Jeferson Cedaro de Mendonça; Ana Cristina M. Gurgel; Marcus Vinicius Petruco

DOI: 10.5935/1808-8694.20140019

INTRODUÇÃO

Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença crônica inflamatória autoimune cujo tratamento com corticoide e imunossupressor contribui para infecção oportunista pelo Mycobacterium tuberculosis.1,2 Na literatura, a tuberculose em lúpicos predomina na forma extrapulmonar.1 Essa bactéria pode acometer a orelha média pela tuba auditiva ou por via externa, por perfuração timpânica.3,4 A otite média tuberculosa (OMT) é rara, representando 0,05 a 0,9% da otite média crônica,4,5 embora em lúpicos seja significativamente mais comum (3,6% a 11,6%).2 A tríade clínica de OMT é otorreia indolor, perfuração de membrana timpânica e paralisia facial periférica, podendo manifestar otalgia.4 O diagnóstico tardio de OMT é comum, estando associado a complicações como mastoidite e hipoacusia.3 Este relato apresenta um caso de otomastoidite tuberculosa em adulta com LES.


APRESENTAÇÃO DO CASO

ILS, 44, feminina, do lar, queixava-se de plenitude súbita em orelha esquerda há um ano, seguida de otorreia diária, serossanguinolenta a mucopurulenta, com perda progressiva da audição e zumbido. Negava otorreia prévia, vertigem ou contato com tuberculoso. Tratamento prévio com amoxacilina/clavulanato, ciprofloxacina, e gentamicina/betametasona tópico. Portadora de lúpus, controlado com prednisona 10 mg/dia. Apresentava-se sem linfonodomegalia cervical, cavidade oral, faringe e rinoscopia normais, VII par normal. Otoscopia direita normal; esquerda com secreção mucosa, massa esbranquiçada no fundo do canal. Exames laboratoriais normais. Tomografia computadorizada: mastoides pneumatizadas, esquerda velada sem erosões. Audiometria: perda mista moderada ipsilateral. Suspeitou-se de otite média crônica supurativa (OMCS). Realizada timpanomastoidectomia, foram achados: tecido esbranquiçado friável em mastoide e orelha média, sem colesteatoma, erosão da bigorna, estribam mal-identificados. Realizada limpeza da mastoide, coleta de material e enxerto de fáscia. Ossiculoplastia para segundo tempo.

Evoluiu com zumbido, deiscência progressiva da incisão, otorreia e paresia facial (recuperada em três semanas). Iniciou-se azatioprina e prednisona 40 mg. Dois meses depois a mastoide estava totalmente exposta (fig. 1). Suspeitou-se de tuberculose. O material coletado na cirurgia foi insuficiente para diagnóstico. Apresentou PPD não reator e raio-X torácico normal. Realizada biópsia pela incisão deiscente, que constatou extensa reação granulomatosa com células epitelioides e células gigantes multinucleadas com áreas focais necróticas. Pesquisa de fungos e BAAR negativas. Com esses dados optou-se pelo início de esquema antituberculose: rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol por dois meses, seguido de rifampicina e isoniazida por sete meses.6 Após 30 dias já houve melhora da cicatrização (Fig. 1). Após três meses a incisão estava fechada.


Figura 1 Incisão retroauricular deiscente. À esquerda, aspecto após 80 dias da cirurgia; à direita, 30 dias após início do tratamento para tuberculose mostrando melhora da cicatrização.



Um ano após permanecia zumbido, otorreia discreta e perfuração timpânica. Audiometria revelou piora em frequências agudas, ausentando-se em 6 e 8 kHz, mantendo os demais limiares.


DISCUSSÃO

A raridade dos relatos de OMT retarda o diagnóstico.3-5 Neste caso, a investigação foi motivada pela evolução desfavorável (deiscência da incisão). A apresentação clínica inicial simulou OMCS com evolução mais agressiva, que foi atribuída ao uso de corticoide e ao lúpus.1,2 Talvez o conhecimento prévio de que a OMT em lúpicos é muito mais comum que na população geral2 levasse à investigação enfática dessa patologia e maior ponderação na indicação cirúrgica. Entretanto, é difícil dizer se o diagnóstico seria confirmado sem a cirurgia, pela maior dificuldade em se coletar material expressivo. Mesmo com a coleta de material abundante pela incisão deiscente o diagnóstico definitivo não foi possível, o que é compatível com a literatura que aponta dificuldade no diagnóstico etiológico,3,5 vindo a se confirmar somente pela pronta melhora da evolução após o início da medicação antituberculosa. Outro aspecto a ser comentado é a imagem tomográfica, que revelou pneumatização normal da mastoide, não esperada em casos de OMCS, devendo alertar o médico a possibilidades diagnósticas mais raras.3


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Condições imunossupressoras, como lúpus e outras doenças autoimunes, assim como o uso de corticoide, associadas ao comportamento atípico das otites ou outras infecções otorrinolaringológicas, devem alertar o médico para infecções específicas, dentre elas, a tuberculose.


CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.


REFERÊNCIAS

1. Pereira JCB. Associação entre lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose - revisão crítica. Rev Port Pneumol. 2008;14:843-55.

2. Sousa DC, Medeiros MMC. Lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose renal: descrição de nove casos. Rev Bras Reumatol. 2008;48:2-6.

3. Pinho MM, Kós AOA. Otite média tuberculosa. Braz J Otorhinolaryngol. 2003;69:829-37.

4. Sens PM, Almeida CIR, Valle LO, Costa LHC, Angeli MLS. Tuberculose de orelha, doença profissional? Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74:621-7.

5. Juanet JI, Acuña A, Casar C. Otomastoiditis tuberculosa: a propósito de un caso. Rev Chil Enf Respir. 2011;27:43-8.

6. Ministério Da Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Nota técnica sobre as mudanças no tratamento da tuberculose no Brasil para adultos e adolescentes, 2009. Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_tecnica_versao_28_de_agosto_v_5.pdf










Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil

Autor para correspondência.
S. Hirata
E-mail: s_callefihirata@hotmail.com

Recebido em 28 de agosto de 2012.
Aceito em 23 de março de 2013.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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