INTRODUÇÃOO papilomavírus humano (HPV) é uma das causas mais comuns de infecção sexualmente transmissível em todo o mundo. Embora o nexo causal entre o HPV de alto risco e carcinoma cervical esteja bem estabelecido
1, a implicação desta infecção viral em carcinoma espinocelular da cabeça e pescoço (CECCP) permanece incerta. O Brasil apresenta uma das maiores incidências de CECCP do planeta, sendo estimados 20.280 novos casos em 2012
2.
Muito deste desconhecimento se dá pela falta de evidências conclusivas quanto à prevalência da infecção da cavidade oral pelo HPV. Os estudos existentes lançam mão de metodologias diversas, seja na amostragem ou na detecção do HPV, e acabam por trazer resultados diferentes.
Com base na literatura, os tipos de HPV de alto risco têm sido regularmente detectados em 16% a 33% em carcinomas espinocelulares (CEC) de cavidade oral, de 28,2% a 47% em CEC de orofaringe e de 13,8% a 48,5% em CEC de laringe
3.
Como observado nos carcinomas do colo do útero, os CECCPs HPV+ são adquiridos predominantemente por via de transmissão sexual
4,5. Todavia, especialmente em pacientes com papilomatose laríngea, uma transmissão vertical de mãe para fetos durante a gravidez e o parto possa existir, indicando que o papilomavírus humano pode ser transmitido tanto sexualmente como não sexualmente. Detecção do DNA HPV no líquido amniótico, nas membranas fetais, cordão umbilical e células trofoblásticas placentárias sugerem a infecção pelo HPV no útero, ou seja, transmissão pré-natal
6.
Uma vez que temos a disponibilidade de instrumentos de prevenção como a vacina contra o HPV
7, e considerando a lógica de que as políticas de saúde devem previamente determinar o impacto de qualquer intervenção de acordo com sua relação custo/benefícios, observamos que há a necessidade de estabelecer parâmetros regionais para escolher populações mais propensas para implementar políticas de prevenção de CECCP. Sabendo da dimensão continental do Brasil, o emprego de metodologia simples, rápida e eficaz de verificação da prevalência de HPV pode ajudar na condução de mais estudos em diferentes regiões do país e do mundo.
Os objetivos desse estudo foram: averiguar a utilidade do emprego de enxágue bucal com antisséptico oral para coleta de amostras em cavidade oral e orofaringe, comparando a prevalência do HPV na estudada com dados da literatura.
MÉTODOO presente trabalho foi realizado com prévia aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com número de protocolo: 419/10.
A população estudada participou do programa assistencial realizado em 2011 em Votuporanga (latitude 20º25'22" sul e longitude 49º58'22" oeste), São Paulo, Brasil. Toda a população atendida pelo programa assistencial teve avaliação otorrinolaringológica, independentemente da presença de queixas durante a anamnese e triagem. Foram arrolados no estudo todos os indivíduos participantes do programa assistencial realizado na cidade, que foram esclarecidos quanto à pesquisa e aceitaram participar após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos do estudo todos aqueles que não aceitaram participar do mesmo.
Homens, mulheres e crianças a partir de 4 anos de idade foram incluídos no estudo. Destes pacientes, foram coletadas amostras de células provenientes da boca e orofaringe obtidas por descamação após enxágue e gargarejo com antisséptico oral comercial (PLAX, Colgate, sem álcool). Os indivíduos foram orientados para evitar o consumo de qualquer tipo de alimento ou líquidos, além de serem removidas próteses dentárias cerca de 30 minutos antes da coleta. O participante foi então orientado para que fizesse um enxágue da cavidade oral com uma dose única de 15 ml do enxaguante bucal, bochechando vigorosamente por aproximadamente 15 segundos em toda a superfície da boca. Em seguida, foi orientado a inclinar a cabeça para trás e gargarejar por outros 15 segundos. Transcorrido esse tempo, a solução foi cuspida de volta ao tubo cônico de 50 ml previamente etiquetado.
Imediatamente após a coleta, todas as amostras foram mantidas em geladeira (4ºC) por um período máximo de 48 horas, quando então foram transportadas em ambiente refrigerado para a cidade de São Paulo e processadas. Os testes para extração de DNA e PCR foram realizados de acordo com protocolo rotineiro. O DNA foi extraído e purificado de acordo com instruções do
Roche's AmpliLute Liquid Media Extraction Kit (
Roche Mol Diagnostics, California, USA), sendo quantificado em um espectrofotômetro de espectro completo da fabricante Nanodrop
TM. Quantidades iguais de DNA foram submetidas à detecção de DNA de HPV e tipagem pela reação em cadeia da polimerase (PCR) com
Linear Array HPV Genotyping kit (
Roche Mol Diagnostics, CA, USA). Foram utilizados iniciadores biotinilados para uma região polimórfica de 450 pares de base de L1 do genoma do HPV e outro par de iniciadores para o gene de beta-globina humana, usado como controle da qualidade do DNA, seguindo instrução do fabricante. Esse método permite a detecção de 37 tipos diferentes de HPV e foi validado em diferentes estudos conduzidos pelo mundo.
RESULTADOSDe 166 indivíduos convidados para o estudo, 145 (87,3%) concordaram em participar, assinaram o termo de consentimento e foram incluídos no estudo. Foram coletadas amostras de 77 mulheres adultas entre 20 e 74 anos (idade média ± desvio padrão = 45,3 ± 15,4), 47 homens adultos entre 18 e 89 anos (idade média ± desvio padrão 51,4 ± 16,8) e 21 crianças entre 4 e 17 anos (idade média ± desvio padrão 10,1 ± 4,2). As características sociodemográficas da população participante do estudo estão na Tabela 1.
O DNA foi isolado com sucesso em todas as amostras. Além disso, todas as amostras apresentaram beta-globulina, indicando boa qualidade do material submetido à PCR. Foram obtidos três resultados positivos em adultos, com a prevalência de 2,4%. Os tipos de HPV encontrados foram HPV 55, em duas amostras, e HPV 58, em uma. Não foram observados resultados positivos em crianças (Tabela 2).
DISCUSSÃOEm estudo que avaliou a prevalência de infecção por HPV em mucosa oral e orofaríngea, em 1.688 homens saudáveis do México, EUA e Brasil, foi encontrado um número de 4% de infecções por HPV, sendo que 1,3% foram positivas para HPV-16, tipo mais prevalente nessa população
8. Considerando-se apenas adultos da população avaliada em Votuporanga, a prevalência de HPV foi de 2,4%. Na população infanto-juvenil, não foi encontrada a presença de HPV, resultado dentro do esperado, já que estudos demostram que é baixa a prevalência de HPV na cavidade oral de indivíduos menores de 18 anos, fator que pode estar relacionado ao aumento da prevalência encontrada em sujeitos que iniciaram a vida sexual
9. Nesse sentido, em estudo realizado com 4.150 crianças e adolescentes poloneses entre 10 e 18 anos a prevalência encontrada foi de 1,08%, sendo o HPV do tipo 11 o mais prevalente
10.
Em estudo realizado por Esquenazi et al.
11, foram avaliados 100 indivíduos sadios com o uso do método de escovado bucal e verificou-se 0% de prevalência de HPV. Da mesma maneira, em estudo realizado com 30 mulheres, que apresentavam verrugas genitais, pelo método de
swab, também não foram observadas amostras positivas
12. Em outro estudo, pelo método de
swab, foram detectadas 23,2% de amostras positivas para HPV em uma população de 125 indivíduos sem manifestação de lesões orais
13.
Kreimer et al.
8 utilizaram o mesmo protocolo para a coleta das amostras celulares de cavidade oral e orofaríngea adotado pelo presente estudo. Já no estudo realizado por Durzyńska et al.
10, o método utilizado foi o bochecho com 5 ml de solução salina. Outros estudos utilizam o método de
swab para a obtenção de amostras
11-13.
Das três amostras positivas do estudo, duas delas foram do tipo 55 e uma de HPV 58, coincidindo com os tipos também encontrados no estudo de Kreimer et al.
8, em homens adultos, e Durzyńska et al.
10, em crianças.
As principais limitações do presente estudo são com relação ao baixo número de participantes, na proporção entre adultos e crianças e mesmo na impossibilidade de caracterização da população sobre hábitos e comportamento sexual. No entanto, a metodologia empregada demonstra a viabilidade da condução de estudo sobre prevalência de HPV em uma região com baixos recursos tecnológicos, limitação de tempo e espaço, com resultados similares aos disponíveis na literatura.
CONCLUSÃOO método de coleta com o enxágue utilizando antisséptico bucal mostrou-se rápido e eficaz para a detecção de HPV na cavidade oral e orofaríngea, evidenciado pela presença de DNA em todas as amostras e pelo controle da PCR pelo gene beta-globulina, positivo em todas as amostras.
Foram encontradas três (2,4%) amostras positivas para HPV na cavidade oral e orofaríngea da população adulta participante do estudo e nenhuma amostra positiva para a população de crianças. Os tipos de HPV encontrados foram HPV 55, em duas amostras, e uma com HPV 58. Estes dados estão de acordo com a literatura, mostrando baixa prevalência de HPV em mucosa oral e orofaríngea de indivíduos saudáveis.
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http://dx.doi.org/10.1590/S1808-869420120004000131. Acadêmico de Medicina (Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo)
2. Ensino Superior (Colaboradora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo)
3. Doutorado (Colaboradora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo)
4. Doutorado (Professor Assistente de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo)
5. Doutorado (Coordenadora do Instituto do HPV (INCT-HPV), Santa Casa de São Paulo)
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).
Endereço para correspondência:
Vitor Breseghello Cavenaghi
Rua Cesário Mota Júnior, nº 112. Vila Buarque
São Paulo - SP. Brasil. CEP: 01221-020
Tel: +55 (11) 2176-7232.
E-mail:
cavenaghi.vb@gmail.comEste artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 3 de março de 2013. cod. 10630.
Artigo aceito em 29 de junho de 2013.
Esse estudo teve suporte financeiro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do HPV (INCT-HPV) através de recursos do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), processo 573799/2008-3, e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 57889-1.