INTRODUÇÃOO zumbido é definido como a percepção sonora por um indivíduo na ausência de uma fonte geradora externa.
1,2 Acomete entre 14% e 32% da população,
3 podendo causar repercussões negativas na qualidade de vida, interferir na concentração, no sono, nas atividades sociais e até na estabilidade emocional.
1,4,5 É um sintoma complexo, pois costuma estar associado a outras queixas otoneurológicas, como perda auditiva, tontura e hiperacusia.
2 A hiperacusia é uma hipersensibilidade ao som, em que um estímulo sonoro comum é sentido como extremamente intenso ou desconfortante.
6 Jastreboff e Hazell definiram a hiperacusia como a manifestação de um ganho central aumentado das vias auditivas compreendida como um estado pré-zumbido, e em alguns casos o zumbido pode ser secundário a esse ganho aumentado.
7 A prevalência mais alta de hiperacusia em pacientes com zumbido, mesmo na ausência da perda de audição, sugere que há uma origem comum entre esses dois sintomas. Tanto a hiperacusia quanto o zumbido teriam origem no aumento do ganho central das vias auditivas, sendo o zumbido resultante do ganho central espontâneo e a hiperacusia do ganho central por estímulo sonoro.
8-10 Existem diferentes métodos de avaliação do incômodo pelo zumbido e pela hiperacusia, de escalas numéricas a escalas visuais analógicas (EVA). O Tinnitus Handicap Inventory (THI) é o método mais aceito para avaliar o zumbido, por ser de fácil aplicação, interpretação e por abordar vários aspectos da qualidade de vida do paciente.
11,12 Contudo, estudos prévios já demonstraram que a EVA, na qual o paciente classifica seu incômodo relacionado ao zumbido de 1 a 10, apresenta boa correlação com o THI.
11-15 O incômodo causado pelo zumbido pode ser bastante variável, e existem alguns fatores que parecem estar associados ao maior grau de incômodo, como a presença de estresse, transtornos psiquiátricos
16,17 e gênero feminino.
18-20 A idade também parece ter correlação com o grau de incômodo pelo zumbido, sendo pior em pacientes com mais de 50 anos.
21 Outro estudo mostrou que o grupo com idade entre 45 e 59 anos apresentou mais incômodo do que pacientes mais jovens ou mais idosos.
19 A relação da hiperacusia com o zumbido ainda não está clara. Encontram-se estudos que não mostram associação entre a presença da hiperacusia e o grau de incômodo pelo zumbido,
20,22 e outros em que o incômodo pelo zumbido foi maior nos pacientes com hiperacusia.
21,23 Este estudo tem o objetivo de avaliar a prevalência da hiperacusia em pacientes com zumbido e a sua relação com o grau de incômodo do mesmo.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram estudados pacientes do ambulatório de otoneurologia de um hospital universitário terciário atendidos nos últimos oito anos com queixa principal de zumbido na primeira consulta. Todos foram submetidos a questionário e a avaliação clínica e audiológica. O questionário se propôs a caracterizar tipo, presença de uni ou bilateralidade do zumbido, presença e grau de incômodo da hiperacusia, entre outras informações (fig. 1). A avaliação clínica incluiu exame otorrinolaringológico e neurológico, e a avaliação audiológica consistiu em audiometria tonal, logoaudiometria e imitanciometria.
Figura 1 Questionário utilizado para avaliação dos pacientes com zumbido. Além do questionário, o paciente graduava o grau do incômodo do zumbido e da hiperacusia com base na escala visual analógica.
Foram excluídos do estudo os pacientes com zumbido para-auditivo, presença de doença infecciosa em orelha média ou externa em tratamento e preenchimento incompleto do questionário.
O grau de incômodo da hiperacusia e do zumbido foi classificado utilizando a EVA (fig. 2).
Figura 2 Modelo de escala visual analógica utilizada. Quanto maior a escala numérica, mais acentuado o grau de incômodo.
Para a análise estatística foi utilizado o programa IBM SPSS 19. Foi realizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney para avaliar a correlação entre hiperacusia e incômodo pelo zumbido, e o teste Qui-quadrado para avaliar a presença da hiperacusia de acordo com o gênero, considerando significante o valor de p < 0,05.
O estudo foi aprovado pelo CEP da instituição sob protocolo nº 914/2011.
RESULTADOS Foram analisados prontuários de 309 pacientes, 169 (54,7%) do sexo feminino e 140 (45,3%) do sexo masculino (fig. 3). A idade variou de 17 a 90 anos, com mediana de 52 anos.
Figura 3 Distribuição por gênero dos pacientes com zumbido. Gráfico ilustra a distribuição dos pacientes por gênero, sendo 140 homens e 169 mulheres.
O grau de incômodo do zumbido variou de 1 a 10, sendo a mediana de 7 (mínimo de 1 e máximo de 10). Em 186 (60,2%) pacientes o zumbido estava presente bilateralmente, em 46 (14,9%) apenas na orelha direita e em 77 (24,9%) apenas na orelha esquerda.
A hiperacusia foi detectada em 57 (18,4%) pacientes, com intensidade variando de 1 a 10 e mediana de 5. A presença da hiperacusia foi mais frequente no sexo masculino, estando presente em 31 (22,4%) homens e em 26 (15,3%) mulheres. Não houve diferença estatisticamente significante entre os gêneros (p = 0,12) (tabela 1).
Não houve correlação significante entre a presença de hiperacusia e o grau de incômodo do zumbido, sendo este semelhante em pacientes com ou sem hiperacusia, com mediana de 7 em ambos os grupos (p = 0,587) (tabela 2).
DISCUSSÃO A hiperacusia pode ocorrer em diversas condições, como após estapedectomia,
24 episódio de paralisia facial,
25 trauma acústico,
26 em indivíduos com audição rebaixada ou normal.
A hiperacusia é mais frequente em pacientes com zumbido.
27 A prevalência de hiperacusia em pacientes com zumbido é bastante variável, porque existem diversas formas de se avaliar a hiperacusia e a correlação entre os meios de avaliação é em geral baixa.
6 Portanto, a prevalência da hiperacusia pode variar de 7,3%-79% dos pacientes com zumbido.
20,21,28-30 A relação do incômodo pelo zumbido com a presença de hiperacusia é controversa. Alguns autores não encontraram correlação significativa entre a gravidade do zumbido e a hiperacusia
20,22 enquanto Goldstein et al. descreveram essa correlação no seu grupo de estudo.
30 Em estudo com 37 pacientes, o grau de incômodo pelo zumbido avaliado pelo THI teve correlação com a presença de hiperacusia e com a presença de distúrbios do sono.
23 Outro estudo mostrou que a intensidade e o incômodo pelo zumbido foram maiores em pacientes com hiperacusia, vertigem ou perda auditiva.
21 Em nosso estudo com 309 pacientes não observamos correlação entre a presença de hiperacusia e o grau do incômodo pelo zumbido, assim como Dauman et al.,
20 e de Magalhães et al.,
22 embora os últimos tenham utilizado uma escala com quatro graduações para classificação do incômodo causado pelo zumbido e pela hiperacusia.
Vale ressaltar que este estudo avaliou pacientes com zumbido e que a hiperacusia nesses pacientes foi definida com base na anamnese. Não foram realizados testes como o LDL (loudness disconfort level), assim como em outros artigos de revisão sobre o tema.
20-23 Outros estudos com o a hiperacusia definida pelo LDL e com o uso de outros métodos para avaliação do grau de incômodo podem apresentar resultados diferentes dos aqui encontrados.
Consideramos que mais estudos são necessários para definir a relação do incômodo do zumbido com a hiperacusia, que ainda permanece controversa.
CONCLUSÃO A hiperacusia esteve presente em 18,4% dos pacientes com zumbido. O grau de incômodo pelo zumbido nos pacientes com hiperacusia foi semelhante ao dos pacientes sem hiperacusia.
CONFLITOS DE INTERESSE Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
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1. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil
2. Departamento de Medicina da Aeronáutica, São Paulo, SP, Brasil
Autor para correspondência.
A.C. Guimarães
E-mail:
alecgxl2@hotmail.comRecebido em 6 de agosto de 2013.
Aceito em 1 de outubro de 2013.