Só há uma área no país em que a área pública investe menos do que a iniciativa privada: a saúde. Estamos bem distantes, ainda, de um investimento de 9% a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde, como ocorre em países como Canadá e Reino Unido.
Faço esse preâmbulo para abordar um tema espinhoso para nossa categoria profissional: o programa Mais Médicos, que liberou a atuação de colegas estrangeiros no Brasil, sem a obrigatoriedade de prestarem e serem aprovados no exame Revalida. E que, para piorar o quadro, retirou dos conselhos médicos o direito de conceder registro profissional aos médicos estrangeiros.
É, portanto, um artifício nocivo, não somente aos médicos, tratados como vilões da saúde pública nacional, mas também aos pacientes, pois os profissionais que aderiram ao Mais Médicos são, em grande parte, cubanos, sub-remunerados e que desconhecem o idioma local e muitas das práticas da medicina moderna.
Os médicos brasileiros não aceitam trabalhar em localidades distantes porque elas carecem de infraestrutura básica, às vezes até de exames laboratoriais básicos. Em centenas de cidades, não há hospitais, tomógrafos, ultrassons nem simples aparelhos de raio-X. Ou seja, teríamos de trabalhar nessas localidades como pilotos de avião sem instrumentos, em voos cegos.
Na maior parte do Brasil, a propósito, também não há saneamento básico, coleta e armazenamento adequados de lixo, nem água tratada, conquistas civilizatórias fundamentais à saúde.
Além disso, nunca foi criada uma carreira pública para os médicos, como ocorre em outras áreas, antiga aspiração da categoria, que de fato poderia mudar o quadro de carência de profissionais em localidades distantes.
Lamentavelmente, em vez de encarar o problema de frente, planejar, investir e transformar esta triste realidade, o governo optou por criminalizar os médicos. É mais fácil, evidentemente, transferir responsabilidades do que assumi-las.
Não podemos aceitar, então, que coloquem este peso em nossos ombros.
Para fazer valer sua versão falseada da realidade, como em um jogo de espelhos distorcidos, o governo federal aposta na divisão entre os médicos, preceito este muito antigo, dividir para reinar. Temos, portanto, de nos unir para defender nossa reputação. E lutar para que todos os brasileiros tenham acesso ao que de melhor existe na saúde mundial.
Não se faz medicina sem médicos, não se faz medicina acusando médicos, não se faz atenção básica à saúde sem investimento.
José Eduardo Lutaif Dolci
Professor Titular e Diretor do Curso de Medicina da Santa Casa de São Paulo
E-mail: dolci@uol.com.br (J.E.L. Dolci).