INTRODUÇÃOOs linfangiomas são malformações do tecido linfático com distribuição, tamanho e características bastante variáveis, entretanto 75% dos linfangiomas são linfangiomas cérvico-faciais (LCFs) e geralmente de grandes proporções1. É estimado que 50 a 60% dos linfangiomas estão presentes no nascimento e aproximadamente 80 a 90% se manifestam até o final do segundo ano de vida2.
A despeito dos LCFs serem lesões congênitas, císticas e benignas, podem provocar graves deformidades estéticas, bem como o comprometimento das vias aérea e digestiva. O tratamento habitual do LCF é a exérese cirúrgica, que tem como pontos negativos: a dificuldade técnica em dissecar suas finas paredes císticas, o elevado índice de lesões vásculo-nervosas, o alto grau de recidiva e as deformidades estética e funcional. Estes pontos estimulam a busca de tratamento alternativo do LCF.
Alguns autores já demonstraram resultados e casuísticas alentadoras com o uso intratumoral do OK-432 em LCF3-5. O OK-432 (Picibanil, Chugai Pharmaceuticals Co, Tokyo, Japan) é uma mistura liofilizada de Streptococcus pyogenes do grupo A, tipo 3 de origem humana tratados com benzilpenicilina. O mecanismo de ação do OK-432 ainda não está bem definido como esclerosante; sabe-se que anafilotoxinas e fatores quimiotáctivos causam uma reação inflamatória, determinando trocas de populações celulares, ativando as células naturais Killer, citoquinas e produção de interleucinas que agem no endotélio causando a involução do linfangioma6. Com o objetivo de evitarmos um tratamento cirúrgico, potencialmente mutilante, avaliamos a eficiência esclerosante do OK-432 no tratamento do LCF.
MATERIAL E MÉTODOSEstudamos retrospectivamente seis crianças com diagnóstico de LCF, que foram tratadas em nossa instituição e pioneiramente no Brasil com OK-432, no período de 1997 a 2001. Os pacientes deste estudo foram identificados numericamente com os seus respectivos sexo e idade do início do tratamento. O diagnóstico foi baseado nas características clínicas dos pacientes e nos exames: ultrassonográfico (US), tomografia computadorizada (TC) e/ou ressonância magnética (RM). Deste modo, verificarmos e comparamos objetivamente as dimensões dos LCFs durante o tratamento com OK-432.
Através do estudo de imagem, os LCFs foram classificados quanto às dimensões de todo o tumor, bem como as dimensões de cada cisto em seu interior. Quanto a dimensão global do tumor, determinamos o seu maior diâmetro, e quanto à dimensão dos cistos, classificamos a sua morfologia em: macrocísticos, quando há predominância de cistos com diâmetros maiores que 2 cm na composição do volume geral da lesão, microcísticos, quando há predominância de cistos com diâmetros menores que 2 cm na composição do volume geral da lesão e mistos, quando é impossível determinar uma real predominância do tamanho dos cistos.
Quantificamos o volume aspirado do LCF de cada sessão de esclerose realizada com suas respectivas datas. Verificamos o numero de aplicações de OK 432 com os respectivos intervalos de tempo utilizados, sua evolução, intercorrências e o resultado final.
Para aplicação intratumoral de OK-432 utilizamos o seguinte método: após cuidadosa avaliação do US e/ou RM e/ou TC, identificávamos o maior cisto do LCF. Com a criança acordada e imobilizada introduzimos uma agulha numero 23 (acoplada em um cateter, BD Asepto) no interior do cisto, aspirando em uma seringa de 20ml todo o seu conteúdo, que era medido e desprezado. Preparávamos então, uma solução de 0.1 mg de OK-432 diluída em solução fisiológica a 0,9% no mesmo volume do conteúdo aspirado, desde que esse não ultrapassasse o volume de 20ml. Sem remover a agulha do interior do cisto puncionado procedíamos a infusão da solução de OK-432 repondo desta forma o mesmo volume retirado. Quando o volume aspirado do LCF era superior a 20ml, era injetado apenas 20ml de solução de OK-432. Ao término do procedimento a criança era internada para o acompanhamento das possíveis intercorrências.
Figura 1. Paciente 3 portador de linfangioma cérvico-facial, antes do tratamento com OK-432 em visão frontal.
Figura 2. Paciente 3 portador de linfangioma cérvico-facial, antes do tratamento com OK-432 em visão lateral.
Figura 3. Aspecto clínico do paciente 3 após um ano do tratamento com picibanil, em visão frontal.
Figura 4. Aspecto clínico do paciente 3 após um ano do tratamento com picibanil, em visão lateral.
Figura 5. Imagem tomográfica do paciente 3 antes do tratamento com 0K-432.
Figura 6. Imagem tomográfica do paciente 3 um ano após o tratamento com OK-432.
RESULTADOSApresentamos o aspecto clínico do LCF da criança 3 antes do tratamento com OK-432. O LCF ocupava praticamente toda região cervical à direita, atingindo também parte da face, junto a mandíbula, produzindo deformidade da comissura labial direita (Figura 1). No perfil da face da mesma criança, é possível notar que o LCF atinge o polo inferior da glândula parótida, elevando o lóbulo da orelha (Figura 2). Nas Figuras 3 e 4 observamos o aspecto clínico, na posição de frente e perfil respectivamente, da criança 3 após duas aplicações de OK-432. Observar o completo desaparecimento da lesão sem apresentar qualquer tipo de seqüela na face ou pescoço.
Na Figura 5 apresentamos o aspecto de um corte tomográfico antes do tratamento com OK-432 na criança 3. Pode-se observar nesta Figura como é bastante preciso os limites do LCF, e desta forma, determinar com precisão os diâmetros do tumor bem como o tamanho dos cistos em seu interior. Na Figura 6 observamos no mesmo corte tomográfico o resultado obtido um ano após o uso de duas aplicações de OK-432. Os resultados deste estudo encontram-se resumidos na Tabela 1.
Tabela 1. Identificação, classificação, tratamento, evolução e resultados obtidos nos seis pacientes tratados com OK-432.
Número, identifica cada paciente; Sexo, sexo do paciente; Idade, idades em que deram inicio ao tratamento, sendo a (ano) e m (meses); Tipo, tipo de cisto que foi classificado, podendo ser macro (macrocístico), micro (microcístico) ou misto; Número-Volume, numero de aplicações e o volume aspirado do LCF em cada sessão; Data-Diâmetro, a data de cada aplicação de OK-432 com o respectivo maior diâmetro do LCF encontrado em cada sessão; Intervalo, intervalo de tempo entre as aplicações; Resultado o resultado final obtido, classificado como regressão total ou parcial.
DISCUSSÃOO LCF é uma malformação linfática congênita, pouco comum, e que possui uma variedade de formas, locais, tamanhos e comportamentos distintos, o que leva esta patologia a ter várias denominações, bem como tentativas de classificações. As denominações mais comumente encontradas são: linfangioma, cisto linfangioma, malformação linfática, higroma, higroma cístico e cisto higroma. Entre estas nomenclaturas adotamos o termo linfangioma cérvico facial, uma vez que estudamos qualquer tipo de linfangioma que estiver contido na região da cabeça e pescoço. Quanto à classificação dos LCFs, Serres2 sugere dividi-los topograficamente em supra hióideos e infra-hióideos, outros estudos3-6 preferem classificar os LCFs quanto ao tamanho dos vasos linfáticos em microcísticos e macrocísticos, quando predomina a quantidade de vasos linfáticos menores e maiores que dois centímetros, respectivamente, e misto onde não é possível determinar qual tipo de cisto que predomina. Quanto ao tamanho do vaso linfático, preferimos adotar a nomenclatura de macro/microcisto e misto, pois consideramos a maneira mais simples e confiável. Alguns autores3-5 citam que esta classificação também ajuda no prognóstico dos LCFs, uma vez que as lesões classificadas como macrocísticas são aquelas que apresentam os melhores resultados com o uso de OK-432. Em nossa pequena amostra, este fato se confirmou nos pacientes 1, 3 e 5 que apresentaram regressão total do LCF, entretanto os pacientes 2 e 4 também apresentavam o tipo macrocístico e tiveram regressão parcial. Estes resultados entretanto podem mudar, pois os pacientes 2 e 4 receberam apenas três e uma aplicação respectivamente de OK-432, podendo receber outras aplicações e apresentarem total desaparecimento da lesão. Curiosamente, o único caso, paciente 6, que apresentava o tipo misto, com uma única aplicação de OK-432 apresentou regressão total da lesão.
Alguns estudos2 citam que o tratamento do LCF é um desafio devido ao potencial de infecção recorrente, comprometimento da via aérea superior, dificuldade para a deglutição e interferência com o desenvolvimento da fala normal. As seis crianças tratadas por nós apresentavam tumores volumosos (Tabela 1) que causavam grandes deformidades, entretanto em nenhum caso foi observado o comprometimento da via aérea ou digestiva. O nosso maior temor no tratamento destas crianças era justamente o risco de ocorrer obstrução das vias aérea e digestiva, pois sabíamos que o OK-432 produz um processo inflamatório que leva a um aumento do volume da tumoração, entretanto não podíamos prever o quanto. Desta forma todas as crianças foram internadas para observação e possível necessidade de intervenção com intubação traqueal, traqueostomia ou passagem de sonda nasogástrica. Para nossa surpresa, nenhuma criança precisou de qualquer uma destas medidas, ocorreu sempre um discreto e progressivo aumento do volume tumoral, durante dois ou três dias, acompanhado de discreta hiperemia local, que assim se manteve por um período variável, de quatro a sete dias, sem causar qualquer distúrbio na respiração ou deglutição. Após este período, ocorria o desaparecimento dos sinais flogísticos e as crianças recebiam a alta hospitalar. A única intercorrência observada em todas as crianças foi a febre de 38-39ºC que se iniciava aproximadamente após seis horas da aplicação de OK-432 e durava de dois a quatro dias.
A regressão espontânea do LCF é rara, entretanto é possível um aumento intermitente e rápido destas lesões causadas pelo trauma e infecção. O endotélio de revestimento destas lesões é vulnerável a infecção ou agentes químicos, assim, a infecção pode resultar em redução espontânea do tamanho do LCF, mas esta ocorrência é rara6. Em nosso estudo, a idade das crianças, quando iniciou o tratamento, variou de 45 dias a 11 anos sendo que quatro crianças apresentavam idade ao redor de dois anos (Tabela 1) e nenhum caso havia apresentado este tipo de evolução.
A resposta ao tratamento com OK-432 é um ponto enigmático. Alguns casos são aparentemente semelhantes, entretanto as respostas ao tratamento podem ser muito diferentes. Avaliamos alguns itens como tamanho, volume de líquido aspirado e tipo de LCF, bem como o número e intervalo de aplicações (Tabela 1) na procura de fatores prognósticos. Quanto ao tamanho do tumor, todas as crianças apresentavam tumores volumosos, entretanto a resposta ao tratamento variou muito de criança para criança e até mesmo em uma mesma criança. Tivemos paciente em que não obtivemos qualquer resposta após a primeira aplicação e posteriormente apresentou boa resposta as demais aplicações, paciente com resposta progressiva e paciente com regressão total em uma única aplicação. Quanto ao volume aspirado também não identificamos qualquer relação com a resposta ao tratamento. O intervalo de tempo entre as aplicações de OK-432 é outra incógnita; Ogita4 sugere em seu trabalho aplicações de OK-432 com intervalos de 3 a 6 semanas até a regressão total do LCF. Experimentou-se também, com bons resultados, aplicações com intervalos de apenas 14 dias, quando não era detectada qualquer resposta inflamatória após a injeção5. Em nosso estudo, devido a diversos fatores, ocorreu uma enorme variação de tempo nos intervalos das aplicações (Tabela 1), entretanto não foi possível chegar a qualquer conclusão.
CONCLUSÃOApesar da pequena amostra deste estudo, consideramos importante mostrar nossos resultados preliminares, com o uso pioneiro de OK-432 no Brasil. Observamos em todos os pacientes deste estudo uma regressão total ou parcial do LCF sem apresentarem complicações. Concluímos que o OK 432 é uma droga segura, eficaz e que pode ser utilizada como medida de primeira escolha no tratamento do LCF.
AGRADECIMENTOSAo Prof. Dr Antônio Carlos dos Santos, Coordenador do Serviço de Radiologia da HC-FMRP-USP, por sua valiosa colaboração.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Greinwald JH, Burke DK, Sato Y, Poust RI, Kimura K, Bauman NM, Smith JH. Treatment of lymphangiomas in Children: an update of picibanil (OK 432) sclerotherapy. Otolaryngology - Head and Neck Surgery 1999;121: 381-7.
2. Luzzatto C et al. Sclerosing treatment of lymphangiomas with OK-432. Arch Dis Child 2000; 82:316-8.
3. Mikhail M et al. Sclerosing of recurrent lynfangiomas using OK-432. J Pediatr Surg 1995;1159-60.
4. Ogita S, Tsuto T, Nakamura K, Deguchi E, Iwai N. Therapy in 64 patients with lymphangioma. J Pediatr Surg 1994;29:784-5.
5. Ogita S, Tsuto T, Nakamura K, Deguchi E, Tokiwa K, Iwai N. OK-432 Therapy for lymphangioma in children: why and how does it work? J Pediatr Surg 1996;31:477-80.
6. Serres LM, Sie KCY, Richardson MA. Lymphatic Malformations of the head and neck. A proposal for staging. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1995;121:577-82.
1 - Professor Doutor da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HC da FMRP-USP.
2 - Professor Doutor da Disciplina de Oncologia Pediátrica do Departamento de Pediatria do HC da FMRP-USP.
3 - Médico Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HC da FMRP-USP.
Instituição responsável: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.
Endereço para correspondência: Francisco Veríssimo de Mello-Filho, Rua Salvador Delloiagono, 70
Tel. (0xx11) 602.2801/2353 - Fax (0xx11) 602 2860 - E-mail:fdmfilho@yahoo.com
Prêmio de "Melhor Tema Livre", no VIII Fórum de Pesquisa Básica e Clínica em Câncer de Cabeça e Pescoço, 28 de Junho de 2001.