INTRODUÇÃOPneumoencéfalo é uma coleção de ar intracraniana ocasionada por trauma, tumor, radioterapia ou infecção e, raramente, espontâneo. Neste último, está a hiperpneumatização mastóidea e formação de fístula entre a mastoide e região intracraniana
1,2. Um defeito congênito na mastoide, nas suturas tímpano-escamosa e tímpano-mastóidea permite o escape de ar para a cavidade intracraniana ou espaço subperiosteal mantido por mecanismo valvular
1,3.
Os sintomas ocorrem por compressão meníngea e do encéfalo. Existe risco potencial de meningite e sintomas neurológicos compressivos pelo aumento da aeração local
4,5.
O diagnóstico é feito por tomografia computadorizada. Nos 12 casos levantados na literatura, cefaleia, hemiplegia, otoliquorreia, alterações visuais, afasia e zumbido são descritos
1,5,6.
O tratamento visa controlar os sintomas e evitar complicações. O fechamento da comunicação da mastoide com a cavidade craniana pode ser realizado por "flap" ou fáscia muscular, cartilagem, cera óssea ou hidroxiapatita
3.
RELATO DO CASOMasculino, 35 anos, com plenitude auricular esquerda, obstrução e prurido nasal, sem rinorreia, há anos. Há 3 meses apresenta cefaleia parieto-occipital e mastóidea esquerda com piora à manobra de Valsalva, sem hipoacusia, autofonia, ou zumbido e crise súbita de cefaleia intensa. Negou trauma crânio encefálico. Exame físico sem alterações neurológicas e otoscopia normal bilateralmente. Exames audiológicos normais. A tomografia computadorizada de crânio evidenciou pneumoencéfalo extradural parietal esquerdo, hiperaeração mastóidea e comunicação extensa entre a mastoide e fossa craniana posterior (Figura 1A). Submetido à mastoidectomia subtotal com obliteração da comunicação entre mastoide e fossa posterior com retalho e fáscia muscular aderidos com cola fibrina (Figura 1B) e oclusão da tuba auditiva e antro esquerdos (Figura 1C).
Figura 1. A: Tomografia computadorizada do paciente, mostrando a comunicação entre a cavidade da mastoide e a fossa posterior (A); B: Intraoperatório da cirurgia de mastoidectomia mostrando a comunicação entre as células da mastoide e a fossa posterior (A); C: Oclusão da falha com retalho pediculado de músculo temporal; D: Pós-operatório de 6 meses mostrando o fechamento da comunicação, com oclusão da mastoide e orelha média (A) e absorção do pneumoencéfalo (B).
Obteve melhora importante da cefaleia em uma semana, mesmo com variações de pressão e manobras de Valsalva. A tomografia computadorizada após 6 meses mostrou remissão completa do pneumoencéfalo (Figura 1D).
DISCUSSÃOO pneumoencéfalo espontâneo relacionado à hiperaeração da mastoide é relato raro, com 13 casos descritos
1,3,4.
Ocorre entre 20 a 78 anos e o primeiro sintoma é a cefaleia à manobra de Valsalva. Alterações neurológicas, como afasia, hemianopsia, fístula liquórica otogênica e hemiparesias foram descritas em casos isolados. Sintomas auditivos como plenitude auricular e zumbido são raros
5,6.
Acreditamos que este seja o 14º caso de pneumoencéfalo descrito na literatura em paciente com cefaleia intermitente, piora com variações de pressão na tuba auditiva à manobra de Valsalva, plenitude auricular, autofonia diagnosticada quando da piora da cefaleia, sem outros sintomas, com somente em três casos na literatura com sintomatologia isolada, identificando provável existência do pneumoencéfalo antes do aparecimento dos sinais neurológicos ou cefaleia
4-6.
Questiona-se se a hiperpneumatização da mastoide relaciona-se à má formação do osso temporal e a cefaleia aos 20 e 40 anos de idade, quando há maior possibilidade de exposição a variações bruscas de pressão na orelha média e aumento da pressão intracraniana com cefaleia.
O tratamento proposto é a abordagem cirúrgica para aliviar a pressão intracraniana. Em quatro dos casos descritos, foi realizada a mastoidectomia com oclusão da tuba auditiva. Alguns casos necessitam abordagem cirúrgica via fossa craniana posterior, condutas conservadoras, evitando-se a manobra de Valsalva, e punção de alívio do pneumoencefalo. Com o fechamento da comunicação entre a mastoide e a cavidade craniana com retalho de músculo, fáscia muscular, cartilagem, cera óssea ou hidróxiapatita, a recidiva não foi relatada
4-6.
CONSIDERAÇÕES FINAISO pneumoencéfalo espontâneo tem relação com defeitos do osso temporal, a hiperpneumatização da mastoide com fístula para a cavidade craniana é fator determinante para sua formação. Os sintomas auditivos são raros. A cefaleia relacionada a variações de pressão atmosférica e manobra de Valsalva é um sintoma comum e de valor para o diagnóstico e tratamento adequado antes de manifestações neurológicas ou complicações.
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http://dx.doi.org/10.1212/01.WNL.0000033802.04869.14 1. Doutor em Ciências Médicas (Médico)
2. Doutor em Otorrinolaringologia (Médico Assistente do HCRP - FMRP - USP)
3. Professor Titular (Docente aposentado da FMRP - USP)
4. Doutor em Medicina (Professor Doutor, Docente da FMRP - USP)
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - Hospital das Clínicas (FMRP - USP).
Endereço para correspondência:
Miguel Angelo Hyppolito
FAEPA - HCRP - FMRP-USP
Av. Bandeirantes, nº 3900, 12º andar. Monte Alegre
Ribeirão Preto - SP. Brasil. CEP: 14048-900
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 29 de setembro de 2005. cod. 1460.
Artigo aceito em 16 de outubro de 2012.