ISSN 1806-9312  
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455 - Vol. 68 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2002
Seção: Relato de Caso Páginas: 598 a 603
Um Caso Particular de Granuloma de Sílica na Mucosa Nasal
Autor(es):
Ivo Bussoloti Filho 1,
Alessandra E. da Silva 2,
Arnaldo Szajubok 3,
Carmen L. P. Lancellotti 4

Palavras-chave: sílica, silicose, pneumoconiose, perfuração de septo nasal, doença granulomatosa nasal, rinite.

Keywords: silica, silicosis, pneumoconioses, septal perforation, nasal granulomatous disease, rhinitis

Resumo: A silicose é uma doença granulomatosa que acomete o pulmão de pessoas expostas a cristais de sílica, porém não encontramos na revisão de literatura outro caso acometendo a mucosa nasal. Trata-se de uma paciente de 46 anos que começou a apresentar queda de dorso nasal em área K e rinorréia sanguinolenta, tendo evoluindo para perfuração de septo; ao exame a mucosa apresentava aspecto granuloso de onde foi colhido material para exame anátomo-patológico que revelou cristais de sílica em meio a processo inflamatório linfoplasmocitário. Não foi encontrada a forma de exposição à sílica nessa paciente, que depois de um período de 3 anos sem sintomas, sem formação de crostas nasais ou alteração do aspecto externo da pirâmide nasal, foi submetida à rinoplastia para correção do afundamento em dorso nasal. Esse caso não deve ser considerado apenas como curiosidade, mas como uma doença cuja patogenia não está esclarecida.

Abstract: Silicosis is a granulomatous disease affecting lungs in people exposed to silica particles, however it has never been described affecting the nasal mucosa. The authors report a case of a 46-years-old female patient, with a saddle deformity in the K area of the nasal dorsum associated to bloody rhinorrea, and developing a septal perforation. The nasal mucosa revealing a granulous aspect where a biopsy was performed, that showed silica cristals and linfoplasmocitary inflammatory process. The patient denied contact with silica cristals. After three years without symptoms, crusting in nasal cavity or alteration of the aspect of the nasal pyramid, a rhinoplasty was performed. This case raises doubts about the pathogenesis of silicosis in airway cavities other than the lungs.

INTRODUÇÃO

A silicose é uma fibrose nodular do pulmão causada pela inalação de pó que contenha sílica livre (SiO2), sendo a mais comum e mais grave das pneumoconioses2.

Essa doença é encontrada em todo o mundo e, em especial, em pessoas que de alguma forma tenham contato muito estreito com a sílica livre, que é encontrada em grande variedade na natureza, sendo que a mais abundante e importante é o quartzo. É descrita desde a antiguidade, sendo que o tempo de exposição, a predisposição individual e os cuidados com o ambiente das pessoas expostas são os fatores que vão determinar a gravidade e evolução da doença4.

Quando o mineral que contém sílica é aquecido a temperaturas superiores a 1.000º C e pulverizado a dimensões menores do que 5 micra, torna-se mais patogênicos. Partículas maiores que 5 micra são capturadas pelo sistema mucociliar das vias aéreas superiores. Partículas menores do que 0,5 micra permanecem em suspensão e são expiradas3.

Mais de 80% das partículas maiores do que 6 micra são eliminadas pelas vibrissas das narinas ou pelo sistema mucociliar de vias aéreas superiores em algumas horas3.

Dentre as atividades que são consideradas de risco encontramos: mineração, perfuração de túneis, corte de minerais que contenham sílica, fabricação de cerâmica, porcelana, materiais refratários e abrasivos, preparação de molde de areia usado em fundição, demolição, revestimento de alto fornos2.

Mesmo materiais que contenham pequenas quantidades de sílica podem ser perigosas se são usados em ambientes que produzem grandes concentrações de poeira2. As pequenas partículas que conseguem passar pelas cavidades nasais atingem os alvéolos pulmonares e penetram no tecido intersticial do pulmão, onde são fagocitadas pelos macrófagos que se agrupam em focos ao redor de vasos linfáticos; a sílica livre tem um efeito tóxico seletivo sobre esses macrófagos que são lisados. Inicia-se então uma série de reações biológicas que levam à formação do nódulo característico, com proliferação de fibroblastos e formação de fibras colágenas. Com o contínuo acúmulo de SiO2 e destruição dos macrófagos há a fibrogênese e depósito de substância hialina sobre estas. Esta substância hialina é formada por complexo antígeno-anticorpo e complemento2.

A maior parte da sílica que chega ao pulmão é removida pelo sistema mucociliar1.

Macroscopicamente, o nódulo silicótico pulmonar é mais palpável do que visível, assemelhando-se a grãos de areia3.

O nódulo silicótico tem um diâmetro entre 0,3 a 1,5 mm, e apresenta uma aparência histológica inconfundível, de forma arredondada ou estrelada, com a parte central constituída por tecido fibro-hialino. A região periférica é bem delimitada do centro onde encontram-se fibras de reticulina, macrófagos, fibroblastos, linfócitos e plasmócitos. Os nódulos podem confluir-se formando massas arredondadas de até 1 cm de diâmetro3.

De grande importância no diagnóstico diferencial com outras pneumoconioses é a observação dos cristais birrefringentes de sílica nos nódulos, através do microscópio de luz polarizada3.
Ainda não é conhecido o principal fator para a produção de fibras colágenas, porém existe a suposição de um "fator de estímulo de fibroblastos", liberado pelos macrófagos que fagocitaram a sílica. Entretanto, mecanismos imunes devem atuar, pois é sabido que pacientes que desenvolvem a silicose normalmente apresentam aumento dos índices séricos de fator reumatóide e anticorpo antinúcleo3.
Pacientes portadores de Silicose com freqüência maior do que a habitual apresentam aumento de anticorpos antinucleares e maior incidência de associação com Artrite Reumatóide, Esclerodermia e Lupus Eritematoso Sistêmico2.

A manifestação da doença depende da duração e grau da exposição, além de algum tipo de predisposição individual; os sintomas podem aparecer em algumas semanas em casos de exposição a altas concentrações, sendo que alguns pacientes ficam assintomáticos por 10 anos ou mais; não existe tratamento medicamentoso específico para a Silicose, cabendo apenas o controle das complicações2.
A Silicose pode ser dividida em três formas evolutivas1:

1. Forma Crônica: é a mais freqüente nas exposições a baixas concentrações de sílica livre, por períodos longos com mais de 10 anos.

2. Forma Acelerada: ocorre em exposições a elevadas concentrações em período de 5 a 10 anos.

3. Forma Aguda: geralmente em jovens expostos a altas concentrações de partículas muito pequenas, mesmo em períodos muito curtos; acredita-se que haja uma participação imune importante que leva à insuficiência respiratória em poucos meses.

Outras doenças estão associadas à inalação de ar que contenha pó de sílica, como bronquite, tuberculose e câncer de pulmão2.

Apesar de ser uma doença encontrada em todas as partes do mundo, não encontramos na literatura pesquisada nenhuma descrição de tal acometimento da mucosa nasal, com a formação de granuloma por sílica.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Paciente chegou a nosso Serviço em abril de 1996. C.R.G., 46 anos, sexo feminino, natural de São Paulo, do lar.

Paciente começou a perceber a queda do dorso nasal há 3 anos, que evoluiu até a condição atual, estando inalterado há 2 anos. Nesse período houve apenas discreta obstrução nasal; apresenta ainda secreção sanguinolenta quando assoa o nariz. Nega qualquer outro sintoma otorrinolaringológico ou trauma local. Tabagista de 20 cigarros por dia; nega qualquer processo infeccioso ou contato com grupos de risco ou uso de drogas.

Ao exame físico, apresentava afundamento em dorso nasal, na junção das cartilagens laterais superiores com ossos próprios nasais; na cavidade nasal o septo nasal apresentava área de exulceração com fundo granuloso e recoberta por fibrina em áreas II e III. (Figuras 1 a 5)

Com a hipótese clínica de doença úlcero-granulomatosa, foram realizados: sorologia para sífilis, intradermorreação de Montenegro, pesquisa direta de fungos, pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes pelo método de Ziehl-Nielsen e hemograma, todos com resultados normais.

Tomografia computadorizada de seios paranasais apresentava discreta área hipodensa em seio frontal direito. Estudo radiológico convencional de tórax não evidenciou qualquer tipo de alteração em campos pleuro-pulmonares.

Realizada biópsia e material enviado para exame anatomopatológico: mucosa de vias aéreas superiores com intensa proliferação fibrosa e deposição de colágeno assumindo aspecto nodular, tendo em meio fendas transparentes. Há também infiltrado linfoplasmocitário em torno de nódulos, com macrófagos de citoplasma claro. Esse material quando observado sob luz polarizada revela presença de cristais característicos de sílica. (Figuras 6 a 8)

Diagnóstico: silicose em mucosa nasal.

Com esse diagnóstico a paciente foi interrogada a respeito da permanência em ambientes poluídos por agentes de qualquer natureza que pudessem oferecer risco. Inclusive foi exaustivamente pesquisado o contato com materiais que contivessem sílica, não tendo sido identificado qualquer fator que pudesse indicar o aparecimento da doença.

A paciente foi orientada a apenas realizar lavagem nasal com Soro Fisiológico 0,9%.
Continuou com a formação de crostas na região descrita, até agosto de 1996, quando se notou perfuração de septo na região aonde havia a exulceração; realizada nova biópsia nessa época com o mesmo resultado de Silicose em mucosa respiratória. Foi orientada a manter apenas a lavagem nasal com Soro Fisiológico 0,9%. (Figura 9)

A partir de outubro de 1996 não apresentou mais tecido de granulação na cavidade nasal e a paciente não relatou sintomas relacionados à perfuração do septo, que mantinha-se com suas bordas recobertas por mucosa com aspecto normal. (Figura 10)

Realizou-se pesquisa do Sistema Imune, tais como fator reumatóide, presença de células LE, fator anti-núcleo, para possível relação com doenças auto-imunes, não tendo sido nada encontrado.
Manteve-se sem qualquer sinal de atividade da doença até janeiro de 1999, sendo que tanto o aspecto externo quanto interno do nariz mantinham-se sem alteração.

Devido às queixas estéticas relacionadas à sela nasal, a paciente foi submetida a rinoplastia com colocação de enxerto de concha de pavilhão auricular em dorso nasal; durante esse procedimento nova biópsia foi realizada tendo resultado o mesmo diagnóstico dos exames anteriores.

Até janeiro de 2000 apresenta-se assintomática e a mucosa nasal não apresenta qualquer sinal de atividade da doença. (Figuras 11 a 14)


Figura 1. Visão frontal de paciente.


Figura 2. Visão inferior da paciente.


Figura 3. Visão lateral Direita.


Figura 4. Visão lateral Esquerda.


Figura 5. Aspecto da lesão inicial, com área de exulceração recobertra por fibrina.


Figura 6. Corte de mucosa nasal com nódulo silicótico


Figura 7. Corte de mucosa nasal com intensa proliferação fibrosa tendo em meio fendas transparentes.


Figura 8. Corte de mucosa nasal observado sob luz polarizada revelando presença de cristais característicos de sílica.


Figura 9. Perfuração de septo nasal, com borda recoberta por fibrina.


Figura 10: Perfuração de septo nasal, com borda recoberta por mucosa normal.


Figura 11. Visão frontal de paciente.


Figura 12. Visão inferior da paciente.


Figura 13. Visão lateral Direita.


Figura 14. Visão lateral Esquerda.


DISCUSSÃO

Apesar de a Silicose ser uma doença encontrada em todo mundo e descrita desde a antiguidade segundo Rosenman et al.4, não encontramos nenhuma referência na literatura exaustivamente pesquisada, do acometimento em mucosa nasal.

O epitélio respiratório da mucosa nasal é idêntico ao do epitélio brônquico, ocorrendo diferenças nas estruturas do córion, onde provavelmente encontra-se a explicação para a não ocorrência mais freqüente do processo inflamatório em resposta à sílica na mucosa nasal; talvez a imunidade local da mucosa nasal não seja estimulada a reagir à sílica, ou mesmo os cristais não encontrem um local para serem aprisionados e fagocitados. Na verdade o nariz, com todas as suas estruturas, funciona como defesa, filtrando e condicionando o ar inspirado; a mucosa nasal não pode reagir a todos os antígenos que aí chegam, e a sua função é eliminá-los.

O diagnóstico baseia-se no estudo anatomopatológico, onde encontram-se os cristais de sílica identificados à luz polarizada, junto com os outros elementos que caracterizam o processo inflamatório3, exatamente o que foi encontrado no material de biópsia de nossa paciente; nas três biópsias o resultado foi o mesmo, sendo afastados indícios de outras doenças associadas, ou mesmo outras doenças granulomatosas ou, ainda, neoplasias.

Além do tempo e intensidade de exposição à sílica, a predisposição individual é fator fundamental para o aparecimento e evolução da doença2, sendo que os pacientes portadores de silicose apresentam aumento de anticorpos antinucleares com freqüência maior do que o habitual e maior incidência de associação com doenças auto-imunes; seria de se esperar que a nossa paciente sendo acometida em região não usual tivesse uma grande alteração imune, mas a pesquisa nesse sentido não revelou qualquer anormalidade. Não apresentava também qualquer alteração pulmonar.

Segundo Coutinho et al.1, a silicose pode ser dividida em três formas de acordo com sua evolução: crônica, acelerada e aguda; se fosse possível fazer uma correlação entre a doença pulmonar e o acometimento nasal, a nossa paciente se enquadraria melhor na forma crônica, onde os pacientes ficam assintomáticos por períodos muito longos e a exposição à sílica não precisa ser tão intensa.

Não existe tratamento específico para a silicose2; a conduta baseia-se no afastamento do paciente da exposição ao cristal e controle de possíveis complicações, além do acompanhamento constante destes.
Desde a primeira consulta, a principal queixa de nossa paciente era a deformidade estética do nariz. Devido ao nosso desconhecimento da doença, tivemos como principal objetivo o entendimento de tal entidade, não muito conhecida dos otorrinolaringologistas, para melhor condução do caso. Como não existe tratamento específico, procuramos tentar descobrir onde houve o contato sem sucesso e observar a evolução, fazendo apenas o tratamento local sintomático.

Acreditamos que o contato dessa paciente com a sílica tenha sido até logo anteriormente à primeira consulta. Isto porque em poucos meses a atividade da doença que levou até a perfuração septal começou a diminuir, ficando quiescente. A paciente permaneceu dessa maneira aproximadamente 4 anos após a primeira observação.

Desde a primeira biópsia, o aspecto histopatológico foi idêntico em todas as amostras, não havendo qualquer alteração quanto à intensidade ou tipo do processo inflamatório.

A rinoplastia foi realizada por via extra-mucosa, com descolamento de pericôndrio e periósteo do dorso nasal e a colocação de enxerto de concha de pavilhão auricular autólogo. A paciente vai continuar a ser acompanhada em nosso ambulatório por tempo indeterminado com a finalidade de observarmos se houver recidiva da atividade do processo, ou o aparecimento de outra doença local ou sistêmica associada ao granuloma de sílica da mucosa nasal.

COMENTÁRIOS FINAIS

A Silicose Nasal é uma doença ainda não descrita na literatura e como tal não existe um entendimento de sua fisiopatologia e evolução.

Esse caso não deve ser encarado apenas como uma curiosidade, mas como um acometimento não usual de uma doença, isolada na mucosa nasal e cuja patogenia ainda não está esclarecida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Coutinho ZP, Castro HA, Algranti E. Pneumopatias Profissionais. In: Pneumologia, 4a Ed.; 1995. p. 729-743.
2. Mendes R, Carneiro APS. Doenças Respiratórias Ocupacionais. In: Doenças Pulmonares. Guanabara Koogan, 4ª Ed.; 1997. p. 807-853.
3. Robbins SL, Cotran RS, Kumar V. Enviromental Pathology. In: Pathologic Basis Of Diseases. WB Saunders Co., 3a Ed.; 1984. p. 767-795.
4. Rosenman KD, Reilly MJ, Kalinowski DJ, Watt FC. Silicosis In The 1990's. Chest 1997;111(3):779-786.




1 - Prof. Dr. Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
2 - Pós-Graduando na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
3 - Pós-Graduando na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
4 - Profa. Dra. e Chefe do Departamento de Patologia.

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